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A DOENÇA E A SAÚDE NA BÍBLIA É dentro do marco cultural egípcio, assírio- babilônico, hitita e grego que se desenrola a história do povo de Israel. E é também com esse marco que a Revelação de Deus surge para desenvolver o ministério da Salvação e iluminar todas as realidades humanas, entre elas e da enfermidade. A Bíblia – todos o sabemos – não é um livro de história, nem de ciência. É um livro religioso, que quer mostrar as obras de Deus e de seu povo. Em seu primeiro livro, a Bíblia inicia o seu roteiro revelador de forma catequética, mostrando uma visão paradisíaca do mundo e do homem, para ensinar que Deus criou o homem, para ser feliz. A fadiga, a dor, a morte e todo tipo de mal não estão nas intenções do Criador. Enfermidade – Encontramos na Bíblia, com freqüência, referência ao sofrimento. E podemos ver que o Livro dos Livros toma a sério o Sofrimento humano. Não dissimula, vê nele um mal que não deveria existir. A enfermidade se apresenta na Bíblia como um estado de debilidade e de fraqueza, o pior de todos os males. Leia, por exemplo, Ecl. 30,17 e 31,2. Enfermidade e pesado – O homem bíblico é profundamente religioso. Interessa-lhe mais o significado da enfermidade para o homem que a padece do que a enfermidade em si mesma. O mundo semita antigo considerava a doença mais do ponto de vista teológico e religioso que médico. Dentro de uma concepção cosmológica criacional – em que todas as coisas que acontecem dependiam de uma causa divina – e de um credo religioso profundamente monoteísta, como é o bíblico, pode-se até compreender o fato de se atribuir também os males ( e entre a doença) à ação de Deus. A idéia de justiça, e consequentemente de retribuição, é uma exigência natural do espírito humano. Nada é, pois, tão claro para os hebreus, que possuem uma idéia de justiça divina fundamente gravada em suas mentes. Porque levam firme os conceitos de prêmio e castigo, acreditando também firmemente em um Deus justo, vêem a Deus como um remunerador. A história do povo de Israel, depois da posse da terra de Canaã, se reduz a um pragmatismo de quatro tempos: pecado-castigo-penitência-libertação. Surge, então, a concepção da doença como um castigo do pecado. Veja 2 Cor 26,16-20; 1Sam 5,6; Jo 9,2; Lev 26,25; Dt 28,21; 22,27-29. E essa idéia ainda transparece mesmo em nossos dias. No Antigo Testamento, a enfermidade, como castigo de Deus pelos pecados que o homem comete, é sinal de ira do Senhor. A partir da Aliança, o castigo adquire outros sentido: é uma justa represália de Deus contra a infidelidade do povo que escolhera como seu eleito. Não se desenvolve ma Bíblia qualquer estudo sobre possíveis causas das doenças. Por isso, os nomes que encontramos, identificando os males, são bastante primitivos, genéricos, com raras variações ( Dt 28,27; 2 Rs 20,7; Lev 26,16; Prov 3,8; Jer 21,7; Is 1,6). Ninguém deve estranhar, porém, pois certamente se sabia pouco sobre as doenças, e o desconhecimento quanto às suas causas impedia os progressos da ciência para combatê-las. A cura – Não há como afirmar, contudo da doença. Ao contrário, valoriza a saúde. Sustenta que a sabedoria e a saúde andam de mãos dadas (Prov 3,8;4,22; 14,30), que a saúde é um benefício de Deus ( Eclo 34,20). Vários salmos são orações dos enfermos pedindo a cura. E nem a Bíblia proíbe buscá-la através da práticas médicas ( Tob 11,8; Jer 8,22), embora condene os sortilégios ligados aos cultos idolátricos ( 2 Rs 3,17 ).


Note-se que, para o povo bíblico, a cura deveria ser obtida em primeiro lugar pela oração (2 Sam 12,15-23), e os profetas são convidados pelo povo e orar pelos doentes ( 1 Rs 17,17-24; Is 38, 1-6). No Novo Testamento, encontramos o sentido profundo da doença, que nos ajuda a compreender o sofrimento humano. Os Evangelhos chamam, fartamente, nossa atenção para isso, citando repetidamente o grande número de doentes que procuravam Jesus, aos quais ele atendia com a cura. Dentre seus milagres, é a cura de doentes que mais se destaca. E a atitude mais característica e marcante de Cristo diante dos enfermos é a de compaixão e piedade, levando-o a aliviá-los de seus sofrimentos. Jesus desaprova a idéia de que a doença sobrevém como castigo divino, em razão do pecado ( Jo 9,3). Um dos sinais do Reino de Deus é exatamente a cura dos enfermos, que não se restringiu à vida terrena de Cristo, mas fazia parte da missão confiada aos apóstolos ( Mc 10,1; At 3,1-6). Saúde – Na Bíblia, a saúde tem muito a ver com a vida. Por isso, ela é envolvida com o mesmo respeito, quase sagrado, com que se tratava da origem da vida ( Sl 13,9; Sab 7,1-6). Deus é o Senhor do povo de Israel, o autor da vida. Tudo está em suas mão: portanto, também a saúde ( Dt 32,29; I Sam 2,5; 2 Rs 5,7). A palavra saúde, no sentido bíblico, envolve igualmente a idéia de salvação. Inclui a saúde da alma e do corpo, do espírito e da matéria, sem estabelecer separações. Por isso, quando a Bíblia fala em salvação, convém sempre lembrar a origem a origem bem material da palavra: a saúde. A palavra hebraica para saúde tem sua raiz em shalom, que significa ficar inteiro. A saúde é sempre encerada pela Bíblia com algo muito importante, essencial. Veja Ecl 30,15-16. Para reflexão em grupo . em que sentido a concepção bíblica de enfermidade e saúde ilumina nossa ação pastoral? . qual a concepção que o povo tem, hoje, sobre doença e saúde? . como desenvolver um trabalho pastoral que leve em consideração o ser humano na sua globalidade? Sidney Carlos Destri – Sacerdote camiliano da Comunidade de São Paulo.

ÉTICA E SAÚDE SEICHO-NO-IÊ NO HOSPITAL: RELIGIÃO OU FILOSOFIA? Após o Concilio Vaticano II, os católicos deixaram de fazer proselitismo, mas a Pastoral Hospitalar está enfrentando desafios do proselitismo por pane de numerosas seitas que nem sempre se identificam corretamente como as religiões alternativas que são. O caso típico é da suave militância da Seicho-no-iê, comunidade muito ativa no ambiente do hospital brasileiro. Ela não se apresenta com a agressividade dos contemptores do cristianismo. Pelo contrário, saúda os doentes católicos com a proposição de receitas técnicas de relaxamento e higiene mental, com conselhos de pensamento positivo e de paz, com exortações tolerantes. Esta agremiação foi fundada em 1930 pelo japonês Masaharu Taniguchi, autor de centenas de livros que pretendem que a matéria não possui existência real, que o mal - e portanto a doença não tem tampouco consistência - verdadeira. Dissolvem-se também qualquer divindade pessoal e o pecado. Cabe ao crente convencer-se a entrar no combate ás ilusões, por meio de muita fé na


palavra do iluminado Tartiguchi (mono há pouco), que desvela, por detrás do Fenômeno ilusório, a Realidade, o Jissô, filho perfeito - ainda que um pouco nebuloso - da Divindade mal definida. Mas por que confiar mais em Maniguchi do que na Igreja Messiânica Mundial ou no Movimento da Perfect Liberty? Talvez porque se atribui mais milagres de cura (como provar?). De fato, a Seicho-no-iê atrai porque se expressa com voz mansa e empresta elementos familiares a muitas religiões, inclusive ao judeu-cristianismo (com a duvidosa homogeneidade dum sincretismo). Como repudiar a priori quem nos fala em Cristo, instrumento do Jissô (como o Verbo de São João é instrumento e enviado do Pai), e nos promete a cura total de nossas doenças, evitando as incertezas da medicina oficial? Lugar predileto do proselitismo da Seicho-no-iê é logicamente o hospital, sobretudo o público e dos pobres. Aí apresenta-se como simples filosofia da vida. Será? Qual é seu conteúdo exato? As raízes orientais do misticismo de Mestre Taniguchi carregaram-se no Brasil com aportes sincréticos do judeu-cristianismo, iscas enganosas. No Japão, como em outros países, a Seicho-no-iê é devidamente registrada como religião que é, mas o latino-americano de tradição cristã não gosta de renunciar à identidade nacional vinculada à figura de Cristo. Quem recebe o «Acendedor» no hospital, de graça, está assegurado que pode ficar com suas crenças. O Jissô é essa força ao alcance de qualquer paciente ou leitor que desejasse tranqüilidade de alma e saúde do corpo. A leitura do fascículo parece mais insípida do que perigosa. A não ser que introduza aos poucos em caminhos mais comprometidos, indo substituir pela palavra e a reunião uma religião promissora a uma prática desgastada. Menos insidiosos são as testemunhas de Jeová o os adventistas dos últimos dias, ao pedir uma escolha mais nítida. Aliás, a mentalidade oriental não é exatamente uma oposição radical à cultura ocidental cristã; com suas antigas raízes, propõe outro caminho. A avaliação da compatibilidade é tão pouco óbvia que ainda hoje há pensadores cristãos que acham a filosofia zen, ramo do budismo, perfeitamente compatível com o cristianismo; outros, não menos informados, acham que sua lógica profunda é divergente. Religião é sabedoria; mas a sabedoria, sobretudo tratando-se de sabedoria tão alienígena quanto a sabedoria oriental, desemboca sempre em determinada religião? A decisão pertence geralmente às pretensões da instituição a que leva determinada corrente de pensamento: instituições religiosas são incompatíveis. O traço mais geral das religiões é seu cunho cósmico, que almeja apaziguar o sujeito, mergulhado nas forças da Natureza que o envolve, donde ele emergiu, sem referência a um salvador externo que representaria uma Transcendência nem cósmica nem histórica. A história personaliza, o judeu-cristianismo personaliza, a religião cósmica em geral despersonaliza. Assim funciona a Seicho-no-iê; mergulha seus seguidores no dinamismo das forças naturais, do Jissô, fora da encenação dramática duma história irreversível, fora do horizonte do pecado. Seu primeiro passo consiste em tranqüilizar o espírito inquieta, em cultivar sua esperança, produtora da cura, desde que haja fé bastante. Acreditamos mais facilmente naquilo que melhor sintoniza com nosso desejo profundo - saúde, vida, prosperidade, harmonia. Num segundo passo, o novo crente pode ver-se envolvido numa comunidade que possui mais dogmas do que estava anunciado, mais ritos do que deixava suspeitar. Por trás da ajuda de pessoa a pessoa, escondia-se uma organização mandante, uma instituição controladora e planejadora. Os cristãos não ignoravam o esquema. O doente comum é pouco preparado a decidir se uma proposição de conforto psicológico é


de simples bom-senso, ou dimana duma honrável técnica de relaxamento ou pertence a uma estrutura religiosa de exclusão. A civilização mediática nos propicia algumas riquezas de outras culturas. Sem guias, a escolha pode ser arriscada: não é fácil distinguir uma técnica holística (que pretende englobar as várias dimensões do ser humano) e uma filosofia de vida, uma filosofia de vida duma religião. As excentricidades do movimento Hare-Krishna podem atrair alguns, enquanto afugentam outros: sobre que critérios? O hinduísmo, os hinduísmos, são cristianizáveis? Quisemos apenas chamar a atenção sobre as implicações mais ou menos profundas das muitas metodologias que hoje investem no campo da saúde. Nem recusa sistemática, nem ingenuidade. Hubert Lepargneur – Sacerdote Camiliano, teólogo moralista, São Paulo

AIDS A AIDS (síndrome da Imunodeficiência adquirida), causada pelo HIV (vírus da Imunodeficiência adquirida), é atualmente gravíssimo e muito preocupante problema médicoassistencial, em vários países, decorrendo essa pessimista conotação do grande número de pessoas acometidas, da fácil disseminação e do inexorável decurso evolutivo para a morte. No Brasil, esse percalço também está lamentavelmente presente, gerando adicional e quase insuportável distúrbio na área da saúde pública. O HIV é disseminado fundamentalmente por esperma ou sangue, e transmissão sexual droga-hemoterapia constitui a tríade valorizável quando a inadiável prevenção representa compreensível desígnio, já que, além da veiculação venérea, participam as injeções praticadas por viciados, com agulhas e seringas «comunitárias», e transfusões de sangue ou derivados. Sem dúvida, nesse contexto, o grande e maior perigo é a transmissão sexual, detectada como responsável pela magnitude da influência do HIV. Se considerarmos a relação dos indivíduos com AIDS, no Brasil, verificaremos a especificação a seguir exposta: I) transmissão sexual (contato homossexual; contato bissexual; contato heterossexual), 77,6% li) transmissão sangüínea (uso de droga injetável; transfusão de sangue ou componentes; hemofilia), 14,7%; III) não definida ou outra, 7,2%; IV) transmissão perinatal, 0,5%. A análise desses fatores realça a proeminência do item I, mas paralelamente é lícito destacar que, na retaguarda dos II, III e IV, encontramos comumente a responsabilidade da contaminação pelo esperma, salientando a indiscutível e preponderante difusão através de relações sexuais. Depois dessa introdução, desejo, com as presentes ponderações, acima de tudo contestar argumentação de homossexuais, bissexuais, entidades que congregam essas pessoas e determinados indivíduos que buscam notoriedade ou vantagens por intermédio da AIDS, segundo a qual a enfermidade não é mal vinculado à sexualidade. Para enfrentar a afecção, afigura-se imperioso demarcar a epidemologia a ela pertinente, incluindo os fatores de risco. Está evidente, como ficou ressaltado, a preponderância causal da transmissão sexual, que exige mudança de comportamento, no âmbito da profilaxia. É obrigatório deixar de lado escamoteamentos e respeitar as instruções adiante recordadas, estipuladas pela Comissão de AIDS da Secretaria de Estado da Saúde, de São Paulo, para coibir contágios pelo relacionamento sexual: . destacar que é o grande perigo; . frisar que o relacionamento sexual deve ocorrer com parceiro único e exclusivo;


. salientar o risco do relacionamento sexual indiscriminado; . salientar o risco relacionamento sexual promíscuo; . salientar a importância do relacionamento sexual calcado na afetividade e responsabilidade; . informar que qualquer tipo de relacionamento sexual possibilita a transmissão, sendo o coito anal mais arriscado; . salientar a estrema gravidade da infecção; . informar que o correto uso da camisinha (camisa-de-vênus, cóndon) é recurso preventivo valioso, mas não infalível, deixando claro que se trata de um detalhe, não estimulador da liberdade, no conjunto das medidas recomendáveis; . evitar tom moralista no trabalho educativo e informativo; . destacar o direito á vida, quando em foco a saúde pública; . reconhecer a necessidade de educação adequada, quanto à sexualidade, nas escolas, desde o primeiro grau. Caso homossexuais, bissexuais e associações que os congregam insistam em não cooperar, impedindo a disseminação da AIDS, interpreto como válida a cobrança, por parte da comunidade não envolvida na transmissão, dos enormes gastos exigidos à abordagem da enfermidade, cabendo aos grandes veiculadores do HIV, e aos órgãos nos quais uniram, os necessários. No campo da saúde pública, as responsabilidade e ações apropriadas devem derivar de consenso e não de pretenso e errôneos direitos individuais.


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