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O que é o Camillianum Primeiro instituto do gênero na Igreja, o Camillianum – Instituto Internacional de Teologia Pastoral Sanitária foi constituído para oferecer «um aprofundamento orgânico das temáticas sempre mais complexas que os operadores sanitários devem enfrentar» (Dolentium om~~lum, 4) e aprovado pela Santa Sé, no dia 28 de abril de 1987. Integrado á Porttificia Faculdade Teclógica Teresianum, no Largo Ottorino Respighi, 6 (al- la Carrilluccia), em Roma, ele pretende contribuir para a promoção de «urna nova cultura da vida e da saúde e para uma evangelização mais incisiva no mundo sanitário». Seus objetivos são: . preparar agentes e mestres de Pastoral da Saúde, mediante a especialização em Teologia Pastoral Sanitária; . oferecer um serviço de biblioteca e documentação para promover a pesquisa científica em Teologia Pastoral Sanitária; . elaborar subsídios e cuidar de publicações científicas; . ajudar as Igrejas locais na organização e na afirmação da Pastoral da Saúde. A possibilidade de cursar o Camilianum é oferecida a sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que já atuam na área e pretendam aprofundar sua preparação e motivações, bem como desejam receber formação específica que os habilitem para a missão no campo sanitário. Isso é feito através de cursos que se desenvolvem de outubro a junho, com aulas ás terças, quartas, quintas e sextas-feiras das lsh30rrin ás 19h. O idioma é o italiano. Os alunos são divididos em três categorias: ordinários, extraordinários e hóspedes (ou ouvintes). Ordinários são os que buscam obter mestrado e doutorado em Teologia Pastoral Sanitária,já tendo licença em Teologia ou cumprido curso filosófico-teológico seminaristico ou possuam formação tecnológica equivalente (nestes dois últimos casos, o candidato passa por um prévio exame-colóquio de admissão). Extraordinários são aqueles que, não atendendo aos requisitos acima, desejam freqüentar os cursos, que lhes dão um diploma especial. Exige-se, porém, que tenham diploma universitário e preparação teológica de base. Hóspedes são os alunos que freqüentam alguns cursos, conferindo-se ao seu final um atestado de freqüência e dos exames feitos. O plano de estudos do Camillianum harmoniza doutrina e prática, para facilitar o entrosamento da Teologia à prática pastoral. Os cursos fundamentais abordam temas biblico-teológicos sobre o homem, a saúde e o sofrimento; temas pastorais, como a evangelização e os sacramentos, a ajuda cristã a doentes e moribundos; temas psico-sociológicos e éticos e a história e espiritualidade da saúde e da doença. Nos seminários, fazem-se abordagens pastorais especializadas com crianças, anciãos, deficientes, cancerosos, aidéticos e drogados, estudam-se problemas de saúde do Terceiro Mundo e os direitos dos doentes, assim como o voluntariado sócio-sanitário. O programa se completa com vários cursos complementares e um específico de formação em Pastoral Clínica. Para o mestrado, o curso prevê quatro semestres de 13-16 horas semanais, num total de 57 créditos. O ensino se subdivide em 18 cursos fundamentais e dois seminários


obrigatórios, um tirocínio prático com supervisão, também obrigatório, e seis cursos complementares. Para a admissão, exige-se pedido de inscrição, o título de estudo prescrito (diploma de licença ou atestado original dos estudos realizados), quatro fotografias 3/4 e, para sacerdotes, seminaristas e religiosos, uma carta de apresentação do próprio superior (Ordinário diocesano, Reitor ou Superior local). O Camillianum procura ir ao encontro de alunos em dificuldades, com a ajuda possível de natureza econômica. A Morte e o Morrer A morte é essencialmente particular a cada pessoa, de maneira que ninguém pode substituir o outro neste episódio da existência. Apesar disto, o homem sente na morte do outro um extraordinário fenômeno que o deixa perplexo. O temor pela morte e a lembrança daquele que já morreu fazem com que o sentimento de morte esteja mais perto do homem, mais atuante, mais uma parte do seu ser do que mesmo a vida. O paciente terminal, aquele que está próximo de morrer, não é portador de um germe da morte, da inevitabilidade que os profissionais tanto temem c que os faz acreditar que estão dando o melhor de si. Percebe-se que, uma vez declarado o estado de terminalidade, os pacientes ficam muito sós, queixam-se de que o médico não vai mais ao seu quarto, a extensão da prescrição médica aumenta e tende a tornar-se repetitiva, atendo-se mais a cuidados gerais e dietas, no sentido de manutenção da integridade biológica dos pacientes. Entre os membros da equipe de enfermagem, há ansiedade no momento em que a enfermeira responsável pelo plantão faz a escala de trabalho dos funcionários, momento esse em que é definido quem vai cuidar do paciente terminal que eventualmente ali esteja internado. Essa situação aparece nas tentativas de mudança de escala sob as mais variadas alegações e justificativas. Os pacientes queixam-se de que os elementos'da equipe de saúde limitam-se a lhes dar os cuidados mínimos, permanecendo na enfermaria apenas o tempo necessário para tal, e isto pode indicar a inexistência de uma proposta de aproximação a este paciente, por parte destes elementos, de estar com ele em sua situação de terminalidade. Quando alguém se propõe a atuar sob esse enfoque, o faz por iniciativa pessoal e não porque seja uma filosofia do serviço. Consumado o morrer, é grande o afluxo de funcionários á enfermaria, cada um se desincumbinDo de parte das tarefas, de modo que o corpo seja retirado dali o mais rápido possível. Há toda uma sincronização do trabalho a ser feito, havendo um funcionário que chama o elevador, enquanto o outro aguarda na enfermaria para levar o corpo colocado numa maca. A chegada do elevador, a maca é rapidamente introduzida, de modo a não ficar no corredor expondo para os outros pacientes a visão da morte. Esse ritual para tentar ocultar a morte no hospital reflete uma ideologia da instituição local para cura e saúde, não havendo espaço para o morrer. Deve-se considerar o caráter funcionalista da instituição, pois onde há tarefas claras, predeterminadas, elas são rapidamente assimiladas e cumpridas. Isto não ocorre quando o paciente vivencia sua terminalidade próxima, onde nada é claro, onde não há possibilidade


de operacionalização de conteúdos ou de conceitos, onde é impossível se determinar o que e corro fazer. Percebe-se também que, geralmente, o paciente não conhece o diagnóstico de sua doença ou mesmo parte dela, enquanto paciente terminal, e o seu relacionamento com um profissional de saúde fica condicionado a uma sucessão de racionalizações até atingir um ponto insustentável, onde o diálogo pode não ser mais possível. O paciente terminal tem sua existência dependente das suas relações com o ambiente das coisas e com outras pessoas e, portanto, com os objetos do seu redor, e seu mundo é o lugar onde está junto com essas entidades. Percebe-se que a prioridade da equipe de saúde é dada ao paciente que tiver maior aparelhagem em seu redor (tubos, drenos, soros, respiradores etc.), ou seja, a prioridade é em função da complexidade do tratamento, em detrimento de um aspecto também essencial, que é o do paciente corro pessoa, corro ser na sua faticidade. Para o paciente terminal, a força, o poder, seu ímpeto autocrático sofrem um cerceamento pelas atitudes impositivas e imperativas da equipe que o trata. Seu querer não é mais próprio, é o querer da equipe; suas decisões não são suas, são da equipe, em nome dessa equipe. Há sempre um fundamento que -explica ou justifica estas decisões. O paciente, ao dar entrada no hospital, já se entrega nas mãos da equipe, mesmo que não o deseje fazer. O paciente terminal, enquanto pessoa, não escolheu a doença que o está levando para a morte; ela faz parte da circunstancialidade que constitui sua condição humana. Dentro dos limites criados por essa circunstância, o paciente terminal, por ser humano, precisa poder escolher, fazer opções, correr riscos nessas escolhas, assumir compromissos c sofrer as cor; seqüências das escolhas que fez. Sem esses riscos, não há opções significativas para o ser. E, sem elas, não há liberdade. Ao paciente terminal essa liberdade tem sido muitas vezes negaria, pois a equipe assume o encargo do paciente. É necessário que o paciente terminal seja encarado como ser reflexivo, que tem uma preocupação com a sua individualidade, com formas de responder á vida com seu próprio corpo. Ele é um ser-com, com pessoas com coisas; é um ser temporal que se preocupa consigo próprio, toma consciência de si mesmo e se projeta no futuro. Somente quando as pessoas que atuam na área da saúde entenderem a morte corro pane da existência é que poderão estar com o paciente na sua terminalidade, não se antepondo à morte corro um desafio á vida, mas corro pane integrante e inalienável da mesma. Fernanda Carneiro, Enfermeira do Instituto do Coração, da Faculdade da Medicina da Universidade de São Paulo. Dignidade no Adeus “A morte pertence à vida, como pertence o nascimento. O caminho tanto está em levantar o pé, como em pousa-lo no chão”. O pensamento e de Tagore. Diz o Livro do Eclesiastes (3,1,2) que “existe um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu. Tempo para nascer e tempo para morrer” Sim, nascer e morrer são os dois momentos-chaves em nossa vida, duas balizas fundamentais que nos falam de um começo e de um fim. Um belo dia viemos e este mundo


e um dia também teremos que partir. Gostemos ou não, o fato é que ninguém fica para semente. A vida na sua dimensão terrena é passageira, frágil: somos mortais. Vida: sorriso-lágrima A hora do nascimento, da chegada de alguém em nossa família que se torna também parte da grande família humana, é sempre antecipada numa gostosa expectativa. Existe muita esperança, alegria e esta. Os vizinhos, amigos e parentes se reúnem, vibram e cantam. Estampado em todas as fisionomias existe o sorriso. O momento da morte, por sua vez, é sempre uma situação difícil, pois a sensação de perda de alguém querido invade o nosso ser, parece que “dói a alma”. Perante alguém que está para morrer não nos sentimos à vontade, não sabemos o que dizer ou fazer, sentimonos impotentes. Neste contexto, uma presença incômoda que tentamos disfarçar ou reprimir: a lágrima. A vida sempre se apresenta entremeada por sorrisos e lágrimas. No momento inicial, a vida é um “alô” de chegada, no instante final é o “adeus”da partida.Uma verdade nem sempre levada a sério é de que fomos ajudados para nascer e precisamos também ser amparados na hora de morre. É aqui que se faz necessária a presença do agente de pastoral, no sentido de desenvolver sua habilidade de acolher os sentimentos expressos nas lágrimas. O período de tempo que vai desde o diagnóstico de uma determinada doença incurável (por exemplo, câncer, AIDS etc.) até o momento do adeus definitivo, é uma fase em que o doente precisa muito de apoio humano e espiritual, enfim de solidariedade cristã, sem esquecer a família também. Precisamos ajudar a pessoa a viver com uma qualidade de vida boa dentro dos limites que a situação impõe, preparando-a gradativamente para o adeus, tendo como base a verdade dos fatos. Muitas vezes, isto não é fácil de enfrentar. É evidente que há maneiras de se comunicar a verdade à pessoa, e ela deve ser a maior interessada nesta questão. Comunicar a verdade a respeito da doença e deixar a pessoa sozinha sem nenhum apoio é desumano e anti-ético. Nossa cultura latina não gosta de comunicar a verdade e prefere esconder ou então mentir. Devemos afirmar que isto, na maioria das vezes, não ajuda. Quantas brigas por bens materiais, pela herança após a morte... simplesmente porque não se conversou antes. Outros aspecto importante é observar que encontramos familiares de doentes vivendo o luto com o doente ainda em vida. Aqui é necessário que o agente de pastoral seja um exímio facilitador para trabalhar a comunicação com a família e o doente, para que se proporcione vida antes da morte e não a morte ainda estando a pessoa em vida. Nesta situação, acabamos matando a pessoa antes de morrer. É uma injustiça que se faz, pensando em se fazer o bem. Inacreditável! Ajudar frente aos medos Para ser de ajuda, precisamos compreender a situação pela qual o paciente terminal está passando, que no geral pode ser caracterizada por uma série de medos. É lidando seriamente com estes fantasmas que poderemos responder melhor às necessidades emergentes. Vejamos sinteticamente quais são os medos mais característicos:  medo do desconhecido – Não se trata tanto o medo que vai acontecer no além-morte, mas medo do agora. Medo do que vai acontecer na vida real. As perguntas mais comuns são: O que vai ser de minha família? Como reagirão à minha morte? Que mudanças acontecerão no meu corpo?  Medo da dor pela perda – Ninguém gosta de perder nada e muito menos a própria vida. O paciente terminal enfrenta de forma gradativa uma série de


perdas (tais como trabalho, amigos, relacionamentos humanos, planos futuros) que o deixa muito angustiado; Medo da perda do corpo – O corpo humano não é um mero apêndice do nosso viver. É parte vital do nosso conceito e auto-imagem. Os desfiguramentos físicos podem fazer surgir o sentimento de ser feio, não agradável e de não aceitação; Medo da solidão – o ser humano foi criado para viver com os outros. Viver é conviver. O contato humano é vital. Estando numa UTI, um tanto isolado, por melhor que seja o tratamento, surge o medo de não ter ninguém perto na hora que precisar, medo de ficar sozinho; Medo da perda da família e amigos – Dizer adeus para alguém não é fácil. Já sofremos para dar adeuses provisórios (por exemplo, para uma longa viagem), imagine-se um adeus definitivo! Ser de ajuda è ensinar as pessoas a se dizerem adeus, ajudando na separação; medo da perda de alto-controle - Nossa sociedade enfatiza muito a independência, o autocontrole, a autodeterminação. Nesta hora, a pessoa faz a experiência de ser completamente dependente até para as mínimas coisas que sempre fez, sem depender de ninguém, tais como ir ao banheiro, tomar banho, urinar etc. A dependência é sentida como profundamente mutilante. É preciso resgatar a dignidade nesta situação; medo do sofrimento e dor - Muitas pessoas falam em não ter medo de morrer, mas sin1de sofrer. E necessário estar acompanhando a medicação prescrita para tirar a dor. A dor sem explicação torna-se sofrimento, que atinge não só o físico, mas também o psíquico, o social e espiritual; medo da perda da identidade - Constata-se uma despersonalização gritante em nossas instituições de saúde. As pessoas são chamadas não pelo nome, mas sim pelo «número» e como «casos». Daí o desafio de reforçar a identidade chamando pelo nome.

Compreender as fases Junto com esta realidade dos medos, é bom levarmos em conta os estágios pelos quais o paciente terminal passa, descritos por Elizabeth Kubler-Ross. Esta tanatóloga (especialista em morte) americana, no seu trabalho com pacientes terminais, descobriu que eles passam-por cinco fases, que descrevemos brevemente a seguir. O receber a notícia de que se é portador de uma doença incurável é sempre um choque terrível, seguindo-se as fases: 1ª) Negação - O doente nega a realidade da doença.«Não, não pode ser verdade»... «será que não trocaram os meus exames???» são expressões típicas desta fase. A negação faz com que ele mude constante de médico, hospital e procure converter uma doença grave em benigna. A negação amortece a noticia chocante. A defesa não deve ser tirada, seria por demais penoso enfrentar a realidade. Não o desencorajar à negação, mas avançar com ele para a verdade. 2ª) Revolta - Quando não dá mais para negar, a negação é substituída por sentimentos de revolta, inveja ressentimento. O doente pergunta: «Por que eu?»,«Por que isto acontece comigo, eu que sempre fui uma mãe tão dedicada?» O sentimento de revolta é espalhado


em todas as direções, contra o médico, a enfermeira, a família, os amigos e até contra Deus. Não torrar esta atitude corro se fosse uma agressão pessoal. 3ª) Barganha - Já que a revolta não resolveu o problema, tenta-se obter a cura através de barganhas e promessas a Deus. «Sim, eu estou doente, mas, se melhorar, vou fazer muita caridade»,,. Aqui surgem as promessas de orações e peregrinações em troca da saúde perdida. 4ª) Depressão (ou interiorização) - Nesta altura do processo percebe-se um desinteresse em receber visitas ou acompanhar notícias. O mundo pode continuar sem ele... Há uma grande necessidade de ficar só e em silêncio. Nesta fase, a família precisa de muito apoio, pois acha que o doente está entregando os pontos e exige dele uma postura de coragem que não lhe é possível, 5ª) Aceitação - Não é sinônimo de passividade. Pelo contrário, duma atitude ativa, tomada pelo doente que compreendeu que sua vida chega ao fim, sem grandes relutâncias, Nem todos os pacientes passam seqüencialmente por estas fases. É sempre único o modo como cada ser se despede da vida. Este esquema, quando usado com cena flexibilidade, pode ser uma ferramenta de valor. Viver quando alguém parte A morte de um ente querido é sempre uma ruptura profunda que acontece na vida e requer um ajustamento, tanto no modo de olhar o mundo, como nos planos para se viver nele. A reação frente a essa perda, a nível físico, emocional, social e espiritual é diferente para cada pessoa e depende de uma série de circunstâncias que rodeiam a morte, tais como: tipo de relacionamento que existia, a idade, doença prolongada ou não, a força e a fé que a pessoa tem. Quem cultiva uma imagem positiva de si mesmo, tem uma fé para se apoiar, capacidade de relacionar-se, entre outros elementos, terá melhores condições de passar por uma situação de perda de alguém, mas isto não significa que a pessoa não vá sofrer. O sofrimento é o preço que pagamos por amar. Na realidade, quando escolhemos alguém para amar, deveríamos também saber que corremos o risco de lhe dizer adeus... e deixar partir... É quando o sofrimento começa. Assim como leva tempo para se amar, também leva tempo para partir. Dizem que «só o tempo cura». O tempo, por si, não resolve nada. E o que fazemos com o tempo que pode ajudar o processo de cicatrização das feridas do sofrimento. Neste sentido é importante dar tempo ao tempo: para aceitar a morte, para deixar partir, para tomar decisões, para compartilhar sentimentos, para acreditar de novo, para perdoar possíveis mal-entendidos, para sentir-se bem consigo mesmo, para criar novos amigos, para rir e amar de novo. Perante o sofrimento da perda, ninguém pode tirar a nossa dor, porque ninguém pode roubar o nosso amor. O chamado da vida é aprender a amar de novo. PARA REFLETIR ÉM GRUPO . como ajudar alguém que esteja morrendo ? . quais são as dificuldades encontradas junto aos familiares das pessoas que estejam morrendo ? . qual o apoio que a com unidade dá para os enlutados? Léo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do Hospital da Clínica, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.


A Esperança no Sofrimento – II Iniciando na edição anterior, este texto do Pe. Christian de Paul de Barchifontaine é uma tradução adaptada do artigo de Xavier Thevenot, publicado na edição n.º 325, da revista “Repsa”, com o título original de “Au couer de la souffrance: l’espérance”. Como Jesus viveu o sofrimento? - Jesus não fez grandes discursos sobre o sofrimento. Ele tem atitudes profundamente humanas. Ele não procura sofrimentos. Esquecemo-nos muitas vezes destes versículos: (João 7,1 e 10) “Jesus percorria a Galiléia não querendo circular pela Judéia, porque os judeus o queriam matar. Mas quando seus irmãos subiram para a festa, também ele subiu, não publicamente, mas ás ocultas». Quando, de repente, Jesus sente que o sofrimento é inadiável, ele tem reações bem humanas, corro cada um de nós. Ele se angustia no Getsêmani, e tem um só desejo - de que o sofrimento se afaste: «Pai, sc for possível, que este cálice se afaste de mim, mas que tua vontade seja feita, não a minha». Finalmente, quando o momento horrível da cruz chega, os evangelistas nos relatam sete palavras de Jesus. Palavras para meditar sem cessar quando acontece o sofrimento, Palavras no sofrimento - Deus, no homem-Jesus na cruz, é um doador de futuro por palavras de amor. Antes de tudo, a respeito dos carrascos, ele poderia dizer: «Pai, vinga-te daqueles que estão me fazendo sofrer tanto». Ao contrário, ele abre o futuro aos seus carrascos: «Pai, perdoai-lhes». Ainda mais, ele tenta desculpá-los: «Porque eles não sabem o que estão fazendo». Depois, ele se volta para o ladrão que diz: «Eu, é normal estar numa cruz. Tive uma vida de ladrão, tenho o que mereço». E Jesus lhe responde: «Acredito ainda em ti, tu tens um futuro: hoje, tu estarás comigo no paraíso». No fim, há pessoas que são verdadeiramente fiéis ao pé da cruz: sua mãe, Maria, e João. Então, Jesus, que no sofrimento poderia se centrar somente nele, pensa em sua mãe e em São João. Ele abre ainda o futuro para eles: «Mulher, eis teu filho; filho, eis tua mãe». Palavras de amor. Palavras de verdade: através delas percebe-se que Jesus não «banca o inteligente» Ele não sofre de uma maneira estóica. Ele tem palavras de verdade humana, sem falso semblante religioso. «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?» e depois, esse imenso grito - ele que tinha falado: «Do meu seio brotarão fontes de água viva» - esse imenso grito, decepcionante ao bom crente bem pensante: «Estou com sede!» O Filho de Deus, fonte de água viva, que grita sua sede! Palavras de verdade humana! Uma palavra de fé: quando tudo está se afundando e tem o sentimento de que Deus, ele mesmo, o abandona, Jesus tem esta fé incrivelmente despojada que lhe permite dizer: «Pai, coloco meu espírito, minha vida, entre tuas mãos». Uma palavra de esperança contra toda esperança: enquanto o Cristo poderia ter a impressão de que tudo deu errado - veio salvar o mundo, e acaba numa cruz, odiado por todos -, ele tem ainda a coragem e a esperança de dizer: «Tudo está cumprido!». Isso quer dizer: o amor salvífico de Deus foi até o fim do amor e agora pode dar frutos. Tudo soa humano até na maneira que tem Jesus de se situar diante do sofrimento. Ele se contenta em deixar transparecer uma profunda humanidade. A morte de Jesus não é «bonita», ela não tem nada de gloriosa. Uma morte bem simples, onde grita sua angústia, onde tenta manifestar sua fé e sua esperança. No momento que Cristo grita: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes? », poder-se-ia dizer: “Pronto, ele não acredita mais». E justamente neste momento que um centurião romano, não crente, diz: «Verdadeiramente,


este é o Filho de Deus? ». Quando vou até o fim da minha verdade humana, é então que Deus se manifesta em mim. É quando fujo dos falsos semblantes, que tento dolorosamente construir o combate da esperança, do despojamento e da fé que Deus se manifesto. Sim, no momento em que a gente tem todas as razões para não acreditar mais, é justamente neste momento que o centurião escolhe para fazer um ato de fé. Extraordinária lição do Evangelho! Como humanizar o sofrimento De falo, o sofrimento não existe. O que existe são pessoas beta diferentes que vivem situações diferentes. No limite, cada um tem uma maneira única no mundo de passar pelo sofrimento e de assumi-lo. Quando se sofre intensamente - Muitos dentre nós tiveram mo- mentos de sofrimento intenso num hospital. Quando se vive tais sofrimentos físicos e psíquicos, somos reduzidos ao desnorteamento da fé ra. Somos um puro grito diante da angústia, desejando que tudo acabe o mais cedo possível, qualquer que seja o meio. Não é certamente esse momento o tempo oportuno de questionar, pensar, falar e nem rezar. A gente é incapaz. É só lágrimas, gemidos, gritos, silêncio cheio de morte. E somente depois, uma vez que o sofrimento brutal se afasta, que podem chegar as reflexões, pelo menos se a fraqueza física não e demasiada. Nesses momentos de muito sofrimento, a dor e o sofrimento psíquico são vividos como alguma coisa de outro mundo, que assalta a minha vida. Depois, digo a mim mesmo: «Mas estou então tão frágil que, num instante, todas as minhas evidências se quebram e tenho até vontade de deixar, a vida para que isso se acabe?». E uma prova extraordinária de minha condição de criatura. Nesses momentos, chega-se a descrer de que Deus é «bom». O que pensava ser santidade, porque estava bem equilibrado, percebo que era somente boa saúde. E, depois, volta o medo de que a dor recomece. A tal ponto esse medo existe que oculto alguns sintomas da doença e recuso exames médicos que seriam necessários. Nesses momentos, a procura da verdade se toma difícil. É difícil humanizar e cristianizar tudo isso. Aras as pessoas que passaram por tais situações se saem bem quando as superaram diante de Deus e delas mesmas, com um cuidado maior com aqueles e aquelas que sofrem. O lato de ter sofrido violentamente nos torna pequenos e humildes diante daqueles que sofrem. Porque, com saúde boa, a gente não sabe mais exatamente o que é o sofrimento. Reconstitui-se a lembrança, mas é um pouco artificial. Então, diante de um doente que sofre, sabe-se muito bem que não é a momento de grandes discursos, mas o momento de uma presença discreta. E preciso, então manifestar um respeito que se faz pequeno diante do mistério da pessoa que está lutando contra a dor. No Evangelho, uma única pessoa consegue trocar palavras com Jesus quando etc está sofrendo na cruz. Não é Maria, nem São João. Eles estão calados. É um sofredor como Jesus, um homem que como ele está agonizando numa cruz. Isto nos faz refletir. Só os sofredores podem se entender com meias palavras. É preciso ser muito modesto diante do sofrimento do outro. A reação de revolta - A atitude de revolta diante do sofrimento é muitas vezes descrita através das personagens da Bíblia. Pensamos em Jó, que seus amigo enchem de discursos bonitos. Pensamos nos gritos de revolta dos autores dos Salmos: «Mas enfim, Senhor, o que você está fazendo? Não é possível!». É mais forte ainda, essa revolta, quando


o sofrimento é de um inocente, ou sem razão, a dor de alguém que tinha todos os motivos para ser feliz. A revolta é, por excelência, a do justo sofredor. Essa reação de revolta é normal, psicologicamente falando. Ela representa uma mobilização de uma das dimensões mais importantes da nossa vida: a agressividade. A revolta tem um lado «medicalmente são». Ela nos dá força para lutar.Ela é o surto do gosto da vida dentro de nós. Ela é, ao mesmo tempo, um apelo disfarçado que é preciso saber reconhecer, apelo às pessoas que seriam eventualmente capazes de acabar com o sofrimento: o corpo médico, a família, os amigos, Deus. É por isso que, diante de uma pessoa que está sofrendo e se revolta, não preciso ter logo palavras calmantes, adocicadas, mas antes deixar fluirem os vários sentimentos contraditórios que vivemos essa pessoa e eu próprio nesse momento. Uma certa agressividade frente aos familiares, frente a Deus, deve poder soltar-se. Devemos também rezar para manter o sentido da medida, porque, se a agressividade pode dar uma força sã, ela pode também transformar-se em rancor, em desilusão. Ela pode buscar ferir os familiares e blasfemar. Não é fácil gerir a revolta, mas é aí que a contemplação do Cristo na cruz é importante. Eis um homem, Jesus, que tinha todas as razões para se revoltar. Ora, ele chega a dizer alguma coisa de sua desilusão, de suas dúvidas, de sua agressividade interior frente ao Pai: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?», mas, ao mesmo tempo, é capaz de chegar até o perdão e de dizer: <Pai, perdoai os meus carrascos, eles não sabem o que estão fazendo». A revolta é uma experiência que nos obriga á humildade. . (conclui na próxima edição) A dúvida bioética - II Prossegue-se na apresentação de casos para reflexão, iniciada na edição anterior. Nº 4 - Nos Estados Unidos, um grupo de pesquisadores pediu ao governo licença para experimentar a injeção de células no cérebro de algumas vitimas do mal de Parkinson. O presidente Reagan respondeu pela ordem de suspender os usos de tecidos provenientes de fetos abortados, até que decidisse na matéria a diretoria do Instituto Nacional para a Saúde (NIH). Após devido exame dos aspectos éticos, legais e científicos, a comissão preparatória da NIH decide que o pedido em pauta parece «moralmente aceitável» (19 votos secretos favoráveis, zero contra, duas abstenções). Certos organismos distinguem aqui uso terapêutico e uso cosmético. Excluindo todo aborto para esse fim, convém vetar tudo, permitir tudo (isto é, deixar livre a responsabilidade pessoal) ou distinguir? Nº 5 - Há quem se declare absolutamente contra a experimentação humana, mesmo farmacológica, para preservar a eminente dignidade da pessoa humana. Muito bem! Imaginam ter ainda novos fármacos? Nº 6 - Há quem se declare absolutamente contra a eutanásia, pelo mesmo motivo (que é nosso). Muito bem? A quem incumbe a diferenciação concreta entre o coma prolongado e o coma ultrapassado (= estado vegetativo, de morte cerebral)? Nº 7 - «Muito recentemente, o pai e a mulher de um canceroso comatoso em fase terminal opuseram-se entre si sobre a oportunidade de prosseguir com a quimioterapia. Através dum recurso jurídico, consultou-se um perito, e depois um contra-perito» («Médecine de l'home», junho de 1988, pág. 8). Vamos supor que a mulher pede a não prolongação da sobrevivência artificial, o pai, a sua manutenção e que nós sejamos o juiz.


Nº 8 - O movimento da supressão de toda internação psiquiátrica entusiasmou antipsiquiatras italianos, que triunfaram pela lei italiana nº 180 e que ainda suscita calorosa aprovação em círculos do pensamento avançado em vários países. Corro responderia á carta de Umberto Dinelli, que escreveu de Veneza («Corriere della Sera», 17/10/88; a carta apresenta mais sinteticamente o conteúdo de outras, análogas): «Em Milão, Narciso Marchesi acabou de matar a mulher que não tinha conseguido, pouco antes, a internação. O massacre prossegue sem interrupção durante estes 10 anos (da lei 180), projetando a história da psiquiatria italiana na crônica policial e judiciária dos diários. Nestes 10 anos de tragédia psiquiátrica, mães, filhos, esposos, irmãos envelheceram e perderam seus sustentos. A lei 180 falhou porque errada, não porque inaplicada ou sabotada. Falhou porque nosso tempo não é de utopia. Não por questão financeira: mesmo num rio de ouro, a lei 180 não funcionaria. Será tarde quando passarmos da psiquiatria da utopia à psiquiatria da razão». É justo observarmos que a internação é desaconselhável quando o atendimento diurno basta, que a humanização do manicômio é uma necessidade, enfim que é possível celebrar um ou outro núcleo de comunidade terapêutica restrita que deu certo; mas será ético silenciar com esta celebração os desesperados abandonados, muito mais numerosos? Uma centena de membros da associação Defesa dos Doentes Psiquiátricos Graves manifestou-se, em 9 de junho de 1988, com cartazes que continham estes dizeres: «A lei 180 suprimiu os manicômios, não a loucura, os 500.000 doentes mentais graves (italianos) precisam, portanto, de assistência comunitária 24 horas sobre 24, e todos os dias do ano» («La Repubblica», 10/6/1988). Nº 9 - Em determinado serviço hospitalar, a rotatividade do pessoal e seu espírito de equipe são valorizados a ponto de a família e o próprio paciente nunca terem o mesmo interlocutor para informar-se, e chegam a duvidar de poder encontrar um real responsável pelo diagnóstico e pela terapia. Como responder, sem perturbar o serviço? Nº 10 - O congelamento do embrião sugeriu a Mons. Dionigi Tettamanzi, eminente e prestigioso biomoralista, estas reflexões: «Mas quem tem o direito de manter em suspenso a vida humana? E até quando? E com que garantia para o futuro? Na realidade estamos diante da violação dum direito fundamental de todo ser humano : o de se desenvolver por si mesmo» (em G.F. Zuanazzi et alii, «Fecondazione artificiale embryotransfer», Verona, pàg. 98). Que inspiram estas reflexões diante da prolongação artificial da vida? Nº 11 - Segundo Sandro Spisanti, seguro e confiável biomoralista, «os cuidados paliativos» para desenganados situam-se exatamente no oposto da eutanásia (proibida). Contudo, o jornalista Piero Pirovano («Avvenire», 20/5/88), com vista a defender a tese contrária, cita esta assertiva do Dr. E. Grappiolo: «A terapia paliativa é, hoje, a forma mais avançada e cientificamente correta para programar uma morte boa, ou seja, a eutanásia». Que responder a P. Pirovano? Hubert Lepargneur.Sacerdote camiliano, teólogo moralista, Comunidade de São Paulo.


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