A Doença é Vencível É possível derrotar a doença? Quero dizer: é possível viver num mundo de onde as raízes e as causas da doença sejam eliminadas e onde a classe média fique desempregada? Os fatalistas afirmam que não. Porque, segundo eles, seria vontade de Deus que haja doentes e sãos. Como seria vontade de Deus que haja pobres e ricos, servos e patrões, escravos e livres. Isso, porém, não passa de pura blasfêmia. Deus não quer a doença e o sofrimento de seus filhos. Do contrário, ele não teria vindo tratá-los pessoalmente... O homem, não o Criador, deu sinal verde para a doença entrar no mundo. O homem cultiva e rega as doenças de sua vida com as desordens morais e físicas. A miséria, a fome, a falta de higiene são os veículos principais da doença. O cigarro e a droga vêm logo a seguir. O resto fica por conta da prática libertina do sexo e dos erros científicos. Se Deus não quer a doença, significa que está em nosso poder segurá-la e derrotá-la. Mas, enquanto isso não acontece, ficamos com o compromisso de assumir a causa dos irmãos doentes que, quase sempre, sem culpa nenhuma, carregam em seu corpo dolorido as terríveis conseqüências das desordens e dos erros alheios. Foi o que Cristo fez e nos ensinou a fazer. Se não estamos em condição de segurar o mecanismo da doença, estamos em condição de aliviar as dores e de povoar a solidão dos doentes. De modo que eles, carne de nossa carne, se recuperem pela força do nosso amor, se não pela eficiência dos remédios. Para tanto, necessário se faz esquecer-nos de nós mesmos e devotar-nos ao serviço dos que sofrem. A gratidão deles será nossa recompensa. Porque, nesta vida, nenhum sucesso vale o sorriso de um doente tratado com amor... Virgílio Ciaccio, Sacerdote Paulino, redator do semanário litúrgico- catequético “O Domingo”
A Pena de Morte O grande argumento em defesa da pena de morte é a exemplaridade. A execução dos criminosos deve servir de exemplo para que outros crimes não sejam cometidos. Mas não está provado que a pena de morte tenha evitado um só assassinato. Estudos feitos nos EUA e Europa demonstram que a pena de morte não diminuí a criminalidade, nem a sua supressão aumenta o número que a suprimiram ou que não a usam mais, o número de assassinatos não aumentou. A violência só gera violência. Estudos feitos por especialistas demonstram que, pelo contrário, a violência aumenta onde há pensa de morte. O criminoso, sabendo que, se for preso será executado, será muito mais violento: tentará a todo custo eliminar as testemunhas. De 1608 a 1985, houve 14.000 execuções no EUA. Proporcionalmente à população, a violência nos EUA é 10 vezes maior que no Brasil, apesar da pena de morte. A pena de morte não impede um crime, porque:
os crimes são irracionais, provocados por momentos emocionais muito fortes, nos quais não se pensa em nada; quando premedita um crime, o criminoso sempre pensa que não vai se descoberto; o criminoso age sob pressão do momento, influenciado pelo álcool, drogas ou psicopatologias. A remota possibilidade da pena de morte não conterá sua ação. Há ainda a possibilidade do erro judiciário: muitas pessoas condenadas à morte tiveram, depois da condenação, sua inocência comprovada. Exemplo: o caso dos irmãos Naves, acusados de assassinato. Anos depois, quando um deles já havia morrido na prisão, o suposto assassinado apareceu. De 1983 a 1979, nos EUA, onde a Justiça é tão minuciosa em processos de condenação, 23 pessoas foram condenadas à morte, e sua inocência comprovada posteriormente. O erro jurídico não possibilita a reparação, pois a vida não pode ser devolvida. Há os que argumentam que o criminoso custa muito caro ao Estado na prisão, sendo mais econômico elimina-lo. Custa também muito caro ao Estado manter hospitais para leprosos, deficientes, idosos, doentes de moléstias incuráveis. Será que estes defensores da pena de morte concordariam também em eliminá-los por economia? Muitos consideram a pena de morte como um castigo justo. É a expiação do crime. Ela corresponde a um conceito quantitativo – vida por vida – ou melhor, morte por morte. Mas não há nenhuma compensação. Uma segunda morte não devolve absolutamente nada à vítima, tampouco à sua família, a não ser a satisfação da vingança. A pena de morte aparece como um sinal de anticivilização. Os homens não têm o direito de decidir sobre a vida ou sobre a morte de outros indivíduos. A vida vem de Deus e só a ele pertence. A sociedade, mesmo no término de um processo regular, não pode dispor da vida de uma pessoa, pretextando sua culpabilidade. O direito à vida é absoluto. Um homicídio cometido por um cidadão é um crime, e o estado não tem direito de cometê-lo igualmente. A viúva de Martin Luther King, Correia Scott King, declarou: “Mesmo sendo uma pessoa cujo marido e sogra foram assassinados, sou firme e decididamente contra a pena de morte. Um mal não se repara com outro mal praticado em represália.A Justiça nunca progride tirando-se a vida de um ser humano. O assassinato legalizado não contribui para o reforço dos valores morais”. A pena de morte não mata a fome e a miséria, a desagregação familiar, o abandono do menor, o desemprego. Vamos lutar por uma Justiça mais firme, mais eficiente, por prisões recuperadoras de indivíduos, por educação para todos, condições de vida mais decentes, por uma policia mais eficiente. Isto sim impedirá as violências que tanto incomodam e atemorizam. Só Deus pode tirar a vida. Lutemos pela vida! Texto distribuído pela Comissão Justiça e Paz, da Arquidiocese de São Paulo.
O Renascer da Vida Falar em vida e saúde é tocar numa questão que diz respeito a todos, indistintamente de credo, nacionalidade, sexo ou cor. Esta é uma das questões humanas mais ecumênicas. Não há ninguém que não esteja interessado. No Cristianismo, cultivar a vida, preservando a saúde, é um dos sinais por excelência do reino anunciado por Jesus. Os cristãos recebem de Jesus o poder e a missão de anunciar a Boa Nova e curar os doentes. Os gestos, palavras e ações do Mestre continuam no hoje urgente de nossa história, através de nós. O Senhor da Vida cura a pessoas movidas pela compaixão que se traduz numa sensibilidade libertadora de uma situação de morte para vida plena. As curas operadas são sinais do Reino da vida, da presença do amor infinito do Deus encarnado. Jesus encontra-se com os enfermos e os convida a assumirem um papel ativo. A cura não acontece num passe de mágica, e muito menos tem cheiro de esmola. A fé da pessoa doente é fundamental. Inúmeras vezes, ele afirma: “A tua fé te curou”. Esta atitude de confiança em Deus é o oposto do fatalismo, que apregoa conformismo com um destino de sofrimento. Um dos sinais mais claros de como nossas comunidades valorizam o dom da vida e lutam pela saúde é a forma como cuidam de seus membros enfraquecidos. Curas também acontecem, hoje, sempre que: nos comprometemos em educar preventivamente para que ninguém adoeça ou morra antes do tempo, partilhando recursos e saber: procuramos, como profissionais da saúde, servir à vida com competência e amor, com “o coração nas mãos”, vendo a ser humano como alguém e não como coisa; traduzimos em gestos humanos uma fé encarnada, que se faz ternura e revelação do amor libertador do Pai; defendemos os enfermos e familiares que, por vezes debilitados em sua liberdade, tornam-se vítimas fáceis de charlatões que prometem cura fácil a peso de outro; quando nos inspiramos em Maria ao pé da cruz, em seu silêncio, com o coração partido, acompanhando seu filho na escuridão da sexta-feira Santa; nossa presença junto aos enfermos os valoriza como sujeitos que também nos evangelizam e nos como simples objeto de nossa ação pastoral. É o florescer da vida (Pe. Léo) - (Leia Marcos 6,7-13)
Direito à Vida e Pena de Morte Quando todos valorizam a vida, não há lugar para a pena de morte. Estamos, sem dúvida, de acordo, quanto à necessidade de frear a violência, salvaguardar a justiça, garantir a segurança da pessoa e sociedade, e estabelecer penas adequadas aos que desrespeitam a vida. No entanto, o dispositivo legal da pena de morte não é solução. Menos ainda é questão que se resolva por meio de plebiscito.
Há duas verdades fundamentais que nos levam convictamente a defender a vida, dom de Deus. A primeira é a capacidade que temos de superar o mal e de refazermos o caminho do bem. Ninguém é tão mau que não possa se converter. Que faríamos nós, diante de Deus, se não houvesse a possibilidade do perdão? A colaboração do próximo e a graça divina podem transformar radicalmente nosso comportamento. Paulo, de perseguidor dos irmãos, tornou-se apóstolo e mártir da fé. A segunda verdade é da responsabilidade fraterna. Quando alguém erra culpa é nossa também, pois temos o dever de colaborar para a vida e recuperação dos outros. Maior ainda é esta obrigação para quem crê no Evangelho de Jesus Cristo. Há, além disso, considerações que ajudam a compreender por que rejeitar a pena de morte: 1) as nações que aplicam esta pena não viram diminuir a incidência no crime. Ao contrário, isto exarcebou a criminalidade, criando a convicção de que vale tudo para quem vai mesmo morrer. 2) O clima de aprovação da morte gera no seio da sociedade o recurso a formas desregradas da aplicação da justiça, instaurando a facilidade da vingança. Cresce a tendência de fazer justiça pelas próprias mãos, com aumento de linchamentos, sem defesa e identificação de culpados. 3) A administração da justiça humana é precária. Apesar de louváveis esforços dos magistrados, há, infelizmente, lugar para falsas acusações e falhas processuais, abrindo campo até para condenação de inocentes. Ainda recentemente, os jornais noticiaram a inocência de seis irlandeses que passaram 16 anos na prisão, condenados à pena perpétua. É lamentável o clima de degradação moral em meio a nosso povo. Prova desta triste degenerencência é a permissividade diante do aborto, a atuação de justiceiros que assassinam inocentes e da insensibilidade diante da miséria e da violência. Nesse ambiente de desequilíbrio de valores, é evidente que a decisão sobre a pena de morte não pode ser adequadamente resolvida por meio de plebiscito. Na área do direito, vale a verdade. No plebiscito, o voto da maioria pode, como é sabido, estar prejudicado pelo clima de emotividade, pela propaganda dos meios de comunicação social, que levam a pessoa a ceder diante da falácia dos pseudo-argumentos. O que fazer? O importante é reconhecer a verdadeira causa da violência e dos desatinos na sociedade, e não agrava-los com recursos a novas formas de violência. Deve-se, portanto, investir no alicerce da vida familiar, na promoção de condições dignas para o desenvolvimento de cada cidadão e na ação educativa que ensine o valor da pessoa, o reto uso da liberdade e a fidelidade às exigência éticas que pautam a convivência humana. É urgente a reformulação do sistema judiciário e carcerário, que dê garantias reais para que os responsáveis pelo crime sejam punidos e ajudados a se regenerar. Requer-se, ainda, o esforço por parte dos meios de comunicação social para que não incentivem a violência e impunidade do crime, mas assumam a missão de educar para a honestidade, o trabalho, a verdade e a paz social. Acreditamos que os membros do Congresso Nacional serão s primeiros a defender a tradição brasileira, tanto jurídica como religiosa, de respeito à vida. Dom Luciano Mendes de Almeida, Presidente da CNBB.
AIDS: um desafio para a Pastoral Trabalhamos na área da Pastoral da Saúde no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo há nove anos. Procuramos acompanhar bem de perto o desenrolar daquilo que foi chamado como o mal do século, a AIDS, tanto a nível científico, bem como desenvolver uma ação pastoral solidária junto aos profissionais, familiares e vítimas da doença. Em inúmeras circunstâncias, desde o início da doença, passando pelos momentos mais cruciantes de sofrimento até o túmulo. Nesta reflexão, objetivamos partilhar alguns desafios e insights adquiridos a partir da ação pastoral nesse contexto, onde são abundantes a dor, o sofrimento, a discriminação e a morte no abandono. Conhecendo os desafios – O encontro com o sofrimento provoca interrogações que conduzem a uma reflexão sobre o significado profundo da existência humana, e, para os que têm fé, qual é o papel de Deus nos acontecimentos humanos. No aidético, esses questionamentos surgem com um grau de intensidade e dramaticidade muito maiores. No caso de ser o doente de AIDS um homossexual, recai sobre ele o julgamento dos que falam da AIDS como um castigo de Deus, uma vez que desrespeitaram as leis divinas, prejudicando-se a si próprio bem como aos outros. São utilizadas para tanto algumas passagens da bíblia. Devemos ser cautelosos ao usarmos textos bíblicos na análise do comportamento das pessoas, pois a deficiência de apreciação nos deixa dentro de um fundamentalismo ingênuo. Também ignorar a Bíblia a respeito do homossexualismo não é uma opção aceitável. Como Igreja, devemos ver que, independentemente das suas tendências sexuais, as pessoas são criadas à imagem de Deus e possuem dignidade que deve ser respeitada. Portanto conhecer e compreender o homossexual será um dos grandes desafios que teremos de enfrentar em nosso trabalho profissional e pastoral. Tentar, sempre, compreender antes de julgar. Outro aspecto importante é, ainda, saber que o doente terminal, ou alguém com uma doença grave, passa em geral por cinco ases, como definiu a famosa tanatóloga americana Elizabeth Kubler Ross: negação, revolta, barganha, de pressão e aceitação. No paciente de AIDS, esses momentos são muito mais evidentes devido ao julgamento moral a que a doença está relacionada. Daí a presença constante do medo, a fuga, o isolamento, a vergonha da família e dos amigos, que geram muitas angústias e incerteza. A convicção cultivada até então de que a desgraça só acontece com os outros já não é mais verdadeira, pois sente-se no próprio corpo o desenvolvimento caótico da doença. Nestas circunstâncias, não resta outra alternativa a não ser buscar um possível culpado pela desgraça, embora muitos reconheçam que são culpados. Neste momento surgem duas tentações: a vingança contra um possível culpado, que no caso da AIDS pode ser uma infidelidade do parceiro, ou então tentar diminuir esse sofrimento apresando a morte, reduzindo assim o viver sofrido sem perspectivas promissoras. Perceber as necessidades e responder – Esta é uma hora de profunda angústia e desespero, muitas vezes sentida como desprezo e marginalização, em que as pessoas gritam por dignidade e calor humano, embora nem sempre sejam ouvidas. No Evangelho de Marcos é relatado o episódio do cego Bartimeu. Sozinho,marginalizado, impossibilitado de viver dignamente, pede esmolas à beira da
estrada, grita por socorro, mas ninguém lhe dá ouvidos a não ser para dizer que se cale. Jesus, ouvindo seus gritos, pára, ouve seu pedido e cura. Este episódio lembra-nos uma jovem aidética internada no Pronto-socorro. Com respiração ofegante, ela gritava por ajuda, ma ninguém a atendia, a exemplo do cego Bartimeu. Simplesmente pediam para que não perturbasse o ambiente e, portanto, que ficasse quieta. Aproximei-me dela. Ela agarrou-me pelo avental. Na sua aflita fisionomia estava escrita alguma necessidade. Perguntei o que queria. Segurando fortemente minhas mãos, implorou que ficasse com ela. “Fique comigo, minha família não está aqui, estou com muita angústia e medo”. O que esta jovem necessitava não era algo impossível, mas algo muito simples: estar com ela. Os profissionais da saúde, tão atarefados, por vezes não têm tempo e disposição de ouvir o sofrimento da alma. O agente de Pastoral tem que ser um expert em medicar justamente esse sofrimento. Tanto o caso do cego Bartimeu como o desta jovem retratam a importância de dar ouvidos a quem grita, procurando dar resposta às necessidades emergentes. Infelizmente, no contexto da AIDS, muitos gritos de ajuda são silenciados, tanto da parte de pacientes, como de familiares e profissionais da saúde. Sensibilidade em ouvir incondicionalmente é o primeiro passo para qualquer relação de ajuda que se queira estabelecer. Da teoria para a ação – A AIDS é uma doença trágica que envolve não só a pessoa, mas a sociedade como um todo. Não é somente quem está contaminado pelo vírus ou trabalha como profissional nesta área que é interpelado a posicionar-se humana e cristãmente, mas toda a comunidade. É justamente neste momento de intenso sofrimento e da possibilidade concreta de morte, que acontece um afastamento do aidético por tanto da sociedade, dos amigos, profissionais e até familiares: no momento crucial em que ele mais precisa disto. Este isolamento acontece por muitos fatores: por medo, ignorância, vergonha moral ou mesmo por ter a pessoa revelado um personalidade subjacente que é considerada desonrosa. Um fator não menos desprezível estaria ligado à resistência em mantermos uma certa distância profissional desse doente, procurando não nos envolver, uma vez que esta postura traz um desgaste emocional não desejado. O “profissionalismo” é, em muitas instâncias, a forma mais elegante de não nos comprometermos com a pessoa necessitada, pois isto de certa forma nos tornaria um tanto “responsáveis” por ela. Isto custa tempo e energias que são gastos gratuitamente, sem retorno, portanto. Na parábola do Bom Samaritano são delineadas algumas pistas de ação que devem inspirar o agir cristão neste contexto da AIDS. Poderíamos perguntar: Por que ninguém parou para atender o homem que fora assaltado? Ora isto custa tempo, energia, recursos materiais (transporte,medicamentos, alojamento etc.) e a tentação é dizer e parecer que estamos com nossa agenda sempre cheia de compromissos já predeterminados, e que não existe espaço para ocupar-se do imprevisível ou implanejável. Jesus ensina nesta parábola que os cuidados devem ser oferecidos a cada um segundo as necessidade, por puro amor e não segundo as possibilidades de recompensa material. Quem de fato ama é profundamente criativo na sua ação... Descobre o quê, quando, como, onde e a quem fazer, sem muitos mistérios. Ver as pessoas como filhos de Deus – O doentes de AIDS, depois de viver esses efeitos sociais e psicossociais que a doença provoca, têm ainda o desafio de trabalhar mais profundamente a dimensão espiritual, que, em muitas circunstâncias, está adormecida ou então esquecida. Muitos querem voltar ao aconchego da Igreja,mas sentem que, estando já
há tanto tempo distantes, não existe mais possibilidade de comunhão. De um lado, emerge a imagem de Deus como alguém austero e vingador, de outro, muitos sentem-se culpados por terem danos a si próprios e também a terceiros. São justamente nestas descobertas que estes doentes precisam de ajuda para assumirem seus próprios valores, sendo encorajados a voltarem a reapropriar-se da herança de ilhós (as) de Deus. A pecadora do Evangelho (cf. Lc 7,36-50), ao tomar a decisão de entrar na casa do fariseu, correu o risco de ser rejeitada. Arriscou e foi acolhida por Jesus. Espírito de acolhida é algo fundamental para os agentes e profissionais da saúde no relacionar-se com os aidéticos, que freqüentemente necessitam de diálogo a respeito de experiências passadas que são conflito no presente e que, por isso, buscam a paz. Para que o diálogo aconteça, os doentes precisam sentir-se livres, sem enfrentar resistências, fala de compreensão ou julgamentos moralizantes. Um grande desafio a nível pastoral e profissional é o de como compreender e acolher as pessoas que tiveram uma vida moralmente confusa, diferente dos padrões normais aceitos pela sociedade. É preciso que tenhamos consciência de que a justiça de Deus é muito diferente da nossa. Fácil não é, como não foi também para os operários da parábola dos vinhateiros (Mt 20,1-16) aceitar que os que trabalharam apenas uma hora recebessem o mesmo salário dos que suportaram o dia inteiro de sol. Perguntamos se já bastaria a vergonha que essas pessoas passam diante de tanta humilhação e discriminação. O nosso desafio, como agente de pastoral da saúde neste contexto, é de sermos capazes de sentir a agonia da alma doente e ajuda-la solidariamente. A morte como possibilidade – Um dos últimos desafios a ser enfrentado pelo doente de AIDS é a própria morte. Todos sabemos que vamos morrer um dia, mas, quanto mais longe for esta data, tanto melhor. Para os doentes de AIDS, morrer tem uma dimensão bem específica. Aceitar a morte no final de uma vida que foi rica em experiências positivas é relativamente fácil. Muito cruel é ter que se defrontar com o fim, a morte prematura, no auge da vida, em plena juventude. Mal se começou a viver, já é necessário morrer. Muitos não querem nem tocar nesta ferida. Não é raro, em enfermarias de vários leitos, onde existem pessoas em fase final, ver doentes pedirem para mudar de quarto, para não verem o sofrimento e a morte do companheiro. Sem dúvida, o sofrimento e o fim do outro retratam de maneira clara o seu amanhã. A morte de seu semelhante o faz refletir sobre o seu próprio fim. Ser lembrado disso não é nada bom. Nestas condições, os doentes podem tornar-se irascíveis, hostis e deprimidos. À medida que a independência física, emocional e social diminuem, a regressão e o comportamento de rejeição emergem. Cada pessoa se comporta de uma forma totalmente original numa mesma situação. Temos o exemplo dos dois ladrões que foram crucificados com Jesus (Lc 23,32-43). Um morreu xingando, cínico, revoltado, inconformado com o sofrimento e morte. O outro também sente dor, sofre e morre, mas, mesmo assim, consegue pensar naquele que está sofrendo com ele, e valorizar o outro e sua vida, mesmo na hora do grande fracasso. Isso mostra que a aceitação da iminência da morte é a última conquista, que quando bem preparada, é capaz de proporcionar muita paz. O caso que relatamos abaixo retrata claramente essa situação. José Roberto disse que não tinha medo da morte e, sim, de morrer: “Este mundo está atrapalhado mesmo. Não é tão difícil deixa-lo para trás. Acho que aproveitei bem da minha vida até agora. Pelo menos tive bons momentos. Há coisas piores do que morrer.
“Que coisa mais feia, protestou seu amigo Zé Luis, esta conversa toda sobre morte! Esquece isso. Parece que quer deixar-nos!” “Não foi fácil chegar a esta conclusão de que vou morrer, mas preciso ser realista. Com enfermeiro, já vi muita gente morrer. Não é a morte que me amedronta, mas o que acontece antes. E olhando para Zé Luís, ele continuou:” “Fico triste vendo sofrer os amigos que me amam e vão sentir a minha falta. Tenho medo da dor. Tenho mais medo ainda do que se faz às vezes para evitar ou diminuir a dor. Não sei se vou querer morrer cheio de tubos e amarrado a aparelhos que não deixam a gente nem falar. Tenho medo de ficar sozinho, de não ter ninguém por perto para segurar a minha mão quando chegar o momento de partir!” Esta situação constata a tendência de não gostarmos de falar e muito menos pensar na morte. Conseqüentemente, não conseguimos trabalhar o luto, a perda, o adeus, e marginalizamos quem está passando por essa situação, bem como temos sérias dificuldades em ajudar as pessoas a morrer. Não é raro encontrar doentes, como José, que estão abertos para um diálogo sobre a morte, ma os profissionais da saúde, familiares e amigos não aceitam esse acontecimento da morte como algo integrante e natural na vida. Ë preciso, muitas vezes, trabalhar a visão de morte dessas pessoas que querem ser de ajuda, para que não velem a pessoa em plena vida. O momento da crise não dispensa uma ajuda básica de ter alguém perto no momento do adeus à vida. O Evangelho (Jô 19,25) retrata bem esta necessidade. “Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã da sua mãe Maria, mulher de Cleófas, e Maria Madalena”. Não falam nenhuma palavra, e são impotentes para afastar a morte. Mas estão ao pé da crus, acompanhando Jesus até o momento em que ele tem que ir para o Pai.A nossa presença junto ao doente momento da morte, para segurar-lhe a mão, como pedia José Roberto, às vezes vale mais do que muitos tubos e aparelhos sofisticados que nesta hora acabam quase sempre sendo instrumentos de desumanização. É urgente resgatar uma visão ética para além da habilidade técnica. Conclusão – É essencial agir pastoral e profissionalmente neste contexto de AIDS. Boa vontade somente não basta. É preciso acrescentar competência e conhecimentos científicos a respeito da doença, bem como psicologia humana. Saber como se pega AIDS, por exemplo, ajudará a pessoa a não ficar mais preocupada em não adquirir o vírus do que responder às necessidades das pessoas. É preciso conhecer a psicologia do doente, e que se esteja bem, física e mentalmente. Caso contraio, podemos, antes que ajudar, projetar as nossas próprias necessidades, valores e visão de mundo e fé. A reação das pessoas frente às AIDS é muito diversa e original, dependendo de cada situação vivida, como vimos anteriormente. Nossa presença solidária pode tornar-se chave no sentido de resgatar o significado da experiência do “absurdo” que se manifesta na vida precocemente cortada. A atuação pastoral eficaz torna-se criativa ao enfrentar evangelicamente esta solidariedade em meio à indiferença, calor humano em meio ao abandono, gerando assim o sentimento de ser parte da família mais ampla dos filhos de Deus, aos que neste momento têm sérias razões de sentirem-se filhos (as) do acaso, do nada ou de ninguém. Leo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do Hospital das Clínicas, da faculdade de Medicina da USP. Anísio Baldessin, Clérigo camiliano, agente de Pastoral da Saúde no Hospital das Clínicas.
Vida para Todos É esta a íntegra do documento intitulado “Vida para todos”,emitido como declaração oficial da 29ª. Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; “Como discípulos do Senhor Jesus e bispos da Igreja Católica, reunidos em Assembléia Geral na grande celebração da Páscoa, consideramos nosso dever e compromisso dar testemunho da vitória da Vida sobre a morte. Cremos no Deus, “autor da vida” (At 3,15). “Para que todos tenham vida, na terra como no céu (cf. Jô 10,10), o Filho de Deus, nascido de mulher, caminhou em nossa história e deu sua vida por nós, como prova de grande amor (c. Jô 15,13). “Unidos a ele pelo batismo e constituídos pastores de seu Povo, somos enviados a testemunhar sua Ressurreição e a anunciar, defender e promover a Vida. “Dom maior do amor criado de Deus, a vida deve ser acolhida, defendida, valorizada e desenvolvida. Tudo devemos fazer para que cada vida humana possa desabrochar e crescer, até atingir maturidade e plenitude. Como exigência da fé e expressão de nossa missão pastoral, frente ao recrudescimento da violência, e comunhão com o Papa João Paulo II, promotor e defensor da vida em meio a uma cultura de morte denunciamos e condenamos todos os crimes pessoais e coletivos contra a vida. Também repudiamos propostas e práticas que solapam e negam os valores da dignidade humana e da vida em fraternidade e comunhão. Da mesma forma como em passado recente nos opusemos à repressão e à tortura, somos contrários a projetos que venham tramitar no Congresso Nacional propondo a instituição da pena de morte. Consideramos astúcia e fuga apelar para a pena de morte como solução para graves problemas de justiça e de ordem moral, pois a violência germina e cresce no laboratório social em que prevalecem a iníqua distribuição de renda, corrupção, narcotráfico, impunidade e marginalização sem mencionar as graves deficiências no campo da habitação, saúde e educação. A propósito, denunciamos o extermínio de crianças, jovens e adultos, nas ruas, periferias, favelas e subúrbios dos grandes centros urbanos. Verdadeira pena de morte, com requintes de perversidade, atinge sobretudo os pobres e marginalizados. Contradizem gravemente ao plano de Deus todos quantos integram, apóiam e financiam grupos de extermínio. Condenamos, com igual vigor, assaltos, seqüestros, linchamentos e homicídios a sangue frio. Em nome do Deus da Vida, somos radicalmente contrários ao projeto de libertação do aborto. A proporção assustadora da prática criminosa do aborto leva-nos a clamar, ainda mais, em favor da vida. Abraçar os caminhos da morte é negar o próprio Deus, pondo em grave risco o futuro da humanidade. Solidários com o sofrimento de tantas mulheres, vítimas da violência ou da injustiça social, não podemos admitir ou justificar o aborto como soluça para a gravidez indesejada ou que se tenha transformado em grave fardo. Grave e criminosa é, ainda, a ação mutiladora das fontes da vida em homens e mulheres. É condenável a esterilização, sobretudo em massa, mais ainda quando sem conhecimento e consentimento das pessoas. Denunciamos, outrossim, a mentalidade antinatalista que leva ao uso indiscriminado dos anticoncepcionais, até mesmo abortivos.
A desvalorização da vida e o desrespeito à pessoa humana se manifestam, ainda, pelo escândalo do abandono de menores nas ruas e pela humilhação a que são submetidos e expostos os idosos e aposentados. Em níveis absurdos, os acidentes de trabalho e de transito continuam mutilando pessoas e ceifando vidas. O problema da terra, na cidade e no campo primeiro desafio à democracia em nosso País. A concentração da terra e sua capitalização lesam os direitos dos filhos de Deus. Sem justa destinação e repartição da terra, os povos indígenas não terão futuro,o povo negro permanecerá marginalizados e discriminado, as cidades continuarão inchadas e violentas, a fome mutilando e destruindo vidas e o campo sem conhecer a paz. Por último, não podemos silenciar face ao endividamento e à escravidão econômica, a que o País foi submetido nas últimas décadas, com graves conseqüências para a vida do povo. Faremos chegar ao conhecimento dos irmãos bispos nas nações do Primeiro Mundo as condições aviltantes a que o povo brasileiro foi submetido pela ordem econômica transnacionalizada. Por outro lado, a atual política econômico-financeira, conduzindo à recessão, desemprego, arrocho salarial e depauperamento da classe média, agrava perigosamente as condições sociais. A todos os que trabalham na área da saúde e que “partilha da ciência de Deus”(cf. Eclo 38,6),exortamos que, segundo o juramento eito, jamais se cansem de promover e defender a vida. Alertamos, igualmente, aos profissionais e às empresas dos meios e comunicação social sobre as funestas conseqüências de sistemática apresentação de um modelo de vida que se opõe aos valores básicos da família e da convivência social, segundo a sabedoria do Evangelho. À sociedade brasileira oferecemos colaboração, para participar da busca de entendimento e do processo de discernimento sobre os objetivos e rumos da economia e da organização social que nos permita a todos viver com justiça, em fraternidade e solidariedade. Estamos convictos de que, sem participação comunitária e organização de quadros sociais, jamais sermos uma terra de mulheres e homens vivendo plenamente os direitos da cidadania. Aos poderes da República e a todos revestidos de autoridade exortamos a que anteponham aos interesses pessoais e de grupos o verdadeiro bem comum, restaurando e agilizando a justiça, combatendo o empreguismo e a corrupção, proporcionando condições de vida, com dignidade e paz, a todo povo. Ao povo pobre e sofredor, especialmente aos marginalizados e discriminados, queremos reafirmar nosso compromisso de solidariedade. A Ressurreição de Cristo é promessa e garantia de um tempo novo de justiça e de vida. Como sinal de esperança, aplaudimos e incentivamos todas as iniciativas que protegem e fortalecem a vida. Suplicamos a Deus, de quem brota o manancial da vida (Sl 36,9), para que estanque os rios da morte pela conversão das mentes e corações e pela transformação das estruturas injustas e opressoras. “Que Deus, Senhor da História visite o seu Povo e nos faça conhecer a alegria da vida nova em Jesus Ressuscitado”.
Aborto Já O deputado José Genoíno, (PT – SP) está na linha de frente da batalha pró-aborto. De fato, a pauta do Congresso registra um projeto de sua autoria que prevê a permissão para o aborto até 90 dias após a concepção. “Para a realização do aborto bastará a reivindicação da gestante”, diz o projeto. O tema merece reflexão. Há alguns meses, o Conselho da Europa definiu o que é um ser humano: “Desde o momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo, aquela diminuta célula já é uma pessoa e, portanto, intocável”. Na mesma linha de pensamento, o conhecido geneticista francês Jérôme Lejeune, professor da Sorbonne, afirma, categoricamente: “Aceitar o fato de que, após a fecundação, um novo indivíduo começou a existir, já não é questão de gosto ou de opinião. A natureza do ser humano, desde a concepção até a velhice, não é uma hipótese metafísica, mas uma evidência experimental”. Argumentos estatísticos, contudo, são esgrimidos em defesa das teses abortistas. Pretende-se a legalização do aborto pela simples razão de ser uma realidade sociológica, e de que a sua proibição é o que empurra muitas pessoas à clandestinidade. “A mídia moderna se rendeu completamente ao critério quantitativo de avaliar a vida, o que é uma maneira de não opinar sobre o que deve ser a qualidade da vida”. O comentário de Paulo Francis, carregado de sensato realismo, é uma rebelião contra a falácia das estatísticas. O bem e o mal não provêm da quantidade, não são fatos sociológicos, mas adequação e afastamento das condutas do dever do ser. O fato de, num dado momento da História, os homens poderem criar uma lei que “legitime” o homicídio, a eutanásia ou o aborto é apenas um novo exemplo da capacidade humana de se degradar pessoal e coletivamente. A : legalidade” da Alemanha nazista promoveu um genocídio e legitimou a eutanásia – nem por isso deixaram de ser objetivamente um mal absoluto. Além disso, é preciso dizer que as estatísticas atuais demonstram que, nos países em que o aborto foi legalizado para evitar a clandestinidade, não só a prática do aborto solicitado aumentou progressivamente, como não diminuiu a prática do aborto clandestino. Conclusão: se a legalização do aborto é reivindicada por razões estatísticas, a estatística no demonstrou que não só a clandestinidade se mantém como também se inicia e cresce progressivamente o aborto legal. N verdade, a campanha pró-aborto está enredada num cipoal de paradoxos e contradições. A Organização Mundial de Saúde (OSM) revelou estimativa que situa o Brasil como recordista mundial de aborto – mais de 3 milhões anuais. Curiosamente, essa informação não suscita nenhum movimento expressivo em favor da vida, mas, ao contrário, exaspera certos ambientes para que se discriminaliza a prática clandestina. Ao mesmo tempo em que se luta contra a mortalidade infantil, se pede a legalização do aborto. O abortismo sócio-econômico pretende “proteger” a humanidade faminta, marginalizada ou discriminada, pedindo a organização e a legitimação da morte em massa. Um paradoxo, sem dúvida. Adolf Hitler, em seu livro Minha Luta, desenvolve sua visão da necessidade de aprimorar a espécie humana: “O papel do mais forte é dominar. Não se deve misturar com o mais fraco, sacrificando assim a própria grandeza. Somente um débil de nascença poderá, ver nisso uma crueldade, o que se explica pela sua compleição fraca e limitada”. Pois bem, a se acreditar na estimativa da OMS a cada dois anos, e apenas no Brasil, ocorre um novo holocausto (estima-se que Hitler tenha promovido a eliminação de cerca de 6 milhões de judeus). E, paradoxalmente, parece que nada acontece. A consciência da importância da
preservação do meio ambiente vai crescendo. Felizmente. Multiplicam-se movimentos ecológicos e bandeiras empolgantes são desfraldadas: a defesa do mico-leão dos rios das matas. Save the whales. No entanto, num autêntico samba do crioulo doido, alguns amantes da natureza defendem , ao mesmo tempo, a legalização do aborto. Ampla e irrestrita. De fato, os paradoxos são eloqüentes e refletem o brutal equívoco moral de uma corrente que não aceita a inviolabilidade da vida humana. O caso do aborto é, hoje em dia, um paradigma do desrespeito ao primeiro direito humano fundamental: o direito à vida. Impõese uma nova bandeira: save the men. Carlos Alberto Di Franco é professor universitário e publicou originalmente este artigo em “O estado de S. Paulo”. Edição de 16/3/91.
Moralidade como liberdade e caminho Num pequeno livro incisivo sobre a moral de cada dia (todas as citações desta página são tiradas de Des repéres pour agir, “Balisas para agir”), o jesuíta Paul Valdier observa: “A existência, incessantemente repetida e sempre decepcionada, dirigida ao moralista: “Dá-nos respostas” consubstancia o último grito do agente moral perplexo, quando não passa da própria expressão da imoralidade”. É verdade que a Igreja Católica não poupa esforços no intuito de explicitar normas morais para toda época e lugar, com uma fecundidade que se parece com a atividade legislativa em país latino. Anuncia-se futuro, mas próximo, documento da Santa Fé, senão do próprio papa, no campo da moral. Toda hierarquia, talvez, sente de seu dever legiferar com solicitude inabalável. O problema é saber com que utilidade ou como estas normas são entendidas e, sobretudo observadas. Conhece-se a prática comum e imemorial no Brasil: a lei serve de arma potencial argüida contra o adversário; o sujeito, mormente se poderoso, implementa apenas o que lhe parece de seu proveito. Moral é a norma reconhecida como verdadeira, imprescindível, relevante, pela consci6encia, no contexto da comunidade de vida; é a palavra assumida como imperante, executada com seus riscos, ora de fundamentação falha, ora de repercussão imprevista e indesejável. O desacerto pode afetar também a decisão moral individual. “A melhor ação do ponto de vista de consciência individual pode descambar em resultados diametralmente opostos ao planejado, por não ter levado em suficiente conta as situações históricas e as relações de força”. Como os interesses s as paixões são capazes de obnubilar a consciência e perturbar o exercício da razão, as avaliações de moralidade devem freqüentemente passar ao crivo e autocrítica. “A miopia e mesmo a cegueira suprema da consciência consistem em se acreditar imediatamente lúcidos e esclarecidos”. Sobretudo em matéria econômica e social, hoje tão complexa. Evocamos o perigo de simplismo que ameaça regras inadaptadas a certos contextos. O perigo oposto espreita também. “Na ordem ética, a evidência mais insuperável para a consciência moderna consiste em se acreditar totalmente diferente dos outros, absolutamente original, em situação excepcional”. O desafio não é apenas do acerto individual, é também do desacerto coletivo. “Enquanto certas condições subjetivas não são estabelecidas, firmadas, enquanto certas convicções não são adquiridas para contestar lugares comuns suspeitos, preconceitos que passam por evidências, ainda não se tem aceso à reflexão moral”. Em resumo, o Pe.
Veladier combate de um lado a rigidez na posse da certeza, de outro lado o abandono das “regras dos outros” (vale também entre nações) sob pretexto de total originalidade do ser ou do contexto. Chega a desafiar com ponta de ironia: “A consciência nasce da perda das evidências”. Subsiste então a tarefa de se formar evidências, mais bem sustentadas. Não é contraditório valorizar a consciência e observar que sua construção individual (e também coletiva), longe de ser linear, é feita de rupturas, de traumatismos, de reavaliações. Nela a experiência provoca a razão, a fim de sondar melhor suas certezas, evidências e raciocínios. A necessidade de aprimorar seu instrumento mental de avaliação coincide em cada um com sua liberdade madura. “É preciso repeti-lo: uma liberdade que cederia seu lugar a apoios exteriores seria apenas uma criatura de liberdade. Ser livre é procurar tornar-se livre; ser consciente é tentar sê-lo”. Tudo isto apresenta aplicações no campo da saúde ou da ética bio-sanitária. Toda pessoa é o primeiro responsável por sua conduta em matéria de saúde, mas recebe nesta incumbência as pressões externas e, por sua vez, embora de modo precário e limitado, é coresponsável da prática social. Entre os “sinais dos tempos” alvissareiros, criativos de novos horizontes, apontamos aqui os círculos de convivialidade que, pelo menos em alguns países, regiões ou meio, desenvolvidos ou menos adiantados, reúnem-se no enfoque da saúde. Não temos notícia de tal fenômeno em outros séculos, fora, obviamente, do meios profissionais. Chamam a atenção sobre o fato que os progressos da “razão sanitária” beneficiamse da interconexão entre o empirismo da experiência e o rigor da razão, entre as intuições individuais e as avaliações coletivas, entre as normas recebidas e o achados originados de novo contextos. Assim, a saúde encontra-se normalmente seguindo as segura estradas da medicina ortodoxa, mas também, casualmente, emprestando veredas alternativas. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista.