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AIDS em transplantes de órgãos A infecção devida ao vírus da imunodeficiência humana (HIV), causado da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), vem motivando expressivos problemas pessoais, afetivos, econômicos, legais e éticos, entre outros. Além disso, infelizmente, está também determinado muitos percalços médico-assistenciais e, com o passar do tempo, o numero deles aumenta de maneira cada vez mais alarmante. Agora, uma outra preocupação ganha projeção, dando maior relevo às dificuldades já vigentes. Refiro-me à necessidade de triar rigorosamente os doadores de órgãos destináveis a transplantes. A Comissão Científica de AIDS, da Secretaria de Estado da Saúde, de São Paulo, quando em vigor, já havia, precocemente, abordado essa questão. Sabendo que a raiva fora adquirida por recepto de corena, analogamente frisou que cuidados eram imprescindíveis outrossim em relação ao HIV. Tal atitude de prudência afigurou-se corretíssima, pois logo após sucedeu comprovação, no exterior, de veiculação do temível microrganismo através de transplante de osso. Depois, novos acidentes repetiram-se em quantidade de fato discreta. Atualmente, sem polêmicas, aceita-se como indiscutíveis as indicações a seguir especificadas para a execução de exame que identifica a participação do HIV: para diagnóstico em tarefa diagnóstica; a fim de atender desejo de interessado; na seleção prévia à inseminação artificial; à obtenção de sangue para transfusão; ao fornecimento de leite materno e ao aproveitamento de órgão para transplante; a propósito da realização de inquéritos epidemiológicos sempre com a equiescência dos envolvidos e promessa de atendimento a eles, se preciso. Creio que é apoiável a efetivação da prova quando se dá acidente com sangue; não obstante, hoje não há apoio para avaliação pré-admissional de trabalhados e conhecimento aleatório e generalizado de pacientes que procuram tratamento em qualquer área no âmbito da Medicina, sendo que, para eles, impõem-se os cuidados preventivos universais, excluindo-se a valorização de suspeitas. Nenhum transplante poderá ter lugar na ausência de teste sorológico negativo pertinente ao HIV. Contudo, resultados falsamente positivos tornaram-se viáveis, ficando depois esclarecidos e não criam riscos para os beneficiados, pois proceder-se-á à exclusão. Perigo concreto, porém, reside nos, erroneamente negativos, derivados de fase na qual anticorpos ainda não apareceram de forma detectável pelos métodos no momento usado, de deslizes técnicos e da triste circunstância constituída por impossibilidade de caracterização laboratorial, transitória ou talvez até permanentemente. Aí, portanto, delineia-se mais uma adversidade gerada pela infecção atribuída ao HIV e pela AIDS dela derivada. Solução encontra base na prevenção bem conduzida, quiçá nunca alcançável, desde que requer mudança do comportamento dos que exercem sexualidade irresponsável ou correspondem a toxicômanos. Interpreto como dificílima ou irrealizável, no campo da saúde pública, luta calcada na imperiosidade de alterar condutas ligadas a hábitos de gênese e correções ainda indefinidas. Vicente Amato Neto, diretor superintnedente do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo.


AIDS: um apelo à solidariedade Neste ano de 1991, a humanidade completou 10 anos de convivência com a AIDS. Em 1981, o centro de controle de doenças dos EUA anunciava pela primeira vez o aparecimento de uma enfermidade misteriosa – a AIDS, que atingiu cinco homossexuais em Los Angeles. Um mês depois, as vítimas eram 36, começando uma escala que atingiria 1,5 milhões de pessoas no mundo. Nesta década observou-se uma mudança do perfil da AIDS. Seu diagnóstico não é mais apressadamente visto como sentença de morte. Muitos cientistas são de opinião que a AIDs passe a ser considerada como uma “moléstia degenerativa crônica”. O fato é que a AIDS continua matando impiedosamente milhares de pessoas, ainda não tem cura, vacinas são promessas para a virada do século, as terapias em uso na atualidade apenas prolongam a vida do doente. O Brasil é o país da América Latina com maior número de casos de AIDS: 16.300 casos notificados em junho de 1991 (OMS). Estes números na verdade não traduzem a realidade, que é muito mais dramática. Especialistas da área estimam que o Brasil terá 90 mil doentes de AIDS, em 1995, e 260 mil pelo final do século. Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) na América Latina, para 1990, os casos da AIDS estão assim distribuídos em sua origem: homossexualismo/ práticas bissexuais, 52%; relações heterossexuais, 25%, drogas, 11%; transfusão de sangue, 10%; mães (recém-nascidos), 1%. Fala-se que, na América Latina, a AIDS torna-se sempre mais uma questão heterossexual, e esforços de prevenção chocam-se com um grande obstáculo: o machismo, a recusa do homem em mudar hábitos e atitudes sexuais. Muitos continuam a encarar o sexo extra-conjugal como um direito, a fidelidade como um peso, e estão convictos de que a AIDS é uma doença de drogados e homossexuais tão somente ( c. TIME, 3/6/1991, p.37). Solidariedade – Nunca se falou tanto de solidariedade como resposta humano-cristã frente à doença. Também, surpreendentemente, nos defrontamos com estigmas, preconceitos, discriminações que pensávamos serem já’águas passadas dos tempos medievais da caça às bruxas. Esta mesma sociedade que se proclama, a nível teórico, democrática, humanista e solidária, no concreto da vida fecha as portas aos mais fracos de seus membros doentes. Existem os que riem – É a atitude dos moralizantes e preconceituosos. Vêem a enfermidade como um castigo de Deus e uma vingança da natureza. Os portadores do vírus HIV são vistos como os leprosos do século XX, como no tempo de Cristo, considerados impuros e pecadores e, por isso, são afastados da comunidade. Trata-se de um juízo ético cômodo e fácil. Esta atitude não vai ao fundo da questão, não ajuda a sociedade a solucionar o problema e, ainda a quem já está sofrendo. Faz-se uma leitura fundamentalista da Bíblia. Perguntamos: o que dizer da realidade crescente do número de parceiros fiéis contaminados por seus cônjuges de vida promíscua, dos bebês contaminados por suas mães e dos casos de contágios por transfusão de sangue contaminado? Esta perspectiva não leva a sério o dado científico. Muitos agentes de Pastoral são proclamados deste anti Evangelho, profetas de mau agouro. As terapias sugeridas são elitistas. Defendem a abstinência sexual total ou então o isolamento puro e simples dos portadores da AIDS.


Os que choram – São preocupados e solidários com os enfermos. Frente à incurabilidade da doença, dramatizam e vêem nela o princípio do extermínio da humanidade. Falam muito em “final dos tempos” e vêem a AIDS como uma prova da decadência moral da humanidade. São pessimistas e temem mais a força do pecado do que acreditam na presença libertadora da graça divina. O acento é mais do ser humano pecador e corrupto do que na salvação deste, trazida pelo Cristo. Não raro isolam a doença do quadro geral das enfermidades e problemática social, que mata milhões, como a fome, acidentes de trabalho, trânsito (só no Brasil morrem 50 mil pessoas por ano). Esta ótica privilegia uma ética da urgência. As terapias atacam mais os efeitos sem ir ao fundo das causas. É a solução do problema da AIDS via preservativos e outras medidas sanitárias meramente paliativas. É a perspectiva de educar pelo medo. Compreensão e compromisso – Quem compreende e se compromete procura ver a AIDS com a maior objetividade possível, como fenômeno humano-médico-sanitário e social. Leva a serio o dado científico antes de emitir qualquer juízo ético. Não julga facilmente, pois vê que todos somos co-responsáveis pelas causas das graves doenças da civilização. É a atitude responsável que não ousa “atirar a primeira pedra”. O valor ético fundamental é a proteção da vida, em função do qual outros valores ganham consistência, tais como a fidelidade, a monogamia, a responsabilidade sexual etc. Nesta visão implementam-se políticas de solidariedade. O surgimento de uma resposta comunitária ao problema deu origem a novas questões, tais como a defesa dos direitos humanos das pessoas infectadas pelo vírus HIV. A base da solidariedade é o reconhecimento dos elos entre direitos humanos e saúde pública. Solidariedade não é caridade. Esta depende de ações individuais e de boa vontade. Em concreto, solidariedade significaria: garantir acesso mais fácil a medicamentos, tratamentos e serviços de saúde, maior acesso a informações sobre tratamento, defesa dos direitos das pessoas portadoras do vírus HIV/ AIDS e desenvolvimento de programas preventivos mais efetivos, entre outras medidas. Concluindo, diríamos que o maior desafio não é moralizar, mas sim humanizar, viabilizando expressões reais de solidariedade humana, nem rir nem chorar, mas comprometer-se numa ação que supere o individualismo e seja expressão comunitária de sensibilidade humana frente ao sofrimento. Leo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do Hospital da Clinica, da Faculdade de Medicina de São Paulo.

Pena de morte: vendeta da sociedade Mais uma vez, eminentes debatedores reuniram-se para discutir sobre o projeto que propõe plebiscito para consultar a sociedade, a respeito da instituição da pena de mote no Brasil, para punir criminosos que tenham cometido delitos atrozes. O evento, organizado pela Doutora Marylu Motta e Silva Cunha, sob a ponderada e escorreita coordenação do Professor Doutor Maço Segre, teve lugar no Instituto “Oscar Freire”, dia 17 de junho de 1991. Contou com a participação, dentre outros ilustres convidados, dos expositores: Professor Ezat Abdel Fattah, representante da Anistia Internacional, Professor de Criminologia da Universidade Simno Fraser, na Colúmbia


Britânica-Canadá; Professor Alberto Marino Junior, Juiz do Tribunal de Alçada Criminal; Professor Dalmo de Abreu Dallari, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e Professor Júlio César Fontana Rosa, Professor de Medicina Legal. O representante da Anistia Internacional, aquele que convenceu o homem-forte da Líbia, Muamar Gadafi, a comutar todas as sentenças de execução de prisioneiros existentes durante sua visita àquele país, em 1988, enaltecendo o direito à vida, repudia qualquer iniciativa que vise implantar a pena de morte, em suma, pelos seguintes motivos: a) a pena de morte é como a escravidão, que tem passado e não tem futuro; b) os estudos demonstram que a pena de morte não tem caráter preventivo; c) é uma punição cruel e degradante, que viola todas as convenções internacionais de direitos humanos. Ironizando o que o seu antecessor disse sobre o direito à vida, o Professor Alberto Marino Júnior afirmou: “Precisamos fazer alguma coisa para garantir à vida das vítimas”. O ilustre juiz teceu criticas contundentes às últimas modificações de lei penal, que, sob sua ótica, beneficiam o delinqüente. Mediante proficiente exposição, lamentou que “os bandidos sejam privilegiados”, que “os cidadãos honestos vivam acuados”, e, em tom espirituoso, arrematou: “Estamos todos em prisão domiciliar, às vezes tendo como carcereiro a própria sogra”. O brilhante jurista Dalmo de Abreu Dallari considera a pena capital uma contradição, “pois se o Estado sacrifica a vida de alguém, não pode puni os que seguem o seu mau exemplo”. Deu uma nota pitoresca à explanação, ao descrever as hipotéticas peripécias para se contratar um carrasco, caso fosse implantada a pena de morte no Brasil. Lembrou que, fatalmente, seria um funcionário público, sujeito, portanto a concurso. Então, quais seriam os requisitos, qual o perfil, qual a banca examinadora, como seriam realizadas as provas, principalmente as práticas? Diante de tantos argumentos, uns óbvios, outros emotivos e ardilosos, posicionamonos, energicamente contra a instituição de pena capital em nosso País e contestamos a realização do plebiscito, pelas razões a seguir elencadas. 1) Impeditivos de ordem constitucional – O projeto de realização do plebiscito infringe o Artigo 5º da Constituição Federal, que garante aos cidadãos o direito à vida, e o Artigo 60, § 4º, inciso IV, da mesma Carta Magna, que veda qualquer “proposta de emenda tendente a abolir” os direitos e garantias individuais. 2) Contraria a tendência mundial de abolição da pena de morte – idéia de que o Estado possa legitimar um castigo tão cruel como a morte entra em conflito com a concepção dos direitos humanos. Certos métodos nunca podem ser usados para proteger a sociedade, já que a sua utilização infringe os mesmos valores que ensejam a sua proteção. O assassinato legal é a negação do Estado democrático. Democracia não é a vontade da maioria. Abolição da pena de morte e democracia anda pari passu. 3) Na prática a dissuasão não ocorre – matar o criminoso para dissuadir pessoas de cometerem o mesmo tipo de delito é uma suposição enganosa. Na maior parte das vezes, os assassinatos são interpretados em momento sob o impacto de forte emoção, sob a influência de álcool ou drogas, em situações de pânico, ou durante a instabilidade emocional própria de doentes mentais, enfim, motivos que se sobrepõem à lucidez necessária para o criminoso ponderar sobre a prática do crime e temer o castigo. Se


a pena de morte tivesse o condão de dissuadir os criminosos em potencial, seria de se esperar a diminuição das taxas de criminalidade nos países que a adotam. Contudo, minudentes pesquisas revelam que não há nexo entre pena de morte e índice de delinqüência. 4) Erros judiciários – O pretendido “homicídio legal” apresenta-se inaceitável, se nos reportarmos aos erros judiciários que causaram a morte de Mota Coqueiro, enforcado, e dos inocentes irmãos Naves, presos durante vários anos, em Minas Gerais, como autores de um crime em Araguari. Num sistema jurídico moderno, administrado por seres humanos, portanto falíveis, não há lugar para a pena morte. 5) Discriminação – “A pena de morte é um privilégio dos pobres” (frase de um carcereiro da Califórnia –EUA). A imposição desse castigo mortal recairia principalmente sobre as camadas menos favorecidas de uma sociedade, refletindo os preconceitos e as intolerâncias da comunidade para com os pobres, os perturbados mentais, os membros de minorias raciais, políticas, religiosas ou éticas. Exemplo significativo, na Flórida – EUA, dentre aqueles que assassinam pessoas brancas, os negros têm um risco cinco vezes maior de serem condenados à morte do que os brancos. 6) A retribuição é um retrocesso – A execução é considerada o pagamento pelo mal cometido. Na verdade, trata-se de um desejo de vingança, mascarado por um princípio de justiça... Os ordenamentos penais não determinam que se queime a casa de um incendiário, que se viole um estuprador ou que se torture um torturador, porque são construídos sobre um conjunto de valores diferentes daqueles que condenam. Uma execução não pode servir como manifestação de censura a um assassinato, pois ela mesma consiste em matar. No decorrer da elaboração destes despretensiosos textos, tivemos notícia de que os parlamentares brasileiros aprovaram por uma pequena margem (51% favorável, 47% contra e 2% outras respostas) o plebiscito sobre a pena de morte no Brasil. Mas a maioria (73%) dos congressistas condena a pena de morte (números da pesquisa DATA-FOLHA – IDESP – “Folha de São Paulo”, 24-6-91). O alerta não teve eco. Então, que se teste o ânimo de vendeta da sociedade: olho por olho, dente por dente. Retroagimos à pena de talião, um processo de justiça no qual se desejava que, ao mal praticado por alguém, correspondesse exatamente um mal igual e oposto. Esperamos parar nos velhos tempos da pena de talião, para não remontar à época em que, por um ato lesivo praticado pelo indivíduo, não pagava só ele, mas também todos de sua clã, tribo ou família.

Maria Mathilde Marchi, Assessora jurídica da Superintendência do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo .


A Desclassificação No Campeonato da Saúde Dia e noite, nos hospitais e centros de saúde, a seleção de profissionais da área de saúde disputa um campeonato de vida ou morte com a doença, objetivando derrotar o adversário. No velho estádio Hospital, sem transmissão via Embratel, os personagens desta copa atuam contra a dor, falta de recursos e vagas. O paciente é bola que rola entre os jogadores (profissionais de saúde), o técnico pode se chamar de superintendente, diretor ou até mesmo de executivo. O juiz da partida é o estado de paciente, e os bandeirinhas são os atendimentos e o bem-estar. Como cartão amarelo, temos o estado grave e o cartão vermelho é representado pelo óbito. A Equipe Hospitalar tem Administrador no gol, pegando tudo e não deixando passar nada, orientando a barreira da burocracia, tentando defender a meta que o hospital se propõe. Na defesa temos o Arquivo Médico (SAME), o Financeiro, o Departamento Pessoal e a Assistente Social. Eles auxiliam o Administrador a não tomar gol, marcando por zona os atacantes contrários, ou ajudando o meio de campo, formado pelo Farmacêutico (medicamento), Nutricionista (alimento), Enfermeira (cuidado) e o Bioquímico (análise clínica). Por um problema de economia, os hospitais brasileiros costumam improvisar no meio de campo, colocando Almoxarife, Dietista, Atendente e Técnico de laboratório. E depois exigem que a CBF (INAMPS) pague bem e em dia! Todos os brasileiros sabem que o time ganha o jogo no meio de campo... Voltamos ao meio de campo, o Farmacêutico antigo médio volante, é responsável pela distribuição de jogadas, ou melhor, de medicamentos e informações sobre os remédios, incluindo psicotrópicos e entorpecentes. A Nutricionista alimenta o ataque com seus passes precisos, digo, dietas adequadas e refeições às vezes não muito apreciadas pelos pacientes internados. A Enfermeira, a camisa 10, o motor da equipe, carrega o time nas costas, e tudo gira em torno dela, obrigando a correr atrás da bola, dos jogadores e às vezes dos gandulas (acompanhantes), para que ajudem a repor imediatamente a bola em circulação na sua vida normal. Completando o quadro do meio de campo, temos o Homem do Laboratório (bioquímico), velho meio de ligação do ataque com a defesa, indo à frente quando de posse da bola (resultado do exame) e recuando (repetindo exame) quando o time precisa se defender. No ataque, estão os jogadores mais valorizados e caros da Equipe Hospitalar; aqueles que fazem gol e recebem todos os louros da vitória: o Clínico e o Cirurgião. É fácil de constatar isso. Basta se internar no hospital uma pessoa muito famosa para se ouvir: “a Equipe Médica do Prof. Dr. Fulano de Tal informa que o estado do paciente se encontra inalterado, mantendo preservados os sinais vitais”. Palavras do Capitão (Doutor) do time. Talvez seja essa a razão de antigos estádios, digo, antigos hospitais manterem ainda hoje afixada, no estacionamento, nos elevadores e no refeitório, uma placa sem sua homenagem: “exclusivo para médico”. Na verdade são os líderes da equipe, o povo (torcida) pensa que eles são os donos do time.


A seleção da Doença está escalada: Gripe no gol. Desnutrição, Infecção, Verminose e Diarréia. No meio do campo: Meningite, Tuberculose, Apendicite e Infarto. No ataque: Úlcera e AIDS. O técnico é Micróbio. O jogo é perigoso, com muitas faltas: de verba, de pessoal, remédios e, às vezes, até falta técnica (respeito). O tira-teima (computador) vai registrando em gráficos e estatística vital o andamento do jogo. Só não consegue acabar com as filas de espera (impedimentos). O time da doença ataca, e o da saúde marca sob pressão. A exemplo do futebol, a categoria dos jogadores se mede pelas qualidades individuais no trato com a bola. Os “fora-de-série” amaciam no peito, passam com elegância, fazendo-a chegar ao destino (diagnóstico) certo, fazendo lembrar os antigos craques (médicos de família) de passado já muito remoto. É isso que a torcida (o povo) quer: eficácia e eficiência dos profissionais e um tratamento mais humanizado no atendimento. Em recente entrevista, o atual médico (ministro) da seleção da saúde declarou que os hospitais estão cheios de pernas-de-pau que dão bico na bola e “pipocam” nas suas posições, E haja fila na porta dos estádios (hospitais), passando um atestado desumano de incompetência gerencial! Parece até que este País não tem remédio. Restam poucas alternativas para a Seleção de Saúde. Uma delas seria lançar não do banco de reservas, integrado por Balconistas de farmácia, Curandeiros, Raizeiros e Jogadores de búzios ou tarô. Diante da ameaça de substituição, quem sabe o time titular poderia melhorar! Afinal de contas, os reservas atuam no sistema (tratamento) antigo, utilizando plantas verdes, que é a cor da esperança de milhões de brasileiros carentes, que até hoje só conhecem saúde, porque um dia leram o Almanaque do Biotônico Fontoura, distribuído gratuitamente. O tempo passa. A doença continua ganhando. A bola está rolando. E o doente brasileiro também! George Washigton B. da Cunha, ex-presidente da Central de Medicamentos – CEME e diretor farmacêutico do Instituto do Coração de São Paulo.

Conviver com a dor do suicídio O suicídio de alguém querido é uma tragédia devastadora. Acontece nas melhores famílias, com melhores pessoas, e abala as pessoas que ficam. De muitas maneiras, o suicídio é uma das mortes mais difíceis de serem pranteadas. No processo de luto de seu amigo ou ente querido, você pode até sentir-se traído. Tendo investido anos de carinho, fidelidade e parceria, repentinamente você é abandonado e rejeitado. Você pode até perguntar-se: como ele pôde fazer isso comigo? Por que ele não pensou nas crianças? Não bastávamos para ele? Profundamente desconcertado pelo acontecimento, você procura pelos porquês. Uma mensagem deixada pode ajudar a entender o que se passou pela mente da pessoa,


antes de suicidar-se, mas questões dolorosas permanecem: por que ele fez isso? Ele estava com raiva de mim? O sentimento de culpa também emerge por vezes, pois o suicídio se apresenta não somente como uma perda, mas também como uma acusação, pelo fato de não se ter amado o quanto devia, ou então pelo fato de que o relacionamento pudesse não estar bem. Você repete continuamente: se eu tivesse...? por que não percebi o quão doente ele estava? Se tivesse chegado a tempo... Encontrando o caminho - Recuperar-se emocionalmente do suicídio de alguém querido é uma árdua tarefa. O processo de “consertar o coração partido” é penoso e lento. O caminho da recuperação exige aceitação dos sentimentos, resgate de forças interiores e desenvolvimento de atitudes positivas, em relação ao passado, presente e futuro. O caminho da cura se inicia com pequenos passos que levam da escuridão para a esperança, da morte para um renovado compromisso com a vida. Aprender a viver com questões sem respostas – Algumas pistas de por que as pessoas escolhem o suicídio podemos ter. Sabemos que o suicídio é, freqüentemente, reposta para algum tipo de perda; erro real ou subjetivo; dor física,psicológica ou espiritual. O problema da pessoa torna-se a única coisa que existe, e ela não tem condições de perceber que vai poder melhorar. Mesmo sabendo de tudo isso, intelectualmente você ainda se sente emocionalmente confuso. Subjacente a essas questões, existe um coração partido, que não pode ser curado com respostas simples. Lutar com o não saber é extremamente difícil. Os porquês permanecem sem resposta, e o enigma persiste. As pessoas que se suicidam levam com elas, freqüentemente, o mistério de sua vida e morte. Gradualmente, você precisa deixar de lado os porquês e aceitar o que acontece, e continuar a viver. Dar espaço e tempo para as lembranças dolorosas – Nos primeiros estágios da dor causada pela perda, os enlutados, por vezes, não conseguem liberar-se da cena do suicídio, sempre presente em pensamentos ou pesadelos. Você sente-se fraudado das lembranças gostosas e sufocado, oprimido pela presença constante dos detalhes do evento final. É necessário assumir e trabalhar com essas imagens negativas para o emergir de lembranças boas. À medida em que a ferida se torna menos dolorosa, emergirão sentimentos positivos que se tornarão mais freqüentes e duradouros. Reconhecer os sentimentos de raiva – Instintivamente os que perdem alguém por suicídio tendem a rejeitar a maneira como seu ente querido escolheu terminar a vida. Surgem ressentimentos pelo fato de a pessoa ter colocado um ponto final no relacionamento, única e exclusivamente à sua maneira. Ressentimentos com Deus também podem surgir por Ele ter permitido que acontecesse, ou então com outras pessoas, por não terem prevenido. É bom lembrar que a raiva é um investimento. Não ficamos com raiva de alguém que não nos é importante. A raiva não é o oposto do amor, mas uma dimensão dele, um sinal de um amor profundamente ferido. A raiva ajuda a sobreviver e reencontrar-se novamente na vida, ou pode tornar-se destrutiva. Tudo depende de como é canalizada. Isto pode ser feito ao dialogar com um amigo que realmente o compreende, com Deus, ou então expressar a raiva em escrever uma carta ao seu ente querido. A cura da raiva, é importante notar, acontece pela abertura e capacidade de perdoar. Transformar culpa em perdão – Muitas pessoas que perdem alguém por suicídio culpam-se a si próprias pelo que fizeram ou deixaram de fazer. Sentem que algo ficou


inacabado, e alguma coisa, repentinamente, foi interrompida. É extremamente difícil não alimentar o complexo de libertadores. A culpa nos acompanha em muitas experi6encias de impotência e imperfeição, pode nos paralisar ou desmoraliza. Podemos, no entanto, transforma-la em auto-perdão e numa capacidade maior de amar os que estão à nossa volta. A cura emerge gradualmente, quando descobrimos que não podemos julgar o ontem com o conhecimento do hoje, que o amor somente não é suficiente para salvar a vida de alguém. Existem limites de força e responsabilidade que precisam ser considerados, e você não era a única influência na vida de quem partiu. Aceitar a solidão – A solidão é o preço que pagamos por amar. Quando uma pessoa querida morre, também morre parte de nós. Num certo sentido, a solidão pode durar a vida toda, porque ninguém pode substituir aquela pessoa em especial. Um aniversário, um lugar, uma canção, uma flor facilmente reavivam memórias boas que se tornam dor. Sentimos um profundo desapontamento por não estarmos junto daquela pessoa especial, para participar das novidades ocorridas na família, bem como das surpresas agradáveis e tristezas. A solidão pode ajudá-lo a descobrir a profundidade de seu amor. A partir disso, você pode tornar-se mais sensível às perdas dos outros e entrar numa comunhão íntima com o Deus sempre presente. Talvez você tenha até se defrontado com questões como estas: Deus o terá perdoado ou condenado ao inferno? Muito embora o ato de suicidar-se não deixe de ser objetivamente errado, teólogos contemporâneos enfatizam que as circunstâncias individuais isentam da culpa subjetivamente. Quem tira a própria vida pode estar tão perturbado que age compulsivamente. A percepção da moralidade está tão profundamente comprometida que a responsabilidade fica enormemente reduzida. Somente Deus sabe o que está no coração de cada pessoa. Acreditar que Deus olha com misericórdia a ação de seu ente querido não tira a dor pela perda. É importante notar que a fé ajuda a descobrir valores no meio do sofrimento. Nutra a confiança de que Deus o sustentará, ao viver o luto. Reconstruir a auto-estima – O suicídio de um amigo e/ou ente querido atinge profundamente nossa auto-estima. Racional ou irracionalmente, os que perdem alguém nessas circunstâncias sentem-se julgados pela comunidade por terem falhado. Sentem que o suicídio é uma desgraça para a família, escola ou comunidade.Muitos têm a necessidade urgente de mudar-se para um lugar onde não sejam conhecidos. Esta vergonha, infelizmente, faz com que muitos não reconheçam o suicídio e, menos ainda, que falem a respeito do fato. Fazer isso é parte fundamental do processo de recuperação e cura. Ao passar pela experiência desconcertante de um suicídio, você precisa ajuntar os pedaços, reafirmar seu compromisso com a vida e reconstruir a confiança em si mesmo. Ser paciente consigo mesmo – O tempo por si só não cura. É o que fazemos com o tempo que realmente tem conteúdo terapêutico. Quando se fica menos preso ao passado e se valoriza o valor dos pequenos passos, podemos desenvolver uma atitude mais positiva, menos dolorosa em relação à passagem do tempo. Ir ao encontro dos outros - Podemos sentir que fomos derrotados, mas é preciso decidir levantar-se e continuar. Quando se tem a coragem de colocar a ferida, sensibilidade e compaixão a serviço dos outros, estamos descobrindo a chave de nos ajudarmos a nós mesmos. Quando a dor é direcionada para ir ao encontro dos outros, torna-se criativa e amor transformador.


Ter confiança - O suicídio deixa marcas profundas. Não existe retorno. Não dá para mudar o que aconteceu, mas pode-se mudar a maneira como se vê, de trás para frente, da morte para a vida. Quem passou pela experiência de alguém querido que se suicidou precisa aprender a não culpar-se ou, então, acusa quem partiu pela sua própria infelicidade. É necessário assumir a vida por si mesmo, bem como a responsabilidade pelo futuro. Tem-se o privilégio de pode emergir da tristeza com uma apreciação profunda pela solidariedade humana e com uma consciência mais aguçada da beleza e da fragilidade da vida. Além disso, fazer a descoberta de encarar a vida não tanto como um problema, mas como um mistério a se desvendado a cada dia. Arnaldo Pangrazzi, sacerdote camiliano, consultor da Ordem dos Camilianos.

Aspectos psicológicos da caridade Conhecer-se o lugar eminente da caridade para os cristãos, não apenas na ordem moral, isto é, do agir, pelo menos em teoria, mas até na sistematização dogmática. Com toda razão: Deus é Amor, o Amor divino é Caridade. Pela operação do Espírito Santo (também chamado DOM), o Verbo eterno encarnou-se a fim de salvar da humanidade do céu. Só o Amor (aquele que desce de Deus por Cristo, em Cristo, por oposição ao Eros, que sobre dos instintos naturais, como A. Nygren comentou) salva para a vida eterna; no final, seremos julgados sobre o amor (São João da Cruz). A perfeição cristã é plena participação na Caridade: nela temos o alfa e o Omega do cristianismo, teologia e prática. Nesta página, nosso enforque não é teológico, mas decididamente psicológico. A teologia da caridade trata da graça e do mérito: acusa, por exemplo, o pelagianismo por dispensar a graça na ação boa de que ser humano é capaz sozinho. A psicologia pergunta: qual é o sentimento vivencial do cristão quando exerce um ato de caridade? Tarefa fácil de programar, difícil de realizar, porque o agir cristão não é descartável da fé do sujeito, aquela que a teologia analisa minuciosamente a partir da revelação bíblica. Vale a pena insistirmos nesta ressalva porque a prática da misericórdia não merece a qualificação de cristã senão pela vinculação à fé dogmática que vê Deus-Amor encarnar-se no homemJesus, o qual dá sua vida para os outros, por amor e obediência. Cristão é o discípulo que segue os passos do Mestre, participando da fonte e dos frutos. Dar a vida por amor: por amor de quem? Primeira dificuldade, porque a teologia cristã recusa dissociar amor a Deus e ao próximo. Quando São Francisco beija o leproso, não é seu Senhor e Deus que na realidade ele está abraçando? Bem se falou dos olhos da fé; o místico está em contato direto com a transcendência, com o Ser supremo que ele afirma ser vivo. Ninguém vê Deus beijado pelo Poverello, todos olham estupefatos para o leproso beijado; o místico participa duma visão, duma realidade superior. A indissociabilidade do Amor a Deus e do amor ao irmão na Caridade (os tecnólogos usam a palavra grega ágape) levanta outra interrogação: sobre a vinculação do amor ao outro e do amor a si próprio. A questão é mais do que teológica, é filosófica, existencial: pode alguém amar outro se não se amar a si mesmo? Responde implicitamente o mandamento de Jesus; é preciso amar o outro, feito próximo, isto é, irmão, como a si mesmo. O masoquismo é doença da caridade.


Pode haver um epicurismo totalmente egoísta, não moral totalmente “desinteressado”, isto é, totalmente desvinculado do bem, da felicidade, do desfrutar do sujeito agente. Mas não se jogaram, alegremente, os mártires, nas fogueiras preparadas para os teimosos que recusam renegar Deus? É verdade, a caridade exige amar Deus acima de si mesmo; mas o “si mesmo” aqui é o corpo mortal, as fruições passageiras, a vida biológica deste planeta, sacrificados à vida eterna, de que logo o santo vai gozar para a eternidade. O mártir abandona às pressas o dedo para salvar a mão, uma vida sofrida nas trevas da morte e das provações, para ganhar logo uma felicidade indescritível A renúncia a si é parcial, abandona-se uma miserável crisálida; a morte, não apenas para o mártir, mas para todo o crente, é uma cirurgia salvífica, um parto para nova vida. Entendemos a exclamação de Paulo: “Que são os sofrimentos deste mundo em comparação com a glória que nos espera? Uma ninharia!”. No pesadelo desta vida abraço fervorosamente o leproso, instrumento de minha salvação sem o saber, socorro sinceramente o miserável; o amor com que executo estes gestos de caridade é algo para sempre. Reconhecemos formalmente: desprendimento total, renúncia a si mesmo para um nada integral, apesar da ousadia das expressões de certos místicos, isto não existe em cristianismo. Como o budista dissolve seu eu para se reerguer de outra forma na totalidade cósmica, a Imitação de Cristo, esta obra-prima da espiritualidade cristã do século XV, incita um total desprendimento de si, mas para viver em Cristo ou deixar viver em nós. Neste cerne da espiritualidade cristã, isto é, da caridade, nunca se perdeu o eu, isto é, a identidade, isto é, o amor ontológico a si próprio. A mística do ágape conhece uma só identificação – ou será melhor falar em transferência?: com Cristo, com Deus via Cristo, para a eternidade mediante a temporalidade. Perder-se em Cristo é ganhar-se para sempre, salvar-se na vida eterna. “Quem perde sua vida por causa de mim, a salva”. O nada de um São João da Cruz não passa na realidade do tudo divino. “Nada?”: a partir desta tabula rasa constrói a vida eterna. Assim armados, voltemos ao sentimento que anima o cristão ao se debruçar sobre o outro a fim de ajudá-lo com imensa ternura. Talvez psicológica e momentaneamente ele se sinta perdido no altruísmo, despojado de si mesmo, disponível, em completa empatia. Não parece que predomine nele, estruturalmente, a transferência que o faria sentir-se no lugar do outro; “coitadinho de mim se eu tivesse no seu lugar”: esta impressão, nunca proferida, pode ocorrer, não sendo psicológica ou tecnologicamente excluída, mas não chega a estruturar a postura caritativa. Como o doente visitado, o pobre ou miserável socorrido, ou todo outro auxiliado, se cristão, pode enxergar nos traços de seu benfeitor o próprio Cristo que vem hoje e sempre ajudar, amparar, curar, proteger, por sua vez, o caridoso reconhece no seu assistido o mesmo Cristo. “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). O ato de caridade para com o protegido: um espelho. Sempre a imagem de Jesus: nos traços do ajudante de um lado, nos traços do ajudado do outro. Em Cristo, todos os cristãos são um – Corpo místico -: um pequeno amor unifica poucos, o divino amor do ágape de muitos opera a unidade. Alienação? Não: eu sou Ele, Tu és Ele, Ele é Cristo, Deus-Amor. O espelho nos recorda o desafortunado Narciso. Não negamos a imensa sinceridade do ato de caridade na tentativa de enxergar o outro como outro, isto é, em si mesmo, na sua diferença própria. A regra de ouro não deveria enunciar-se: “faça ao outro aquilo que você gostaria que ele lhe faça”, mas “faça ao outro o que ele mesmo deseja”. Acreditamos que a caridade tenciona deixar o outro ser outro, ainda que nem sempre o consiga. Que péssima impressão, a do cônjuge de santa pessoa, ao refletir: “sou


apenas o íntimo instrumento de seu amor a Deus”. Bendito amante, bendito torturador. A dificuldade está talvez nisto: é insubstituível o objeto da caridade? A teologia responde que Deus ama cada um pelo seu nome, isto é, por sua identidade própria. Ficam expressões que nos embaraçam: “ama o amor” (mais do que o amado?). Encontramos na estrutura da caridade uma dimensão que impede sua total subjetivização como sentimento. “Eu vos digo: amai os vossos inimigos...” (Mt 5,44). Alguns, céticos, respondem: Amar todo o mundo é amar ninguém ou, ainda, o amor não se comanda. Seguramente, o ato cristão da caridade é essencialmente ato da vontade não da sensibilidade, ainda que a vivência sensível da caridade seja bem-vinda, rechaçada apenas no extremo jansenismo. Jesus se comoveu: “Tenho compaixão da multidão, porque já faz três dias que está comigo e não tem o que comer” (Mc 8,2). A compaixão sentimento passa, como paixão; a caridade é que deve ficar. Em resumo, o ato da caridade articula indissociavelmente amor de si mesmo, amor a Deus, amor ao próximo. Não pode faltar nenhum elemento desta trilogia sem resvalar fora da perspectiva cristã. Esta articulação estrutural é hierarquizada: o próximo é o objetivo mais óbvio, mais urgente, mais palpável da caridade. Seu sinal, pedra de toque também: São João pergunta como se poderia amar a Deus, que não se vê, se desprezamos o próximo ao nosso lado. Deus é a motivação (amar o outro, por causa de Deus): objeto de desconfiança para alguns, selo de autenticidade para a ortodoxia suprema, discreta também porque a caridade, que tudo entende (São Paulo), é delicada (ninguém gosta de ser amado por causa de outra pessoa, ainda que por vezes amemos uma pessoa porque ela nos lembra outra pessoa de que gostamos: inútil desvendar isto). O amor de si mesmo é tão profundo que confessável apenas filosoficamente ou para o analista; nem por isso deixa de existir, ontologicamente fundamental, questão de coerência. O “tudo ou nada” sempre nos pareceu oscilar entre jogo de palavras e perigosa aposta. Com toda sua experiência de médico alquimista, Paracelso dizia: “Nada é veneno, tudo é veneno, é a dose que faz o veneno”, observação de ouro. Onde leva o extremismo excludente? O egoísmo é hipertrofia do culto de si; equilíbrio é ser solidário com os outros num mundo na mão de Deus. Como: “na mão de Deus”? Isso é que não sabemos, e aí lembramos que a caridade cristã vive da fé (cristã) e da esperança que deseja o melhor para nós e nossos muito próximos, nada menos do que a humanidade toda. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista.

Humor hospitalar  A tabuleta “Silêncio, hospital” é para evitar que os gemidos dos pacientes incomodem os motoristas que passam na rua.  O porteiro do hospital era tão pequeno que os acompanhantes só o chamavam de leão de chácara de baile infantil.


 Na hora da visita, perguntaram ao ascensorista se ele era a favor do sexo antes do casamento. Ele respondeu: “Sim, desde que não atrapalhe a cerimônia”.  Pacientes hospitalares em Portugal, portadores de AIDS, recebem no prontuário outro nome do diagnóstico: DIAS. Quer dize: doença imunológica adquirida com sacanagem.  Toca o telefone na Farmácia. O médico pergunta: “tem vitamina B12”? O auxiliar responde “Servem duas de B6?”  Pontaria boa tem o médico. Quando pergunta se dói, aperta justamente no local.  Ao medico cirurgião nunca se deve perguntar “como vai?” e sim “como vem?”  Aquele cardiologista famoso descobriu um novo fator de risco para o infarto: a raiva. Nesse caso, deve-se tomar vacina anti-rábica?  Declaração do paciente transplantado: “Sou contra os transplantes, mas minha primeira cabeça foi a favor”.  O funcionário era tão desconfiado que, toda vez que batia o ponto, perguntava ao chefe: “Posso entrar?”  Princípio de incêndio no Pronto-Socorro. O responsável liga para o chefe: “O PS está pegando fogo”. O chefe: “Aí é assim mesmo, vai tocando, vai tocando...”  Chato é quando a gente vai pedir ao médico remédio para a memória e nunca se lembra do nome.  Dizem que, em hospital psiquiátrico, a única alegria do doente é quando a enfermeira anuncia: “O douto não vem hoje!”  A frase mais ouvida na enfermaria: “Sinto muito, doutor, mas cada vez sinto mais”.  Missa na Psiquiatria. Na oração dos fiéis, os pacientes são convidados a, espontaneamente, fazerem seus pedidos, expor suas necessidades a Deus. Entre muitas preces, uma jovem assim expõe seu problema: “Gostaria de pedir a Deus pela minha família. Faz uma semana que estou aqui e eles ainda não vieram me ver. Acho que eles não gostam mais de mim, e eu estou com saudades e com raiva. Inclusive, vou ser sincera para o senhor, Padre, e para todos os homens que estão presentes: eu estou sem calcinha por causa disso. Rezemos ao Senhor”. E todos responderam normalmente: Senhor, escutai a nossa prece. Gedabliú Becê é o pseudônimo de profissional da saúde no INCOR, em São Paulo.

Seminário nacional de saúde Nos dias 21 a 26 de junho deste ano, em Cachoeiro do Campo, MG, realizou-se mais um Seminário Nacional de Saúde, promovido pela Conferência dos Religiosos do Brasil, através do Grupo de Reflexão da Saúde (GRS), e pela CNBB, através da


Coordenação da Pastoral da Saúde. Participaram 112 religiosos e leigos de todo o Brasil para refletir sobre os aspectos práticos e teóricos da Saúde Comunitária e sobre a dimensão teológica e pastoral da Saúde Comunitária à luz da nova evangelização. Vivemos numa realidade de Brasil onde a doença é um fenômeno social, resultante de uma urbanização anárquica, provocada pela migração do campo para a cidade, que vem criando uma crise social sem precedente no País. Esse fenômeno tem como pano de fundo um modelo econômico exportador de riquezas e concentrador de terras, de bens de produção e de renda, sustentado por um Estado autocrático e tecnocrático, preocupado com o crescimento econômico e não com o desenvolvimento sócio-político-econômico do País. Frente a essa situação, os objetivos do Seminário foram: trocar experiências e material que ajudem na caminhada da Saúde Comunitária: analisar as práticas e a compreensão da Saúde Comunitária; aprofundar a mística que sustenta os agentes no seu compromisso na área da saúde; celebrar as conquistas, dificuldades e desafios na caminhada, e programar linhas gerais de atuação. Como de praxe, o método de trabalho foi o ver-julgar-agir. Ver – A partir das experiências apresentadas e da prática e vivência pessoal, Celerino Carriconde e Diana Mores, de Recife, PE, elaboraram a síntese de seus trabalhos: A Atenção Primária em Saúde (APS). Para se entender o alcance da APS, deve-se lembrar Alma-Ata: foi nesse lugar, na União Soviética, que a Organização Mundial da Saúde e a Organização das Nações Unidas para a Infância promoveram uma reunião, em setembro de 1978, da qual participaram 134 países (o Brasil não compareceu). Um dos pontos mais importantes foi o da revisão do conceito de saúde proposto na reunião de 1948: “Saúde é o bem-estar físico, mental e social e não a ausência de doenças”. O que ficou evidente para a quase unanimidade dos participantes da reunião de Alma-Ata é que, para haver bem-estar físico, mental e social, são necessários oito pontos fundamentais: terra, trabalho, educação, casa própria, alimentação, lazer, transporte e participação no poder de decisão. Como se sabe, hoje, os maiores obstáculos para alcançar “saúde para todos” não são técnicos, mas sociais e políticos. Fome e doença, ao contrário do que se pensava, não são o resultado de falta de recursos ou superpopulação, mas da má distribuição de terras, recursos e poder. Os recursos econômicos existem, Infelizmente, o controle desses recursos está nas mãos de líderes cuja prioridade nem sempre é o bem-estar do povo, mas continuar no poder. Na Atenção Primária em Saúde, a cura é um meio (necessidade do povo), o fundamental é uma consciência crítica sobre as relações de causa-efeito das doenças, em suas dimensões bio-psíquico-sociais. Essa consciência crítica terá que desembocar numa tomada de decisão de cada pessoa e na necessidade de organização pessoas-comunidade, que, por sua vez, irá se mobilizar para barganhar com o Estado aquilo que lhe falta para vir a ter vida/saúde. Esse processo é difícil, é como um parto que acaba sempre no nascimento de uma nova vida. Julgar – Num segundo momento, Frei Luiz Augusto de Mattos, de São Paulo, nos levou a refletir sobre o enfoque ético-teológico no campo da Atenção Primária: como concretizar o Reino de Deus, hoje? Nosso projeto maior é o novo ser humano, uma nova sociedade, sinal do Reino. Nós, agentes de vida, queremos saúde integral e comunitária para todos.


Para que isto aconteça, precisamos refletir sobre como colocar em prática o poder como serviço. Esse poder-serviço se concretiza no projeto democrático, que tem como princípios: igualdade, solidariedade, participação, liberdade, fraternidade. Os meios ou as mediações para a vivência deste projeto político passam pela ideologia, entendida como força que faz garantir o rumo, pela teoria, que é aprofundar o que se faz, e pelas práticas: o que leio? O que me alimenta? Quais os conflitos que assumo? Precisamos colaborar na construção de uma sociedade que promova a vida. De fato, a vontade de Deus é que não aconteçam violações “no corpo”. Daí a importância de assumir profeticamente a justiça social, o projeto democrático. Como formas de concretizar o Reino, hoje, Frei Luiz apontou:  a organização popular solidária;  a integração das frentes autênticas no processo libertário;  a construção do novo: projeto político-poder popular. Agir – Por unanimidade foram aprovados os princípios de ação a seguir:  formação pessoal e comunitária, a partir da mística cristã, da cultura popular e do processo participativo, tendo como meta a promoção da saúde integral do povo;  articulação com as forças transformadoras da sociedade,a través da dinâmica libertadora, lembrando o serviço, a educação, a organização e a mobilidade para a construção do poder popular democrático;  integração entre a CRB e CNBB pelo apoio e diálogo, tendo em vista o compromisso com a Saúde Comunitária, como serviço ao Reino de Deus. Foram também colocadas propostas de ação em nível nacional: a Coordenação da Pastoral da Saúde da CNBB deve assessorar as Regionais na sua organização, e que haja um novo Seminário (daqui a dois anos), em que sejam tratadas, também, as culturas, a conjuntura política e eclesial, fazendo-se uma avaliação da caminhada. Foram, ainda, elaboradas propostas de ação em nível regional ou estadual. Essas propostas serão analisadas nas bases para aferir sua viabilidade. A presença num Seminário como esse é um sinal do Reino de deus. Todo participante sai com mais força, mais fé e mais esperança, porque entende que a construção do reino de Deus passa pelo conflito. O julgar mostra a importância de cultivar a mística de conflito, tendo como ideal a nova sociedade, o Reino de Deus. Christian de Paul de Barchifontaine, sacerdote camiliano, capelão do Hospital das Clínicas, de São Paulo, e coordenador feral da Pastoral da Saúde/ CNBB.


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