A UNÇÃO NA HISTÓRIA DA IGREJA Sidney Destri Para refazer a história da Unção dos Enfermos, temos duas fontes de pesquisa: os textos litúrgicos e os escritos eclesiásticos. Textos litúrgicos - O mais antigo documento litúrgico que encontramos é a bênção do óleo na «Tradição Apostólica de Hipólito», onde te faz menção ao óleo dos enfermos. Esse texto é de autoria de Hipólito, um sacerdote romano do século III, Também são dessa época outros documentos que praticamente repetem a oração da «Tradição Apostólica de Hipólito», como os encontrados no Egito e na Síria, chamados de «Eucológio». Outra fórmula é romana e tem por nome a palavra latina «Emitte». Esta é do século V e aparece ainda hoje, embora de forma ligeira, no rito da bênção do óleo. Nela pede-se que o óleo receba eficácia para ser alívio para o corpo e o espírito. Já na Idade Média, fins do século VII e começo do VIII, encontra-se um outro texto litúrgico conhecido com o título «Intuo nomine», de origem gàlico visigótica. Aqui, Cristo é o médico de todas as nossas enfermidades, e pede-se que envie o seu Espírito a fim de transformar o óleo em remédio de seu poder. Em Milão, no século IX, utilizavam-se três fórmulas. A mais significativa é conhecida como o texto «Domine sanctae gloriose». Não contém nada de especial sobre a bênção do óleo, mas pede-se, na oração, a cura das enfermidades e declara-se a luta contra o demônio, apontado como a causa das enfermidades. Tudo indica que ela se inspira numa fórmula romana. Finalmente, outro texto que nos interessa é o da liturgia visigótica, que se chama «Domine Jesu Christi», do século IX. A oração se dirige a Jesus Cristo, a quem se atribuem as palavras de cura do apóstolo Tiago. Estes poucos textos nos apresentam o Sacramento da Unção dos Enfermos sendo admitido oficialmente e acompanhado de um rito dirigido pela Igreja, sobretudo na bênção do óleo, Esta bênção estava reservada, em Roma, ao bispo e, na França, a qualquer sacerdote. Acabou impondo-se a disciplina de Roma, Ali, benzia-se o óleo em qualquer dia, mas, a partir do século VII, passou« a fazê-lo somente na Quinta-Feira Santa, pelo papa, bispos e sacerdotes concelebrantes, Mais tarde, a bênção ficou reservada somente ao bispo. A utilização do óleo bento era feita pelos fiéis, admitida e aprovada canonicamente para todas as Igrejas do Ocidente, Esta prática se prolongou até a época carolíngea, e depois foi reservada ao sacerdote. Textos eclesiásticos - A maioria deles é constituída de comentários ao texto de São Tiago e se reveste de um caráter doutrinal e disciplinar; alguns provêm de representantes da Igreja docente, papa e bispos, Inocente I, em sua resposta escrita no ano de 416 a Docentius, bispo de Gubbio, precisa que o ministro da Unção pode ser o sacerdote, desde que o bispo se encontre impedido por causa de outras ocupações. O destinatário da Unção é o enfermo. São Cesário de Arles ocupa-se com a Unção em três sermões (13, 52 e 184) nos anos 503 e 504, As idéias do santo são de que o enfermo deve pedir a Unção aos padres e não recorrer a curandeiros. São Cesário estimula a Igreja, quanto ao Sacramento, a lutar contra as práticas pagas e mostra os efeitos da Unção : a cura do corpo e o perdão dos pecados. Outro texto escrito em 540 a 570 é o de Cassiodoro: com reflexões sobre a Carta de São Tiago, não acrescenta novidade, mas repete as mesmas idéias do apóstolo. Encontramos numa biografia de Santo Eloy, que foi bispo de Noyon (nascido por volta de 540 e falccido em 660), um sermão que data do século VIII com uma indicação muito clara sobre a Unção dos Enfermos. Apresenta idéias idênticas às de São Cesário e deve ter sido escrito em circunstâncias semelhantes, ou seja, a procura de curandeiros por parte dos doentes. Beda, o Venerável (672-735), se ocupou com as Ocasiões da Unção, comentando textos bíblicos que se referem a ela. Para concluir, convém ressaltar as linhas mestras da reforma litúrgica carolingea, que compreendeu uma reforma da liturgia dos Sacramentos, especialmente a Eucaristia, a Missa e a Unção dos Enfermos. O mais importante, no que diz respeito á Unção, é o passo dado de um simples rito de bênção do óleo para o rito da Unção dos Enfermos. Até o século VIII, a Igreja não dispunha de rituais para a Unção. A sistematização do rito da Unção, no século VIII, fez sentir a necessidade de prover-lhe um ritual. Existem vários tipos de rituais que nos indicam a evolução constante do Sacramento da Unção dos Enfermos. Houve mudanças constantes na concepção dos efeitos do Sacramento e dos seus destinatários. Para refletir: . no passado, a Igreja soube reformular sua concepção do Sacramento dos enfermos, bem como sua orientação pastoral. O que fazer, hoje, para que ele se torne um instrumento de evangelização? . como tomar este Sacramento mais compreensível e mais acessível a todos os doentes da comunidade?
POR QUE A CRUZ? A compreensão comum da piedade cristã interpreta a crucificação de Jesus como um sacrifício exigido pelo Pai e necessário para nossa salvação. Esta interpretação só é legítima e compreensível se, previamente, fizermos um a reflexão de ordem histórica, na qual a crucificação de Jesus aparece como desfecho e conseqüência de uma vida e de uma práxis perigosa para o status religioso e social daquele tempo. Caso contrário, corremos o risco – e isso não é intencionado pela fé – de apresentar o drama da paixão de Cristo como um acontecimento supra-histórico onde os atores, Jesus, Judas, Pilatos e os jjudeus, aparecem como marionetes a serviço de um plano previamente ordenado, onde não há responsabilidades. Segundo tal compreensão, a Jesus nada cabia senão ajustar-se, resignar-se e ser paciente como um cordeiro levado ao matadouro. Judas e Pilatos também deveriam agir assim em seu papel de condenadores? Aqui sentimos o limite deste tipo de leitura. Quando não se reflete sobre as mediações concretas que levaram Jesus à morte, facilemnte se abre o flanco para a manipulação do tema do sofrimento e da cruz em vista a justificar situações que injustamente provam sofrimento e morte. A meditação da cruz de Cristo, ao invés de levar à superação das cruzes na vda humana, pode gerar um dolorismo que oculta a iniqüidade daqueles que produzem cruz e morte dos outros. Devemos, primeiramente, deixar claro que a morte de Jesus foi um crime; somente em seguida, cabe uma reflexão teológica que busca inserir tal fato no desígnio transcendente de Deus. De todas as formas, a cruz e a morte violenta jamais são glorificadas nelas mesmas. Uma morte humana Antes de mais nada, cumpre afirmar que a morte de Jesus foi humana; situa-se dentro de um tipo de comportamento divergente, de um engajamento e de exigências que provocaram as forças religiosas e políticas do tempo a ponto de, para salvar o sistema, condenarem Jesus. Há vários motivos, dos quais ressaltamos apenas alguns. Em primeiro lugar, se trata de uma questão teológica, pois Jesus, fundamentalmente, é condenado por blasfemo: apresentaou um Deus diferente daquele da tradição farisaica, que era dominante na época. O Deus de Jesus é Pai de infinita bondade, que “ ama os ingratos e maus” e privilegia o f ilho pródigo e a ovelha perdida. Deus que quer ser servido nos outros, especialmente nos mais oprimidos. Jesus se enfrenta com os piedosos, cuja hipocrisia consistia em apresentar um Deus sem as exigências da justiça e da misericórdia. Deste DeusPai, Jesus se sente Filho e deixa entrever uma relação de tal maneira íntima que invadia o espaço da Divindade, rompendo assim com a dogmática tradicional da irrestrita unicidade do conceito de Deus. Em segundo lugar, Jesus não emerge como agente do sistema imperante. Irrompe como um profeta que não grita “Eu sou a Tradição”, mas diz “Eu sou a Verdade” e prega “ uma nova doutrina”( Mc 1,27). A Lei, com suas tradições e interpretações, corporificava todo o sistema. Jesus não é contra a Lei, mas a submete a um critério antropológico libertário: não é o homem para o Sábado, mas o Sábado para o homem. Por isso, sua atitude é soberana e livre: se a Lei ajuda o amor e o encontro do homem com outro homem, e o abre para Deus, então a assume; caso contrário, passa por cima ou a abole simplesmente ou incentiva a fantasia criadora. Um sentido de libertação da consciência oprimida transpira de suas palavras e gestos. O povo o percebe e se entusiasma: as autoridades se sentem ameaçadas, pois a perturbação de ordem religiosa pode provocar um transtorno no status político sob regime de ocupação romana. Em terceiro lugar, Jesus introduz um conflito na estratificação social de seu tempo: sua mensagem e suas práticas rompem as barreiras dos estamentos, privilegia os pobres, doentes e marginalizados, considerando-os bemaventurados de Deus e os primeiros beneficiários da ação libertadora de Deus (Reino de Deus), independentemente de sua condição moral. São bem-aventurados não porque são bons, mas porque são pobres e é do agrado do Pai privilegiálos. Evidentemente, tal prática ia contra os cânones da dogmática e da moral estabelecidas. Os valores do profeta Por fim, os evangelhos não escondem que a popularidade de Jesus provocou, como sói acontecer, inveja e má vontade nos condutores ideológicos e políticos de então. Apavorados, dizem: “Se o deixarmos assim, todos crerão nele, virão os romanos, destruirão nosso lugar santo e a nossa nação” (Jo 11,48). Numa palavra, Jesus foi condenado pelos motivos pelos quais todo profeta, em todos os tempos, morre: colocou o absoluto de Deus acima dos pretensos “absolutos” humanos, os valores por ele pregados acima da conservação da própria vida. Qual foi sua atitude face ao conflito criado? Não contemporizou nem recuou na radicalidade de seu anúncio e de seu projeto histórico. Não foi ingenuamente à morte nem a buscou como um suicida. Os Evangelhos mostram como se escondia e evitava os fariseus que muito o importunavam. Mas, como todo homem justo, estava disposto a sacrificar sua vida em testemunho da verdade que compreendeu do Pai. Ficou fiel até o fim, mesmo contando com a liqüidação violenta. Jesus tem consciência de que, nestas condições de rejeição, sua mensagem de libertação a partir de Deus só é
possível sob a forma de martírio e de sacrifício da própria vida. A morte, efetivamente, devia acontecer, dada a recusa dos judeus. Deus, mais que a morte de Jesus, porque é um Deus vivo e da vida, quer sua fidelidade, que implica a morte. A morte é assumida não como fatalidade biológica ou conseqüência de um ato judicial, mas como expressão de amor e de liberdade. Pode-se decretar a morte de Jesus, não se lhe pode impor um sentido de castigo à sua morte. Ele a assume como doação livre: “Ninguém me tira a vida, eu a dou por mim mesmo”(Jo 10,18). Quem assumia a morte assim é, para a fé, o Filho eterno do Pai. Esta atitude ganha dimensões de eternidade e é plenamente redentora. Mesmo sentindo-se abandonado na cruz por seu Pai ( Mc15,34), ainda assim continua a crer e esperar. Entregar-se ao Pai com o sentido último também do absurdo da crucificação do inocente. Esperança assim transcende os limites da própria morte. É a obra perfeita da libertação: libertou-se totalmente de si mesmo para ser todo de Deus. Então aclode o evento da Ressurreição. Com J. Cone, teólogo da teologia negra da libertação, podemos dizer: “A Ressurreição de Cristo é a manifestação de que a opressão não derrota Deus, senão que Deus a transformou em possibilidade de liberdade. Para os homens que vivem numa sociedade opressora, isto significa que não devem conduzir-se como se a morte fosse a última realidade. Em Cristo, Deus imortal degustou a morte e, fazendo assim, destruiu a morte”. MISÉRIA E FOME NO BANQUETE Dom Paulo Evaristo Arns A vida humana pode ser comparada a um grande banquete. Todos os dons e riquezas que ela oferece, todos os recursos que a sustentam são como que iguarias postas à mesa. Os seres humanos, somos convivas que rodeiam ou se assentam à mesa e se regalam de viver. Mas nesse banquete da humanidade, algo de estranho acontece: não obstante a riqueza dos recursos para um banquete de festa, estima-se que dois terços da humanidade passam fome e amargam a vida com gosto de miséria. Vejamos de perto o que se passa. Riqueza e recursos para uma vida na abundância – Há muitas formas de começar a pensar as bases de uma vida na abundância, mas talvez a mais concreta seja a começar pela alimentação. Sem alimento, morremos. Em termos mundiais modernos, a humanidade conta com enormes recursos na produção de alimentos. A tecnologia moderna cria as máquinas que economizam, em tempo e esforço, o empenho dos braços humanos, produz fertilizantes químicos, agrodefensivos e sementes selecionadas que nos levam a supersafras; pesquisas genéticas e nível vegetal e animal garantem uma produção mais eficiente e qualitativamente superior. Chegamos, assim, a uma produção anual no mundo, em termos de grãos, superior a 1,5 bilhões de toneladas, o que teoricamente daria para atribuir 300 quilos para cada habitante da terra. Existem, além disso, cereais estocados no mundo numa quantidade superior a 250 milhões de toneladas. Algo semelhante poderíamos dizer da produção de carne, cujos estoques, só na Europa, superam as 600 mil toneladas. A abundância da vida se aprecia também pela saúde. Os avanços da medicina de hoje são incríveis. Não se pense apenas nos sofisticados recursos de uma medicina curativa, ma, talvez, principalmente na medicina preventiva. As ciências vão mostrando com precisão o que faz bem e o que faz mal a saúde; quais as necessidades básicas; qual o conteúdo nutritivo dos alimentos; quais as condições ideais de salubridade. Assim, a expectativa de vida para cada ser humano pode, teoricamente, ser pensada em termos de 70-80 anos. A vida se mostra também abundante no mundo das relações, uma vez que somos constitutivamente sociais. Desde o campo afetivo até ao intercâmbio humano fundado na justiça, encontramos fontes indispensáveis para que a vida ganhe intensidade tenha caráter de festa. Os recursos da humanidade nesse sentido são múltiplos. A tecnologia, com seus avanços, nos coloca à disposição meios de criar o aconchego para as pessoas, a partir de condições básicas como a habilidade e o vestuário. Cria também condições menos desgastantes de trabalho, a través das máquinas, e possibilita a diminuição das horas de trabalho e aumento do tempo de lazer e de relações amplamente afetivas. Temos recursos, através das ciências, para reconhecer, na diversidade dos povos e diferenças sexuais, a força de vida que há na reciprocidade de nossos dons. E temos, particularmente através dos grande meios de comunicação social, recursos ingentes para a educação, a informação e para a intensificação da participação política nos destinos de nossa visa. Aqui estão algumas indicações que podem esboçar o quadro de recursos que temos para viver. Outros aspectos ainda poderiam ser contemplados pela reflexão de quem pensa no lado otimista da vida de hoje. Em nossa parábola, diríamos: a mesa está posta; façamos agora um brinde aos convivas. Podres e famintos, ao lado da abundância – O quadro de riquezas e recursos de que dispõe a humanidade é indispensável para se compreender a miséria e a fome. De fato, no contraste da distribuição desses recursos é que se evidencia o mundo dos pobres. O que se passa hoje na humanidade é de estarrecer! Quanto aos alimentos, as estatísticas revelam que cerca de 15% da população mundial consome 60% de toda a produção alimentícia, enquanto 85% da humanidade rateia os 40% restantes. O resultado disso é a dome, que tem uma
estruturação com raízes não só na falta de alimentos, mas também na desinformação sobre o valor nutritivo dos alimentos diante deles, e numa espiral de fatores que impedem o pobre de os produzir. O resultado é a morte. Indicam se 120 mil mortes diárias no mundo, relacionadas com a fome. Cerca de 100 milhões de crianças, com menos de cinco anos, sofrem carência alimentar no mundo. Mas a miséria não pode ser medida apenas pela fome. A exclusão do banquete da vida nos faz lembrar também o despojamento da saúde e dos cuidados que mantêm a vida. As doenças endêmicas tomam conta do povo, vendo a medicina se voltar, quase totalmente, para a cura e não para a prevenção. A mortalidade infantil atinge taxas incríveis e 8 a 10% em regiões do Terceiro Mundo. No Brasil, 34% dos óbitos são de crianças com menos de um ano de idade. Assim, o afastamento e marginalização dos convivas do banquete da vida se reproduz nas outras áreas de riquezas, como a habitação, o vestiário, a terra para cultivo e moradia. Enquanto uns poucos têm mansões e grandes latifúndios, a maioria fica sem terra e desabrigada, ou mal acomodada. Os recursos técnicos que serviriam para a educação, informação e promoção de formas participativas de vida social se transformam em mecanismos de garantia e ampliação do ganho de alguns. Desse modo, se percebe que a miséria e a fome têm uma lógica que as explica: o poder transformado em força de exploração de alguns sobre a vida dos outros. Criam-se mundos diferentes, um explorando o outro. É assim que certos mecanismos, como a dívida externa, eternizam a dependência. Só entre 1981 e 1985, os países endividados pagaram de juros US$ 133 bilhões a seus credores, soma que corresponde ao dobro do total da dívida em 1975, que era de US$ 68,5 bilhões. Países famintos têm que aumentar suas exportações para pagar uma dívida infinita. E a mesma lógica se reproduz dentro dos próprios países já pobres. No Brasil , por exemplo, o magro salário mínimo de US$ 40 por mês é insultado por salários dos mais altos do mundo. Tudo isso nos fala da vida como um grande banquete, no qual, porém, são poucos os que podem assentar-se à mesa. Na fé cristã, incomodados, lutamos para mudar as regras desta sociedade que transforma a festa da vida em jogo fúnebre de fome e morte. E mantemos ao mesmo tempo a firme confiança de que, do alto céu Deus sustenta o plano de fazer da vida um grande banquete: “Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis saciados” ( Lc 6,21). AIDS Leo Pessini Na ação pastoral junto aos portadores de AIDS, a presença dos agentes pode vir a ser, em muitos casos, praticamente o único e derradeiro elo de ligação do doente com sua vida de ser humano. Em si mesma, a doença já constitui para ele uma traumatizante experiência, exacerbada em seus efeitos pelo estigma que a AIDS costuma imprimir. E exigirá do agente da Pastoral e visitador toda sensibilidade e amor cristão de que seja capaz. As situações vividas nesse contexto, especialmente junto aos doentes em fase terminal ou próximos dela, tornam fundamentais para o trabalho pastoral estes quatro pontos: Solidariedade A solidariedade é a linguagem universal, entendida por todos. E é disto que o aidético mais necessita. É muito freqüente que o aidético se sinta só, isolado e esquecido. Uma das piores doenças de nosso século é justamente a solidão. Ela tem feito centenas de vítimas entre os portadores de AIDS e levado ao suicídio muitos deles. Como se não bastasse todo o stress emocional que a doença provoca, acrescente-se a isso a segregação a que a pessoa é relegada por familiares e amigos, visto ser muito forte a mentalidade de que é soc1almente desonroso ter alguém com AIDS na família ou no círculo de amigos. Além disso, temos os julgamentos moralistas em que Deus é visto como o grande disciplinador e que se serve deste mal para chamar à conversão. Tudo isso faz com que o aidético se sinta rejeitado por tudo e por todos, e se perceba como último da face da terra. É aqui que se faz necessária a solidariedade, que é estar com a pessoa e deixa-la ser. Nem rir nem chorar, mas compreender. Ser solidário é acolher a pessoa como ela é, sem preconceitos ou prejulgamentos, fazer com ela uma caminhada de libertação. Esperança Sem esperança não existe motivo para viver. A esperança faz que as pessoas, mesmo em meio a sofrimentos terríveis, encontrem forças para lutar e continuar vivendo com dignidade. Dar esperança ao aidético é ajudá-lo a encarar o amanhã da vida com realismo, respeitando seus valores de vida, ajudá-lo a encontrar um sentido de vida no presente face ao sofrimento. Aqui, é de fundamental importância ser bom ouvinte e tornar-se irmão do paciente, relacionando-se no nível da situação humana concreta, de suas necessidades.
E importante lembrar que ninguém quer morrer, e estas pessoas têm de enfrentar a realidade da morte precoce. O desafio é estar com elas, ajudando-as a interpretar cristamente este acontecimento, que pode tornar-se semente de vida nova. Morrer só é triste. Morrer com alguém ao lado é oferecer dignidade. Não podemos acrescentar ilusões ou oferecer curas milagrosas, mas é nossa obrigação trabalhar a esperança com os pés na realidade. Em resumo: na ação pastoral, não ficar na Sexta-Feira da Paixão, mas caminhar no rumo do Domingo da Ressurreição. Espiritualidade A espiritualidade está fundamentalmente ligada à percepção da presença ou ausência de Deus. E essencial apresentar ao doente a figura de um Deus que, antes de ser um juiz, é o pai amoroso que não se alegra com o sofrimento de seus filhos. Neste sentido, são de grande proveito leituras bíblicas apropriadas, orações, diálogos com o pastor, os sacramentos e apoio da comunidade. A sensibilidade pelo espiritual aflora em situações de doença. Muitas pessoas se reencontram com elas mesmas, com outros e com Deus nesse processo. Cabe a nós ajudá-las, sendo instrumentos de reconciliação. Humanidade O maior desafio não é moralizar, mas sim humanizar. A Igreja, que se diz «perita em humanidade», não pode deixar de ser um testemunho vivo deste compromisso.
A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL No passado, com conhecimentos científicos e técnicos escassos ou quase nulos, a saúde e a vida dos homens ficavam expostas aos caprichos da natureza, sem que o homem pudesse reagir de forma adequada e eficiente. A mortalidade precoce era rotina, tanto assim que, no tempo de Cristo e do Império Romano, a expectativa média de vida oscilava entre 28 e 30 anos e, embora os casais tivessem entre sete e oito filhos, o crescimento demográfico não conseguia atingir 0,1% ao ano. Mas não era só. A maioria das pessoas arrastava problemas de saúde ao longo de toda a sua vida. As deficiências que acarretavam tal situação provinham das precárias condições de vida da população em geral e da carência de recursos terapêuticos da época. Esta penosa situação prevaleceu no Ocidente, ao longo de toda a Idade Média, com alguma melhoria, pouco significativa aliás, no final do século XV e início do século XVI. Os grandes hospitais que surgiram no inicio do século XVI na Europa, apesar de verdadeiros monumentos arquitetônicos, não eram mais que abrigos para miseráveis ou quase. Eram considerados o lugar dos pobres tratados com cama, chá e comida, nem sempre suficientes e de boa qualidade. As doenças contagiosas, muito comuns na época, passavam de um doente para outro com extrema facilidade, já que, em muitos hospitais, colocavam-se quatro, seis e até mesmo oito doentes numa mesma cama, e certas enfermarias abrigavam cem ou mais doentes. Compreende-se, pois, que no tempo da Revolução Francesa se preconizasse a abolição dos hospitais, por considerá-los mais prejudiciais que úteis à população. Os profissionais da saúde eram poucos, de conhecimentos científicos rudimentares e com equipamentos técnicos que sequer mereciam esse nome. O verdadeiro salto qualitativo e quantitativo na melhoria das condições de vida e de saúde aconteceu ao longo do século passado e no decorrer deste. A humanidade pareceu dar-se conta de que tinha pela frente condições quase inesgotáveis para melhorar sua qualidade de vida e de saúde. O caminho entrevisto era o da ciência, da técnica e da organização social. O homem enveredou nesse rumo, disposto como nunca para a ação e transbordante de confiança. Os resultados não se fizeram esperar. Hoje estão á vista de todos não só nos países desenvolvidos, mas também nos mais pobres. Apesar do crescimento demográfico assustador, que no curto espaço de 140 anos transportou a humanidade de um para cinco bilhões de pessoas, a expectativa de vida para os mais privilegiados se aproxima dos 80 anos, e para os demais já ultrapassa a casa dos 50, criando para quase todas as sociedades o problema dos idosos. Do Brasil, se disse e se repetiu, com ecos que ressoam até hoje, que «é um grande hospital sem hospitais». Que a saúde em nosso país não anda tão bem quanto seria de esperar está fora de dúvidas. Também os doentes têm sérios motivos de queixas quanto ás proverbiais filas do Inamps ou de outros serviços de saúde, estaduais ou municipais, bem como do atendimento que lhes é prestado em caso de internação. Não se pode, contudo, negar que, pelo menos nas cidades e nas zonas rurais mais desenvolvidas, bem ou mal, a população está sendo atendida. Corre até a queixa de que muitos doentes são internados sem necessidade. Aliás, conhecem-se casos de hospitais que já não trabalham a plena carga e chegam a disputar doentes. Entidades particulares,
nacionais e estrangeiras, de prestação de serviços de saúde estão correndo ao encalço de clientes das classes alta e média. Visam lucro? Sim, mas de quota tem possibilidades e deixara mais oportunidades de atendimento no Inamps etc. para os menos favorecidos socialmente. Acrescente-se a isto que boa parte das grandes : empresas montaram serviços de saúde para os seus funcionários e dependentes. Quanto ao número de profissionais médicos, o Brasil já se está aproximando do ideal preconizado pela OMS, isto é, um médico para cada mil habitantes, com a ressalva de que sua distribuição continua inadequada. As grandes cidades estão Saturadas de médicos, enquanto o interior pena por falta desses profissionais. Mas, para o observad or atento, também este desequilíbrio está em fase de superação. O que talvez falte na formação do, profissional médico é a constância ainda de que também sobre a sua profissão pesa uma hipoteca social. Aliás, esta deficiência não é apenas deles. Corre no sangue de quase todos os brasileiros, a começar pelos políticos que, por sua função, deveriam estar imunes a esta pecha. A OMS e a Unicef lançaram, em 1978, o slogam-meta “Saúde para todos no ano 2000”. Para atingir esse objetivo, propuseram as chamadas “ações básicas de saúde”, com a finalidade de solucionar os problemas mais elementares que afetam a saúde da população. O ano 2000 está próximo também para o Brasil. Se não tomar cuidado, o País poderá chegar à data aprezada sem ter cumprido a tarefa. As ações básicas de saúde, no entender da OMS- Unicef, devem envolver a participação de toda a população e não apenas a ação de profissionais da saúde. De fato, os cuidados de saúde dependem mais de cada cidadão individualmente do que de serviço de terceiros. Mas, para tanto, é preciso motivar e educar o indivíduo, e esta tarefa cabe primordialmente aos profissionais da saúde. David Werner, médico norte-americano que se dedica à promoção da saúde da população rural do México, diz aos agentes populares de saúde por ele formados: “Você agora é um auxiliar de saúde. Lembre-se que a sua primeira obrigação é ensinar aos outros o que você já sabe”. Que tal se nossos profissionais de saúde adotassem para si este princípio e o colocassem em prática? Educar para a saúde é garantir saúde. Também neste ponto surgem indícios promissores, com livros e revistas que abordam problemas práticos de saúde, com seriedade científica e linguagem popular. A aceitação está sendo muito favorável, o que denota um campo a ser mais bem explorado, tanto por órgãos governamentais quanto pela iniciativa privada. Nos últimos anos, ficou comprovado que certas campanhas de saúde, com objetivo bem definidos e ações bem específicas, alcançaram resultados surpreendentes. Foi o que aconteceu com a vacina Sabin, que contribui, além do mais, para conscientizar a população sobre a importância das vacinas básicas, sobretudo para as crianças. Outros exemplos, mais recente e mais restritos, foi o do soro caseiro contra a desidratação infantil, que, há alguns anos, era um problema social traumatizante, de elevados custos financeiros e com muitas perdas de vidas. Hoje, praticamente não preocupa mais ninguém. O Brasil vai mal de saúde? Os mais pessimistas acham que sim. Os observadores atentos e objetivos não estão plenamente satisfeitos, mas reconhecem que, nas últimas quatro ou cinco décadas, percorremos longo caminho, e o indicador mais seguro do progresso alcançado é que a expectativa média de vida da população já ultrapassou a barreira dos 60 anos. A mortalidade infantil também vem regredindo. Há muito por fazer, mas muito já foi feito. SINAIS E COMUNICAÇÃO Hubert Lepargneur Na época da tele e da super-comunicação entre as pessoas, talvez porque a técnica faz ganhar em raio de ação, mas perder em profundidade e estabilidade. Quando, numa reunião qualquer, todo mundo e cada um fala quase sem descontinuar nem consentir em ouvir, reina mais a cocafonia que a comunicação, mesmo quando cada participação se vai satisfeito por ter desabafado tão brilhantemente. No máximo, uma luz debaixo do alqueire. Entretanto, o setor comercial preocupa-se em ser ouvido, não tanto para ter entendido do que para ser comprado: o mercado é um grande pomar que se julga pelos frutos. Na terapia como na pastoral, para que a expressão constitua um primeiro momento benéfico deve ocorrer um mínimo de recepção do sinal que abre sobre a realidade do outro. Com oportunidade divulgação mercadológica da iniciativa, um psicólogo ou outro personagem de respeitável fama que se fizesse pagar apenas para ouvir durante uma hora de cinqüenta minutos o sofrido cliente, provavelmente não passaria fome. Pode-se reparar que os políticos já desempenham este nobre papel com a abnegação que lhes conhecemos, mas eles também são vítimas do vírus da superverbalização, gene favorável no ramo, e não poupam as promessas, sementes de futuras frustrações. A qualidade da comunicação é pouco sensível à mudança das leis ou da Constituição, mas não importa menos. Há mais de um século, Tocqueville previu com extrema lucidez: “Debaixo das ruínas dum mundo que cai (o antigo reino francês), ingressamos numa civilização na qual os costumes serão as próprias estruturas sociais”.
Este quadro recomenda para a ética do agente pastoral a dupla abnegação da escuta atenciosa e da tolerância caritativa. Esta atitude não coincide exatamente com o modelo do missionário prosélita que tenciona vender sua mercadoria de palavra mais recrutadoras do que consoladoras. Mas o serviço missionário reveste-se também de forças menos agressivas, de encontro às reais e diversificadas necessidades dos pacientes. Quando falta comunicação numa comunidade – seja pequena como uma casa, média como um hospital, ou imensa como um nação -, uma tentação à qual sempre resistem os mais avisados é de multiplicar os sinais dos valores deficientes. Os líderes civis e/ou religiosos sabem usar, por vezes até ao abuso, a força quase mágica dos sinais que abrem os horizontes de seus sonhos. Em princípio, o procedimento, além de legítimo incentivador do bem, é pedagógico e recomendável. Todavia, o caminho é escorregadio, porque enquanto os frutos tardem a aparecer, aumenta-se a dose dos sinais, cuja desmedida proliferação vem a substituir um valor de vivência por uma imagem promocional. Ao passo que os comerciais contraditórios dos concorrentes anulam-se, aumentando apenas o custo para todos, os gestos calculados e os discursos vibrantes comovem as massas, antes de rapidamente desaparecer no buraco negro da memória, sob as vagas das novas imagens que assaltam o imaginário coletivo. Não se afirmaria o mesmo para um único gesto dirigido a uma única pessoa. Em suma, a multiplicação do significante, coloca bem à vista, abafa a realidade significada, mascara sua real ausência, mas satisfaz as consciências comum ilusórias sucedâneo. Não confundimos a cultura de massa com a Pastoral Sanitária. A informação extensiva reforça as trocas entre grupos etários – que estão abeberando-se nas mesmas fontes – mais do que entre gerações. Viaja-se mais longe, mais fácil e freqüentemente que outrora, mas menos no caso dos avós. Ao falado receio de enxergar a morte, que caracteriza nossa cultura secular, os jovens acrescentam o receio de enxergar os anciãos, cuja experiência lhe parece fora de uso. Um jovem não se imagina nem morto nem velho, mas apenas na força da idade, na idade da força. É precisamente a época da vivência humana escolhida por Cristo para desaparecer, deixando a velhice da mãe aos cuidados atentos de João. Da parte de quem a doença ajuda a derrubar obstáculos etários e sociais da comunicação? De qualquer modo, freqüentemente a terapia e sempre a Pastoral Sanitária comportam uma sutil ética da comunicação que, por certo, não é principalmente exprimível em termos quantitativos. Seu quadro admitiria uma reflexão sobre os sin ais, aliás espontaneamente praticados, quando mais oportuna que estes sinais traduzem amiúde uma autêntica impossibilidade de fazer mais para o próximo. Então, o sinal não ocupa intempestivamente o lugar da comunicação desejável, sendo a comunicação disponível.