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Paixão e amor Nos meios eclesiásticos, ao se falar de paixão, a maioria das pessoas refere-se somente à Paixão de Jesus Cristo e apenas no que ela tem de mais trágico: a sexta-feira. É claro que existe essa referência. Mas não podemos parar nesse sofrimento até tornar-nos masoquistas. Todos nós sabemos que a palavra paixão tem também um outro sentido, ligado ao primeiro: quem não se apaixonou por uma pessoa do sexo oposto? Essa experiência move a pessoa inteira: física, psíquica e espiritualmente. A pessoa daria a vida pelo outro. E quanto sofrimento passa querendo o bem, a felicidade e a companhia do outro! Essa paixão humana, Jesus também a viveu até o extremo. Em nome do projeto do Pai, projeto de fraternidade, Jesus deu a vida pela humanidade, pelo homem. Acreditou no homem, quis o bem, a felicidade e a companhia dos homens. Sua morte foi motivada pela recusa dos homens em viver esse projeto. Mais que o sofrimento físico, o psicológico foi ao extremo: amar e ser rejeitado pelos seus! A Paixão de Jesus é esse ela que o conduz a dar a vida pelos homens, com todas as conseqüências: perseguição, sofrimento, rejeição, morte. Mas, em Jesus Cristo, essa paixão transformou-se em verdadeira vida, tornou-se amor eterno graças à Ressurreição, que é o reconhecimento pelo Pai da entrega total do Filho, a serviço do projeto de fraternidade. Neste mês de julho, celebramos a festa de São Camilo de Léllis, padroeiro dos doentes, dos enfermeiros e dos hospitais. São Camilo, como seguidor de Cristo, apaixonouse pelos doentes: deu sua vida por eles, apostou no projeto de Deus. Passou também por sofrimentos e perseguições, mas a presença de Cristo, na pessoa dos doentes, era a razão de viver de Camilo e lembrança vida da verdadeira Paixão de Cristo. Hoje, todo cristão deveria ser um apaixonado pela construção do Reino de Deus, reino de amor, fraternidade, justiça e paz. O agente de Pastoral deveria ser um apaixonado pelos doentes, nos quais ele reconhece Cristo, esse Cristo que incomoda, que é exigente, que pergunta: «Por que tantos sofrimentos, tantas doenças? » Nós deveríamos responder com nossa compaixão e também com nosso compromisso de reduzir as cargas de sofrimentos e doenças que a própria sociedade proporciona. E nós somos parte dessa sociedade. A exemplo de Jesus e de São Camilo, sejamos eternos apaixonados pelos homens, principalmente pelos doentes. Mas que essa paixão se estenda a toda a sociedade, através de nossa convivência fraterna e justa, dentro de nossa família e do nosso meio de trabalho. Assim, seremos verdadeiros seguidores de Cristo e poderemos gozar do amor eterno no fim de nossa caminhada humana. Para refletir . o que evoca para mim a palavra paixão? . qual a ligação que faço entre Sexta-Feira Santa e meu compromisso cristão? . o que me impede de apaixonar-me pelo Reino de Deus? . quais os sinais de paixão existentes em minha vida? Christian de Paul de Barchifontaine, Sacerdote camiliano, capelão do Hospital das Clínicas, da Universidade São Paulo.


A Situação da Infância em 1990 “Os gastos militares nos países em desenvolvimento consumiram US$ 145 bilhões em um ano, recursos suficientes para acabar, em dez anos, com a pobreza absoluta em todo o planeta, criando condições para que todos os povos do mundo possam satisfazer duas necessidades básicas de alimentação, água, saúde e educação”. “mais de um bilhão de pessoas, um quinto da humanidade, ainda carecem de alimentação adequada, água tratada,níveis elementares de educação e de serviços básicos de saúde. Por motivos práticos e morais, portanto, não poderá haver um avanço real em direção a um mundo mais civilizado e a uma sociedade economicamente protegida, sem que sejam resolvidos os problemas das graves desigualdades sociais e da pobreza absoluta”. “A maior condenação dos tempos atuais é o ato de que mais de 250 mil crianças por semana continuam a morrer vítimas de desnutrição e de doenças facilmente evitáveis. A desidratação diarréica, que pode ser evitada a custos insignificantes, ainda mata 80 mil crianças todos os dias. O sarampo, a coqueluche e o tétano, doenças evitáveis com uma série de vacinas de custo inexpressivo,matam diariamente em torno de 7 mil crianças. A pneumonia, que pode ser tratada com antibióticos também de baixo custo, Mara diariamente 5 mil crianças. Morte e sofrimento nesta escala são simplesmente inconcebíveis e, portanto, absolutamente inaceitáveis. Ética e competência devem marchar juntas”. “Cada uma dessas mortes é a morte de uma criança, com uma personalidade de uma criança, com uma personalidade própria e um potencial específico, com uma família e um futuro. E, para cada criança que morre, várias outras continuam vivendo desnutridas e doentes e, conseqüentemente, incapazes de desenvolver as potencialidades físicas e mentais que trouxeram ao nascer. Tais fatos envergonham e diminuem todos nós. Civilização e progresso não são valores medidos apenas pelo PNB e pela capacidade tecnológica. Devem ser medidos também pelo desenvolvimento da consciência humana, pelo grau em que esta consciência é atingida e de que forma ela age quando se defronta com o sofrimento humano, coma negação das necessidades básicas da humanidade, com a violação dos direitos humanos”. Todas essas são afirmações contidas no Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância, relativo à “situação mundial da infância”, em 1990. Enfatiza a UNICEF que o argumento moral é, em última análise, inseparável do argumento prático. As conseqüências, a longo prazo, da pobreza e do sofrimento em tal escala, são bem conhecidas. E elas afetarão todos nós. A desnutrição significa desenvolvimento físico e mental precário, fraco desempenho na escola e no trabalho e perpetuação da pobreza, transferida de geração a geração. Altas taxas de mortalidade infantil significam altas taxas de nascimento e rápido crescimento populacional. Falta de instrução impede as pessoas tanto de contribuir plenamente com o desenvolvimento de suas comunidades e de seus países como deles se beneficiar. A desesperança e a falta de oportunidades anulam a autoestima e lançam a semente de problemas sociais praticamente insolúveis para as gerações seguintes. A permanência das injustiças, a ostentação das riquezas inatingíveis diante dos olhos da pobreza provocam instabilidade e violência que, freqüentemente, adquirem dinâmica própria. E, finalmente, torna-se cada vez mais óbvio que a exacerbação das privações elimina a sensibilidade ecológica, forçando milhões de pessoas a explorar em demasia o meio ambiente que as circunda, em busca da sobrevivência.


Um bilhão e meio de crianças vão nascer nos anos 90 e, só no final da década, é que haverá um ponto histórico de reversão, quando a curva de natalidade vai atingir o seu ponto máximo e começar a decrescer.A convicção fundamental da UNICEF é a de que “não pode haver prioridade mais importante do que a que visa proteger a vida e o desenvolvimento da mais numerosa geração de crianças até hoje confiada à humanidade”. As crianças pagam, a dívida “(...) as crianças mais pobres e mais vulneráveis têm pago a dívida do Terceiro Mundo com sacrifício de seu desenvolvimento normal”. “Temos de reconhecer”, diz o Dr. Hiroshi Nakajima, diretor geral da Organização Mundial da Saúde, “que a maioria dos problemas de saúde das mortes prematuras no mundo são preveníveis através de mudanças de comportamento e por meios de baixo custo. Possuímos o conhecimento e a tecnologia, mas estes têm que ser transformados em ações eficazes em nível comunitário. Pai e familiares, devidamente amparados, podem salvar a vida de dois terços das 14 milhões de crianças que morrem anualmente – e isto apenas se estivessem bem informados”, diz ele. Quase dois terços das 14 milhões de morte de crianças por ano, acrescenta, são atribuídos a apenas quatro causas específicas- diarréia, infecções respiratórias, sarampo e tétano neonatal. A grande maioria dessas mortes poderia ser agora evitada a custo irrisório. Há também progressos. De apenas 10%, no início dos anos 80, a imunização alcança agora aproximadamente dois terços das crianças do mundo em desenvolvimento. O resultado de tais avanços é que apenas duas dessas tecnologias - a imunização e a terapia de reidratação oral – são responsáveis pela preservação de mais de três milhões de vidas infantis, anualmente. Mais de 2 milhões de mortes são evitadas, anualmente, por meio de vacina. Contudo, quase 3 milhões de crianças ainda morrem vitimadas por doenças imunopreveníveis. A imunização toxóide antitetânica ( que protege a mãe e seu eto) está ainda atrasada.

Modos de ver as coisas Vítima de sério acidente de automóvel, em Belo Horizonte, Dom Luciano Mendes de Almeida, presidente da Confer6encia nacional dos Bispos do Brasil, permaneceu durante vários dias hospitalizado na capital mineira e escreveu o texto que se reproduz aqui, originalmente publicado no jornal “Folha de São Paulo”, em sua edição de 28 de abril último. É a seguinte a íntegra de seu depoimento. Nas semanas de convalescença, especialmente nos momentos de silêncio durante a noite, quando o sono custa a chegar, percebi melhor como há modos diferentes de ver as coisas. Podemos, com efeito, olhar para o mundo e constatar o egoísmo, a miséria, a maldade, as injustiças que marcam a história. Lembro-me das torturas pelas quais em tantos países, sem excluir o nosso, passaram os prisioneiros políticos, mostrando até que ponto podem chegar a insânia e a perversidade. Vendo as coisas tristes do mundo, ficamos perplexos e questionamos o próprio sentido da vida sem às vezes saber como harmonizar tudo isso com a presença amorosa de Deus. O mundo deve ser visto de modo diferente. Uma enfermeira habituada ao sofrimento e refletindo sobre a vida expressou-se com rara sabedoria: há coisa tristes que são bonitas. Permanece a tristeza da doença e do sofrimento. No entanto, aparece a beleza da doação, do


amor gratuito, que supera, de muito, à luz dos valores morais, as experiências negativas que nos entristecem. Visitando nestes dias por um bispo amigo, trouxe-me ele a mensagem de uma senhora idosa e humilde, internada numa casa de hansenianos. Procurou ela o bispo após a missa, desejando mesmo sem conhecer-me, enviar uma palavra de solidariedade. Expressou-se assim: “nada tenho para mandar a Dom Luciano,no entanto, peço a Deus que aceite a dor que sinto em minhas costas para que ele fique bom”. Quem não percebe a beleza deste gestos do mundo onde existem pessoas com esta generosidade? A enfermeira que afirmou que há coisas tristes que são belas contava com simplicidade um fato de sua vida que confirma a mesma verdade. Uma colega de trabalho ficou gravemente atingida por câncer e não tinha ninguém de sua família que pudesse dela cuidar. A enfermeira amiga, apesar de pobre, assumiu todo o encargo de conseguir internação e colaboração de outras pessoas, azendo ela mesma companhia, durante meses, à colega até o final de sua vida. Tudo isso exigiu muita dedicação e sacrifício, revelando a beleza da doação gratuita. Há coisas tristes que são bonitas e, se pouco a pouco olharmos o mundo à luz de Deus, começaremos a descobrir miríades de casos semelhantes que repetem a vida e o amor de Jesus Cristo, tornando presente também em nossos dias a beleza da solidariedade e do amor fraterno. Neste mundo continuam acontecendo o ódio, a guerra, a corrupção dos inocentes,o tráfico de drogas, as injustiças sociais, a perda dos valores religiosos e tantas outras coisas tristes. É neste mesmo mundo que sucedem os grandes atos de generosidade que embelezam a história, entrelaçam nossas vidas, dão sentido ao sofrimento e nos permitem compreender melhor o dom de Jesus Cristo por nós. Aí está o valor da oração daqueles que, com a graça de Deus, oferecem a sua vida pelos outros.

Antígona é a Ética Médica Sempre existiu grande dificuldade para se definir ética, uma vez que está relacionadas com preceitos morais, regras de vivência, leis e cultura de maneira geral. Seu significado filosófico é único, sua interpretação e prática variam de acordo com as características acima citadas. Considero ético um processo constante de busca, elucidação e defesa das regras de conduta, que deve levar à preservação da vida e da natureza humana.Nesse sentido, saúde está na raiz da ética e esta na raiz daquela. Infelizmente, não é exatamente o que tem se passado em nosso país com a ética médica. Se observarmos os problemas desse capítulo da filosofia, que chegam para consulta e parecer dos Conselhos de Medicina, verificaremos que a maioria se refere aos limites do exercício da profissão, ao relacionamento entre médicos, questões de pagamento de serviços de saúde e, particularmente, no nível e forma de remuneração do ato médico. A verdadeira ética, que está relacionada com a eficiência, humanidade e generosidade da conduta do médico no relacionamento com seu paciente, mais tratadas sob a denominação de ética médica. Refiro-me, por exemplo, ao questionamento ético da utilização de determinada droga que não é convenientemente recomendada para aquele fim; indicação de um procedimento cirúrgico que visa mais a comodidade do médico e o lucro, do que melhor


atendimento do paciente; a não-realização de determinado exames que poderão ou não detectar precocemente certas doenças ou a sua realização em demasia, visando criar e dividir lucros. Questões como essas, que estão na raiz do verdadeiro significado da Ática médica, têm sido pouco tratadas pelos Conselhos Regionais de Medicina. O real significado da ética, que transparece de maneira evidente na tragédia de Antígona – que sacrifica sua vida (por determinação de Creonte) para dar enterro digno ao irmão (respeito ao próximo, em defesa de regras de conduta, mesmo que esteja morto) -, guarda uma enorme distância com a maneira como tem sido predominantemente entendida e praticada na profissão médica. Lamentavelmente, o médico é um reflexo da sociedade em que vive. Da mesma forma que para outros segmentos da sociedade, o lucro tem sido uma das suas principais motivações, transformando-o freqüentemente em pequeno, médico e, mesmo até, grande empresário, tornando o ato médico um produto como outro qualquer, que segue as leis do mercado. Exibe-se uma crise moral na nossa sociedade e essa questão é um capítulo dela. É preciso lutar para que o médico, através de exemplos (que são escassos), da educação médica (que tem sido precária), do controle social (que tem sido fraco), recupere sua consciência e analise com mais cuidado o significado ético de suas condutas. Estou certo de que a classe médica e suas associações desejam essa mudança. Tenho esperança de que isso poderá acontecer no Brasil, mais pela retomada de consciência do que pela ação avassaladora de causas judiciais, como ocorreu nos EUA. Até porque, quando o que está em jogo é um bem tão importante quanto a saúde e a vida, não poderíamos aceitar passivamente as imposições das leis do mercado, nem tampouco deveremos chagar ao extremo de ter que vigiar as nossas consciências com leis punitivas. José Aristodemo Pinotti, proessor titular de Ginecologia da aculdade de Medicina da USP, ex-secretário de Estado da Saúde de São Paulo e Presidente da Federação Internacional de ginecologia e Obstetrícia. Texto publicado originalmente no jornal “Folha de São Paulo”, em sua edição de 9 de abril.

Um Oásis no Deserto A história da libertação do povo hebreu da escravidão do Egito, o Êxodo, nos fornece um paradigma, bem como alguns critérios a partir dos quais podemos nos situar e entender melhor o processo de mudança e libertação, de transformação pelo qual uma pessoa pode passar, ao defrontar-se com uma experiência de doença e sofrimento. Tendo como pano de fundo a história do Êxodo (Ex 1-10), pode mos destacar quatro momentos fundamentais: 1) o povo no Egito; 2) a vocação de Moisés; 3) o povo no deserto e 4) a esperança da terra prometida. O povo no Egito - O Egito é a terra do sofrimento e da escravidão. O povo escravo não tem espaço para ser e crescer. A presença do faraó é morte para o povo. Ele é o próprio Deus na terra, e deve ser reverenciado como tal. O povo é forçado a trabalhos pesados. «Os egípcios obrigavam os filhos de Israel ao trabalho, e tornavam-lhes amarga a vida com duros trabalhos» (Ex 1,13). Este estar no Egito pode ser comparado á pessoa que goza de plena saúde, enclausurando-se na sua auto-suficiência, bastando-se a si mesma, proclamando-se «como


deus», tornando-se escrava de si própria. Estar no Egito é sentir-se oprimido pela doença e sem perspectivas de melhora. Quem é o seu faraó, que o mantém atado na escravidão? O que o faz sentir-se curvado? De que espécie de escravidão você precisa ser libertado? A vocação de Moisés - A Bíblia nos diz que Deus ouviu o clamor da povo oprimido e suscita um libertador em Moisés. «Os filhos de Israel, gemendo sob o peso da servidão, clamaram; e do fundo da servidão o seu clamor subiu até Deus. E Deus ouviu os seus gemidos» (Ex 2, 23-24). Moisés é o líder que tira o povo da escravidão egípcia, dobra a dureza de coração do faraó e conduz o povo a um lugar de liberdade de ser. Moisés é alguém que percebe um grande desafio de mudança e procura dinamitar a rotina da «doçura da escravidão» na perspectiva do faraó. Moisés recebe uma missão. «Vai, pois, eu te enviarei ao faraó, para fazer sair do Egito o meu povo, os filhos de Israel» (Ex 3,10). Moisés sente-se pequeno, mas confia no Senhor que diz «Eu estarei contigo» (Ex 3,11). Quem é o seu Moisés? Existe uma promessa de libertação no horizonte de sua vida? Aonde? Quem encarna esta esperança? Como toma corpo a esperança de sair da escravidão e se entreabre a possibilidade de vida na liberdade? Estar com as pessoas num momento em que se defrontam com sofrimento e doença, procurando ajudá-las nas suas necessidades, é ser um pouco Moisés. O povo no deserto - Ao sair do Egito, a passagem pelas águas do Mar Vermelho inicia uma longa caminhada de 40 anos pelo deserto (Ex 16ss). Este é um tempo de novas descobertas, de tentações de voltar para trás, de infidelidades, de idolatria, de fome e sede, bem como de percepção da presença e ausência de Deus de uma forma mais profunda. Perante a agrura da caminhada e falta de viveres, o povo murmura. «Antes fôssemos mortos pela mão de Javé na terra do Egito, quando estávamos sentados junto ás panelas de carne e comíamos pão com fartura», O povo entra em crise. No deserto, através de Moisés, Deus sela uma aliança como povo, no monte Sinai, revelando os 10 mandamentos. O povo, sentindo a demora de seu líder, Moisés, na montanha, através do comando de Aarão, vagueia e cai na idolatria. «Vamos fazer um Deus que vá na nossa frente». Aarão fez um bezerro de ouro, Deus mostra sua ira e quer exterminar o povo. Moisés aplaca a ira de Deus... No deserto, desenha-se com clareza a presença do Deus providente, que mata a fome do povo com o maná do céu e sacia a sede, vertendo água da rocha. A grande tentação é sair do Egito e logo penetrar na terra prometida, No entanto, entre uma realidade e outra existe um deserto um espaço de 40 anos,... tempo de provação... de auto-descoberta... de aperfeiçoamento de identidade,...de tentação de voltar para trás ao sentir o «preço da liberdade». A crise de uma hospitalização, de uma doença, pode nos proporcionar esta experiência de estar no deserto, com tudo o que isso sugere a nível de dúvidas, incertezas e medos. O passar pelo deserto é um grande momento de questionamento, onde ficam claras a fidelidade de Deus e a infidelidade de um povo. Poderíamos perguntar: Quem ou o que é o meu deserto? Quais são os ídolos que o manipulam? Que necessidades afloram em mim quando estou com «sede e fome»? Por onde é que eu vagueio desnorteadament, «perdido na floresta»? A terra prometida – Existe uma utopia, uma esperança e a promessa de um «Messias», de chegar á «terra onde correm leite e mel», O caminhar em meio ás


dificuldades do deserto vai adiante na perspectiva da conquista da terra onde existe liberdade para ser e crescer. Trata-se de uma conquista árdua e não simplesmente de uma dádiva cheirando a esmola de Deus. É caminhando firme, confiando na promessa, que nasce uma fé inabalável de que existe um futuro, existe luz para além das trevas, liberdade para além da escravidão, espaço de ser para além do não-ser. Esta fé é marcada pelo êxodo, com caráter de saída do familiar escravizante e aventura no desconhecido. E uma atitude de vida que se conquista progressivamente em meio a crises e incertezas. Ela é o fio condutor do povo... Para o doente, a «terra prometida» está muito ligada á esperança de melhorar e de novamente gozar de saúde, voltar para junto dos seus familiares e amigos e continuar a vida trabalhando. Também pode ser a conquista da unidade interior, esfacelada perante tanto corre-corre. O ficar inativo numa cama proporciona uma parada, um tempo de reflexão, de reavaliação de vida... de busca de novas metas. Seria urgente perguntar onde está a sua terra prometida, em que correm leite e mel? Que promessas você ouve na caminhada pelo deserto? O que é que o faz caminhar? Onde está o «norte» de sua vida? O agente de Pastoral da Saúde, á luz desta reflexão sobre a história do Êxodo, tem a desafiante missão de procurar ser um pouco Moisés (sensibilidade frente ao sofrimento do povo) no conduzir o povo doente (estar no Egito) em sua peregrinação (deserto) em busca de saúde integral (física, psíquica, social e espiritual), que tem seu símbolo na terra prometida. Para refletir . como a história bíblica do Êxodo pode inspirar nosso trabalho ? . quem é o seu faraó? . quem é o seu Moisés? . onde está sua «terra prometida» ? Leo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

O amor vai além do trabalho Este é o relato de uma assistente social que trabalha em importante hospital público a capital paulista, um dos mais renomados de todo o complexo de saúde do Estado, Naturalmente, usam-se aqui nomes fictícios, mas os acontecimentos são rigorosamente.verdadeiros. O nome da criança é Alice. Seu nascimento aconteceu em 22 de novembro de 1988, na zona rural de um município do interior de Minas Gerais. Seus pais são muito pobres e humildes. Alice viveu sua curta existência de menos de dois anos internada em hospitais. Na verdade, nunca conviveu com a família. Conheci-a já internada há cinco meses, Era considerada um caso muito grave, mas a espera para a cirurgia que se recomendava fez com que o quadro se agravasse muito mais. Nos cinco meses em que convivi com ela, Alice passou por momentos em que todos achavam que não sobreviveria, mas a menina resistia, melhorava. E a cirurgia, mais uma vez, não era marcada. Provavelmente porque era pobre, não tinha ninguém que intercedesse


por ela junto aos médicos para que se fizesse logo a operação. Como era um «mau prognóstico», os cirurgiões também não se interessavam, para que o insucesso da operação não aumentasse a estatística dos óbitos... O pai de Alice veio vê-la no hospital uma única vez. O contacto com ele era feito apenas através do serviço de assistência social. Ele doou o corpo da menina, ainda em vida, para a Faculdade de Medicina, porque não tinha condições de vir buscar Alice e enterra-la... No hospital, Alice era o xodó de todas as enfermeiras, porque era uma criança abandonada. Era muito querida, e o carinho e amor que Alice recebia vinham das pessoas que conviviam com ela, do pessoal da enfermagem, da fisioterapia. Marta, uma mãe que tinha o seu filho internado no mesmo local (ele ocupava o berço defronte ao da menina) apegou-se muito a Alice, justamente porque era sozinha. Procurou a assistente social, manifestando o desejo de adotá-la. Sabia-se, por vias indiretas, que o processo já estava mesmo em andamento. A mulher queria adotar Alice, mesmo sabendo que suas chances de sobrevivência eram pequenas. Alice foi operada em março deste ano, quando já apresentava um quadro desalentador, após cinco meses de espera. A cirurgia «não foi efetiva» e Alice faleceu. Foram dias de sofrimento e dor. Nesses momentos, eu procurava dar muito carinho á menina. Molhava sua boca com gaze molhada em água, segurava sua mão, beijava-lhe a cabecinha e conversava muito com ela. Dizia que ela era muito querida, que eu torcia para que ela melhorasse. Alice continuava lutando muito pela vida, dava-me a impressão de que estava aguardando a presença de alguém da família para descansar, nunca perdeu a consciência. Jamais vou me esquecer do dia em que, em vez de água, usei um pouco de chá na gaze com que molhava a sua boquinha. Ela abriu os olhos, quando sentiu o gosto do chá, e me agradeceu quase sorrindo. No dia 12 de abril, á tarde, Alice morreu. Já era hora de ela descansar. Foi muita emoção para mim e para uma enfermeira. O que me confortava era pensar que Alice iria para um lugar muito melhor e mais bonito, onde ela não sofreria mais dor nem sofrimento. Comprometi-me a enterrar a criança para que, pelo menos, ela pudesse descansar em paz. Entrei em contacto com Marta e dispus-me a ajudar no que fosse preciso para dar um enterro digno a Alice. Compramos um pedacinho de terra para Alice no cemitério da Vila Alpina e trouxe uma roupinha para o enterro, porque nem vestido ela tinha. Entrei em contacto com um religioso que atende num hospital, chamei a enfermeira que assistiu Alice na UTI, a mãe que desejava adotá-la e, juntas, fomos enterrá-la na Sexta-Feira Santa. Foi algo feito sem pompa, mas com muito carinho e respeito. Antes de sepultar Alice, oramos por ela, confiantes em que Deus já a tinha acolhido. Alice foi enterrada às 18 horas. E eu continuo ainda me perguntando: por que tudo tinha de dar errado para ela? Agora que ela poderia ter uma família e amor de uma mãe, Alice não resistiu1 Por que vir para a vida e sofrer tanto? Meu único consolo é que, agora, ela está com Deus. E não há melhor lugar para estar. Ajuda-me também saber que fiz o que estava ao meu alcance por ela.


Homem e mulher no hospital O Papa João XXIII, que foi um homem aberto para as realidade vida e disposto a acolher os seus desafios, apontou um dos sinais dos tempos participação cada vez mais da mulher na sociedade moderna. De figura decora passou a presença obrigado dinâmica. Não que a mulher não tenha tido papel importante humanidade. Disto não se duvida. Mas sua vida e atividade concentravam-se nas quatro paredes do lar. A arte, a literatura a filosofia, a religião, a ciência, a economia, a política, a atividade profissional propriamente dita eram campos próprios e exclusivos do homem. A presença da mulher não passava de exceção e muito rara. Na sociedade de hoje, homem e mulher ombro a ombro e disputam palmo a palmo as posições de destaque. O sexo «frágil» descobriu sua potencialidade social e a em marcha, rompendo barreiras culturais que remontavam a séculos ou milênios. O relacionamento homem-mulher mudou muito e continua mudando rapidamente e em profundidade. A antropologia da mulher e seu na sociedade estão passando pó sérias reavaliação. E são elas que a fazem e não mais os homens, como no passado. Os movimentos eministas estão aí, à vista de todos e em todas as partes do mundo, com sucesso que não escapa a ninguém. As vantagens para a mulher estão sendo muitas. Alcançaram a sua maioridade social. Tomaram nas mãos o seu próprio destino. Alcançaram a sua libertação. Nada perfeito, claro, mas o processo está solto e promissor. Animo e impulso não faltam às mulheres. A humanidade saiu ganhando? Que dúvida! Afora tudo, sobra o grande fato de que metade da humanidade ganhou em dignidade, identidade e liberdade, o que se torna uma riqueza para todos. Outros fatores positivos deste fenômeno são visíveis e irreversíveis. Um dos campos em que a mulher encontrou amplo espaço é o da saúde, sobretudo o hospital. Até o final do século XIX, sobretudo no Ocidente, o homem imperava no hospital. As mulheres não passavam de comparsa e atuavam em áreas bem determinadas, sem formação profissional propriamente dita. Muitas, aliás, eram analfabetas, relegadas aos serviços mais corriqueiros. Ser médico era exclusividade masculina. Hoje, quem circula num hospital dá-se conta de que o maior número de pessoas que nele atua é constituído por mulheres. Isso não decorre de mudanças na finalidade ou nas estruturas do hospital. Foram as mulheres que conquistaram espaço. Já não há campo exclusivo do homem, nem na medicina, nem na cirurgia, nem na direção clínica ou administrativa, etc. e tal. Não estão lá por favor ou condescendência, mas por competência comprovada. O que pode acontecer, mesmo no hospital, é que as velhas barreiras culturais, sempre duras de morrer, continuem exercendo sua influência negativa contra a mulher. Com certeza, ninguém faz isso conscientemente. Mas, como os meandros do subconsciente são traiçoeiros, convém redobrar a vigilância. A já tradicional Campanha da Fraternidade que a Igreja Católica promove todos os anos no Brasil durante a quaresma, neste ano, abordou justamente o tema da mulher e não fez parte dela entoar loas à caminhada já feita, mas para superar todo e qualquer resíduo de discriminação em relação à mulher no Brasil contemporâneo. Será que no hospital não haveria algo a melhorar neste sentido? As mulheres estão plenamente satisfeitas como seres humanos e como profissionais no seu relacionamento com os homens no mundo hospitalar? Ou os ranços de um passado não muito distante continuam presentes e atuantes?


Júlio Munaro, sacerdote camiliano, provincial da Ordem dos Ministros dos enfermos e coordenador da pastoral da saúde da Arquidiocese de São Paulo.

Cultivar a Esperança é Viver “Os doentes de AIDS são os nossos profetas, não pelo que eles fizeram anteriormente, mas pelo que eles nos ensinam agora”. Assim dizia Dom Picchi em sua palestra intitulada “Viver, por que?”, na Conferência Internacional sobre AIDS, realizada no Vaticano, de 13 a 15 de novembro de 1989. Freqüentemente, os doentes de AIDS são apressadamente julgados na base de sua conduta ou considerados simplesmente como objeto dos serviços de saúde. Raramente são vistos como pessoas que têm algo a dizer, e manifesta-se muito pouca disposição par encontra-los e escuta-los. O encontro com os que estão doentes oferece muito material de reflexão para quem está bem de saúde. Pode-se aprender quando existe coragem de saudar, falar, conhecer e ficar um pouco com eles. O desafio é não permitir que o medo ou o preconceito estejam acima do amor. Não podemos nos iludir: o surgimento e explosão da AIDS coincidem com a afirmação de uma cultura do prazer, ligada à permissividade e promiscuidade sexual, ao consumo da droga, como busca de um bem-estar imediato e irresponsável! Os meios principais de transmissão da doença denunciam uma crise de valores humanos e culturais. O próprio Papa, na mensagem final da Conferência, assinalava este aspecto preocupante: “Não se está longe da verdade afirmando-se que, paralelamente à difusão da AIDS, vem-se manifestando uma espécie de imunodeficiência no plano dos valores existenciais, que não se pode deixar de reconhecer como sendo uma patologia do espírito”. A AIDS não é somente um fato trágico que diz respeito aos indivíduos afetados pela doença, mas é um exame que envolve toda a sociedade, enquanto contribui para afirmação de determinados valores e estilos de vida. Não é somente o doente de AIDS que é chamado a examinar sua responsabilidade, mas é a comunidade toda que é interpelada. Os afetados pela AIDS, por sua vez, não pedem dos outros piedade,mas respeito. Eles não são esqueletos mudos que caminham pelas ruas, mas pessoas que possuem um coração, com lembranças, medos e esperanças. A maior necessidade deles é a de serem amados, e a terapia do amor envolve quatro aspectos fundamentais. A solidariedade – Os que falam da AIDS como castigos de Deus ou dizem eles procuraram o que encontraram, agora que se virem, não oferecem compreensão, mas condenação moral. A solidariedade é atenção, sensibilidade, proximidade e ajuda. Deve encontrar expressão tanto a nível individual, como social ou institucional. A comunidade local e internacional, o mundo da saúde, científico e eclesial devem colaborar, juntos, para se ir ao encontro do homem que sofre e aliviar-lhe os sofrimentos. A integridade da pessoa – o doente de AIDS não é um corpo doente, mas uma pessoa que sofre. A batalha não se reduz em encontrar uma vacina, mas vida ajudar a pessoa na complexidade de suas necessidades. A amplidão das ações deve estar atenta à dimensão moral, psicológica, espiritual e social, além da física. Quem visita o doente


contribui para reduzir o seu isolamento social. Um diálogo aberto ajuda a individualizar, recuperar ou afirmar valores e responsabilidades. A acolhida dos sentimentos e confidências dá um sentido de dignidade. A esperança - Esta é a palavra-chave para quem luta pela vida, mesmo em circunstâncias de grande dificuldade. Cultivar a esperança é viver. Quem encontra razões para viver dá um sentido ao sofrimento, dá corpo á esperança, aprende a valorizar os pequenos projetos. Transforma a dor em oração, ativa sua espiritualidade. A esperança está orientada para a vida, não para a morte. Mesmo na presença da morte, para muitos, a esperança é de se encontrar com Deus, encontrar a paz. A terapia do amor consiste em acolher e sustentar as esperanças do doente, ajudando-o a reelaborá-las, quando necessário. Renovação interior - O doente de AIDS, como também muitos outros, sentem-se em maior ou menor grau privados de muitas certezas, tais como saúde, liberdade, autonomia. Existem os que se revoltam, os que se fecham em si mesmos, os que se rebelam contra este destino. Todo encontro com o sofrimento está cheio de interrogações e conduz a uma reflexão sobre as próprias responsabilidades, sobre o significado da existência e qual é o papel de Deus nos acontecimentos humanos. O sofrimento, a longo prazo, tem uma pedagogia própria, que marca profundamente os seus protagonistas. Muitos são os que, através desta sofrida labuta interior, conquistam um respeito maior em relação a si mesmos, outros descobrem imagens positivas de Deus, outros ainda se reconciliam gradualmente consigo mesmos, com o passado ou mesmo com os familiares. Quando existem condições favoráveis, o encontro com a doença torna-se um momento de graça e de maturidade pessoal. Assim confidenciou-me um doente de AIDS: «vivi mais nestes últimos seis meses de vida que em todo o resto de minha vida». Arnaldo Pangrazzi, Sacerdote camiliano, supervisor em Pastoral Clínica, Roma, Itália.

Ecologia pela saúde do futuro O movimento verde ganha adeptos em muitos países, entrando nas preocupações da bioética em sentido amplo. Deixando de lado suas conclusões equivocadas, seu romantismo de outra época, tentemos retratar a situação. O alarme veio, há poucos decênios, notadamente do Clube de Roma, chamando a atenção sobre o esgotamento de certas matérias-primas não substituíveis (menos iminente do que se pensava) e o estrago da vida animal e vegetal que compõe nosso meio de vida, reserva alimentar e ambiente pulmonar. Em jogo, portanto, está a relativa integridade da biosfera, meio físico (ar, água, temperatura), ambiente vegetal e animal. Além de certos limites de destruição, a sobrevivência da humanidade estaria em perigo. De imediato, a qualidade de vida está subordinada a ameaças de poluição e desertificação. Falou-se em «impasse ecológico», oriundo de um progresso tecnológico avassalador, destruidor dos componentes básicos da produção, sobretudo no tocante a elementos não renováveis, e da cadência da degradação dos ecossistemas. Os meios católicos estão alertados desde a década de 70 (Intervenção da Santa Sé na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, Estocolmo, 1972) e defendem suas apreensões em


obras como a de A. Auer, Teologia da criação, ou, de maneira mais positiva, Mattew Fox, Original blessing: a primer in creation spiriittality, (Santa Fé, 1983). Os meios protestantes reagiram, primeiro nos EUA, depois na Alemanha Federal (com influência de Heidegger?) e na França (Jackes Ellul, também cruzado da antitécnica). Alguns cristãos culpabilizaram o Cristianismo (as Igrejas?) por ter incentivado uma interpretação abusiva do domínio outorgado por Javé sobre a criação (Gên I). De fato, a dessacralização das culturas míticas permitiu o desenvolver ocidental da ciência e da técnica. Jean Ansaldi nega o acerto desta culpabilização (L'agitation ei le rire, 1989). O protestante J. Moltmann tentou a maior síntese até hoje em Deus na criação. Tratado ecológico da criação. Com sua enorme criatividade, o Primeiro Mundo montou aparelhos industriais acusados de devastar e poluir. Esta industrialização passa hoje a interessar mais o Terceiro Mundo, o Primeiro sendo ocupado em aprimorar os serviços (setor terciário), não poluentes nem devastadores. Inexiste, por outro lado, plano sério para contestar ao Brasil sua soberania sobre a Amazônia (que ela seja ou não pulmão da terra), mas sim preocupação para que toda sua soberania seja consciente de suas responsabilidades, inclusive com os outros povos. Uma das pedras no caminho desta conscientização responsável é a ideologização do desafio. Um observador mediático apontou a perturbação com pertinência: «A ideologia da ecologia ocorre quando a defesa do meio ambiente é usada como arma de combate contra o capitalismo e a civilização industrial, ou seja, quando ela se torna o último refúgio dos órfãos do marxismo. Neste caso, o seu objetivo não é a preservação do meio ambiente, mas o uso dessa bandeira como instrumento de mobilização e arregimento político... Estes ecoideologistas que tumultuam o debate retardam o encontro das soluções adequadas para o problema». A tomada de consciência exprime-se em sensibilidade ética e legislação adequada, posta realmente em vigor. Aqui cabe um exame de consciência, ainda que a minúcia ecológica não tenha necessariamente prioridade para a sobrevivência das populações mais pobres. Desde os anos 50, os países europeus promulgaram legislação sobre as águas, a fim de prevenir sua poluição. Nos anos 60, o problema dos perigos dos agrotóxicos tomou corpo nos EUA. (R. Carson, A primavera silenciosa, 1962). Na década de 70, a crise petroleira chamou a atenção sobre a limitação das reservas orgânicas e a dependência energética do Ocidente em relação a um Terceiro Mundo, cujas elites passaram a viver folgadamente da cessão de partes de seu subsolo. Desafiando a continuidade e o rigor da vigilância, catástrofes como o vazamento de Bophal (1985), a explosão de Tchemobyl (1986), o incêndio de Schweizerhalle (1986), assim como as advertências sobre a redução das camadas polares de ozônio, sobre o efeito estufa produzido pelo CO2 da combustão de fósseis, sobre o risco de degelo das geleiras, da proliferação das armas atômicas, juntam preciosas indicações. Resumindo as ameaças: 1) estancamento de recursos naturais não renováveis; 2) ruptura do ciclo de processamento natural de substâncias (como oxigênio, carbono, azoto) e de fluxos energéticos (cadeias e redes) em ecossistemas sensíveis: vários feed-back de regeneração natural são perturbados; 3) perda de controle sobre o ambiente que condiciona a humanidade e que ela usa para progredir, desencadeando processos ameaçadores. Existe um dever individual e coletivo, nacional e internacional, para disciplinar os abusos cometidos no tocante á natureza viva ou inanimada. As Nações Unidas lançaram o alerta pela I Conferência Mundial sobre a Biosfera (Estocolmo, 1972). A resistência ativa e passiva não é pequena,inclusive quando


politicamente instrumentalizada. Não se trata de obstar o legitimo crescimento de qualquer pais. Após cinco anos de investigação mundial, a Comissão Brundtland (mandatada pela Assembléia da ONU, em 1983), no tocante às questões fundamentais de ecologia e desenvolvimento, publicou seu relatório Nosso futuro comum (Montreal, 1988). Este documento é atualmente, de longe, o mais importante na área, abordando os temas seguintes: população e recursos humanos; segurança alimentar; espécies e ecossistemas; energia; indústria; o desafio urbano. Requer-se, a nível internacional: cooperação,legislação comum, autoridade executiva. Coube á Assembléia Geral do Conselho Mundial das Igrejas (Vancouver, 1983) criar seu programa «Justiça, Paz e Salvaguarda da Criação», que preparou a Reunião Mundial de Seul (Coréia do Sul, março de 1990), no seguimento da Reunião Ecumênica de Basiléia (Suíça, mato de 1989). Esta atividade pela saúde de depois de amanhã exige progressiva conscientização também nas bases populares. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista, Comunidade de São Paulo.


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