Ser Pastor da vida Jesus se apresenta como sendo o “Bom Pastor”, retomando uma imagem de Ezequiel (Ez 34,1-25), que descreve os aspectos humanizantes e desumanizantes do pastor. Na primeira parte do texto cotado, o profeta admoesta os maus pastores: “Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! Não devem os pastores apascentar o seu rebanho?... Não restaurastes o vigor das ovelhas abatidas, não curastes a que está doente, não tratastes a ferida da que sofreu fratura, não reconduzistes a desgarrada, não buscastes a perdida, mas dominastes sobre elas com dureza e violência. Por falta de pastor, elas dispersaram-se e acabaram por servir de presa para todos os animais do campo; e se dispersaram” (Ez 34,2.4-5). A segunda parte do texto focaliza as características positivas do bom pastor: “Assim diz o Senhor Iahweh: Eu mesmo apascentarei o meu rebanho, eu mesmo lhe darei repouso... Buscarei a ovelha que estiver perdida, reconduzirei a que estiver desgarrada, pensarei a que estiver fraturada e restaurarei a que estiver abatida. Quanto à gorda e vigorosa, guardá-la-ei e apascentá-la-ei com o direito” (Ez 34,11.16). Fica desenhado um perfil de toda e qualquer ação pastoral, cujas características são: • tomar a iniciativa e fazer-se próximo (“Eu mesmo apascentarei o meu rebanho, eu mesmo procurarei”); • contrato pessoal com cada um que encontra (“Cuidarei das minhas ovelhas...”); • criar comunidade (“Trá-las-ei dentre as nações estrangeiras...”); • ser guia e confortar (“Eu mesmo apascentarei o meu rebanho, eu mesmo lhe darei repouso...”); • buscar quem se perdeu (“Buscarei a ovelha que estiver perdida, reconduzirei a que estiver desgarrada…”); • atender a quem estiver ferido e enfermo (“Pensarei a que estiver fraturada e restaurarei a que estiver abatida...”). Jesus, em sua ação profética junto aos pobres e enfermos, encarna a figura do Bom Pastor. A maior parte dos milagres por ele operados está dirigida justamente aos pobres e doentes: surdos, coxos, cegos, paralíticos, leprosos, epiléticos, endemoniados, etc., enfim pessoas que estavam perdidas e esquecidas, e encontram, em Jesus, o Bom Pastor, acolhida, atenção, esperança e cura. Aprofundemos um pouco mais alguns aspectos de toda e qualquer ação pastoral na esteira da inspiração na figura bíblica do Bom Pastor que nos é lembrado pelo profeta Ezequiel e assumida por Jesus. A parábola do Bom Pastor é fonte de inspiração para o trabalho dos agentes de Pastoral da Saúde na sua missão de pastorear as ovelhas enfermas. Podemos destacar alguns aspectos pertinentes a esta missão. Primeiramente leiamos com atenção o texto bíblico em foco: “Eu sou a porta. Quem entrar por mim, será salvo; entrará e sairá, e encontrará pastagem. O ladrão vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. Eu sou o Bom Pastor: o bom pastor dá a vida por suas ovelhas. O mercenário que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa, porque é mercenário e não se importa com as ovelhas. Eu sou o Bom Pastor; conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem, como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou a vida por minhas ovelhas. Mas tenho outras ovelhas que não são deste aprisco: devo conduzi-las também e ouvirão
minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor. Por isso o Pai me ama, porque dou a minha vida para retomá-la. Ninguém me arrebata, mas eu a dou livremente. Tenho poder de entregá-la e poder de retomá-la; este é o preceito que recebi do Pai” (Jo 10,9-18). “Eu sou o Bom Pastor” – Jesus apresenta a sua identidade como sendo o bom pastor, contrastando com a do mercenário, que não conquistou o coração das ovelhas e as abandona assim que o perigo chega. O agente de pastoral deve deixar transparecer o seu amor, ternura e solicitude pastoral, sobretudo para com os que estão mais expostos ao perigo, à doença e à morte, neste momento em que a necessidade de não se sentir esquecido ou abandonado é maior. “O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas” – A vida do Cristo foi um contínuo doar-se. Seguindo seus passos, o agente de pastoral doa a vida ao serviço do próximo. Doar a vida concretiza-se no acompanhamento pessoal do sofredor, no dom do próprio tempo e energia que se transforma em amor-doação. Vivemos numa sociedade materialista em que as coisas têm precedência sobre as pessoas. Neste contexto, facilmente esquece-se o doar-se a si mesmo e substitui-se isso por coisas. O melhor presente é a entrega da própria vida. “Conheço as minhas ovelhas” – Jesus possui um conhecimento profundo das pessoas com as quais se encontra. Uma leitura imediata de suas necessidades e intenções lhe permitia compreender, acolher e confrontar seus interlocutores. O agente de pastoral deve conhecer as pessoas para ajudá-las. Sem conhecimento não se estabelece comunhão libertadora. Isso exige sobretudo um estar aberto para ouvir sem condições e sem preconceitos o outro, como ele é, e não como gostaríamos que ele fosse. Esse é o caminho da descoberta das riquezas e tesouros do próximo. “E as minhas ovelhas me conhecem” – A mensagem e o estilo relacional de Cristo eram como que um livro aberto que revelava ao mundo a sua identidade transparente. Amando as crianças, deixava transparecer sua amabilidade. Acolhendo os pecadores, sobressaía a sua misericórdia... Curando os enfermos, a sua humanidade se revelava. Consolando os aflitos, aflorava a sua sensibilidade. O agente de pastoral evangeliza pela sua presença. Quanto mais ele for capaz de deixar transparecer sua humanidade, mais ele se torna agente do espírito de Deus. Na relação de ajuda, ele se deixa conhecer, oferece sua humanidade, torna-se amigo das pessoas e está disposto até a sofrer para ajudar os outros a crescer. “Tenho também outras ovelhas que não são deste rebanho”; “haverá um só rebanho e um só pastor” – A mensagem de Jesus se dirigia a todos indistintamente e não somente aos hebreus, aos justos e sãos, mas principalmente aos pecadores e doentes. Seu coração está aberto aos doentes. Seu coração está aberto a todos. As pessoas que encontra são dos mais diversos níveis sociais, ideologia e credos: existem os devotos, os indiferentes, os revoltados, etc. A missão do Cristo visa reunir todos na unidade, quando Deus será o único Pastor. O agente de pastoral precisa ter um coração aberto a todos indistintamente. Fazer Pastoral é saber relacionar-se nas diversas situações, acolhendo e respeitando as pessoas sem impor a verdade pessoal. “Escutam a minha voz” – Hoje, 2000 anos depois, em todos os confins do mundo, estamos ouvindo a voz de Jesus.
A voz do agente de pastoral deve ser a voz dos que não têm voz nem vez. O desafio é semear a Boa Nova e a semente da palavra de Jesus no Getsêmani dos que vivem a sua sexta-feira da Paixão. À medida que ele for capaz de traduzir o espírito do Evangelho no contexto das relações humanas, a sua presença se torna anúncio de esperança, vida nova e saúde. Léo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
A Seca no Nordeste No dia 18 de março deste ano, reuniram-se em Brasília as Pastorais e Organismos ligados à Linha 6, Pastoral Social, para discutir a situação angustiante do povo nordestino, que já sofre mais de um ano com o problema da seca. Procurou-se também discutir formas de solidariedade. O fato de chover na região não torna menos urgente este apelo, porque a situação de fome vai continuar por muitos meses, enquanto o povo não tiver condições de se recuperar da seca e das condições seculares de sua marginalização. A Pastoral da Saúde - CNBB, atendendo ao proposto, divulga na íntegra a nota distribuída na reunião da Comissão Episcopal Pastoral (CEP), com o título “A seca continua matando”: 1- Em 1984, a Igreja do Brasil, em seu Documento “Nordeste, desafio à missão da Igreja no Brasil”, chamava a atenção sobre a seca, de forma contundente: “O povo está ameaçado de genocídio. A vida do povo do Nordeste está sendo destruída”. 2 – Passados 7 anos percebemos que esta situação continua a mesma, afligindo a população nordestina: milhões passam fome, as plantações ficam impossibilitadas, as criações vão morrendo aos poucos, as condições de vida vão se definhando... Segundo informações da SUDENE, a seca atinge 780 municípios, numa área de 1 milhão de Km2 (F.S.P. 11/1/91). Este quadro de negação à vida força famílias inteiras e milhões de trabalhadores a se deslocarem em busca de sobrevivência dentro e fora do próprio estado. 3 – Esta realidade torna-se ainda mais dramática na atual conjuntura, que é de crescente empobrecimento da população brasileira. Há um fenômeno muito evidente: migrantes nordestinos atingidos pelo desemprego tentam voltar às suas regiões de origem, entretanto são desestimulados pela problemática da seca; ao mesmo tempo, os atingidos pela seca migram para os grandes centros e aí se defrontam com o desemprego, falta de moradia e constante marginalização. 4 – É impressionante o descaso das autoridades para com a seca. Nenhuma iniciativa séria vem sendo tomada. Não existe nenhum plano do Governo Federal para as áreas atingidas. Explora-se a seca de forma demagógica e populista, com a finalidade de fortalecer as oligarquias locais e clientelismo político. Recursos existem, não há, porém, vontade política de enfrentar o problema. 5 – É preocupante, também, a apatia do conjunto da sociedade, inclusive da própria Igreja. A seca foi assimilada como um problema que sempre existiu e existirá. Não há reação, sensibilidade, solidariedade. 6 – As iniciativas regionais e os esforços inúmeros, de comunidades, entidades e Igrejas não têm encontrado maiores repercussões.
7 – A fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo exige de todos nós uma postura mais ativa. O problema da seca não é só ausência de chuva; está relacionado ao modelo político e econômico que impede o acesso à terra, aos açudes construídos pelo povo, à distribuição de renda. Não é apenas problemas dos nordestinos, é problema de toda a sociedade brasileira. 8 – Nesta perspectiva, convocamos as pastorais, os organismos, a CNBB, os parlamentares e a sociedade a assumirem este desafio e apoiarem as iniciativas de combater à seca. 9 – Em particular, pedimos à CNBB: que, por ocasião da presença do Papa no Nordeste e do Congresso eucarístico, haja um pronunciamento sobre o assunto; assumir e difundir as conclusões do Seminário “O homem e a seca do Nordeste”, a se realizar em agosto de 1991. 10 – Às Pastorais, solicitamos o empenho na divulgação e denúncia contra a seca e a solidariedade através de gestos concretos. 11 – Aos parlamentares e autoridades que não se omitam no seu papel de exercer sua representação popular e implementem políticas sérias para atingir as raízes da miséria e dos problemas”.
A Religião no Mundo A edição de 15 de setembro do ano passado do Informativo da Agência Internacional Fides, de Roma, publicou interessante texto intitulado “A Igreja no caminho da nova evangelização para vencer os desafios de hoje no mundo”. Entre outras informações, apresenta estatísticas sobre as grandes religiões no mundo, que convém conhecer. Assim, informa o artigo que, segundo os números disponíveis mais recentes, a população mundial é de aproximadamente 5,3 bilhões de pessoas. Mas é apenas aproximada a cifra sobre a pertença desses bilhões de pessoas às diversas religiões, especialmente às chamadas grandes. Os números mais confiáveis giram em torno destas cifras (em milhões de pessoas): Cristãos 1.729 Mulçumanos 902 Hindus 710 Confucionistas 333 Budistas 325 Hebreus 19 Siks 17 Outras ou sem religião 265 Do total de cristãos indicado, 890.907 milhões são católicos. A confrontação global desses números com as estatísticas divulgadas em 1988 interpela as Igrejas cristãs: os não-cristãos soma 3,581 bilhões, e seu número aumentou de 146 milhões, em 1989, levando-se em conta que, no mesmo período, a população mundial registrou um aumento de 200 milhões de pessoas, segundo dados da Organização das Nações Unidas.
Apesar de haver aumentado em mais de 13 milhões o número de católicos eles diminuíram em cerca de 0,03%, diz a publicação, acentuando que tais estatísticas são válidas para 1º de janeiro de 1989, conforme o “Anuário Estatístico da Igreja”, de 31 de dezembro de 1988. A esse cálculo, faltam, no entanto, os números referentes às Igrejas de países sem liberdade religiosa, como a China continental, Coréia do Norte, Vietnã, Camboja, Laos, Albânia e outros, embora conhecidas as cifras de sua população. Um quadro comparativo do número de católicos nas diferentes regiões do mundo mostra bem a situação, como se vê no quadro 1. Dos seus números se depreende um aumento global, no último período, de 83,461 milhões de habitantes, assim distribuídos por continente: 53,103 milhões na Ásia, 16,520 milhões na África, 11,391 milhões na América, 5,034 milhões na Europa e 413 mil na Ocenaia; os católicos, no mesmo ano, aumentaram globalmente em 13,184 milhões, assim distribuídos por continentes: 6,881 milhões na América; 3,565 milhões na África; 2,074 milhões na Ásia; 462 mil na Europa e 202 mil na Oceania. No entanto, decresceu a porcentagem de católicos, que passou de 17,59% para 17,56 (embora essa diminuição de 0,03% tenha representado uma recuperação relativamente à diminuição de 0,05% verificada em 1988). Deve-se frisar, ainda, que o percentual de católicos aumentou em 0,23% na África, em 0,02% na Ásia e em 0,36% na Oceania, enquanto diminuiu em 0,06% na América e em 0,05% na Europa. A Igreja na Ásia e na África revela o texto, continua vendo crescer suas vocações, com um notável aumento do número de sacerdotes, religiosos, religiosas e catequistas, como se pode verificar pelas estatísticas do pessoal nos diversos continentes (quadro 2). A promoção vocacional se manifesta nas Igrejas da Ásia e África. Pertence a essas áreas quase exclusivamente o aumento no número de sacerdotes, religiosos, religiosas e catequistas. Os sacerdotes aumentaram em 634 na Ásia, em 398 na África e em 145 na América, enquanto diminuíram em 1.469 na Europa e em 21 na Oceania. A diminuição do número de sacerdotes, tanto diocesanos quanto religiosos, afeta a Europa e a Oceania, enquanto o número de sacerdotes religiosos diminuiu em 385 na América e em 226 na África (sem dúvida, missionários estrangeiros). Os religiosos não-sacerdotes, com uma diminuição global de 717, aumentaram em 121 na África, em 6 na Ásia e em 50 na Oceania, tendo havido uma diminuição de 575 na América e de 319 na Europa. As religiosas aumentaram, seu número em 2.466 na Ásia e em 615 na África \, mas diminuíram em 8.976 ma Europa, em 3.1812 na América e em 248 na Austrália. Houve um grande aumento no número de catequistas na África (13.9916) e na América (2.867), mas chega a surpreender a diminuição de 7 mil na Ásia e de 343 na Oceania. O número total de catequistas, no entanto, aumentou em 9.151. Aumentou o número de católicos em todos os continentes, assim como o de habitantes atendidos por sacerdote (isso somente não ocorreu na Ásia) e de católicos por sacerdote, como se mostra no quadro 3. É constante, nas chamadas Igrejas Jovens, o aumento de pessoas de “indigenização” dos bispos: na Ásia, supera 94%; na África, 85%; na Oceania, 86% e na América, 55%. Já são muitos os países cuja hierarquia é totalmente “indígena”, entre os quais se contam os principais países da Ásia, Índia, Coréia, Japão, Taiwan e Vietnã, além de outros.
Entre os sacerdotes, igualmente aumenta de modo constante o percentual dos nacionais do país. Esclarece o texto que o mesmo se pode dizer dos irmãos leigos e das religiosas, fato creditado às numerosas vocações locais, sobretudo na Ásia (com mais de 86% dos sacerdotes, irmãos e religiosas), mas também na África. Nos territórios da América, dependentes do Dicastério para as Missões, são autóctones mais de 1/3 dos sacerdotes e irmãos leigos e quase a metade de suas religiosas. Diz o texto que o grande recurso das chamadas Igrejas Jovens são as suas vocações sacerdotais. O aumento é constante no numero de seminaristas nas Igrejas Jovens da Ásia e da África. Embora em menor número, ele também cresce na América e Oceania. Acentua também a publicação que este fato constitui hoje o grande patrimônio da Igreja nesses continentes, assim como uma sólida base de esperança para o futuro. Os números referentes aos seminaristas diocesanos e religiosos, por continente, são mostrados no quadro 5, revelando essa evolução.
Ecologia Humana O termo ecologia foi utilizado pela primeira vez pelos biologistas no século XIX em referência ao estudo da relação recíproca entre os organismos e o seu meio ambiente. Um ecossistema inclui um meio ambiente definido, todos os organismos que nele vivem, e as suas reações ao meio ambiente e entre si. Foi só no século XX que se começou a falar de ecologia humana, em referência às populações humana, à sua organização social, às características dos meios ambientes onde vivem e às tecnologias que empregam. O objetivo da ecologia humana é estudar as relações recíprocas entre os seres humanos e o meio ambiente social, físico e biológico. Proporciona conhecimentos que podem ser utilizados para orientar ações capazes de favorecer o equilíbrio e a harmonia nos ecossistemas dos quais as pessoas são parte integrante. Eugene Odom pôs em evidência a importância do elemento humano na ecologia nestes termos: “Até pouco tempo, a humanidade não se preocupou com as trocas gasosas, a purificação da água, os ciclos dos elementos nutritivos e outras funções protetoras de ecossistemas autônomos, principalmente porque nem o número de seres humanos nem as suas manipulações do meio foram suficientemente importantes para afetar equilíbrios regionais e mundiais. Agora... é tristemente evidente que tais equilíbrios estão afetados e raramente no bom sentido. O ponto de vista “para cada problema uma solução” já não é adequado e deve ser substituído por uma certa forma de análise de ecossistemas que não considere o homem separado do meio ambiente, mas como parte integrante desse mesmo meio ambiente”. A ecologia humana não considera doença, saúde, modo de vida e meio ambiente isoladamente. Examina-os em conjunto com as suas determinantes em sistemas dinâmicos. Considera a doença como uma parte integrante do ecossistema e reconhece que a erradicação duma doença pode perturbar gravemente um ecossistema e criar ainda mais problemas do que a própria doença; a tomada de consciência ecológica pode ajudar a evitar essa possibilidade. A perspectiva ecológica aplicada aos cuidados de saúde não é a mesma coisa que a tomada de posição ecológica adotada por certos partidos políticos, segundo os quais o meio
ambiente humano não devia ser modificado nem oferecer os valores estéticos. As catástrofes industriais que afetaram o meio ambiente reforçaram o movimento dos verdes, que utilizam a palavra “ecologia” de maneira imprecisa para atrair grande número de eleitores. Na realidade, a ecologia estuda, mas não se opõe as alterações no meio ambiente ou no funcionamento do ecossistema, que são, de qualquer maneira, inevitáveis. Também ajuda a prever as possíveis conseqüências das modificações propostas por vários setores. O fato do ponto de vista “para cada problema uma solução” já não ser adequado é evidente no fracasso das tentativas para combater uma doença aplicando medidas isoladas; por exemplo, a utilização do DDT contra os vetores do paludismo. O mesmo se verificou nos desastres que ocorrem quando projetos de irrigação de zonas áridas provocaram a multiplicação rápida de vetores de doenças, aumentando assim o alastramento das doenças transmissíveis; quando o desflorestamento para cultivo agrícola resultou numa grave erosão da camada superficial do solo; e quando a concentração de indústrias em zonas densamente povoadas comprometeu gravemente a qualidade do ar, provocando um aumento das doenças respiratórias. A ecologia humana pode ajudar a explicar as doenças. Por exemplo, as alterações que ocorreram nas causas de mortalidade nos países industrializados ocidentais desde o início deste século. Em 1900, nos Estados Unidos, as três principais causas de mortalidade eram a pneumonia, a tuberculose e as doenças diarréicas. Em 1940, pelo contrário, a pneumonia tinha descido para quinto lugar, e a tuberculose para sétimo, enquanto as doenças diarréicas não figuravam entre as 10 primeiras causas de mortalidade, mesmo se ainda não havia tratamento eficaz contra qualquer dessas doenças. Mas então como se explica esta redução rápida? Abastecimento de água potável, pasteurização do leite, eliminação sanitária das águas residuais e alojamento menos superlotados tinham diminuído consideravelmente a exposição a agentes patogênicos; a melhoria da nutrição e da higiene geral, tornada possível pelo desenvolvimento econômico, tinha aumentado a resistência às doenças. Em 1980, a mortalidade por tuberculose era relativamente insignificante nos EUA; os falecimentos devido à pneumonia tinham continuado a diminuir, e os que ainda ocorriam afetavam sobretudo pacientes idosos sofrendo de outras doenças crônicas. Os progressos realizados neste últimos 40 anos no combate às infecções refletem a introdução duma quimioterapia eficaz nos anos 70 e os progressos realizados neste campo. Mas certos padrões de morbidade alteram-se por razões que não compreendemos. Assim, a febre reumática, que tinha praticamente desaparecido nos países ocidentais, ressurgiu recentemente, enquanto as taxas de prevalências de câncer do estômago declinaram rapidamente nos EUA durante as últimas décadas, apesar de não haver tratamento eficaz. As formas mais graves de histeria e as manifestações catatônicas da esquizofrenia quase que desapareceram, mas aumenta a incidência de outras doenças mentais, como, por exemplo, a depressão. As reações a muitas doenças também parecem ter sofrido uma metamorfose. A letalidade de certas doenças transmissíveis diminuiu de maneira notável, como no caso da cólera e da peste. Novas doenças, das quais a AIDS é o exemplo mais flagrante fizeram a sua aparição de maneira devastadora. As convicções bem espalhadas de que o universo das doenças é finito e de que todas as doenças terão uma cura ficaram fortemente abaladas. Nos últimos anos, a relação recíproca entre as pessoas e o mundo em que vivem é um outro domínio que também sofreu grandes alterações.
O aumento das populações cuja saúde deve ser melhorada atingiu tais dimensões que a aplicação das doutrinas de saúde pública que surgiram no século XIX já não são válidas. Em cidades de 20 milhões de habitantes, os cuidados de saúde não podem basearse em princípios de saúde pública que pareciam tão úteis em cidades com menos de um milhão de pessoa. Alterações nas tecnologias de transporte de pessoas, mercadorias e energia, e conseqüentemente nas formas de transmissão de doenças, fizeram vacilar muitos princípios de saúde comunitária. O comportamento sanitário nunca tinha ficado sob a influência dum número tão grande de fatores; isto diminuiu a probabilidade de êxito de muitas tentativas antiquadas para influenciar padrões de comportamento, mesmo se são benéficas para a saúde. Numa dada altura, a medicina tinha por objetivo principal o tratamento das doenças; agora, é evidente que tem de prestar tanta atenção à prevenção das deformações e da dor, como à dignidade humana e à qualidade de vida. A medicina do século XIX pretendia fazer do sistema de saúde, e em especial do médico, a maior autoridade em questão de prevenção e tratamento. No futuro, a medicina terá de mudar a sua orientação para dar mais responsabilidade às coletividades e associar outros setores sociais à promoção da saúde e prevenção de distúrbios. A medicina tem de elaborar uma ética sanitária fundada sobre uma distribuição justa dos recursos, mesmo se isto significa baixar ao nível dos cuidados prestados a certos grupos privilegiados. A saúde terá de ser considerada como um equilíbrio entre os seres humanos e o seu meio ambiente. A ecologia humana pode contribuir para desenvolver esta concepção da saúde e da sua promoção. Este texto, de autoria de Leon Eienberg, professor de Medicina Social e Política Sanitária e de psiquiatria da Faculdade de Medicina de Harvard, EUA, e de Normam Sartorius, diretor da Divisão de Saúde Mental da OMS, de Genebra, foi publicado na edição de janeiro/fevereiro de 1990 da revista “A saúde no mundo”.
Sofrimento e Oração “À oração deve-se juntar o sacrifício: o valor salvífico de qualquer sofrimento, aceito e oferecido a Deus por amor, brota do sacrifício de Cristo, que chama os membros do seu Corpo Místico a associarem-se aos seus padecimentos, a completá-los na sua própria carne (cf. Cl 1,24). O sacrifício do missionário deve ser partilhado e apoiado pelo dos fiéis. Por isso, àqueles que desempenham o seu ministério pastoral junto dos doente, recomendo que estes sejam instruídos sobre o valor do sofrimento, encorajando-os a oferece-lo a Deus pelos missionários. Com esta oferta, os doentes tornam-se também missionários, como sublinham alguns movimentos surgidos entre eles e para eles. Nesta perspectiva é que a solenidade de Pentecostes, que assinala o início da Igreja, é celebrada em algumas comunidades, como “jornada do sofrimento pela Missões”. (da Carta Encíclica Redemptoris Missio, de João Paulo II).
Modernizar como serviço aos pobres Para alguns, a procura da modernização consubstancia uma meta óbvia que mobiliza racionalidade e energia ao nos introduzir em sábia competição que, mediante a mão invisível do mercado, sem desprezo pelo interesse do agente, trabalha para diminuir os custos em benefício da massa dos consumidores e elevar a qualidade em prol dos mesmos. Semelhante conceito parece aplicar-se ao campo cultural, segundo o secretário de Cultura, embaixador Sérgio Paulo Rouaner: “A modernidade está na racionalidade e na ausência de dogmatismo” (9/3/1991). Do mesmo modo escreve um administrador hospitalar; “Modernizar não se confunde com a simples incorporação de novas tecnologias e com a implantação de processos e sistemas automatizados... é um problemas de mentalidade e deve começar pela renovação das cabeças dirigentes... A modernização verdadeira tem seus fundamentos e sua condição primeira e indispensável na capacitação profissional do executivo...”(J.C. Mezomo, Hospital, dezembro de 1990). Este administrador bem avisado lastima que não poucos hospitais do País não se pautem suficientemente por esta filosofia de modernização, mantendo-se afastados da missão que lhes cabe na elevação dos níveis de saúde de sua comunidade. Falando de maneira mais incisiva, a modernidade entendeu que o sonho de cuidados de saúde, dispensando a eficácia, isto é, a realidade das leis econômicas e afins, não passa de piedoso subterfúgio, mascarado pela ideologia ou a incompetência para condenar os pobres à miséria perpétua. Débil ética, sobretudo no tocante às massas desfavorecidas, porque a saúde das elites não depende de nossas ideologias. Séria advertência para quem rejeita modernidade ou modernização como pretexto das falhas de todo fenômeno. Quem fica satisfeito com o que obtém não está motivado para melhorar o nível de desempenho, cujo maior incentivo permanece a concorrência, a competitividade. Se recusarmos o trabalho que leva à competência, temos que entreter o conformismo que rechaça a competitividade ou a ideologia que a dispensa; olhando para o Leste, conhecemos os frutos desta postura. O fim da competição alimenta os monopólios injustos, preguiçosos, caros, cujos beneficiários dificilmente passariam por pobres. O esforço de modernização permite ao mesmo tempo a capacitação para promover os pobres, inclusive em matéria de saúde, e a entrada no mundo real que dominará o amanhã. O administrador deve considerar a modernização como uma questão e um processo irreversíveis: mais saudável do que diabólico, se entendemos corretamente. “Ele deve repensar permanentemente sua instituição para mantê-la ágil e sadia, para responder com qualidade e eficácia às necessidades e expectativas dos seus usuários” (id). Os preocupados como atendimento sanitário dos pobres não são geralmente administradores hospitalares, mas escrevemos para evitar que sua influência seja contraproducente na obra comum de progresso. Queiramos ou não, a modernização do País, iniciada em alguns setores, não será perpetuamente paralisada pelo egoísmo conservador de uns, o imediatismo demagógico de outros e a miopia de terceiros. Nem o espírito evangélico o mais autêntico se vê dispensado de examinar com rigor o mapa do próximo futuro antes de se lançar em opções de consideráveis conseqüências. Nossa tarefa não é proferir um ostracismo puramente verbal contra o inevitável, mas suavizar e moralizar, humanizar sua implementação progressiva. A modernização não apresenta nenhum sinal sério de real colapso do capitalismo, como ocorre com o socialismo do Leste europeu e soviético. O profeta que não acertou dispõe da leitura dos jornais para evitar retardar dez anos ou uma
geração. Em vez de sonhar com um Leviatã distribuidor de saúde sem lastro, não seria, portanto, mais ajuizado refletirmos sobre a humanização da modernidade sanitária e assistencial, sobre a oportunidade e a estratégia dos investimentos em todo o setor? Trata-se de nada menos do que substituir a partilha na pobreza pela partilha dos bens que permitem ampla assistência a muitos. Está com a razão o administrador hospitalar já citado ao prever que o futuro pertence aos modernizadores: têm que ser eficientes, serão também altruístas com nossa colaboração e sustento. “É preciso garra, criatividade e coragem para tornar o hospital competitivo, reduzindo-lhe o custo e aumentando-lhe a qualidade...” Em vez de investir maciçamente na conscientização e agitação dos empobrecidos, poupemos forças em vista duma participação mais luminosa, ativa e alegre, mais sadia de corpo e alma, no frutífero gerenciamento dum planeta do qual o Brasil herdou não desprezível quinhão. Nesta tarefa de modernização do hospital sobressai a importância do planejamento. Moderniza-se, pretendendo, decidindo, programando, planejando, executando e avaliando, e não apenas desejando ou imaginando. Neste sentido, a modernização não ajudaria poderosamente a libertar os desfavorecidos, mais do que jeremiadas nem sempre acertadas? A verdadeira libertação daqueles para os quais se fez generosa opção não sairá de estéril agitação ditada pela frustração e a inveja. Requer, antes, modernização inteligente descomplexada. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista.