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JESUS E OS DOENTES Leo Pessini

O povo costuma dizer que a saúde é tudo. Não pede a Deus riqueza, mas saúde. Tendo saúde, a gente pode trabalhar, pode viver como dá. Acabamos sempre desejando aos nossos amigos: muita saúde! Infelizmente, nossos votos de saúde nem sempre têm o tão desejado efeito. A doença é uma experiência que, mais dia menos dia, acontece conosco, com um nosso familiar ou um nosso amigo. Ninguém gosta de ficar doente ou de ter um doente próximo de si. Em nossos planos, nunca consideramos a possibilidade de adoecer. Mas não podemos fechar os olhos: a doença existe... e o doente precisa ser cuidado! Jesus foi muito sensível com a saúde do povo e com os doentes. E só lermos os Evangelhos atentamente e veremos que ele tinha uma predileção toda especial para com os leprosos, os deficientes, os doentes mentais, os cegos, os surdos, os mudos, os coxos, homens e mulheres impossibilitados de abrir seu caminho na vida. Quando entrava numa aldeia ou cidade, Jesus estava sempre cercado de doentes. Cristo confirma que é o Messias prometido curando os doentes: «Ide contar a João o que acabais de ver e de ouvir: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos ficam sãos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres» (Lc 5,31). Ainda lemos no Evangelho «Ao pôr do sol, todos os que tinham pessoas sofrendo de alguma doença as traziam até ele. E Jesus, impondo as mãos sobre cada uma, as curava» (Lc 4,40). Devemos lembrar que, no tempo de Jesus, o doente hebreu vivia sua enfermidade como uma experiência de impotência e desamparo e, o que é pior, de abandono e rejeição de Deus. De certa forma, toda enfermidade era um castigo ou maldição de Deus, e o enfermo era um homem;<ferido por Javé». Em sua atividade profética, Jesus rompe com a marginalização e condenação moral a que eram submetidos os enfermos. Estes eram vistos como abandonados por Deus e esquecidos pelos homens. Eles constituíam o setor mais desamparado da sociedade judaica. Pois bem, Jesus colocou á luz do dia todos estes esquecidos. Eles ocupavam o mesmo lugar que os órfãos, as viúvas, os pobres e os estrangeiros ocupavam na ação dos profetas. Eles eram os «cacos da humanidade». Jesus lhes devolve a dignidade. Na parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 29-37), Jesus deixa claro que a compaixão tem que se traduzir em ação misericordiosa. Descobrimos que o nutro é o nosso próximo, quando fazemos algo por ele. O doente é um estranho que se torna próximo quando nos aproximamos dele com amor. Um coração que ama não é indiferente ao sofrimento do irmão e procura ser solidário. A atuação de Jesus não é movida por nenhum interesse econômico ou pelo lucro, mas é pura gratuidade. Não age movido por um dever profissional. Ele não é médico nem curandeiro de oficio. Tampouco é levado por um interesse proselitista, de integrar um novo membro no grupo de seus seguidores (ainda que isso aconteça em várias ocasiões). Jesus diz ao curado de Gerasa que pede para segui-lo:«Vai para a tua casa e para os teus, e anuncia-lhes tudo o que fez por ti o Senhor na sua misericórdia». Jesus é movido por um amor profundo para com os doentes e por uma paixão libertadora para arranca-los do poder do mal. A misericórdia é que o impulsiona (Mc 1,41). Seus gestos


encarnam e tornam palpável o amor do Pai para com os pequeninos e desvalidos. Com sua atuação curativa e libertadora, Jesus é sinal de que Deus não os abandona. A atuação de Jesus no mundo do sofrimento não se limita a uma explicação doutrinal, a uma simples assistência espiritual ou assistencialismo. Tampouco podemos falar de um serviço médico de caráter técnico. Jesus se aproxima e busca o encontro com o homem total. Busca a cura total, que não se identifica somente com a saúde biológica, mas salvação integral. Jesus liberta os enfermos de tudo quanto os desumaniza: Liberta-os da solidão e isolamento, da desconfiança e do desespero, da resignação passista. Ele convida o doente a ter uma atitude positiva, construtiva e criadora de vida e saúde. E surpreendente que, em muitas curas, ele diz: «A tua fé te curou». É o próprio enfermo que tem algo muito decisivo para sua melhora. Ele atribui a cura não ao seu poder, mas á fé da pessoa. Aos seus discípulos, junto com o mandato de pregar o Evangelho, foi dito também que curassem os enfermos. Se Jesus nos deu todo este testemunho, qual deve ser o procedimento de nós, cristãos? Reflitamos sobre isso em nossa reunião de grupo. Vejamos também como a atuação de Jesus junto aos enfermos pode ajudar nosso trabalho de ir ao encontro dos que sofrem.

LUZES QUE NÃO SE APAGAM Com o mesmo título acima, o professor Carlos da Silva Lacaz, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, fez publicar na edição de 19 de mato último de «O Estado de S. Paulo» o texto que aqui transcrevemos.

Legendária na história da Enfermagem è a figura de Florence Nightingale (1820-1910), verdadeira heroína do bem e que, nascida na velha e doce Itália (Firenze), estudou também Medicina, trabalhando em Londres e Edinburgo, preparando-lhe o aprendizado no rigor da disciplina. Longefellow, o grande poeta norte-americano, exaltou-a em «Filomena», versos que percorreram o mundo todo. Na guerra da Criméia (1850 a 1855), ela visitava á noite os hospitais e os campos de batalha com a famosa lâmpada para assistir os moribundos, minimizando o sofrimento dos soldados durante as trevas dos embates sangrentos, levando um pouco de esperança a cada desesperado. Quem não conhece, também, a história de Ana Nery, a baiana ilustre, precursora entre nós da Cruz Vermelha Brasileira e que, no campo da batalhas, na guerra do Paraguai, acudia aos feridos com indômita coragem e admirável solicitude. Famosas, são também, as figuras de Edith Louisa Cavell, a heroína da guerra de 1914, e de Genevieve de Gallard, a qual, em Dieh Bien Phu, na lndochina, resistiu em fortim as forças inimigas, cumprindo seu dever de enfermeira até o final. Lembremos, também, entre nós, a famosa parteira Marie Josephine Durocher (1809-1894), pertencente pelos seus méritos à Academia Imperial de Medicina e que sempre propugnou pelo bem da religião, da moral e da dignidade de sua profissão. Meu saudoso e querido mestre prof. Almeida Prado, lembrou-nos a figura do bom samaritano que bem demarcou o sentido do amor ao próximo, quando socorreu a vitima com óleo e vinho, tomando-lhes os cuidados de cura após os malfeitores a assaltarem e a agredirem, deixando-a entre a vida e a morte.


A enfermeira é e será sempre o anjo custódio do doente, o auxiliar precioso do médico, acompanhando todos os transes da doença, num entranhado amor próximo. Em todas as doenças e todas as devastações da miséria física, elas estão sempre presentes. Antigo diretor da Escola de Enfermagem da USP (1978-1982), onde ainda tenho excelentes amigos e discípulos, louvo o trabalho que esta magnífica escola vem desempenhando, engrandecendo o próprio meio cultural brasileiro, formando enfermeiras que se nutrem desse entranhado amor ao próximo, na função apostólica de semear e de praticar o bem. Espero em Deus que as enfermeiras de todo o mundo, no meio da tormenta que apaga todas as luzes, permaneçam com as lâmpadas sempre acesas, procurando aliviar o sofrimento humano, não deixando os homens apodrecerem na escuridão ou na barbárie. Nelas virão reacender-se, uma a uma, as que se deixarem apagar pelo vento que sopra das estepes. A Enfermagem, ciência c arte da humanidade, como a própria Medicina, será sempre engrandecida pelos seus cultores, praticando a verdadeira filantropia, procurando o bem-estar do doente, sabendo entender como poucos a linguagem da dor, da angústia, do medo, da desesperança e do sofrimento, falando á alma de seus semelhantes, para transformar tênues fímbrias de esperança no lenho ardente da vontade de viver. Os valores transcendentais da assistência aos que sofrem precisam ser preservados, já que a Enfermagem como a Medicina, para mim, não constituem simplesmente uma profissão, mas um estado de espírito, um ideal de vida, uma destinação, uma dimensão alta da própria existência humana. Que jamais se apaguem as luzes que iluminam a vida dessas heroinas do bem, vigiando á noite os convalescentes c os moribundos, assistindo-os principalmente nas trevas das horas derradeiras. O motivo fundamental deste artigo prende-se ao fato ocorrido na Austria, divulgando a triste noticia de que algumas enfermeiras daquele pais haviam praticado em doentes ditos terminais «homicídio piedoso», não respeitando, porém, o sagrado direito á vida humana.

UNÇÃO DOS ENFERMOS E BÍBLIA Sidney C. Destri Não è fácil encontrar na Bíblia, para cada sacramento, o momento histórico de sua instituição. Sabemos, no entanto, que os sacramentos não nasceram de textos bíblicos, mas sim da vida e ações de Cristo. A Igreja, antes de buscar referências escritas, se fundamenta na pessoa de Jesus. Nos Evangelhos, encontramos referências que nos possibilitam desenvolver uma teologia bíblica dos sacramentos. Em Marcos, temos recordações de que os apóstolos usavam unções com óleo Sobre os enfermos (Mc 6, 12-13). As características desta ação têm algumas relações intimas com as ações de Cristo, por exemplo, seus milagres. A única novidade é o uso do óleo, se bem que, na época de Cristo, o óleo fosse utilizado pela medicina. O que se encontra de realmente «novo» é a eficácia carismática do óleo, por se tratar de curas carismáticas. Podemos perceber no texto de Marcos a relação do gesto dos apóstolos com a vida e o sofrimento dos enfermos. No entanto, o tradicional fundamento escriturístico da Unção é o trecho da carta de São Tiago, que convida a chamar o ministro junto ao doente (Tiago 5, 14-15). O apóstolo Tiago está concluindo Sua carta com algumas exortações e conselhos pastorais sobre diversas situações humano cristãs em que se pode encontrar o seguidor de Cristo. Uma delas é a enfermidade.


O fundamental é compreender que a primeira e mais destacada situação é a enfermidade corporal e física, a que está dirigida a ação sacramental e sobre a qual recaem os efeitos sacramentais da oração e da Unção. Para Tiago, o ministro do sacramento são os «presbíteros da Igreja». É importante percebermos que, na Igreja Primitiva, existiam cristãos com o carisma da cura, como nos informa São Paulo (1Cor 12, 28-30), carisma que são dons pessoais bem distintos das ações sacramentais da hierarquia. Tiago relaciona intimamente a ação dos presbíteros sobre os enfermos como algo sacramental e como função própria. É necessário ser presbítero para poder administrar o sacramento da Unção. Ao abrir a lista de ações que os presbíteros devem realizar sobre o doente, ele começa com a oração. Interceder diante de Deus em favor de um enfermo está muito difundido no mundo pagão, e há abundantes testemunhos no mundo judaico. No Antigo Testamento, encontramos casos como o dos amigos de Jó (Jó 2,11). Segundo o Edesiàstico (Edo 7, 35), a visita ao enfermo não deve Ser descuidada, pois com ela ganha-se o amor. O Salmo 35 assinala a penitência e a oração para o enfermo. O outro elemento destacado por Tiago é a integração entre oração e unção: ambas são realizadas ao mesmo tempo e em nome de Jesus. Na antigüidade e no judaísmo, o óleo possuía uma função rica, com um simbolismo aplicado á morte e a todos os fenômenos humanos, espirituais e escatológicos, expressando a idéia de alegria e proteção no caminho. Para Tiago, o enfermo necessita de cura. O Senhor cura pela oração e unção ministrada pelos presbíteros, concedendo ao doente o vigor necessário para dominar na ordem espiritual sua situação de enfermo. A partir do Concilio Vaticano li, o movimento renovador tomou consistência na constituição sobre a Sagrada Liturgia, nos números 73 a 75, dispondo uma revisão que acaba se realizando na nova Constituição do Papa Paulo VI. O simples fato de mudar o nome de Extrema Unção para Unção dos Enfermos leva consigo uma potente dose de confrontação com cenas práxis atuais e exige uma revisão e adaptação bastante notáveis. Porque, como diz a Constituição Conciliar Sacrossanctum Concilium, no número 73, não é o sacramento exclusivo dos que se encontram nos últimos momentos da vida. É muito mais aceitável e compreensível quando se fala dos que se sentem em perigo de morte por causa da enfermidade ou velhice. Esta idéia inovadora se destaca, também, nas notas prévias do Ritual, adquirindo inestimável valor ao oferecer, a Igreja, esses ensinamentos através de uma publicação litúrgica oficial. No Ritual, se recomenda que, com toda diligência e esforço, se procure fazer que todos os enfermos recebam a Unção, desde que se apresente perigo de morte, por motivo de enfermidade ou velhice. A pessoa deve manifestar sua fé na graça do sacramento. No caso de estar privada dos sentidos ou do uso da razão, procure-se averiguar se ela pediria o sacramento, se estivesse em pleno gozo de suas faculdades. A Constituição Apostólica Sacram Unctionem confirma que a Unção não é sacramento de quem está nos últimos momentos de vida, mas de quem está em perigo de vida, devendo receber, em tempo oportuno, o Sacramento dos Enfermos. Portanto, o destinatário desta sacramento não é o agonizante condenado á morte. O «sacramento último» dos agonizantes é o Viático. Não se deve dar a Eucaristia em forma de Viático antes da Unção, como ratifica o Concilio Vaticano li, ao pedir que se separem os Ritos da Unção e do Viático de tal maneira que, cm primeiro lugar, se administre a Confissão, depois a Unção e, finalmente, o Viático. Assim, para o Concilio, o ««sacramento último»» é o Viático, que acompanha o cristão em seu caminhar final


para a vida em Deus. A Unção dos Enfermos é o sacramento dos enfermos graves, aos quais deve ser conferida com sua participação ativa e em momento oportuno e próprio. A parte jurídica deste sacramento, contida no Código de Direito Canônico, reserva ao bispo o direito de benzer o óleo, podendo os presbíteros fazê-lo em caso de necessidade. O ministro da Unção é todo sacerdote.

O HOSPITAL E SUA COMUNIDADE Antônio Langato

O hospital tem uma quádrupla dimensão: prevenir, pesquisar, curar e ensinar. Queremos salientar aqui a sua atuação no caminho da prevenção, porque «prevenir é melhor que remediar». Falamos do hospital que vai procurar o povo para orientá-lo e conscientizá-lo a ter uma alimentação adequada, saneamento básico, água potável, casa limpa e arejada e a não pactuar com a miséria e doença. «Saúde para todos», num esforço conjugado de hospital-comunidade. Todos para a saúde - na formação de lideres capazes de estimular as energias latentes do povo e desbrecar suas capacidades inatas para que se erga e construa um futuro sadio e de bem-estar. Escreve a coordenadora Áurea, de Pedro II, no Piauí, no seu relatório: «A luta libertadora pela saúde do irmão é muito importante e compensadora, porque procura abranger o ser humano como um todo. Sempre procuramos atingir esse todo através da conscientização para aproveitamento dos recursos próprios da localidade». E continua: «somos, em primeiro lugar, profetas, educadores, agentes de saúde para beneficio da saúde do povo», De fato, os agentes de saúde são os profetas que clamam, caminham e acodem o povo, para libertá-lo da miséria c da fome, tendo ao seu lado riquezas e alimento. O povo, infelizmente, não se dá conta da fragilidade conceitual a respeito do que possui, do que está ao alcance de suas mãos, e desperdiça-o. Por exemplo, é comum ver pessoas que vendem ovos para comprar biotônico; que vendem mel para comprar açúcar; que vendem leite para comprar refrigerante. E há ainda, por estes brasis afora, latos como este: na mais nobre função da mulher, que é o parto, ela despreza o bom senso e segue princípios atávicos, por superstição: vestir camisa do avesso; encher de água um cano de espingarda e depois beber; rodear a casa com o pilão; untar o umbigo da criança com tabaco, fumo ou pó de carvão; tomar cachaça temperada; depois do nascimento, o marido sentar-se nos quadris da mulher, para uni-los. O Pe. Zortea, responsável pelos hospitais do Norte e Nordeste da Sociedade Beneficente São Camilo, na sua grande visão de administrador, percebeu tais e tamanhas deficiências na área da saúde comunitária que programou que uma parte do hospital se deslocasse de seu âmbito restrito, saísse de suas quatro paredes e atuasse junto ao povo, com as comunidades mais carentes, onde outras entidades não tinham ainda chegado. Para atingir tais objetivos, escolheu, em cada hospital, coordenadoras que se destacassem pela liderança e tivessem uma grande penetração entre o povo. Providenciou transporte para que elas se movimentem com mais liberdade e presteza. Reservou sala para aulas, instrumentais e dependências para receberem os candidatos a agentes de saúde e onde abrigá-los durante os cursos.


Ação educativa Ninguém se movimenta, mentalmente, a não ser por um objetivo conhecido e querido. Educar para mudar requer um conhecimento dos objetivos e vontade de livrar-se dos preconceitos atávicos. Não é uma tarefa simples. É ensinar a pescar e não dar o peixe, numa atitude paternalista. A missão precípua das coordenadoras é, pois: . a formação de lideres e agentes de saúde; . promover cursos voltados para parteiras leigas, rurais e curiosas; . realizar cursos de primeiros socorros; . planejar reuniões, palestras e debates na área da saúde; . reunir clubes de mães e outras entidades para conscientizá-las dos problemas de saúde; . visitar bairros, povoados e comunidades para tal fim; . ensinar o povo a não adoecer, usando os meios que estão ao seu alcance. É uma atuação polivalente, diversificada. Ensinar a aplicar uma injeção, fazer um curativo, promover um mutirão para cavar um poço ou fazer uma fossa. Para que estes cursos tivessem o maior êxito possível, foram comprados projetores, séries de slides, livros, máquina fotográfica etc. Os títulos a seguir dão uma idéia do envolvimento educativo a que se entregam os grupos de coordenação: higiene pessoal e ambiental; ensino do uso certo da alimentação; alimentação alternativa; cultivo de hortas comunitárias; uso da água potável; divulgação da medicina caseira; soro caseiro; hortas medicinais; farmácias comunitárias; enfermagem domiciliar; vacinação; Pastoral da Criança; emprego; preocupação com a mulher marginalizada. Os resultados obtidos atestam essa educação transformadora: Na retaguarda de todo esse trabalho está o hospital, Ele acompanha de perto todo esse movimento pela saúde, orienta-o nas dificuldades e pede o retorno dos agentes, anualmente ou de dois em dois anos, para uma reciclagem dos conhecimentos. Isto exige uma preocupação administrativa e uma dinâmica visão por parte dos coordenadores. A escolha dos agentes Quem escolhe o agente de saúde é a própria comunidade em que vive. Deve ser uma pessoa bem conceituada, pois a importância que vai ter mais tarde é de grande relevância. Será um líder da saúde em sua comunidade. Nestes anos de trabalho, já foram credenciados mais de mil agentes de saúde, que estão na mentalização de um povo forte e sadio. Que se correspondem com os hospitais, há, hoje, cerca de 500 agentes. Outros, por motivo de mudança, se desligaram das coordenadoras, não enviando mais seus relatórios. Através desses relatórios, tem-se o instrumento para identificar a atividade de uma ação. Eles retratam a vida e morte de uma obra ou sua atuação e dinamização. Centenas de comunidades, ribeirinhas do rio Amazonas, são atingidas por esse trabalho e visitadas regularmente. Mais de 80 comunidades são orientadas pela equipe de Balsas. Centenas de outros povoados, bairros e comunidades são atingidas pelos agentes de saúde de Grajaú, Pedro II, Limoeiro do Norte e ltapipoca. É uma evangelização de saúde em massa, atingindo os lugares mais carentes, necessitados e abandonados. Alguns relatos são ilustrativos dos resultados obtidos. Irmã Marta, de Santarém, escreve: «No curso de obstetrícia, houve aulas práticas de nutrição, usando as plantas nutricionais da região. Grupos de quatro alunas prepararam pratos com plantas do próprio quintal. Depois, no plenário, cada grupo explicou para as outras o que continha a


receita, como preparar e que valor nutritivo tinha para o nosso corpo. Tivemos um delicioso almoço só com plantas dos quintais». Berenice, coordenadora de Balsas, conta-nos que morriam, em média, 40 crianças por ano, num bairro. Com o uso do soro caseiro, a mortalidade infantil foi a zero. No dia 14 de agosto, foi publicada nos jornais a seguinte noticia: «O Ministério da Saúde anuncia um plano de treinamento das parteiras leigas, dando-lhes noções básicas de saúde, para que possam fazer um parto limpo, sem risco de complicações». Tal plano a Sociedade Beneficente São Camilo executa há bom tempo em todos os hospitais do Norte e Nordeste. Em Santarém, por exemplo, já foram realizados mais de 20 cursos para parteiras leigas, com duração de seis meses, para agentes de cidade e do interior, com ensino teórico e prático na Maternidade Sagrada Família. As candidatas devem ter de 25 a 35 anos e são escolhidas pela comunidade. Durante o curso, são alojadas nas dependências da maternidade ou em casas de amigos. Devem ter o terceiro ano primário. A parte teórica obedece a matérias especificas do curso. Temos o cuidado de não formar mercenárias da saúde, isto é, parteiras que, mais tarde, cobrem pelos trabalhos. Tudo deve ser feito espontânea e voluntariamente. Preocupamo-nos também em não entrar em conflito com as parteiras curiosas, mas em atrai-las para que adquiram conhecimentos científicos sobre o assunto.

EM DEFESA DA VIDA Durante a 27º Assembléia Geral da CNBB, realizada em ltaici, SP, os bispos brasileiros, entre outros temas, criticaram o aborto e divulgaram um documento em que alertam as autoridades quanto á necessidade de salvaguardar os direitos e interesses da família. O documento, na integra, é este: É missão da Igreja anunciar Jesus Cristo, que venceu a morte para conquistar-nos a vida. Na busca constante da fidelidade a esta missão, nós, Bispos católicos do Brasil, reunidos na 27º Assembléia Geral, dirigimo-nos aos fiéis cristãos e á toda a sociedade brasileira, em defesa da vida agredida pela prática largamente difundida do aborto. Estimam-se em milhões os abortos provocados por ano no Brasil. Multiplicam-se as clínicas da prática do aborto. Isso constitui forte interpelação á nossa sensibilidade humana e consciência cristã. Entre os fatores de natureza sócio-econômica, encontram-se as opções que insistem em privilegiar o econômico sobre o social, com uma política de produção voltada para a exportação e que continua a exigir altos custos sociais da Nação. O crescente êxodo do campo para a cidade continua sendo forçado pela concentração fundiária e pela ausência de reformas profundas, que propiciem a permanência no meio rural, em condições humanas favoráveis. Em conseqüência, crescem aglomerados urbanos, impossibilitando condições aptas a uma vida familiar digna. Favorece, outrosssim, o aborto, o fato de mães empregadas não poderem dispensar os devidos cuidados aos filhos, como também a não aceitação de mulheres gestantes em empregos. Dentre os fatores sócio-culturais, denunciamos: a tremenda crise de valores; a falsa idéia difundida por um feminismo exagerado, que defende um irrestrito direito sobre o próprio corpo; a crescente onda de imoralidade e permissividade, tão fortemente estimulada pelo mau uso dos meios de comunicação social, notadamente a televisão. Em todos os casos, é sempre a família a grande vitima.


Atinge-se, outrossim, frontalmente, a dignidade da mulher, tantas vezes marginalizada e instrumentalizada, que se torna, no caso do aborto, não apenas sujeito, mas também objeto de profunda agressão física e psicológica, gerando-se nela forte sentimento de culpa. Preocupa-nos e entristece-nos o rato de a nova Carta Magna não ter assegurado, suficientemente, o direito á vida, desde o instante de sua concepção. Dentre os fatores sócio-religiosos, enumeramos: a falta de uma fé coerente e a perda do sentido ético e moral, a ausência de ambiente cristão no lar e o egoísmo da família, sem abertura para o outro, especialmente para o nascituro. Se a Igreja, reiteradas vezes, assumiu posição de denúncia contra o assassinato de tantos que se engajam na construção de uma sociedade justa e fraterna, não nos é lícito calar diante dessa grave situação que ceifa milhões de vidas inocentes e indefesas. Se a sociedade se aflige diante de milhões de menores abandonados, não deveria também escutar o clamor silencioso de milhões de nascituros, eliminado; pela prática do aborto? Em nossa sociedade, omitem-se ou adiam-se, indefinidamente, as soluções dos problemas básicos, apelando-se, em dedução errônea e inaceitável, para a liberalização do aborto, como se os culpados fossem os nascituros. Fique, além disso, claro que, mesmo se esses fatores fossem eliminados, não se justificará a interrupção de uma gravidez, por tratar-se de ato intrinsecamente mau, contrário ao direito á vida. A Igreja orienta os esposos para o planejamento familiar, salva-guardados os princípios éticos e morais, respeitando-se a decisão responsável e consciente dos pais. Reconhecemos o dever de se aprimorar o serviço á família, para que nela se transmitam os valores humanos e cristãos. Ao Estado cabe a grande e urgente responsabilidade de salva-guardar os valores e interesses da família, em seus direitos fundamentais, entre os quais o direito á vida, desde a concepção. Pedindo a Deus que ilumine e fortaleça a consciência de todos, especialmente dos médicos e outros agentes da saúde, professamos nossa fé no Deus-Pai, que enviou seu Filho «para que todos tenham vida e vida em abundância» (Jo, 10,10). Que esta nossa declaração seja um apelo para a observância do mandamento do Senhor: «Não matarás» (Ex 20,13), e uma conclamação para que todos possamos dar «um novo sim à vida».

A HUMANIZAÇÃO NO HOSPITAL João C. Mezomo Quando, há 16 anos, propusemos á Comissão Científica de um Congresso de Administração Hospitalar que incluísse no seu programa uma palestra sobre «A humanização do hospital», nossa sugestão foi recebida com uma gargalhada do seu presidente, na ocasião e ainda hoje, um destacado empresário hospitalar que, em seguida, assim se manifestou: «Bem, como deverão estar presentes no congresso algumas freiras, não custa reservar uns minutos para este tema». E assim, pela primeira vez no Brasil, tivemos a oportunidade de falar a respeito do tema que hoje voltamos a abordar: «A humanização no hospital». Nesses últimos 16 anos, o hospital conheceu uma série de mudanças tecnológicas e ganhou também uma nova administração com a formação dos primeiros administradores hospitalares profissionais. A sociedade também conheceu várias mudanças, infelizmente nem todas positivas, como é o caso do aumento descontrolado da violência em todas as suas dimensões: física,


psicológica, moral, política e social. E porque mais violentada, a sociedade também clama mais por justiça e busca a preservação de seus direitos fundamentais, dentre os quais se destacam a dignidade e o valor da pessoa humana. A humanidade toda, aliás, está percebendo que o respeito à pessoa é condição para sua própria sobrevivência, e os movimentos ecológicos têm cada dia novos simpatizantes. Não se trata de fazer concessão á pessoa. Trata-se de reconhecer sua posição como centro de referência do mundo que ela administra e das organizações que ela constrói, sobretudo as que para ela se destinam, como é o caso dos hospitais, que têm na pessoa do enfermo sua própria razão de ser. Não se trata, tampouco, de imposição de valores morais e de princípios religiosos específicos de determinados grupos. Trata-se do respeito á dignidade intrínseca da pessoa humana e da garantia de seu direito fundamental à vida e á saúde. Afinal de contas, o hospital não está a serviço da doença e nem da morte. Embora nem sempre tenha condições de evit´s-las, jamais poderia causa-las. Seria uma traição ignominiosa e imperdoável, porque praticada contra seres indefesos e por vezes, até agradecidos pelos serviços que lhes são prestados. Humanização e administração - O que distingue o hospital de qualquer outra organização é sua razão de ser: o paciente! Ele não pode ser um estranho para a administração do hospital. Deve, pelo contrário, estar no coração dela! Só se pode entender a administração do hospital partindo de sua dimensão psicológica, porque seu nível de humanidade e de empatia é um componente essencial na recuperação do paciente. Esta preocupação deve estar sempre presente: na admissão do paciente; na organização das visitas dos familiares, na manutenção do contato do paciente com o mundo exterior, na orientação quanto a horários, refeições, exames etc...Tudo isto tem uma importância muito grande para quem está confinado num leito. O sofrimento físico, muitas vezes, é agravado pela ansiedade, e esta também precisa ser tratada. O administrador e a humanização do hospital - O hospital, como qualquer outra instituição, é a imagem de quem o administra. Por isto mesmo, é necessário que o administrador hospitalar entenda, em primeiro lugar, sua função, e, em seguida, se capacite para exercê-la com eficácia. Somente assim o hospital prestará um serviço efetivo, eficiente e aceitável. Entender sua função: este é o grande desafio e a responsabilidade básica do administrador hospitalar! Ele não é apenas um gerente de produção e não se esgota na obtenção de resultados a sua tarefa. Ele precisa, sim, de resultados, mas com a qualidade necessária! Ele não é apenas um repetidor de rotinas e processos, mas um inquieto analista das necessidades de sua comunidade, para sempre melhor atendê-la. Ele não estabelece objetivos e metas para o hospital apenas, mas para o efetivo atendimento de seus usuários. Ele não repete o passado, mas conduz sua organização para o futuro, dando-lhe a flexibilidade e agilidade necessárias para capacitá-lo para suas sempre novas funções sociais. Ele torna produtivos recursos físicos, materiais e tecnológicos do hospital, mas dedica especial empenho e atenção á constante qualificação de seus recursos humanos, condição e garantia do respeito devido á pessoa do enfermo. Para que o hospital possa cumprir sua função social, o administrador precisa ter competência e caráter. E ele precisa possuir o fundamento de todo conhecimento: a humildade. Humildade para reconhecer suas limitações e para repartir, pela delegação, suas responsabilidades. Humildade para ouvir as pessoas e para aceitar a avaliação, pelos pacientes, dos cuidados que lhes são prestados. Fazendo isto, ele estará levando a sério seu trabalho e sua organização. Não basta que ele dirija a instituição, deve também dirigir-se a si próprio pela disciplina, pela busca da verdade, pelo


respeito ás pessoas e pela inconformidade com a mediocridade no desempenho, próprio e do seu hospital. O administrador hospitalar deve dedicar especial atenção ao conhecimento do perfil comportamental do paciente, a fim de poder planejar e conduzir adequadamente o processo terapêutico. Ele, como a sua equipe, deve conhecer a psicologia do doente para poder prestar-lhe cuidados integrais e adequados. O administrador interessado em humanizar o hospital não se limita á análise quantitativa dos relatórios de produção, como se eles fossem o critério único de confronto de sua própria capacidade gerencial. Além de saber o que e quanto produz o seu hospital, ele se preocupa em verificar como isto vem sendo obtido. O administrador é o agente primeiro da humanização do hospital. Se ele não a entender ou não a quiser, ela não acontecerá. E uma questão de filosofia de trabalho que ele deve adotar, se quiser ocupar com dignidade a desafiante e nobre função que exerce! E deve também transmiti-la para a sua equipe e a todos os demais funcionários. A Comissão de Humanização do hospital - O hospital que pretende levar a sério os direitos do paciente e que esteja comprometido com a humanização de seus serviços poderá garantir ainda mais esta filosofia, mediante a criação de uma Comissão Interna de Humanização. O hospital não existe para «produzir» pessoas fisicamente sadias, mas para oferecer ao paciente um tratamento que respeite sua dignidade e seus direitos como pessoa. Isto, evidentemente, supõe que o hospital tenha uma administração fundamentada nestes valores e que o seu administrador seja o primeiro a defendê-los. De fato, se o administrador não tiver esta mentalidade, a humanização não chegará ao seu hospital! A humanização do hospital passa pela ação do seu administrador e ele a pode garantir através da elaboração de instrumentos disciplinadores compatíveis com a filosofia adotada. Assim por exemplo, é fundamental que o Regulamento Geral do hospital, além de definir seus objetivos e sua estrutura, explicite também sua missão e o reconhecimento da dignidade e dos direitos fundamentais do paciente. Este regulamento definirá, também, a qualidade humana do atendimento a ser oferecido e garantirá ao paciente o direito de se manifestar relativamente ao mesmo, quer diretamente ou através do preenchimento de um formulário próprio, chamado Questionário de Alta. É claro que não é o regulamento que humaniza o hospital, mas sua existência facilita a obtenção deste objetivo. É fundamental, igualmente, que o hospital possua uma organização adequada e prevista em regimento próprios, em todos os seus serviços, a fim de garantir a ação integral de todos na obtenção dos objetivos de humanização do próprio hospital. Podemos até dizer que. Sem regulamento e sem regimento, o hospital não tem condições de humanização, porque a desorganização acabará por agredir o paciente, tirando-lhe, inclusive, a segurança do diagnóstico e a qualidade do tratamento. Compete igualmente à administração possibilitar a humanização do hospital através da formação de um quadro de pessoal adequado às necessidades de atendimento, capacitado tecnicamente para o mesmo e, sobretudo, decidido, consciente e motivado. Ocorrendo isto, o paciente, esquecendo as dores físicas e os traumas psicológicos de dura experiência vivida, apenas recordará, agradecido, a atenção e o carinho recebidos. O hospital que não dispuser de um quadro de pessoal suficiente, técnica e humanamente qualificado, não pode pensar em humanização! Este não vem por decreto do administrador! Ela só existirá por decisão e eleição de cada funcionário! E quem são os funcionários do hospital? Quem os seleciona e que critério adota? Que requisito físico, técnicos e humanos se lhes exigem? E quem


os treina, recicla, avalia e acompanha? e quem os motiva e aprimora Cabe à administração a resposta a estas perguntas. É preciso lembrar ainda e sempre que a humanização diz respeito à defesa dos valores do paciente e ao atendimento de suas expectativas e necessidades! E como conhecê-las, se ao paciente não forem garantidas vez e voz? O paciente não é apenas objeto de um tratamento decidido por critérios técnicos. Ele é, seu sujeito. Ele precisa e deve ser chamado a participar do processo de atenção a que está sendo submetido. Ele deve, inclusive, ser informado a respeito das várias possíveis opções de tratamento, a fim de poder pronunciar-se a respeito das mesmas. Ele não é um simples boneco que está sendo moldado ao gosto e à capacidade do escultor! Ele é, e sempre será, o primeiro senhor de seus atos e de tudo o que lhes diz respeito. Não se trabalha sobre o paciente, mas com o paciente! Composta por representantes dos principais serviços e áreas hospitalares (Administração, Corpo Clínico, Enfermagem e serviços Administrativos e de Apoio) e dotada de regimento próprio, com definição de estrutura, princípios e objetivos, a Comissão de Humanização será guardiã dos direitos do paciente e sua advogada e representante dentro do hospital. A atividade básica da comissão consistirá na execução das seguintes tarefas:  levantamento do perfil do hospital, do ponto de vista do respeito e da defesa dos direitos do paciente, considerando tanto sua planta física, quanto sua estrutura administrativa, técnica e operacional;  identificação das medidas e providências prioritárias no saneamento dos aspectos agressivos do atendimento prestado ao paciente;  elaboração de uma estratégia de aplicação das medidas adotadas, incluindo o preparo dos funcionários para as mesmas;  implementação do plano elaborado e  acompanhamento e avaliação do plano visando à análise de sua efetividade e sua possível revisão ou reformulação. É claro que este trabalho só obterá resultado na medida em que tiver o apoio e a participação da administração do hospital e de todo o quadro de pessoal, que, para isto, deverá ser instruído e, sobretudo, motivado. E não se poderá esquecer, evidentemente, que o principal sujeito do plano, o paciente, deve ser também consultado quanto à propriedade e qualidade do mesmo. Isto poderá ser feito tanto através de contato pessoais ( com o paciente e seus familiares) quando através de questionários próprios ou, ainda, do questionário de alta, a que acima nos referimos. Através de reuniões periódicas, com registro em ata, a Comissão Interna de Humanização irá identificando a amplitude de sua responsabilidade e descobrindo a melhor forma de cumpri-la. Conclusão – Pelo exposto, fica claro que o hospital está a serviço da vida e da saúde. A morte e a doença apenas lhe oportunizam a prestação de seus serviços. Elas não são meios e fatores de outros resultados que não sejam o sejam o serviço à pessoa necessitada. A pessoa não é, tampouco, simples objeto de experiência ou de investigações científicas. Ela é o sujeito e a razão de ser de todo o tratamento que lhe é oferecido. A ciência, evidentemente, deve evoluir, mas em benefício da pessoa e não contra ela! Isto significa que mesmo a pesquisa deve fundamentar-se nos valores éticos que emanam da pessoa e deve parar quando eles tiverem que ser desrespeitado ou ignorados. A humanização no hospital é questão de fidelidade a estes princípios. É filosofia de trabalho. É compromisso de todos para com o respeito devido ao paciente como pessoa humana que é.


A humanização no hospital é também uma questão de opção de quem o administra. Se o administrador não a quiser ou não a valorizar, ela não acontecerá!

AS LIÇÕES D NOSSO SANTO PADROEIRO Em 14 de julho, a Igreja festeja o dia de São Camilo (a data em que ele morreu). E, para a Pastoral da Saúde, esta é uma data muito especial, em que, com a celebração em honra a São Camilo, lembramos o atendimento cristão aos doentes. Por isso, melhor que recordar episódios da vida de São Camilo é dispormo-nos a concretizar as lições que nos deu. Aplicando ao trabalho junto aos enfermos, por exemplo, os Mandamentos dos Profissionais da Saúde, tais como ele os deixou explicitados: Eu sou o enfermo, seu patrão e senhor! 1. Respeite a dignidade e sacralidade de minha pessoa, imagem de Cristo a cima da minha fragilidade e limitações. 2. Sirva-me com amor, respeito e solicitude, com todo seu coração, com toda sua inteligência, com toda sua força e com todo seu tempo. 3. Trate-me como você gostaria de ser atendido, ou como o faria com a pessoa mais querida que você tem no mundo. 4. Seja a voz dos sem voz, seja o defensor dos meus direitos, para que sejam reconhecidos e respeitados. 5. Evite toda negligência que possa pôr em perigo minha vida ou prolongar minha enfermidade. 6. Não fruste minha esperança com sua pressa e impaciência, com sua falta de delicadeza e incompetência. 7. Sou um todo uno, um ser integral. Sirva-me assim. Não me reduza a número ou a uma história clínica e não se limite a um mero relacionamento funcional. 8. Conserve limpo seu coração e profissão; não permita que a ambição e a sede de dinheiro os manche. 9. Preocupe-se com minha rápida melhora. Não esqueça que vim ao hospital para sair recuperado o quanto antes possível. 10. Partilhe minhas angústias e sofrimentos; ainda que você não possa eliminar a dor, acompanhe-me. Sinto falta de seu gesto humano e gratuito, que me faz sentir alguém e não algo, ou um caso interessante. E quando você tiver tudo o que deveria fazer, quando você foi tudo o que deveria ter sido. Não se esqueça de me agradecer ( São Camilo de Léllis ).

PARTILHA DOS ÔNUS NO CAMPO SANITÁRIO Hubert Lepargneur

Na lista flexível dos direitos subjetivos que vieram á tona nestes 200 anos e são hoje mais reivindicados do que nunca, o menos embaraçante é «direito á saúde», Abordá-lo pelo lado ideológico das reivindicações torna insolúvel o problema de justiça que ele implica ou, antes, deixa a solução entregue (luta entre forças sociais antagônicas. E exatamente o que permite e favorece a


definição mais famosa da saúde, a da Organização Mundial da Saúde, sublime e inaplicável, entre mais de 100 outras propostas, cada uma mais atraente que a outra. Tentaremos enquadrar o desafio com a objetividade a nosso alcance. Um duplo e maciço fenômeno domina a área: as exigências individuais em matéria de saúde e conforto crescem quase sem limite, socialmente orquestradas, e o mesmo fazem os custos, em que pesa o custeio de aparelhagens cada vez mais sofisticadas. Entre diversos conflitos envolvidos no dossiê da justiça sanitária, prevalece em nosso parecer a tríplice questão Seguinte, cujas respostas são obviamente conexas, num equilíbrio mutável com a situação político-econômica da sociedade, isto é, com a geografia e com a história, mas também com as opções ideológicas e com o ethos (costumes), implicando valores e contravalores éticos da vivência efetiva. O espaço aqui reservado admite apenas um rápido esquema, eventualmente desenvolvível em tempo oportuno. 1) O que cabe ao indivíduo e a seu circulo familiar? Em correlação com esta pergunta, situam-se: a) desempenho das medicinas caseiras e populares, por um lado e b) a eventual extensão da solidariedade parental ás recentes comunidades populares de base, por outro lado. 2) O que cabe ao poder público em matéria sanitária? Vinculadas a esta interrogação, as questões: a) como repartir as incumbências entre os níveis das estruturas político-públicas? e b) como relacionar a Previdência Social nacional (alimentada com prestações especificas dos envolvidos) e o orçamento público geral (alimentado por impostos)? 3) Qual o espaço desfrutado pelas articulações privadas, intermediárias entre as duas competências já evocadas? Em decorrência: a) como relacionar medicina liberal e medicina dos serviços públicos, por um lado, e como situar, do outro, os seguros contratuais privados face ao sistema nacional obrigatório? b) papéis e influência das obras e atividades confessionais no setor da saúde, assim como dos lobbies políticos das agremiações sindicais? Este parece um quadro que permite ordenar os vários problemas de justiça sanitária com os quais somos confrontados. Um erro de perspectiva ou uma carência de profundidade nos levaria a pretender enxergar estes desafios, ora dentro do regime capitalista (mas em que versão?), ora dentro do socialismo (mas qual?). Esta dicotomia é de fato superada no âmbito da saúde, quando resulta da observação que existe menos discriminação sanitária e afinal melhor atendimento geral á saúde do povo na Grã-Bretanha, na França ou na Suécia capitalistas do que na União Soviética. A fim de não deixarmos o leitor sem proposta de normatividade nesta área de justiça sanitária, sugerimos esta síntese pouco clássica, mas aberta a criticas construtivas: a) a pessoa cuja saúde está em questão tem direito a exprimir-se; b) o pagador ou seu representante tem também o direito á expressão; c) a justiça sanitária configura o diálogo entre ambos, num horizonte de bem comum, provido de mediações institucionalizadas; d) a decisão imediatamente exeqüível virá amiúde do médico, que julga tecnicamente na situação concreta, no horizonte pessoal e social condicionado por tudo aquilo a que aludimos. Outras propostas: 1) Desde que se aceite um direito «a (certos) cuidados de saúde» pelo fato que o doente é uma pessoa humana (como restringir a poucos eleitos a «eminente dignidade» que tanto celebram os documentos eclesiásticos?), o ideal seria organizar-se a fim de atender a quem precisar, reduzindo ao mínimo uma onerosa e pesada burocracia; mas, como a economia exige limitações dos dispêndios, os cuidados seriam restritos aos necessários e permitidos pela economia da sociedade considerada, com inevitável decisão política. Esta perspectiva seria humana, coerente e a mais simples possível.


2) Se prevalece o bem concreto dos seres humanos, a ideologia deve ceder aos procedimentos que comprovem maiores benefícios ao cidadão comum (a ideologia não peca por excesso de racionalidade, mas por defeito dela). A alergia freqüentemente alimentada diante dos serviços privados deve ceder diante da prova que custam menos ao poder público para um serviço melhor, ofertado aos usuários, cabendo ao Estado toda a fiscalização que convier.


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