O GRITO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO Francisco Macedo
Em Lucas 8,43-48 temos um texto que cala fundo nos dias de hoje, pois nossa sociedade é planejada segundo o desejo de poucos e não segundo a justiça e o bem da coletividade. Ele faz-nos pensar também que estamos vivendo sob o jugo das potências que escravizam sem piedade e discriminam sem o menor escrúpulo. E deve alertar-nos para o nosso próprio comportamento, quando no exercício pastoral junto aos doentes. Os cinco versículos são suficientes para mostrar como o relacionamento humano é importante em nosso trabalho, quer como pastores, quer como representantes da vida. Neste pequenino trecho, vemos como Jesus fez cair a legalidade judia que negava ao ser humano a própria vida, como também o direito de ser filho de Deus. A mulher do relato estava impura há 12 anos, dá-nos Lucas, por estar doente. Entre os judeus, a mulher era tida como um ser inferior, destinada exclusivamente á procriação e ao serviço da casa. Era discriminada no templo, na sociedade, na roda de amigos, nos lugares públicos, nas reuniões, impedida de conversar com estrangeiros. Durante o período de menstruação, quando se encontrava em estado de impureza, passava a ser considerada quase como lixo, por contaminar tudo o que tocasse, até mesmo por onde passasse. Tinha, assim, de trancar-se em casa, para não contaminar o resto dos puros. A vida da mulher, nesse período, se sujeitava a normas rigorosas: não podia tocar o marido, dormia separada, era impedida de fazer qualquer coisa em casa, e todo aquele que porventura tocasse numa impura deveria submeter-se ao rito da purificação para escapar ao seu estado pecaminoso. Um ciclo natural da vida feminina era, pois, considerado como castigo e condenação de Deus. E havia 12 anos que a pobre mulher estava doente e proibida da vida em comum. Não tinha mais ninguém, nem mesmo sua família, estava só. O gesto de coragem - especialmente partido de quem era o lixo da sociedade de então comoveu Jesus, e aquele ato de tocar-lhe a fímbria do manto, aparentemente insignificante, foi sua salvação. Roubar a força de Jesus foi a sua maneira de ser gente, de fazer parte da sociedade como gente, com direitos e dignidade. Daquele momento em diante, o Mestre a fez discípula, deu-lhe vida, fê-la sentir-se alguém, acima de tudo. A sociedade, representada pela multidão que seguia a Jesus, era dividida em pelo menos três grupos: os que acreditavam nele, os curiosos e os que o vigiavam para pegá-lo em alguma falta. A mulher enfrenta a sociedade com sua coragem e fé, as únicas armas que lhe restavam. Com seu gesto, quebra a lei e toca em Jesus. Esta atitude é o grito da pessoa marginalizada, dizendo para todos: «Eu quero viver, eu mereço ser considerada como gente, como ser humano digno de vida, de ser. Jesus faz ver a Israel que suas leis são desumanas, que a atitude habitual não é digna da graça de Deus. Por isso, é necessário mudar. E chama o marginalizado de «meu filho», diz que possui fé e que essa fé foi a causa de sua salvação. Jesus recupera a vida onde a sociedade a havia matado, dá dignidade a quem a sociedade marginalizara e estigmatizara como impuro e indigno. Acima de tudo, ama a quem a sociedade marcara como possuído pelo demônio. A impureza era como um castigo contra uma falta oculta que a pessoa carregava em sua consciência: Deus, então, a castigava publicamente...
A mulher enfrenta a multidão e, como o escravo face ao seu senhor, diz humildemente: «Fui eu, Mestre, quem tocou e roubou tuas forças, porque não agüento mais viver nestas condições de antivida, não suporto mais ser a escória da sociedade. Quero viver, e assim é impossível!». Jesus responde chamando-a de minha filha. Neste momento, declara o seu amor por ela, como Pai faz com seu Filho, e a confirma na fé. É um texto rico para a nossa reflexão, que deve levar-nos a um persistente questionamento: a quem discrimino em minha ação pastoral? o que considero mais importante no meu trabalho na Pastoral da Saúde? que pacientes mais gosto de visitar? minha dedicação é igual para todos?
A CAMINHADA DE EMAÚS Arnaldo Pangrazzi
Durante sua atividade terrena, Jesus mostrou uma predileção especial pelos enfermos, dedicando-lhes boa parte do seu ministério. A meditação sobre os textos que dizem respeito às suas intervenções em favor deles constitui uma estimulante contribuição no desenvolvimento duma «espiritualidade» orientada para a ação pastoral. No rico inventário de ilustrações evangélicas, existe um texto que oferece uma panorâmica rica de intervenções pastorais. E o texto de Lucas 24,13-35. O episódio insere-se na tradição póspascal centrada na revelação do Ressuscitado aos seus discípulos. O texto enlaça-se bem á Pastoral da Saúde, enquanto os dois discípulos de Emaús estavam vivendo um momento de perturbação e angústia. A sua história e seus sentimentos espelham de perto a experiência de muitos doentes que, frente á perda de sua saúde ou da própria vida, sentem o desabamento de suas certezas e esperanças. A presença de Jesus neste cenário e o seu modo de relacionamento com eles tornam evidente uma série de intervenções pastorais que podem guiar o agente de pastoral em sua relação de ajuda com os doentes. Acompanhemos de perto o desenvolvimento desse encontro, ressaltando o amalgamar-se das várias pedrinhas do mosaico de misericórdia. O contexto concreto - O carisma da misericórdia manifesta-se «no intimo» e é uma resposta a situações especificas de sofrimento humano. Na narrativa de Emaús, o evangelista Lucas traça com rápidas pinceladas as circunstâncias que moldam a intervenção de Jesus. «Nesse dia, dois deles caminhavam para uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios, e conversavam entre si sobre tudo o que acontecera» (v. 13). Jesus se prepara para envolver-se nesta realidade, neste cenário humano, assim como o agente de pastoral entra no mistério de pessoas desconhecidas para oferecer sua presença, enfim a si mesmo. A iniciativa de Jesus - «Enquanto conversavam e discutiam, acercou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho» (v. 15). Muitas vezes, os Evangelhos referem-se a multidões de doentes que acorriam a Jesus para serem curados. Nesta ocasião é ele mesmo que, intuindo o sofrimento interior dos dois peregrinos, se aproxima. Tomar a iniciativa de aproximar-se de quem sofre é uma característica peculiar do agente de pastoral. O médico visita seus doentes. O enfermeiro toma conta dos pacientes internados na sua seção. O capelão torna-se presente, de modo simples e prudente, a todos. A palavra iniciativa significa entrar dentro, empreender alguma coisa de novo e dinâmico. Sem tal
contribuição as pessoas e as coisas ficariam assim como são. Onde há iniciativa, criam-se as condições para a transformação e para o diálogo. Onde, ao contrário, predominam a hesitação e a passividade, as oportunidades de crescimento humano e espiritual murcham. A abertura ao diálogo - «Disse-lhes ele: Que palavras são essas que trocais entre vós, enquanto andais?» (v. 17). A pergunta é um expediente comum para abrir a conversa: «como esta?», «como vão as coisas?» e assim por diante. A resposta permite penetrar no mundo do outro e entender um pouco o humor e as preocupações dele. No curso de um diálogo, uma pergunta certa pode, ás vezes, mediar (ou aproximar) a diferença no aprofundamento dum discurso. No contexto pastoral, deve-se usar esta técnica com discernimento e sobriedade. Há quem acredita se comunicar somente bombardeando o outro com uma chuva de perguntas Se as intervenções pastorais são continuamente marcadas de pontos interrogativos corre-se o risco de transformar a visita num interrogatório. O encontro com o paciente não é um exame: o apressar-se em preencher os silêncios com interrogações não constitui um diálogo. Há outras formas de intervenção, como um aceno de cabeça, um silêncio respeitoso, um comentário em sintonia com as preocupações do outro, que permitem o diálogo ocorrer com maior naturalidade e eficácia. A acolhida da história - «Pararam entristecidos, e um deles chamado Cléofas respondeu: «Tu és o único forasteiro a ignorar o que lá se passou nestes dias?». Perguntou-lhes ele: «Que foi?». Responderam, lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré...» (v. 19). A pergunta inicial de Jesus provoca uma dúplice resposta: a primeira não verbal, a segunda verbal. A nível não verbal, a expressão evangélica «o semblante tão melancólico» dos dois discípulos. As pessoas falam com seus olhos e com a expressão de seu rosto melhor do que com palavras. O mapa exterior da pessoa é um guia ás suas paisagens interiores: o agente tem de familiarizar-se com elas e aprender seus traçados. A nível verbal, Cléofas narra o porquê da tristeza deles: eles tinham colocado todas as suas esperanças num homem que acabara pregado numa cruz. O trágico e incompreensível fim os tinha transtornado. Apesar da amargura de todo o acontecido, acenam para uma vaga esperança alimentada pelo testemunho de algumas mulheres que falam do Cristo Ressuscitado. As pessoas feridas sentem-se aliviadas quando encontram um modo de contar e compartilhar o que dói e pesa em seu intimo. O dar valor ás angústias escondidas, ás perspectivas não esperadas, permite dar um respiro aos sofrimentos interiores e gerir realisticamente uma vida que mudou. O agente de pastoral que sabe escutar, sem se preocupar em dar conselhos ou resolver os problemas do outro, encontrou a chave para entrar no coração e captar a confiança das pessoas. O conforto dos protagonistas - Jesus acolhe, sem interromper, as confidências e as reflexões dos dois discípulos. Após escutar, provoca, confrontando. «Disse-lhes então: «Ò homens sem inteligência e lentos de espírito em crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias que sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» (v. 26) O confronto inesperado é o caminho que os leva á maturidade da fé. Os discípulos tinham partilhado sua perspectiva bíblica e suas expectativas com Jesus, mas não tinham apanhado o contexto mais vasto em que aquela história se manifestara ao mundo. O Ressuscitado os guia para compreender melhor as Escrituras e a interiorizar o conhecimento de que o sofrimento faz parte do plano redentor. Confrontar e transmitir a verdade com amor!
Na relação pastoral, o confronto visa abrir os olhos do paciente, alargar o horizonte de quem es, tá mergulhado num contexto de fé infantil, desafiar atitudes que promovem a renúncia, a dependência e o medo, em vez de coragem e confiança. O mundo da saúde está cheio de acontecimentos difíceis, que podem ser mudados em oportunidades de crescimento. O confronto se coloca como um contributo valioso á reflexão e à tomada de consciência naqueles pontos de referência que iluminam o sofrimento e mobilizam os recursos interiores da pessoa. A catequese - «E, começando por Moisés e por todos os profetas, interpretou-lhes em todas as Escrituras o que a ele dizia respeito» (v. 27). Aqui o confronto se transforma num momento educativo. Jesus ajuda seus ouvintes a focalizar a sua fé á luz das Escrituras. O médico desenvolve um serviço análogo quando ajuda o paciente a compreender as causas da sua doença e o envolve no processo de autocura, no aconselhar, e surgem ações que garantem saúde. Da mesma forma, o agente de pastoral pode utilizar-se das várias contigências para catequisar e assistir espiritual e moralmente a pessoa enferma. Algumas vezes, os momentos educativos se inserem na preparação à administração dos sacramentos; mais amiúde, nascem da escuta das inquietude do paciente a tornam-se propostas no itinerário de crescimento pessoal. A experiência de comunhão - «Aproximando-se da aldeia para onde iam, Jesus fez como se fosse mais adiante. Eles, porém, insistiram, dizendo: «Permanece conosco, pois cai a tarde e o dia já declina». Entrou então para ficar com eles» (vs. 28 e 29). O diálogo intenso dos dois peregrinos com o desconhecido cria sentimentos de amizade e de confiança. O convite insistente que lhe fazem, «fica conosco», è para uma comunhão mais profunda. Estar em comunhão com alguém significa apreciar os seus pontos de vista, modo de sentir e valores. A comunhão está presente, quando estamos em condições de comunicar calor humano, gostos de compreensão e acolhimento que contribuem á autencidade da relação e à sintonia do coração. Principalmente, quando «a noite vai caindo» quer dizer: quando cai a escuridão na vida das pessoas e torna-se mais profunda a necessidade de alguém perto. O calor de uma mão, o afeto de um gesto causam aquele sentido de «comum-união» que infunde coragem e conforto a quem enfrenta a solidão e a dor. A revelação - «E, uma vez à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o e distribuído a eles» (v. 30). A experiência da comunhão, o «ficar com» alguém leva a um conhecimento mais profundo. Até agora Jesus foi para os dois discípulos um hóspede atraente, mas estranho. Na mesa, se revela como aquele que é de verdade e é reconhecido no partir do pão. Os símbolos têm um grande sentido na vida das pessoas. O agente de pastoral, além de criar um clima favorável em que o doente se sente livre de se revelar, procura também estar atento em perceber e compreender os símbolos da sua existência. O agente da pastoral procura valorizar a dimensão litúrgica e os sinais sacramentais que o tornam, nas mãos de Deus, um instrumento do amor sempre presente. A conversão - «Então seus olhos se abriram e o reconheceram: ele, porém, ficou invisível diante deles e disseram um ao outro: Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?» (vs. 31 e 32). O caminho de busca dos discípulos de Emaús culmina na revelação de Jesus, que opera neles uma conversão. Até aquele momento não tinham reconhecido o Senhor. Agora tudo se torna
claro: o estado inicial de tristeza transforma-se em alegria, a amargura pela morte de Jesus torna-se júbilo pela Ressurreição. Um semelhante itinerário de renascimento verifica-se no doente quando há uma evolução do medo para entrega a Deus, da solidão pessoal para a solidariedade com outros, do pessimismo para a confiança. A atuação neste caminho de esperança necessita da presença de alguém que saiba dar espaço ás vozes interiores, facilitar a auto-revelação e afirmar os progressos da pessoa. O testemunhar - «Partiram imediatamente. Voltaram para Jerusalém. Acharam ai reunidos os onze e seus companheiros...» (v. 33). «Partiram...», diz o Evangelho. Os dois discípulos não guardaram para si, como um tesouro, a revelação de Jesus, mas puseram-se a caminho para participar aos outros a boa nova. O caminho da busca converte-se agora em caminho missionário, em empenho de testemunho. «E eles narraram os acontecimentos do caminho e como o haviam reconhecido na fração do pão».(v. 35). O desafio para o agente de pastoral é de redescobrir em cada pessoa que sofre o rosto de Jesus. Cotidianamente, ele mergulha no tecido de histórias desconhecidas para depositar algum sinal de misericórdia. E depois vai embora outra vez, retoma o caminho. Sim, porque há outros para encontrar, outros a quem anunciar o Evangelho. O próprio doente é um missionário - Uma vez encontrando Deus no sofrimento, ele se torna testemunha do que ele viveu e descobriu. Curado, ele torna-se instrumento de cura para os outros. No exercício da atividade pastoral, Jesus é o modelo por excelência. A partir de sua ação, o agente de pastoral se insere com autenticidade e criatividade nas várias situações humanas, partilhando o remédio indispensável que é o amor.
VIDA E FORÇA PARA OS DOENTES “Sinal de vida e força para os enfermos e idosos” continua a série de audiovisuais que tratam do compromisso da comunidade cristã no complexo mundo da saúde, iniciada com o audiovisual «Igreja e saúde». De autoria do Pe. Leo Pessini, ele parte da realidade concreta de conflito da sociedade moderna e tenta realçar e resgatar a importância da Pastoral da Unção dos Enfermos. Procura apresentar esse sacramento como sinal especial do amor do Pai presente em Jesus e vivido na comunidade, junto a quem está doente ou é idoso. O Sacramento dos Doentes tem que ser celebração do compromisso da comunidade cristã para com os que estão doentes e anciãos debilitados.
1. Slide: Um doente, um padre, pessoas da comunidade reunidas. Detalhe: o doente deve estar em condições de participação. Locutor: Sinal de vida para os enfermos. 2. Uma estrada qualquer. Detalhe: deve dar idéia de descida. No nosso caminho, descem crianças, jovens, homens, mulheres, velhos. Eles caem nas mãos do poder econômico, que os torna sem nação, sem terra, menores abandonados, alcoólatras, toxicômanos, prostitutos, prostitutas, operários mal pagos, desempregados, anciãos abandonados, vitimas de guerra, das enchentes, da seca, da natureza destruída, das doenças que põem fim á vida.
3. Alguém apanhando da polícia ou sendo linchado. Eles são roubados, espancados. Eles estão semimortos. 4. Um político fazendo discurso ou marchete de jornais falando de pronunciamentos de políticos tradicionais sobre a miséria do povo. No nosso caminho, passa o poder político que vê a multidão semimorta e a descreve com prolongados discursos, depois passa por outro lado. 5. Algum aparelho de alta tecnologia. No nosso caminho, passa o poder tecnológico que vê a multidão semimorta, preenche mil relatórios e segue adiante por outro lado. 6. Um livro sobre a miséria, alguém interpretando ou dançando. No nosso caminho, passa o poder cultural que escreve, canta, pinta, esculpe, dança, interpreta, estuda a multidão semimorta e passa por outro lado. 7. Uma mitra e um báculo. No nosso caminho, passa o poder religioso que admoesta, exorciza, abençoa a multidão semimorta e acaba passando por outro lado. 8. Prédio de uma poderosa rede de bancos. Passa por outro lado - esta frase revela a falta de sensibilidade, de solidariedade da sociedade humana. 9. Uma bota masculina de cano alto. Detalhe: deve dar idéia de tropa militar. Ela revela o desumano que tomou conta das estruturas de poder de nossa sociedade. Este desumano coisifica, degrada a multidão semimorta de um lado; por outro lado, não deixa de aviltar e degradar o homem que participa do poder opressor. L0. Alguém tentando fazer uma ligação telefônica. O ser humano existe em função do outro. Ele realiza sua existência tentando se expressar para o outro e receber sua mensagem. 11. Um aparelho de televisão. Hoje, mais do que nunca, temos sofisticados veículos de condução desta expressão para a sociedade humana inteira. Temos a imprensa, o rádio, o telefone, o cinema, a televisão. 12. Um avião ou ônibus espacial. As distâncias da terra, e já se fala do universo, foram encurtadas pelos modernos meios de transportes: o automóvel, o avião, o ônibus espacial etc... 13. Uma aldeia. Alguém disse que o mundo se tornou uma aldeia. 14. Um muro. Só que esta aldeia está dividida, está impossibilitada de se comunicar. Como? IS. Uma ponte caída. O antagonismo econômico, político, tecnológico, cultural e religioso está destruindo os sinais de comunicação da aldeia. Por quê? 16. Duas ruas paralelas. Porque se passa por outro lado. Não há encontro verdadeiro entre o poder econômico, político, tecnológico, cultural e religioso com a multidão semimorta. 17. Uma nota de dólar. O que existe é uma relação de domínio. Por isso, o poder econômico rouba, espanca e deixa semimorto. O poder tecnológico é usado em favor do poder econômico. 18. Manchete de jornal sobre a posição do Brasil diante dos banqueiros internacionais. O discurso do poder político é sem significado para a multidão semimorta. 19. O anúncio de um espetáculo teatral sobre o sofrimento do povo. Os escritos, o canto, a pintura, a escultura, os versos, o estudo do poder cultural não chegam á multidão semimorta, não a revivem.
20. Uma celebração eucarística. Detalhe: a igreja quase vazia, uns fiéis sentados, outros de pé, outros ajoelhados. Os ritos, a cerimônia do poder religioso são incompreensíveis, cansativos para a multidão semimorta, incapazes de desperta-la para vida. 21. Madre Teresa de Calcutá. Para que aconteça a comunicação na aldeia é necessário que por ela passem homens e mulheres solidários que vejam a multidão semimorta, que se sensibilizem pela situação dela, que se aproximem dela, que cuidem de suas feridas, que a coloquem na sua própria montaria, que a abriguem. 22. Um orfanato. Que passem a noite com ela, que desembolsem moedas de prata, preocupando-se com o seu futuro. 23. Dom Hélder Câmara. Estes homens não passaram para o outro lado, mas estão sempre dispostos a encontrar a multidão semimorta, não mais neste estado, mas de plena vida. 24. Dom Pedro Casaldáliga. Estes homens, simbolizados na parábola de Jesus pelo Bom Samaritano, comunicam vida, comunhão, geram comunidade. 25. Irmã Dulce. O Bom Samaritano é um sinal de vida, amor, carinho e humanidade. 26. Óleo e vinho. Igualmente são sinais de sua solidariedade, de seu amor o óleo e o vinho que ele derrama sobre as feridas do abandonado á margem da estrada. 27. Um hospital. São sinais de amor a montaria, o albergue, as moedas de prata. O povo entende os gestos que produzem vida. 28. Padres que moram em favelas. Detalhe: mostra-los no dia-a-dia com o povo. O samaritano amou o abandonado no caminho, como se fosse ele mesmo: «colocou-o na sua própria montaria». Houve comunhão entre os dois. 29. Pessoas pobres. Jesus, que relatou esta história, conhece profundamente o coração humano. Ele sabe que o homem anseia por ver sua dignidade respeitada. O homem deseja participar livremente da construção de sua história. O homem quer viver em comunidade. 30. Sede de ONU. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Organização das Nações Unidas, o desejo de democracia atestam este desejo intimo do ser humano. 31. Rosas vermelhas. O amor é o significado último da existência humana. Acreditamos que Deus é amor. Primeira carta de São João, capítulo quatro, versículo oito. 32. Tanques de guerra. Nós fomos criados para o amor. Não podemos permanecer numa aldeia, divididos em poder dominante e multidão semimorta. 33. Uma figura de Jesus Cristo. Deus sentiu necessidade de destruir os muros antagônicos que separam a humanidade, que impedem a fraternidade. Por isso, ele se fez homem, encontrou-se com a multidão semimorta na pessoa de Jesus Cristo. 34. Jesus crucificado.
Jesus Cristo é sinal do amor de Deus para com os homens. Ele é o sinal da fraternidade humana. Jesus Cristo é o sacramento do amor de Deus e do amor dos homens. 35. Pão, vinho, água, óleo. Para comunicar o amor de Deus, produzir vida para a multidão semimorta, Jesus recorria á linguagem simples, a gestos e elementos compreensíveis para a multidão. O pão, o vinho, a água, o óleo faziam parte do cotidiano das pessoas. 36. Algumas prostitutas. Os gestos de Jesus comunicavam vida ao povo, reintegravam os indivíduos á comunidade. Ele curava os doentes, cegos, surdos, mudos, coxos, paralíticos, comia com os pecadores, conversava com as prostitutas. 37. Foto de Chico Mendes. Jesus teve comunhão vital com a multidão semimorta, foi morto pelo poder dominante. Sua morte produz vida, esta vida que a multidão semimorta aspira. 38. Um batismo. As palavras, os sinais, os gestos de Jesus continuam, ao longo da história, a produzir vida para a multidão semimorta, através de seus discípulos. Chamamos estes sinais e gestos de sacramentos. 39. Uma comunidade reunida. Todo sacramento tem como finalidade produzir vida, amor, gerar comunidade. 40. Ritual da Unção dos Enfermos. Entre os demais sacramentos, nós queremos considerar a Unção os Enfermos, este sacramento que gera vida, amor, ser presença da comunidade aos que estão doentes ou idosos. 41. Pessoas enfermas em peregrinação a algum santuário. Vimos que Jesus dedicou quase toda a sua vida pública ao serviço dos doentes. Era um sinal de que ele era enviado por Deus: «Ide relatar a João o que vedes e ouvis: cegos recobram a vista e coxos andam; leprosos são curados e surdos ouvem; mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres», Mateus, capítulo onze, versículos quatro e cinco. 42. Uma estrada com duas pessoas caminhando. Os discípulos recebem a mesma missão do Mestre: «Chamou os doze e enviou-os dois a dois. Deus-lhes poder sobre os espíritos impuros». Marcos, capítulo seis, versículo sete. 43. Pessoas felizes. «Expulsavam muitos demônios, ungiam com óleo numerosos doentes e os curavam». Marcos, capítulo seis, versículo treze. 44. Um padre rezando sobre um doente. A comunidade primitiva não abandonou o sinal e o gesto de Jesus: «Há entre vós algum enfermo? Que mandc chamar os presbíteros da Igreja, e estes orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo e o Senhor lhe dará alivio, E, se tiver cometido pecados, ser-lhe-á concedido o perdão». Carta de São Tiago, capítulo cinco, versículos treze a quinze. 45. Óleo Na cultura antiga, o óleo era importante, ele fazia parte da farmacopéia. Jesus, na parábola do Bom Samaritano, diz que ele curou as feridas do abandonado á beira do caminho com óleo e vinho. Lucas, capítulo dez, versículo trinta e quatro. 46. Um rei ou uma coroa real. O óleo era usado para a iluminação. Era símbolo de prosperidade, festa, hospitalidade. Era usado nos perfumes, na unção dos sacerdotes, profetas e reis. 47. Um atleta.
Os atletas gladiadores ungiam-se de óleo para dificultar a vitória do adversário, e os demais atletas gregos, para ter maior disposição. 48. Alguém colocando óleo na panela. A importância do óleo, no mundo moderno, ficou mais escondida. Ele é usado na cozinha, na lubrificação de parafusos e engrenagens de máquinas, na fabricação de alguns remédios. Ele perdeu a força de expressão, de sinal que tinha na sociedade antiga. 49. Um interrogação. Será que a simbologia da Unção dos Enfermos esvaziou-se no mundo moderno? 50. Óleo da Unção. A Unção com óleo é o sinal por excelência do Sacramento da Unção dos Enfermos. Ê o sinal material, mas existe a oração sobre o doente, o gesto de impor as mãos. 5I. Duas mãos unidas em atitude de oração. Para o nosso povo, a oração tem um forte significado. A oração do padre sobre o doente significa o acolhimento, carinho e preocupação da Igreja para com a pessoa que está enferma. 52. Um doente sorridente na cama. O doente é importante. A Igreja, na pessoa do sacerdote, deseja que ele melhore. 53. Um doente tentando andar. A doença desintegra o enfermo. Ele tem vontade de andar, de fazer o que fazia quando tinha saúde. No entanto, a fragilidade de seu corpo impede a realização de seu desejo. E um encontro face a face com as próprias limitações. 54. Parede de um quarto. Ele se sente quebrado em pedaços. O seu mundo é reduzido a um quarto. 55. Alguém dando de comer na boca de um doente. Ele depende dos outros em quase em tudo, muitas vezes, nas mínimas coisas. Ele sente que é um peso para os demais. 56. Um roda de chimarrão. Pouco a pouco, ele é isolado do convívio dos amigos. Na medida, em que sua doença se prolonga, as visitas rareiam, ele e quase que esquecido. 57. Uma rua movimentada. Ele percebe a sua insignificância, a proximidade da morte: «o mundo caminha sem ele». 58. Uma lamparina com óleo. O óleo na antigüidade simbolizava festa, hospitalidade, luz. A comunidade cristã pode resgatar este sentido para o óleo da Unção dos Enfermos. 59. Um bispo paramentado para a celebração eucarística. O óleo é bento pelo bispo, na Quinta-Feira Santa, depois é levado para a comunidade que o usa, durante o ano, na administração do Sacramento da Unção dos Enfermos. 60. Várias pessoas de mãos dadas com um doente ou mais. Cristo significa o Ungido, a Unção representa a ação de Cristo produzindo vida, amor, integração, vida comunitária ao doente. 61. Círio Pascal aceso. Cristo é a luz para a noite do doente. Ele traz a integridade ao que está enfermo. 62. Alguém demonstrando carinho ao doente. Este não é um abandonado: è um membro da comunidade que está enfermo. Aqui está a dimensão da hospitalidade 63. O padre ungindo o doente, num hospital ou residência. O óleo bento pelo bispo, pastor da comunidade, é o óleo da acolhida, do carinho, da preocupação pela saúde de um membro da casa, da comunidade.
64. Uma festa. É festa, pois nenhum sacramento pode ser recebido fora da comunidade sem o risco de perder o seu significado. 65. Uma aldeia em dia de festa comunitária. Os sinais de Cristo geram vida. Fazem da multidão semimorta uma comunidade viva que não esquece seus doentes nem seus anciões debilitados. 66. Um abraço. Ficha técnica.
ALGUMAS PISTAS PARA REFLEXÃO Para refletir em grupo . Quais os sinais que, em nossa sociedade, expressam carinho, afeição, acolhimento, solidariedade, amor? . O que são sacramentos? Identifique-os na vida de sua própria comunidade. . Qual o sentido que a comunidade dá para o Sacramento dos Doentes (Unção dos Enfermos)? . Como é visto e entendido hoje o Sacramento da Unção dos Enfermos? . Aprofundar a seguinte afirmação a respeito dos efeitos da Unção dos Enfermos: «Este sacramento confere ao enfermo a graça do Espírito Santo, que contribui para o bem do homem todo, reanimado pela confiança em Deus e fortalecido contra as tentações do maligno e as aflições da morte, de modo que possa não somente suportar, mas combater o mal e conseguir, se for conveniente à sua salvação espiritual, a própria cura. Este sacramento proporciona também, em caso de necessidade, o perdão dos pecados e a consumação da penitência cristã”( Rito da Unção dos Enfermos e sua Assistência Pastoral. N.º 6). . A visita do padre ao doente esteve por séculos ligada à Extrema Unção. Chegou-se a identificar a presença do padre junto o leito do enfermo com a morte. Faça uma análise critica a partir da nova perspectiva pastoral. . Qual o lugar que os doentes e idosos ocupam na sua comunidade? . Como a comunidade cristã testemunha os valores do Reino de Deus no serviço aos enfermos e idosos? . Na vivência dos sacramentos, especialmente da Unção dos Enfermos, como a comunidade contribui para transformar a sociedade em que vive? . Como sua comunidade pode ser um sinal de vida, justiça, solidariedade e amor junto aos doentes e idosos? . Qual a contribuição dos enfermos e idosos para a comunidade cristã? . Reflita sobre isto: «Na verdade, aquele que adoece gravemente necessita de uma graça especial de Deus, a fim de que, premido pela ansiedade, não desanime e, submetido à tentação, não venha a perder a própria fé. Por isto, o Cristo fortalece com o Sacramento da Unção os fiéis que adoecem, concedendo-lhes as sim poderoso auxilio» (Rio da Unção dos Enfermos e sua Assistência Pastoral, nº 5).
A AÇÃO DA IGREJA EM ALGUNS NÚMEROS No Terceiro Mundo, em países de missão, a Igreja Católica mantém 713 leprosários, 2.800 orfanatos, 1,179 asilos para doentes e anciãos, 6.190 dispensários, 2.063 hospitais e 2.139 creches e casas para menores. Além dessas instituições, as missões católicas atendem a 18,5 milhões de
estudantes, dos quais 320 mil em cursos universitários, 500 mil em faculdades diversas e 5 milhões no grau médio. Graças aos esforços dos missionários e dos catequistas, a Igreja Católica passou de 200 milhões de fiéis, em 1900, para mais de 800 milhões em 1988. Se este crescimento mantiver o ritmo atual, esse número será de 1.169 mil fiéis no ano 2000. (Fonte: «Grande Sinal», 1989-3, pág.338)
AS GRANDES QUESTÕES DA BIOÉTICA Christian de Paul de Barchifontaine Nas edições de abril e junho últimos do Boletim ICAPS, o Pe. Leocir Pessini abordou aspectos da Bioética, através dos artigos intitulados «Bioética, valores e limites» e “O oitavo dia da criação”. Será oportuno aos leitores reverem esses dois textos. Agora, gostaria de elencar alguns dos grandes questionamentos e desafios oferecidos pelo estudo da Bioética. Esses temas devem discutidos por cientistas, médicos, teólogos, juristas, psicólogos, ministros de culto, enfim por todos os setores da sociedade. Ao falar em Bioética, pensamos logo em manipulação genética, alta tecnologia, transplantes etc., mas não pudemos deixar de fazer alusão ao falo de que a Bioética é a ética da vida. Por ser um ramo da ciência que procura estar a serviço da vida, a Bioética engloba, em suas reflexões, aspectos sociais, políticos, psicológicos ilegais. Tudo o que se opõe á vida transgride a Bioética. Exemplos: a pobreza generalizada de certas camadas sociais; a poluição do meio ambiente; a escravidão; a má organização do trânsito com as mortes que acarreta; a insegurança no ambiente de trabalho, que gera acidentes; a violência urbana; a tortura; a ameaça nuclear; o aborto; a eutanásia... A Bioética visa preservar e promover a vida. Cabe a cada um de nós, portanto, responder por isso. E conveniente deixar claros alguns conceitos básicos. A Ética é um grito pela dignidade da pessoa humana. A Bioética posiciona a dignidade da pessoa humana frente á questão da tecnologia, com seu puder de destruir ou construir; com sua possibilidade de redesenhar o ser humano, alterando-lhe a identidade. O homem está-se tomando senhor da vida e da sua própria vida, como bem ilustra a expressão «em lugar de consultar os astros, consultam-se agora os genes». Uma visão panorâmica dos questionamentos propostos pela Bioética, apresentada em três compartimentos distintos, nos permite ter idéia de sua magnitude. Inicio da vida - 1. Como não ter os filhos que não se quer? Inicio da vida humana: características e valor da vida humana; contracepção, esterilização (vasectomia, laqueadura); exames pré-natais: ultrasson, amniocentese, vilo corial; aborto. 2. Como ter os filhos desejados que a natureza parece recusar? Concepção assistida: inseminação artificial homóloga e heteróloga; fecundação in vitro; doação de sêmen, de óvulo, de ovo ou embrião; congelamento dos mesmos; mães de aluguel. 3. Engenharia genética, com a capacidade de o homem trabalhar em tubos de ensaio, manipulando o gene: riscos de que organismos vivos, modificados para uso na agricultura, possam escapar ao controle dos cientistas, entrando em mutação, causando epidemias; com 30 anos, será possível fazer um clone de uma pessoa (um ser produzido em laboratório a partir de uma única célula); em 20 anos, estará à venda no mercado o gene dos olhos azuis, o que determina o nascimento de alguém
com cabelos loiros ou a pele clara; cruzamento de diferentes espécies (homem-chipatizé) e criação de animais transgênicos; a tentativa de engravidar o homem; os riscos de se colocar os destinos da espécie nas mãos de uns poucos que o processo vital: programação de pessoas, homens para o trabalho braçal, seres intelectualizados. Área intermediária - Aqui, as questões englobam o inicio e o fim das decisões do homem: . ideologia: bloqueio do senso critico, impedindo as pessoas de tomarem consciência da situação adversa em que vivem; . analfabetismo: estima social que marca o cidadão pelo resto a vida; . ecologia: poluição atmosférica, da água, sonora, alimentar: . má organização social: ensino, saúde, agricultura; . cultura: estrutura familiar, liberalismo sexual, violência, mãos de comunicação social; . política: reforma agrária, política de saúde (ações básicas); . economia: a vida necessita de recursos materiais cm quantidade e qualidade adequadas e suficientes; . revisão das leis e dos códigos de ética. Fim da vida - .Em 1900. A idade média da morte se situava em mais ou menos 45 anos. Causas: epidemias, acidentes (natureza, animais), problema cardíaco. Morte Aguda: ou se morria ou se sarava ( entre o adoecer e o morrer, mediavam cinco dias). . Em 1989, a idade média da morte se situa nos 65 anos aproximadamente, no Brasil. Causas: câncer, doenças cardíacas crônicas, Doenças cerebrais crônicas. Processo do morrer: entre o adoecer e o morrer, mediam cinco anos, graças às conquistas da medicina e da tecnologia aplicada à saúde. Reflexões sobre: . Eutanásia (direito à morte digna frente ao sofrimento “despersonalizador”); . vivendo morrendo? ; suicídio; . obstinação terapêutica; . Transplantes: . morte. Comissões de Bioética Na área hospitalar, frente aos questionamentos colocados, o médico não pude decidir sozinho, Daí a importância das Comissões Hospitalares de Bioética para refletirem sobre essas questões. As Comissões devem ser multidisciplinares, reunindo o administrador hospitalar, o diretor clínico, a enfermagem, psicologia, serviço social, juristas e ministro de culto. A reflexão sobre os problemas elencados envolve a medicina, a ética, o social e o legal. Não existe fórmula para garantir que tais decisões serão fáceis, mas podemos assegurar que, tanto quanto possível, elas serão bem informadas e responsáveis, para execução em beneficio da dignidade da pessoa humana como o fator determinante de sua adução. «O ser humano é um ser eminentemente social, se sente bem quando o conjunto da sociedade se sente bem».
DESAFIOS PROPOSTAS PELA BIOÉTICA Hubert Lepargneur Com um ramalhete de princípios, resolve-se um punhado de problemas de Bioética. Talvez demais, sem suspeitarmos a necessidade e a validez dos princípios. Seu uso confere segurança no raciocínio, mas não preserva sempre o dever de duvidar oportunamente. Outro desafio consiste na escolha de alguns dos muitos princípios disponíveis nos armários da dialética: escolhendo os princípios aplicáveis no caso, determina-se a solução, mas em nome de que super princípio escolher uns antes do que outros? Consideremos uma grave doença que grassa em ilhas mediterrâneas, a talassemia. Um enxerto de medula óssea permite em princípio curar a maioria dos casos, mas esta intervenção é muito onerosa. Segundo os contextos e as opções dos interessados, três são as mais típicas atitudes tomadas: I) Quando um exame pré-natal, intra-uterino ou por transparência, revela um diagnóstico de talassemia maior, certas mães abortam. Essa decisão nunca tem a aprovação da Igreja. 2) A solução pela intervenção de transplante de medula óssea parece ideal, mas alguns perguntam se os milhões de cruzados da operação não seriam mais bem empregados para proporcionar urna vida humana a um número maior de pessoas atingidas por doenças menos graves. Em vários dos poucos países equipados para esta delicada intervenção, supondo resolvidos os problemas de custo, existem listas de espera, por falta de cirurgiões especializados disponíveis. Como escolher as prioridades? Quando ocorre tal eleição, o mais ético consiste em desvendar com transparência os critérios objetiva e efetivamente seguidos: na Grã-Bretanha, certos tratamentos particularmente onerosos a cargo do sistema público de Previdência não são aplicados a pacientes após certa idade. Na França, os médicos criticam esta discriminação, mas é por motivo econômico que este país não está usando o método Tokos de acompanhamento da gravidez de alto risco, que fada baixar a porcentagem de prematuros problemáticos. A única maneira de desprezar os problemas de custo sanitário é de não ter nenhuma responsabilidade neste setor. Estariam em melhor postura os países que escolhem alguns privilegiados, negando a própria ocorrência de escolha? 3) Por opção ou necessidade, a alternativa mais em uso consiste em deixar a natureza prosseguir seu curso, mas para obter que qualidade de vida? Apesar da forte desaprovação duma minoria, uma das importantes inovações culturais de nossa época consiste em que os povos e as pessoas aceitam com maior dificuldade do que outrora as perspectivas de vida de má qualidade. Uma componente fundamental do atual subdesenvolvimento consiste em recusar para seus pais condições de vida que eram comuns há uns cem anos nas regiões hoje prósperas. Nos gabaritos atuais, todos os povos do século XVIII seriam subdesenvolvidos. A comparação faz sofrer (porque se olha em cima e não em baixo de si), ao passo que a impressão de passar pelo inevitável alivia. Não podendo reverter as evoluções, como restringir as distâncias? A Bioética alarga o horizonte e o alcance da antiga casuística, amiúde exageradamente individualista, ao apelar para mais amplas dimensões ou insuspeitos pormenores, outrora despercebidos ou negligenciados, inclusive por falta de instrumentos adequados de análise. O animal ético lança mão duma razão sempre modernizada para comparar vantagens e inconvenientes das alternativas que a realidade lhe propõe. A dialética hoje ofertada pela Bioética é mais interdisciplinar e socializada do que as casuísticas anteriores, progresso nítido já que norma alguma dispensa por muito tempo um órgão interpretativo, nem que seja a própria consciência individual. De modo que a história da moral
conta assim a sucessão da maneiras de resolver a ambigüidades das situações por meio de normas não desprovidas de ambivalência. Quanto mais se multiplicam os fatores intricados por bem ou por mal numa conjuntura que apela por uma decisão, menos provável é a eliminação ou a evitação de efeitos indesejáveis, e mais delicada a opção pela melhor prospectiva. A mais simples opção ética, como a mais complexa, não passa – como vimos – duma escolha entre princípios ou duma hierarquização de valores. Ora, é tão difícil classificar, comparar e priorizar os princípios éticos quanto os valores a serviço dos quais eles operam. Mas será que a orientação ética das pessoas de carne e osso se esgota na hierarquização de conceitos? Não será também que a articulação dos princípios serve essencialmente a resolver os problemas morais dos outros ou ainda casos imaginados no abstrato, conquanto o sujeito ético recorre de fato e espontaneamente, na maioria das vezes, própria e simples intuição a fim de sair de sua indecisão? Mesmo assim, a Bioética exige da sociedade uma reflexão crítica e racional sempre retomada para não dizer provisória, útil para o tirocínio individual. Temos esforços a desempenhar para compreender o sofrimento dos outros e freqüentemente conseguimos achar explicações satisfatórias para ele. O sofrimento que resiste a tal clarificação, quase por definição, é sempre o próprio. Com efeito, não será esta incompreensão o próprio núcleo intransferível – mas também intransponível – do sofrimento individual? Similarmente, os casos novos e difíceis da ética sanitário devem passar pela análise atenta e rigorosa dos entendidos, inclusive porque, em geral envolvem hoje uma responsabilidade coletiva; nunca cairemos, entretanto, se formos bem inspirados, na ilusão ou na perversão de substituir este processo social à consciência do agente.