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As mortes Evitáveis dos Anos 90 A Organização mundial de Saúde (OMS) fez um apelo a todas as nações para lutar contra as milhares de mortes prematuras ocorridas em conseqüência de doenças erradicáveis. Segundo estimativa do diretor-geral da OMS, Hiroshi Nakajima, se isso não ocorrer, pelo menos 200 milhões de pessoas morrerão, na década de 90, vítimas de enfermidades evitáveis. Para reverter esse quadro, a OMS propõe aos países o investimento em medidas preventivas simples – vacinas baratas, antibióticos e terapias de reidratação oral – capazes de evitar a morte de 40 milhões de pessoas por ano. A proposta da Organização Mundial de Saúde é incentivar a criação de um “dividendo para a saúde”, a partir de fundos destinados ao setor militar. De acordo com estudos da entidade sobre a saúde mundial, as doenças cardíacas são as que mais matam no mundo, com 12 milhões de vítimas por ano. Em segundo lugar, com 5 milhões de mortes, vem a diarréia, seguida pelo câncer, pela pneumonia (4,8 milhões) e tuberculose (3 milhões). A AIDS ocupa o 13º Lugar na lista, com 200 mil mortes anuais. Os países pobres, revela a OMS, gastam anualmente uma média de US$ 5 por pessoa com a saúde. Na Europa, esse valor sobe para US$ 460, e nos Estados Unidos chega a US$ 1.900. A média de vida nos países em desenvolvimento e de 59,7 anos, e de 73,4 nos países desenvolvidos, o que dá uma média mundial de 61,5. “A doença é hoje a maior força destrutiva do mundo”, afirma Nakajima. Segundo o relatório da OMS, a cada dia, 8 mil crianças morrem no planeta por não estarem imunizadas; outras 14 mil morrem de desidratação causada por diarréia, e 8 mil são vítimas de pneumonia. Num período de duas semanas, pelo menos um bilhão de pessoas – ou uma em cada cinco em todo o mundo – adoece com malária, tuberculose, hepatite B, AIDS, anemia, vermes ou sarampo. De acordo com o relatório, “muito do sofrimento pode ser aliviado”. Como exemplo de solução, a organização cita a vacinação infantil e a distribuição de medicamentos para diarréia e pneumonia, capazes de evitar 7,5 milhões de mortes por ano, ao preço de US$ 2,7 bilhões. Para enfrentar a “guerra contra as doenças”, Nakajima propõe a redução “das tensões militares do mundo”. A geografia da morte, segundo a pesquisa da OMS, passa pela América Central e do Sul, onde 90 milhões – 25% da população – sofrem de doenças respiratórias, diarréia, malária, tuberculose, chagas, sarampo ou dengue. No Sul e Leste da Ásia, 500 milhões – 40% dos habitantes – apresentam desnutrição, diarréia, doenças respiratórias, dengue, sarampo ou malária. No Saara, 140 milhões – 30% da população – têm desnutrição, diarréia, problemas respiratórios, doenças sexuais e sarampo. No Norte africano, Oriente Médio, Afeganistão, Egito e Iraque, 90 milhões – 25% da população – estão doentes, vítimas de distúrbios respiratórios, diarréias, sarampo e tuberculose. Texto reproduzido do jornal “O Estado de São Paulo”, de autoria de seu correspondente Moisés Rabinovici.

O Papa no Hospital São Camilo Normalmente feita aos domingos, a visita pastoral do Papa na Diocese de Roma foi dedicada, em uma de suas oportunidades, ao Hospital São Camilo. A visita aconteceu pouco antes da Páscoa, e o Papa considerou haver uma particular coincidência entre o significado da liturgia pascal - baseada na proclamação de Cristo:«Eu sou a ressurreição e a vida» - e «o lugar onde essas palavras ressoam», para afirmar que elas tinham ali «uma particular intensidade de consolação». E justificou: «Se há um lugar onde estas palavras ressoam com particular intensidade de consolação, este é o hospital. Aqui, com efeito, tudo é orientado para servir á vida, no intento de restabelecer a saúde de quem foi atingido pela doença e de o restituir ao afeto dos seus entes queridos». Disse mais o Papa:


«Na perspectiva da plena recuperação da saúde, quereria, todavia, convidar~vos, caros doentes, a não minimizar o período que estais agora a viver. Também de faz parte de um desígnio providencial. «Todos sabemos, por experiência direta, que o sofrimento e a doença pertencem á condição do homem, criatura frágil e limitada, marcada desde o nascimento pelo pecado original. Acontece, não raro, que aqueles que por eles são atingidos cedam á tentação de os considerar um castigo divino, e duvidem, como conseqüência, da bondade de Deus, o qual nos foi revelado por Jesus como Pai que ama, sempre e de qualquer maneira, os seus filhos. «Numa sociedade como a atual, depois, que pretende construir se sobre o bem-estar e sobre o consumismo e avalia tudo segundo a eficiência e a vantagem, o problema da doença e do sofrimento, não podendo ser negado, ou é deixado de parte, ou então pensa-se poder absolvê-lo, confiando exclusivamente nos meios oferecidos pela moderna tecnologia avançada. «Tudo isto constitui um verdadeiro e próprio desafio para aqueles que se professam crentes e que recebem da Revelação e, sobretudo do Evangelho, uma resposta a acolher na sua vida e a propor ao mundo como sinal de esperança e como luz, que dá sentido à existência. «E a Palavra da Cruz, que todos aqueles que trabalham no mundo da saúde são chamados a fazer própria, a testemunhar aos outros. «Vós, doentes; antes de tudo! O Papa, que veio hoje ao meio de vós, diz-vos, portanto: Olhai para Cristo Crucificado e aprendei dele? «Ele, assumindo totalmente a condição humana, quis livremente assumir sobre si os sofrimentos humanos e, oferecendo-se ao Pai como vitima inocente por nós, homens, e tara a nossa salvação, com grande c amor e lágrimas (Heb. 5,7), redimiu o sofrimento, transformando-o num dom de amor pela redenção de todos. «Certamente, a doença e o sofrimento continuam a ser uma limitação e uma prova; podem por isso constituir uma pedra de tropeço no caminho da vida. «Na óptica da Cruz, porém, eles tomam~se um momento de crescimento na fé e um instrumento valioso para contribuírem, unidos a Cristo, para a realização do plano divino da salvação. «Caríssimos irmãos e irmãs doentes, viveis assim a vossa experiência! Não vos hão de faltar o auxilio de Deus e a força que vem do Espírito Consolador. O Papa está convosco e acompanha~vos todos os dias com a sua oração. A Igreja de Roma, chamada ao renovamento espiritual e pastoral com o Sínodo Diocesano, conta com o vosso valioso contributo de oferenda e de súplica, para viver de maneira mais intensa a comunhão e para se dedicar com renovado empenho a uma nova evangelização da Cidade. «A Palavra da Cruz tem uma mensagem também para vós, agentes de Saúde, que, a vários níveis e com diversas responsabilidades, prestais o vosso serviço no hospital. E Cristo Jesus, com efeito, que se esconde e se revela no rosto e na carne, no coração e no espírito daqueles que vós sois chamados a assistir e cuidar. «Ele considera feito a si próprio tudo o que se faz a um destes irmãos mais pequeninos, doentes e muitas vezes sozinhos e marginalizados pela sociedade (cf. Mt. 25, 40). «Isto exige de vós atitudes interiores, palavras e gestos inspirados não só por uma profunda e rica humanidade, mas por um autêntico espírito de fé e de caridade. «Sei que já estais empenhados nessa delicada e difícil missão. Contudo, exorto-vos a crescer e progredir cada vez mais nessa direção. «Peço portanto a vós, e por meio de vós a todos aqueles que trabalham nas estruturas sanitárias da Cidade, que vençais a tentação da indiferença e do egoísmo, e que vos esforceis, antes de mais, por humanizar e tornar mais vivificantes os ambientes sanitários, de modo que o homem doente seja curado na sua totalidade de corpo e de espírito. «Esforçai~vos por que sejam reconhecidos e promovidos todos os direitos fundamentais e os valores da pessoa humana, primeiro dentre todos o da vida, desde o seu surgir até o seu termo natural. Isto exige atenção ás diversas situações, diálogo respeitoso e paciente, amor generoso por todo homem, considerado como imagem de Deus e, para quem é crente, ícone de Crista que sofre.


«Isto exige não só aprimoradas qualidades humanas, competência profissional e seria vontade de colaboração, mas uma profunda coerência moral e uma amadurecida consciência dos valores éticos que estão em jogo, quando a vida está ameaçada pela doença e pela morte. «E preciso avizinhar-se, como bom samaritano, do homem que sofre, como fez Jesus e como ele ensinou a fazer àqueles que querem ser seus discípulos. «E preciso saber ver os sofrimentos dos próprios irmãos, não passando adiante por causa da pressa e ou da preguiça, mas fazendo-se próximo, detendo-se ao lado deles, para dizer as palavras de consolo e administrar os cuidados necessários, com gostos de serviço e de amor orientados para a saúde integral da pessoa humana. «De modo particular, esta é a tarefa da Pastoral da Saúde, que se propõe a realizar uma presença eficaz da Igreja, a fim de levar a luz do Evangelho e a graça do Senhor, por meio dos sacramentos, àqueles que sofrem e a quantos cuidam deles, em primeiro lugar aos familiares dos doentes que, muitas vezes, são os mais expostos aos contragolpes que o sofrimento comporta na existência humana. Também neste setor o Sínodo Pastoral Diocesano deverá produzir frutos de renovação e de maior empenho, na linha da comunhão e da missão. «Caríssimos irmãos e irmãs, são estas as lições que nos vêm da Palavra da Cruz, do mistério pascal de Jesus, que nos preparamos para celebrar nos próximos dias. Em comunhão com a Igreja toda, acolhamo-las com fé, vivamo-las com empenho. Aprendamo-las de Maria, que aos pés da Cruz uniu os seus sofrimentos aos do seu Filho, contribuindo assim para a redenção da humanidade. Digamos, como da e com ela, o nosso sim, para fazermos do nosso sofrimento ou do nosso serviço a quem sofre, um dom de amor. Para a glória de Deus e a salvação do homem. Amém!»

Quando a prece não é atendida Também da coleção norte-americana «Care Notes», elaborada para utilização junto a doentes e pessoas que sofrem, este texto é de autoria de Frei Keith Mcclellan, O.S.B., e tem como título «Quando suas preces não são atendidas...». A tradução é do Pe. Leo Pessini, especial para este Boletim. O primeiro os textos da série («Como encontrar Deus no meio do sofrimento») foi publicado na edição anterior. Acontece que você tem rezado ardentemente, mas encontrou somente escuridão. Como um sussurro numa catedral deserta, seus pedidos foram engolidos pelo silêncio. Você pode estar sentindose numa prisão e frustrado, como alguém fechado em um quarto vazio. Afinal, existe algo mais desapontador do que a idéia de que Deus não se importa com a gente? Você pode estar ansioso - por você mesmo ou pelos outros -, devido a uma doença seria, perda, insegurança no presente ou com medo do futuro, responsabilidades pesadas, falhas etc. Talvez tenha rezado pedindo coisas como a paz, justiça, os direitos humanos. E, não obstante, Deus parece silencioso e distante. Confrontado com a aparente inutilidade de suas orações, você pode começar a desconfiar da Providência Divina. Ou, então, pode deixar Deus de lado, e começar a acusar-se: «eu não mereço», «estou sendo punido por causa dos meus pecados», «não rezei como deveria», «deveria ter rezado mais», «não tenho tanta fé»... Este artigo desafia tal modo de pensar. Pretende lembrá-lo que a oração não é uma barganha ou pagamento adiantado por algum beneficio recebido, remédio para casos sem esperança ou agrado de Deus para os bem comportados. Toda oração é amor. Encontrando o caminho Não importa o quanto você reza. Não podemos manipular a resposta de Deus. Você pode, contudo, aprender a abrir-se para receber e aceitar a resposta de Deus, resposta que sempre representa a grandeza do amor divino, embora, por vezes, de uma forma misteriosa.


Examine sua imagem de Deus - Através de seus pais, professores e catequistas, você desenvolveu uma imagem de Deus que está em sua mente desde a mais tenra idade. Tais como muitas outras experiências da infância, essa imagem pode continuar a influenciá-lo. Mesmo que você tenha crescido com o correr dos anos, a imagem ainda está presente. Uma imagem muito comum de Deus é vê-lo como disciplinador de recompensas e punições - o pai (mãe) rígido e juiz. Outra idéia de Deus é a de um comerciante divino, que livremente oferece seus serviços em troca da lealdade do cliente. Seu desapontamento com Deus pode ser modificado com o alargamento de sua visão. A Bíblia que recolhe a experiência religiosa de muitos homens e mulheres - oferece uma rica variedade de visões de Deus. Nela você encontrará Deus como alguém caminhando com você, um pai atencioso, um debatedor apaixonado, mãe confortadora, pai pródigo, alguém sofrendo com você. Contraponha suas expectativas de Deus com a experiência bíblica das imagens a seguir. Imagine que tudo fosse como suas orações desejam - Esopo, em suas fábulas, conta a história de um cachorro que encontrou um osso e, todo feliz, se dirigia para casa. Ao passar por um lago, viu refletido na água um cachorro igual a ele, com um osso na boca. Começou a latir e avançou para roubar o osso. Enquanto isso, o seu próprio osso caiu na água. Sem chance de recuperá-lo, descobriu que o outro cachorro era tão-somente a sua própria imagem refletida. Nas suas orações, você pode estar procurando a imagem da plenitude ante que a substância. Embora reze sinceramente, pode ser que haja muito de você em sua oração. Além disso, o não ser atendido em suas orações pode fazer com que você se sinta vazio. Não é este vazio causado pela frustração de desejos profundos e inefáveis? Se todas as orações fossem atendidas de acordo com os gostos humanos, a plenitude do Reino de Deus nunca chegaria. O cuidado diminuiria, o heroísmo desapareceria, e nossos entes queridos nunca seriam livres de nossas mãos para irem até Deus. Relembre a Providência Divina presente anteriormente em sua vida - A memória é o fundamento da fé judaíco-cristã. O milagre isolado é logo esquecido - os hebreus rapidamente se esqueceram das maravilhas de Deus em cada etapa de sua libertação do Egito e de suas andanças sem rumo pelo deserto. Encarando o acontecimento como um todo, a partir da Terra Prometida, eles foram capazes de perceber e celebrar a providência de Deus. Da mesma forma, a morte de Jesus foi somente um escândalo e sinal de fracasso, até que a fé na Ressurreição a revelasse como um amor radical. Como um hábil batedor de carteiras, Deus está presente em você de formas curiosas. Você não sabia que ele estava lá, a não ser depois. Quando precisou dele, Deus parecia ausente. No entanto, através do dom do tempo, é freqüentemente possível olhar para trás e ver que Deus esteve presente, sustentando, confortando e encorajando. Pense em situações de sofrimento e provação passadas, quando Deus não falhou. Estar com raiva, mas não permanecer na raiva - Em sua novela «A cidade além do morro», o sobrevivente do Holocausto, Elie Wiesel, descreve a raiva de Michael, um prisioneiro de um campo de concentração: «Quero blasfemar e não posso. Estou contra Deus, levanto meu punho cerrado, com raiva, mas isto é uma maneira de dizer-lhe que ele está lá e existe... O grito torna-se uma oração, apesar de mim». Os profetas e santos lutaram contra Deus. Se você cresceu temendo Deus, poderá descartar esse pensamento. No entanto, dar permissão a você mesmo de expressar tal paixão - exigir uma resposta ao seu «por que?» - é levar Deus a sério, entrar na intimidade a que Deus o convida e reconhecer a força de sua providência. Discutir com Deus sim. No entanto, tendo expressado e dado vazão a sua raiva, é chegada a hora de deixá-la partir. Agarrar-se a ela envenenará todos os seus relacionamentos. Saiba que você está em boa companhia - Embora sua angústia possa fazê-lo sentir-se sozinho, você está em uma companhia abençoada, de pessoas notáveis que conheceram o desafiador silêncio de Deus. O mais incrível é Jó, o homem justo que não acusou Deus, responsabilizando-o, quando perdeu sua família e propriedades.


Jesus rezou para livrar-se do sofrimento, mas não foi ouvido. São Francisco de Assis presenciou Deus permitindo sua Ordem fundar a Liga das Nações para a paz, mas seus sonhos e orações falharam em assegurar a participação nela de seu próprio pais. Através da história humana, incontáveis gritos de necessidades e esperança chegaram aos ouvidos de Deus. Uns poucos falam de resposta como milagre. Muitos receberam respostas favoráveis. Muitos, talvez, tenham experimentado o mistério da ambigüidade que exige uma reflexão de fé. Continuar rezando - Obviamente, embora Deus fique contente em ouvir suas necessidades, de não tem sua alegria aumentada ao ser informado delas por você. A oração é para o orante. A oração não pode-mudar Deus, mas pode mudar você. Contudo, se Deus é Deus, a melhor solução para os seus problemas é a divina e não a sua. A oração mais pura é a que procura conformar sua conduta com a vontade de Deus, fazer de seu pensar o pensar de Deus. A oração, como expressão de amor e confiança, simboliza esta relação entre você e Deus. Olhe na escuridão, ouça o silêncio. Você está sendo mudado, testado, amado profundamente. Deus confia, apóia e ama você. Persevere. No amor existe mais silêncio que discurso. Tenha confiança - Em nenhuma passagem da Bíblia aparece um Deus que se alegre com a dor e o desespero humano. Pelo contrário, a fé judaico-cristã mostra que Deus está sempre do lado da humanidade, está do nosso lado - é um Deus que vive com uma face humana. Deus nos apóia e batalha conosco. E verdade! Você pode não receber a resposta especifica para suas orações. Estaria Deus agindo cruelmente? Não, mas pode ser que Deus esteja abraçando-o fortemente, a fim de prepará-lo para servir. Afinal, o desejo último de Deus é que você esteja em comunhão com ele. Criado para agir em liberdade e viver em responsabilidade o amor de Deus, você tem um sentido para além do momento presente. Deus talvez seja impotente para responder a suas orações do modo como você deseja. Na perspectiva de causa e efeito, a resposta para sua oração - mesmo sendo boa e válida - pode obstruir o desígnio último e eterno de Deus. Ainda assim, Deus está de seu lado, sofrendo, querendo confortá-lo, sentindo sua angústia, como somente o seu amor infinito é capaz. Deus responde a suas preces, sempre, embora a resposta possa estar velada em mistério. Quer seja vista como um milagre ou um silêncio gélido, a oração cumpre o propósito último de Deus: a remoção de todas as necessidades, através de uma união perfeita no amor.

Uma Visão Pessoal do Trabalho Agentes de Pastoral da Saúde no Hospital das Clínicas, da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Graça Maria Mihoto foi uma das apresentadoras de temas durante o XI Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde, realizado em setembro último, na capital paulista. Ela apresentou sua visão pessoal do que seja o trabalho do agente de Pastoral, além de tecer considerações sobre a ação em si mesma. Um dos pontos focalizados em sua apresentação foi a constatação de que são as mulheres, em maior número, que mais exercem a ação junto aos doentes, como integrantes da Pastoral da Saúde. Diz ela que, dentre as várias razões para isso, “a primeira é de ordem religiosa, pois nas primeiras comunidades cristãs só era permitido às mulheres o desenvolvimento de atividades ou serviços ministeriais, ficando a cargo dos homens os ministérios presbiteriais. As mulheres, portanto, exerciam as tarefas limpeza dos templos, a arrumação dos altares, o cuidado com os órfãos, as viúvas e os doentes das comunidades”. Como segunda razão, Graça Maria diz que as mulheres escolhem como serviço a Pastoral da Saúde por um “sentimento de compaixão, tão intrínseco na sua forma de ser diante da vida. Claro que os homens também têm compaixão – diz ela -, afinal o Filho de Deus, enquanto homem, foi, na pessoa de Jesus Cristo, um homem, e ninguém tiveram mais compaixão do que ele. Mas a mulher, já na sua própria constituição física, tem um órgão aberto a acolher o outro. Por isso, a mulher é mais disponível ao outro, ainda mais quando este outro é um ser que sofre, que clama por compaixão. E o doente é o que mais suplica compaixão”. E, para confirmá-lo, ela afirma que “esse sentimento, tão natural na


mulher, traz em si a doçura e a mansidão de Cristo (2Cor 10,1), faz com que ela ame com amor, com que a audição de uma experiência seja uma partilha, uma celebração”. Graça Maria aduz, ainda, uma terceira razão, esta de ordem social, “pois ela identifica sua própria condição de vida com a situação existencial do doente”. E justifica: “A grande maioria dos doentes encontra-se numa situação de total marginalidade e opressão”, em especial, enfatiza ela, a mulher brasileira, “porque, além de ser mulher, é pobre, inculta doente e, em boa parte, negra”. Testemunhos A propósito de situações que o agente de Pastoral vivencia nos hospitais, Graça Maria observa que, em 11 anos de atuação na Pastoral da Saúde, teve oportunidade de presenciar ocorrências que constituem profundo desrespeito à pessoas doentes. Ela elenca algumas delas: -quantas pessoas passam dias sobre uma maca, nos corredores do Pronto-Socorro, aguardando seu atendimento? -quantos tratamentos são ministrados, sem que o paciente possa decidir se quer ou não faze-lo? -quantas pessoas acabam morrendo nas UTIs,, solitária e desumanamente, quando prefeririam viver um tempo menor, mas acabar seus dias junto a seus entes queridos? -quantas pessoas têm seus membros amputados, sem a devida preparação psicológica? -quantos doentes são ultrajados em seu pudor na hora de seus exames? -quantos tratamentos são encerrados por falta de verbas nos hospitais? Para Graça Maria, há quem se questione se é realmente possível falar de Deus em tais condições de sobrevivência, de submissão contínua, de vivência deturpada. E ela responde que, não obstante tudo isso, “é possível sim, porque a mulher é um ser que acredita na existência de um Deus, independente de qualquer cultura, raça, classe ou situação social, e essa crença funciona como alavanca, uma válvula propulsora que a impulsiona para suportar as lutas diárias, apesar de sua situação de marginalização”. Relativamente à atuação como agentes de Pastoral, Graça Maria afirma que “a mensagem de partir o pão e partilhar o Reino de Deus se traduz na mulher através de gestos de ternura e gratuidade, mas também através de gestos de firmeza, criatividade e perseverança, pois a força do Espírito de Deus que habita nas mulheres precisem mudar “seu jeito terno de ser, não precisam esconder sua sensibilidade natural, para lutar por uma vida digna para seus filhos e irmãos, pelo respeito, pela justiça, pela saúde de todos – saúde que se traduz muito menos em remédios e muito mais em condições básicas de vida”. “Debruçada sobre a cabeceira do doente, enfatiza ela, a mulher, num gesto natural de compaixão, revela o Deus-Amor; mas é de mãos dadas com o doente, e com todos os outros marginalizados e oprimidos, clamado por justiça e partilhando as misérias, que ela revela o Deuslibertador”. Uma experiência pessoal Graça Maria também revelou o que classificou de “um dos encontros mais bonitos” por ela vivenciados. Ela visitara, no dia anterior, um seu amigo, internado no Pronto-Socorro. Ao retornar, na manhã seguinte, soube que ela falecera. Continuou as suas visita aos outros doentes, “mas com um gosto amargo na boca, de tristeza e desesperança”.Num dos quartos encontrou um senhor de 82 anos, trabalhador rural, pia de duas filhas, uma bonita, saudável, meiga, professora formada, a outra feia, doente (é excepcional) e bastante irascível e violenta. Uma é querida de todos, independente. A outra, ninguém a quer, porque é feia, doente. E o senhor dizia: “quem mais precisa de mim, quem precisa do meu amor, carinho,compaixão e atenção? Vocês visitam os doentes, não porque eles precisem de vocês, de sua compaixão, são voc6es que precisam deles, porque eles lhes lembram que vocês são pessoas saudáveis, felizes, perfeitas. São eles que gratificam sua existência, que tornam simples os seus problemas diários, que lhes dão força para suportar as labutas da vida”. E – continua Graça Maria em seu relato – “ele passou a falar sobre o amor que une todas as pessoas na solidariedade da dor, esse amor que continua empurrando a humanidade, apesar dos sofrimentos, das opressões, das injustiças. Depois, foram chegando alguns profissionais da saúde que também pararam para ouvi-lo e, enquanto ele falava, a minha tristeza se foi dissipando, a dor da perda do amigo se foi transformando numa saudade leve, numa perspectiva de esperança, de ressurreição. Ao nos despedirmos, após a visita, uma


atendente nos interpelou dizendo: “Não parecia que o nosso coração se enchia de amor, crescia, enquanto ele falava?” Só então percebi que, naquela manhã, eu havia realizado a caminhada dos discípulos de Emaús, ao lado de meu Senhor”.

O Rigor Científico e a AIDS A disseminação da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), que origina a até agora incurável e indubitavelmente fatal Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), está progredindo, e esse crescimento, previsto, vem assumindo dimensão assustadora. Tal situação gera conturbações humanitárias, emocionais, econômicas, assistenciais e, agora, também científicas. Os infectados, ainda sem manifestações clínicas ou já com a AIDS, assim como os que correm maior risco de serem atingidos pelo HIV - representados sobretudo por homossexuais, bissexuais e toxicômanos, em contexto do qual participam também os comprometidos pela hemoterapia, heterossexuais, mulheres afetadas através de diversos mecanismos e seus filhos almejam ardentemente a obtenção de recursos curativos. Isso é compreensível e constitui desiderato apoiado de forma unânime. Todavia, no âmbito da luta destinada ao desvendamento de tratamentos eficazes ocorrem, no momento, deslizes e maus comportamentos, inaceitáveis, que se contrapõem ao rigor e verdade científicos. Pessoas implicadas transformaram eventos destinados a reunir pesquisadores em comícios e focos de agitação; leigos e até médicos propõem terapêuticas por eles aleatoriamente idealizadas; processos qualificados como alternativos ficam apregoados sem respaldo em documentações comprobatórias, e inverdades levianamente chegam a receber apoio, servindo de exemplos as informações de que a enfermidade não é infecciosa, o AZT não propicia qualquer efeito e suporte psicológico nem corrige a deficiência imunológica. Como fruto dessas inconveniências, è simples deduzir que se torna fácil a ação de charlatões, oportunistas e mercenários. A busca de novos conhecimentos, pela pesquisa científica, obrigatoriamente precisa respeitar várias premissas, e essa tramitação não admite exceções, atalhos e desvios. O que diferir disso é qualquer outra coisa, menos trabalho no campo da ciência, e não foram atitudes espúrias as responsáveis pelos brilhantes progressos consumados no âmago da Medicina e de diferentes áreas. Fazem parte da concretização de estudos etapas fundamentais, ilustradas por programação, metodologia corretas, disponibilidade de recursos suficientes, criteriosa avaliação dos resultados e estipulação judiciosa das conclusões, em conjunto de providências que podem exigir tática duplo-cega, grupos controle e análise estatística. Impressões, personalismos, amadorismo e indicação de condutas não derivadas de justas observações são, portanto, impropriedades. Nem a AIDS nem nada justificam a desconsideração para com o rigor científico, do qual surgiram, tradicionalmente, as inúmeras conquistas benéficas para a humanidade. É aconselhável, isso sim, que as já bem identificadas prováveis vitimas da moléstia, reconhecidas como básicas vinculadoras da infecção pelo HIV, usem suas forças, criatividade e recursos no embate preventivo, calcado em educação, informação exata e comportamento responsável. Tentar desvalorizar postulados científicos é concepção absurda e ridícula. Vicente Amato Neto, Diretor superintendente do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP.

0 Direito de Morrer Nos Estados Unidos está de volta uma velha questão: o direito de morrer. Periodicamente o tema é debatido, quase sempre em cima de um fato dramático. Um médico, Dr. Jack Kevorkian, colocou no mercado um equipamento capaz de abreviar, sem dor, a vida dos doentes terminais. O equipamento p'ode até ser manuseado pelo próprio paciente. Em vez de eutanásia, teríamos um caso de suicídio. A Suprema Corte resolveu colocar um freio na questão, limitando o número de casos. A eutanásia somente será praticada em alguns casos e quando a pessoa tenha deixado expressa a ordem de não ser mantida viva em situação caracterizada como irreversível.


De qualquer forma, a polêmica está fazendo furor. Para os defensores da tese, a eutanásia seria um «gesto de amor» para quem está caminhando lentamente para a morte. A Medicina nem sempre consegue caracterizar, com clareza, o estado de um paciente. Os enganos são sempre possíveis. A Igreja Católica, baseada no quinto mandamento - «não matar» - não aceita a eutanásia, assim como não aceita o aborto, assim como não aceita tudo o que è contra a vida. No entanto, a própria Moral ensina que ninguém tem a obrigação de recorrer aos chamados meios extraordinários para prolongar a vida. Mais do que o direito de morrer, a Igreja luta pelo direito de viver e, como quer o Evangelho, o direito de viver em plenitude. Isso significa colocar-se ao lado de tudo o que é favorável à vida e colocar-se contra todos os sinais de morte. Significa colocar-se contra a fome, a ignorância, a doença, a falta de higiene, a discriminação, o excesso de bebida e comida, o álcool ou qualquer tipo de droga, não excluindo o cigarro. Hoje fala-se muito em doente terminal. Na realidade, todos nós, desde que nascemos, somos terminais, isto é, começamos nossa caminhada para a morte. Ninguém tem certeza de levantar amanhã ou iniciar o próximo mês. A vida que temos não é nossa. Nós a recebemos e, com a vida e o tempo, temos a missão de realizar-nos e construir a história. Devemos viver cada momento com intensidade. Mais do que o eventual «direito» de morrer, tem o direito de viver e realizar-nos em todas as dimensões: física, moral, social, educacional e psiquicamente. De resto, não precisamos preocupar-nos com a morte; da virá a seu tempo. O importante é preparar a nossa morte. Cada um de nós deve merecer a própria morte. Mesmo porque sabemos que, depois dela, existe a Vida que merecemos. Aldo Colombo, Articulista do jornal «Correio Riograndense». Texto publicado na edição de 15 de agosto de 1990.

Acerca da Cremação Outrora condenada por motivos pastorais e não absolutos, a incineração dos corpos é prevista hoje pelo ritual católico dos funerais, em vários países. Desapareceu do Direito Canônico o antigo cânon 1.240do Código de 1917, que recusava as obsequias religiosas «àqueles que tinham pedido a cremação de seu corpo». A supressão da proibição data duma instrução romana de 8 de maio de 1963,cujo conteúdo foi reapresentado no ritual pós-conciliar (Preliminares nf.18):«Aqueles que escolheram a incineração de seu corpo,conceder-se-ão obsequias cristãs, fora o caso em que a escolha depender obviamente de motivos contrários à fé cristã. Ao respeitar a liberdade das pessoas e das famílias, não se esquecerá a preferência tradicional da Igreja pela maneira de sepultar usada com Nosso Senhor». Ninguém mais hoje pretende que a incineração impediria a ressurreição final. Em sentido contrário, o combate ás epidemias e o restrito espaço disponível nas grandes cidades aconselharam a revisão pastoral. Com l6 crematórios na França, apenas 3% dos mortos desses pais foram incinerados em 1985; a percentagem brasileira não chega a tanto. A tendência, porém, é para ligeiro crescimento, sobretudo no Norte da Europa. Pergunta-se por vezes como proceder no caso duma celebração católica envolvendo uma incineração. Nada impede uma liturgia de corpo presente, após a qual os íntimos acompanham o corpo até perto do local da combustão. Na igreja ou no velório, a cerimônia familiar é inalterada. As dúvidas expressam-se em três perguntas principais: 1) E permitida uma celebração na igreja com a urna? Esta pergunta teve resposta em uma carta da congregação do Culto Divino, de Roma, em data de 4 de junho de 1986: da admite essa possibilidade com autorização episcopal, ainda que prefira o processo acima mencionado. O costume brasileiro da missa de sétimo dia contorna o próprio questionamento. 2) Que orações convêm no lugar da cremação? O ritual completo dos funerais propõe elementos de resposta. Uma oração comunitária pode aliviar a tensão da expectativa do fim da cremação, ainda que a Igreja não incentive o comparecimento maciço ao crematório nem a substituição das formas mais tradicionais de liturgia.


3) Que fazer com a urna? A maioria das urnas é depositada no lugar previsto, o colombarium, mas nem sempre a legislação impede que a família leve consigo a urna. A Igreja pede que se escolha um lugar definitivo, como ocorre nos cemitérios. O sentido cristão desaconselha práticas como a dispersão das cinzas (pedida em outras religiões) ou a conservação das mesmas numa residência particular. Nestas últimas duas situações, a Comissão Litúrgica francesa recusa o acompanhamento ritual (declaração feita por Dom Claude Feidt, presidente da Comissão Episcopal Litúrgica, em 1987). A experiência brasileira do crematório de São Paulo é onerosa e relativamente pouco procurada. O incentivo, porém, por parte de várias correntes espíritas questiona os caminhos do futuro e aguça a curiosidade acerca da postura destas famílias espirituais. O defunto não está mais presente no cadáver, cujo respeito se deve ao fato de que este corpo foi uma pessoa; de permanece uma maneira de localizar a lembrança do desaparecido. Dai o estatuto original dos restos mortais, entre matéria comum e o ser vivo que de foi, e se foi. Os povos primitivos propiciavam considerável atenção ao status dos mortos. Recente e bem documentado estudo de antropologia brasileira classifica com felicidade as religiões do Pais conforme o lugar que concedem aos defuntos e seu ambiente imaginário. Ainda hoje podemos visitar na cidade de Americana, SP, em torno da sede da «Fraternidade Descendência Americana», uns 300túmulos das famílias de imigrantes do Sul dos Estados Unidos, que entraram no Brasil, principalmente entre 1866 e 1888 (com o fim da guerra civil perdida pelo Sul escravagista, a escravatura foi abolida nos EUA uns 20 anos antes da decisão brasileira correspondente), porque os católicos brasileiros recusaram receber o corpo dos protestantes em seus cemitérios (Time, 9/11/1987). Segundo o ocultismo espírita, possuímos um «duplo etéreo» ou «substância etérea» que deve retornar, o quanto antes,«à alma da Natureza». Nesta tradição, a incineração é preferível ao sepultamento, «pois liberta não só a alma do morto como também a dos vivos... Não podemos apegarnos a um punhado de poeira impedida pelo vento como o fazemos com um corpo confiado ao chão, retornando lentamente à Mãe Terra» (Dion Fortune, Através dos portais da morte, Pensamento, 1987). A afeição pelos vivos é temida pelos espíritas como entrave á liberdade do espírito desencarnado. Então, o «último serviço terreno de amor deve ser o de transportar as cinzas do ente querido a algum lugar consagrado á memória da felicidade, e ali espargi-las ao vento, restituindo à Natureza aquilo que a Natureza mesmo deu... Restituamos esse corpo o mais cedo possível aos elementos, a fim de libertarmos nosso amor da sensação de morte. Quando a cremação não for possível, plantar-se-á sobre a sepultura alguma árvore ou arbusto resistente para haurir a vida etérea da Terra e despedi-la no ar» (id.) A cremação seguida de dispersão ao vento é, portanto, aconselhada pela ocultista como procedimento que melhor assegura o pronto retorno ao pó humano e do duplo etéreo ao seio da natureza. Apesar não admitir a utilidade das missas pelas almas, Dion Fortune reconhece que as orações fúnebres podem «ajudar a alma a apaziguar os familiares». Ao simbolismo da cruz cristã, evocadora do sofrimento redentor, Dion prefere a «cruz céltica, com sua longa hasta afilada e seus pequenos braços, sobre os quais se sobrepõe um circulo, sinal da Vida triunfante para a Salvação». «A lagarta morre na sua condição de verme para renascer como borboleta»; o simbolismo antropológico da lagarta é aceito por todos aqueles que não encerram a vida humana com sua vivência biológica. A sua interpretação, porém, é diversa no espiritismo e no cristianismo. Vimos que o mesmo ocorre com a própria cremação. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista.


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