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Maria: disponibilidade no servir. Em muitos momentos de nossas vidas, existem situações em que não sabemos o que fazer e nem como agir. Olhando, porém, para A Bíblia, encontramos inúmeros testemunhos que podem servir de guia para nossa ação. O exemplo do Bom Samaritano é um deles (Lc 10, 25-37). Quanta gente já prestou ajuda a outrem, inspirando no exemplo do Bom samaritano! Exemplos com esse podem não oferecer respostas fáceis, mas ajudam-nos a enfrentar, e solucionar, os desafios que os dias de hoje nos propõem. É baseado num desses exemplos que se pode enfatizar o trabalho da Pastoral da Saúde, em boa parte desenvolvido por mulheres que, a exemplo de Maria, sabem com mais sensibilidade perceber as necessidades do outro. Esta reflexão quer se uma ajuda e, ao mesmo tempo, um convite e desafio a todos os que, com disponibilidade, amor e competência, vão ao encontro dos que sofrem, em especial os doentes. O Evangelho de Lucas (1, 26-45) narra o anúncio do anjo a Maria, e sua visita à prima Isabel, que, já de certa idade, engravidara. O texto revela a disponibilidade de Maria, retrato perfeito dos sevos de Deus. Como agente de Pastoral, devemos assumir essa disponibilidade, se quisermos ser também chamados sevos do Senhor. O primeiro ponto que pode ser destacado é que, ao declarar-se serva do Senhor, Maria concebe Jesus e, imediatamente, vai ao encontro da pessoa necessitada. Essa comunhão com Deus a torna sensível e comprometida com o outro, que precisa de ajuda. Essa disponibilidade culminou no encontro do Precursor, João Batista, com o salvador. A presença de Maria fez Isabel e o menino, ainda no seio de Isabel, louvarem e bendizerem a Deus. O agente de Pastoral da Saúde, colocando-se como servo de Deus, a serviço dos doentes, deverá encarnar esse espírito de serviço. “Quem não vive para servir não serve para viver “, diz o ditado. Com disponibilidade, testemunho e presença reveladora de uma profunda sensibilidade humana, acima de tudo, o agente abre portas para que muitos doentes também falem, louvem e bendigam a Deus. O estar com Deus é, também, leva-lo aos doentes, principalmente os mais marginalizados e esquecidos, que esperam alguém com quem possam compartilhar seu sofrimento. Para isso, é necessário que, a exemplo de Maria, tenhamos a grande bemaventurança de haver acreditado nas coisas ditas pelo Senhor. Podemos ver Maria como discípula-modelo, que mais tarde dirá “fazei tudo o que ele vos disser” (Jô 2,5), tal era sua certeza e confiança na palavra do Senhor. Um ponto a ser resgatado é perceber que Maria foi porta-voz qualificada dos cristãos que ansiavam pó libertação. E quantos doentes gritam, não só por cura física, mas também pela saúde da alma... Sofrer é difícil. Sofrer longe da família, dos amigos e de Deus é quase desesperador. Aqui, o agente é chamado a ser porta voz, intermediário, agente de transformação e vida nova onde tudo parece perdido, à primeira vista. Enfrentar desafios não significa reduzir a pessoa a um mero objeto, um caso interessante, ou adotar um sentimentalismo extremado, e sim solidarizar-se, propiciando condições para ser ela mesma. Enfim, ajudando-a a ajudar-se. Num terceiro momento, o agente identificará a existência de indivíduos carregados de auto-suficiência. Não sentem necessidade de Deus, muito menos de religião e dos outros. Bastam-se a si mesmos, é o que supõem. São deuses de si próprios.


Que belo exemplo temos de Maria para nos ajudar nesse momento! “Serva da justiça e da bondade”. Impotente aos olhos do mundo, mas grande na obra que Deus realiza através dela. Quantas vezes não nos sentimos impotentes diante de situações humanas difíceis! Num mundo onde a tecnologia freqüentemente ignora a pessoa como sujeito, tratando-a como mero objeto de experiência, desrespeitando-a como um ser psico-físico, social e espiritual, devemos ser arautos da visão holística do ser humano e expressão de ternura quando todo cuidado é dispensado somente à máquina. E justamente nessa realidade que somos desafiados a testemunhar a justiça e a bondade de Deus, através de nossos gestos humanos. O segredo para bem desenvolver esse trabalho é ter presente muita humildade. Só conseguiremos ser agentes, testemunhas vivas de Deus, se colocarmos tudo nas mãos dele, deixando que ele seja o nosso orientador. Devemos esvaziar-nos da vanglória, acreditando que Deus cumpre a promessa de libertar os que sofrem. Outro aspecto importante da Pastoral é não esperar qualquer reconhecimento da parte dos que atendemos, muito menos das pessoas que nos cercam, mas servir gratuitamente. “Daí de graça o que de graça recebestes” (Mt 10,8). O exemplo é Maria, que não tinha nenhum evangelho escrito, mas acreditou nas promessas de Deus. E Deus nos fez essa promessa no Evangelho: “Estive enfermo e me visitastes. Vinde, benditos”. Outro desafio é sermos capazes de ficar com a pessoa até quando seja necessário. Isso significa, também, ter coragem de deixá-la caminhar sozinha, no momento certo, como Maria, que ficou em casa de Isabel apenas o tempo necessário. Soube retirar-se em silêncio, sem esperar elogio, muito menos reconhecimento. Para Reflexão  Maria foi às pressas para ajudar sua prima Isabel. O que lhe sugere esse comportamento, em seu trabalho pastoral?  Procure em seu trabalho situações semelhantes de ajuda, que possam ser realizadas por você.  Avalie sua ação na Pastoral, tomando como modelo a disponibilidade de Maria.

Sexualidade e cultura Natureza e cultura contêm as raízes da sexualidade. Da natureza decorre a influência biológica; da cultura, a elaboração. As principais características biológicas sexuais podem ser assim resumidas: só o homem fecunda; só a mulher menstura, gesta e amamenta. As demais diferenças entre os sexos não são definitivas na sua determinação; há indivíduo de um sexo com características secundárias mais freqüentes no outro, sem que isto interfira nas suas funções sexuais primárias. Somente as quatro funções reprodutoras básicas – fecundar, menstruar, gestar e amamentar- são imprescindíveis na definição do sexo de cada pessoa, em cada sociedade. E esta organização biológica advém da natureza, podendo, entretanto, manifestar-se de formas várias, conforme a cultura em que a sexualidade é elaborada.


Pesquisas antropológicas evidenciam os diferentes hábitos encontrados em diferentes culturas, denotando formas diversas de representação da sexualidade. Mead, estudando tribos da Nova Guiné, tomou como pontos de referencias certas condutas, tais como: passividade, compreensividade, desejo de cuidar das crianças. Comprovou que, entre os arapesh, tanto homens como mulheres eram dóceis e cooperativos. Entre os mundugumor, ambos eram, porém, agressivos. Assim, nesses grupos, a docilidade e a agressividade não foram representativos de identidade sexual, no que diferem de nossa cultura. Outra diferença: entre os mundigumor, as mães manifestavam desprazer em cuidar dos filhos, absolutamente desprovidas do nosso tão conhecido “instituto maternal”. As mulheres tchambulim, outra tribo estudada, eram fortes, práticas, agressivas sexualmente e desprezavam enfeites. Os homens eram vaidosos, passivos e interessados em dança e pintura. E a autora conclui: “Assim como a sociedade permite agora a prática de uma arte aos membros dos dois sexos, do mesmo modo poderá também permitir o desenvolvimento de muitos dotes temperamentais contrastantes em cada sexo. Poderá abandonar suas diversas tentativas de fazer com que os meninos lutem e as meninas permaneçam passivas, ou de fazer com que todas as crianças lutem e, ao invés, plasmar nossas instituições educacionais de modo a desenvolver plenamente o menino que mostra uma capacidade de comportamento maternal e a menina que apresenta uma capacidade oposta que é estimulada pela luta contra obstáculos”. Em contrapartida, há aqueles que afirmam ser o sentimento masculino-feminino uma decorrência genética e que orientações sexuais anômalas dependem de alterações a nível genético. Há, também, os que argumentam que, em toda a história ocidental, a mulheres não tiveram as mesmas condições de educação que os homens. O Império Romano foi o que mais se aproximou desse equilíbrio, sem, entretanto, proporcionar uma genuína coeducação. No mesmo tom, Simone de Beauvoir considera que são os condicionamentos que geram a personalidade sexual, proporcionado à mulher determinado modo de ser, inexistente ainda à época do seu nascimento. Malinowaki, através de estudos sobre os nativos da ilha de Tobriand (Malanésia), concluiu, entre outros aspectos, que até padrões de beleza são locais e temporais. Entre os habitantes da ilha, a atração sexual se pautava por caracteres pessoais peculiares bem diversos do gosto ocidental contemporâneo. A sexualidade seria, conforme acreditam alguns, uma pulsão biológica, influenciada por fatores sociais. Por seu turno, ela exerceria influência sobre outras áreas e atividades humanas. Segundo Sonenreich e Bassitt, “a identificação sexual depende da posição do indivíduo perante os projetos, as expectativas que seu mundo lhe propõe. Nosso corpo, nossa fisiologia nos são dados geneticamente. Mas não impõem condutas fatalmente determinadas; essas decorrem mais de conceitos. A capacidade de gestação é para nós o fenômeno que constitui a base da diferenciação feminino-masculino. Mas como repercutiria ela sobre nossas vidas se a mulher dedicasse somente dois a três anos de sua existência a tal tarefa”? E Gofman não tem dúvidas em afirmar que, em todas as sociedades, o sexo é a base de um código que rege os conceitos acerca da natureza humana e as interações sexuais.


A partir de um padrão biológico, ou seja, das características sexuais inatas, elaborações culturais desencadeiam eventos sociais que, embora nem sempre se relacionem com o elemento biológico, são tidos como decorrência natural dos mesmos (“Reflexibilidade cultural”). Assim, a mãe, porque amamenta, passa a responder pelas tarefas da casa. Considera o autor que se atribuem às diferenças biológicas o que na verdade, são acordos entre os sexos, efetivados no desenvolvimento das sociedades e com finalidade funcional e de preservação. A sexualidade assume, portanto, diferentes significados conforme a cultura em que se estabelece. Esses significados variam, ainda, dentro de uma mesma cultura, dependendo de fatores que também lhes confere caráter econômico-político. Consideramos que, sendo a sexualidade influenciada por fatores desta ordem, os indivíduos manifestam em seu comportamento sexual as divergências oriundas da estruturação da sociedade que eles próprios compõem. Transformam relacionamentos interpessoais em relações do tipo sujeito-objeto, dividindo-se em partes independentes e desintegradas. Como conseqüência, o que se observa é praticamente a inexistência de seres humanso que, no plano sexual (o plano em tela), atuem coerentemente com o que pensam e sentem.A sexualidade, além de se manifestar de várias formas pelas diferenças biológicas, também se constituem num meio de confirmação e rejeição de regras sociais, o que lhe atribui caráter ideológico. Ora, a ideologia, como forma de controle que é, para ser efetiva, precisa constituirse em controle interno, inconsciente. Nesse intuito, a sexualidade é reprimida, o que esconde os sentimentos e os desejos do indivíduo. Negando-se a sexualidade, introjeta-se a ideologia e, conseqüentemente, exerce-se o controle social. Neste sentido, Sonenreich comenta: “A ética do Superego tenta nos convencer que o lugar da repressão, do policiamento, situa-se no próprio psiquismo. Mas a repressão externa, social, demais rápida e eficiente para permitir ao indivíduo que chegue a se autopunir. As funções do Superego funcionam talvez mais como preventivas. E, na maioria dos casos, podemos entender que o que impede a pessoa de fazer coisas proibidas é o medo da punição”. Ora, numa mesma sociedade, coexistem indivíduos com ideologias diversas. Kinsey e colaboradores apontam essas diferenças. Por exemplo, quando referem que, nos anos 30 a 40, os homens com nível universitário ou que ascenderam na profissão apresentavam poluções noturnas mais cedo que trabalhadores braçais. Os mais cultos tinham poluções mantidas por mais tempo e mais freqüentes. Os mais incultos só aceitavam a “posição missionária”, para o relacionamento sexual, considerando indecorosas as demais. Condenavam práticas masturbatórias, carícias, beijos apaixonados, contato boca-seio, sexo oral e pornografias para estímulo erótico. Relacionavam-se geralmente vestidos (pelo menos em parte) e não se prolongavam em preliminares. Entretanto, esses homens consideravam naturais as relações pré-nupciais promíscuas, mas não com a futura esposa. Iniciavam esse relacionamento aos 16-17 anos; caso contrário eram tidos, em seu meio, como deficientes ou homossexuais. Já os mais cultos retardavam o início dessa atividade e se satisfaziam com masturbação e pornografia. Quando se relacionavam, o faziam geralmente nus, favorecendo as preliminares e diversas posições. Relações pré-nupciais, geralmente com as parceiras, e resposta a diversos tipos de estímulos eróticos eram característicos. Do mesmo modo, é de se supor que as elaboradas técnicas sexuais, documentadas na “Kama Sutra”, foram conhecidas somente pelas classes mais altas da Índia. O povo não


teve acesso a esse conhecimento, embora o livro fosse considerado uma revelação divina (para todos os mortais!). A cultura é, pois, sem sombra de dúvida, dama de companhia da sexualidade. Trataa e retarda-a. Modula e moldura o seu desenvolvimento em cada indivíduo e em cada sociedade. E, no entanto, não consegue atingi-la em sua essência, em seu eixo, em sua nudez. Este, sadios ou não, advêm de determinações biológicas invariáveis e determinações psíquicas profundas e arcaicas, independentes de vestimentas, adornos e acessórios. Carmita Helena Abdo, diretora executiva do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo.

Pastoral da Saúde na Paróquia A história da Igreja é uma história de Pastoral da Saúde. Onde mais, onde menos, a Igreja sempre procurou viver concretamente o Evangelho em seu duplo aspecto: pregando a Boa Nova do Pai e curando os doentes marginalizados, como fez o próprio Cristo. Congregações masculinas e femininas, hospitais filantrópicos de religiosos e Dioceses, Santas Casas constituídas em Irmandades zelando pela saúde preventiva e curativa de comunidades inteiras, as Missões com suas obras assistências etc. são fatos que comprovam este esforço evangélico da Igreja. No Brasil, a caminhada da Igreja sempre esteve voltada para a saúde do povo. Às vezes de forma mais organizada, outras vezes, impelida espontaneamente pela força do amor ao próximo provado pela doença. Mais recentemente, em 1976, a Igreja do Brasil retomou com novo entusiasmo e maior preocupação o tema da saúde do povo brasileiro, entendida como “serviço de valor eminentemente evangélico”. CRB e CNBB articularam-se num trabalho integrado, do qual surgiram “experiências concretas de Saúde Comunitária, em todo o território nacional”. Congressos, encontros, cursos de administração da saúde, cursos de formação de agentes da saúde e de ministros dos doentes etc. também são algumas das inúmeras realizações dignas de louvor e imitação. Este Congresso de Pastoral da Saúde – já o XII-, promovido pelos Padres Camilianos e pela arquidiocese de São Paulo, é fruto deste esforço conjunto em prol da causa da saúde de nosso povo, como forma visível de viver o Evangelho, hoje O I encontro Nacional de Pastoral da Saúde, em 1986, enfatizou três níveis de ação da Pastoral da Saúde: a Pastoral Institucional, que atuaria mais especificamente junto às instituições oficiais e particulares; a Pastoral Comunitária, que procuraria despertar as potencialidades populares de forma organizada; e a Pastoral dos Enfermos, que se voltaria para um trabalho de orientação hospitalar e domiciliar.


Neste terceiro nível de Pastoral, enquadra-se mais adequadamente a Pastoral Paroquial, que tem como seu grande objetivo contribuir para a promoção, prevenção e recuperação da saúde de todas as pessoas da comunidade paroquial, para que tenham vida em abundância, e assim se concretize o reino de Deus no mundo. Pastoral Hospitalar – Se é verdade que ainda encontramos hospitais que, antes de serem guardiões da saúde da comunidade, são simples empresas comerciais de alta rentabilidade, é verdade também que muitos deles, compenetrados de sua missão evangelizadora, se empenham em atender aos anseios psico-espirituais do doente internado, que, juntamente com a saúde do corpo, busca também matar sua sede do infinito, sede esta que o ambiente hospitalar não abafa, mas torna mais sensível e forte. Se, nos primeiros, a Pastoral da Saúde pode encontrar sérias barreiras, nos segundos, as dificuldades costumam ser bem mais reduzidas. O hospital é uma instituição extremamente complexa, em termos de equipamentos sofisticados, diversificação de funcionários e profissionais liberais, horários de funcionamento, situações de tensão constante e, às vezes, incontroláveis etc., que exigem uma metodologia pastoral diferente, adaptada e humanizada. É preciso muita persistência e perseverança. Os frutos nem sempre são imediatos. Acontecem mais a médio e longo prazos. Nos organogramas hospitalares raramente aparece como serviço relevante a Pastoral da Saúde. Muitos administradores entendem a Pastoral da Saúde como atividade de religiosos, coisa de Igreja. Outros vêem a Pastoral da Saúde como instrumento valioso de humanização do hospital. O certo é que tanto a implantação da Pastoral da Saúde, como seu crescimento tornam-se fáceis no hospital, quando o mesmo tem consciência de que nele se aloja grande parte dos elementos que constituem o objeto da Pastoral da Saúde, que são: os doentes e os profissionais da área da saúde. A Pastoral da Saúde no hospital é o Serviço Religioso, normalmente realizado pelo capelão e sua equipe de trabalho. Não o capelão que apenas celebra missa e confessa alguns doentes, o capelão preocupado com os sacramentos, mas o capelão preocupado com a pessoa do doente e suas situações: o doente arrebentado pelo dor, amedrontado pela possibilidade de uma cirurgia, angustiado pela falta de dinheiro para pagar a conta do hospital, exames e remédio. O capelão que motiva e orienta sua equipe de trabalho e que a ajuda a ser fermento na massa. A Pastoral da Saúde no hospital só tem sentido quando marca presença, presença amiga, fraterna e cristã. Quando é bíblica, litúrgica, eucarística, ecumênica, humana. Quando é Evangelho vivo, Evangelho testemunho. Pastoral Paroquial – É de certa forma a complementação da Pastoral Hospital. Nas Paróquias, encontramos pessoas que gostam e têm o costume de visitar doentes, especialmente entre legionários de Maria e senhoras do Apostolado. Encontramos também muitos sacerdotes dedicados, sumamente atenciosos para com os doentes de sua Paróquia. É um trabalho de Pastoral da Saúde espontâneo e evangélico, mas ainda não claramente organizado. Entendemos que sua importância é tamanha e sua atuação tão vasta que merece ser um serviço devidamente organizado. Em muitas Paróquias, a Pastoral da Saúde está resumida na atuação centralizada do pároco. O pároco é a Pastoral da Saúde da Paróquia. Em outras Paróquias, a Pastoral da Saúde está por conta de algumas pessoas que se encarregam, de avisar o pároco para levar a comunhão a algum doente isolado. É uma pastoral pulverizada, solta e sem qualquer linha


organizada de ação. Em outras Paróquias, ainda, a Pastoral da saúde existe, mas não é uma Pastoral da Saúde viva e transformadora dentro da Paróquia. Não concretiza o Reino de Deus na comunidade em que atua. É urgente que não só nos hospitais, mas também nas Paróquias, a Pastoral da Saúde seja um serviço planejadamente estruturado e bem organizado. A Pastoral da Saúde é certamente uma das pastorais mais evangélicas e mais necessárias ao povo sofrido de Deus, hoje. Ela é concreta e transformadora. Feliz a Paróquia que pode contar com este serviço, que, enquanto zela pelos doentes marcados pela dor, promove a saúde nos lares, fazendo de cada cristão um agente da saúde e da vida, concretizando o reino de Deus nos corações! A Paróquia Nossa Senhora Consolata A Paróquia Nossa Senhora Consolata é uma das paróquias da Zona Note, em São Paulo. Está situada entre os bairros de Santana e Casa Verde, e é cortada por 70 ruas e duas avenidas: Braz Leme e Casa Verde. Sua população, número de famílias e principais recursos são os seguinte: aproximadamente 20 mil habitantes distribuídos em 4 mil famílias de classe média alta, média (média) e média baixa; cinco farmácias; duas clínicas (geral e cardiológica); três escolas (duas oficiais e uma particular); uma creche (Prefeitura), igrejas (Católicas, Evangélicas, quadrangulares, Testemunhas de Jeová e um centro espírita); três panificadoras; um supermercado; um clube (Amigo do Jardim São Bento) uma Delegacia de Polícia (13ª); duas indústrias (Riachuelo e Elka); uma firma de vigilantes, e, ainda, a Casa Provincial do Padres Missionários da Consolata, a cuja congregação pertence o pároco, Pe. Eugênio Butti.

Como nasceu Trabalho preliminar – levados por certa inquietação apostólica, sentimos como leigos engajados, que a Pastoral da Saúde poderia vir a ser uma nova força em nossa comunidade. O trabalho das senhoras do Apostolado da Oração, visitando alguns doentes e acompanhando o sacerdote na ministração da comunhão aos mesmos, já era alguma coisa, mas a comunidade paroquial estava a reclamar um trabalho de maior profundidade e mais organizado. Guiados pela luz do espírito Santo de Deus, entregamo-nos à tarefa de conscientização dessa idéia durante o período de aproximadamente três anos. Foi quando o pároco recebeu da Arquidiocese uma circular solicitando que a Paróquia enviasse alguém para participar do Curso de Ministro dos Doentes, a cargo do Pe. Julio S. Munaro, camiliano, Indicado para freqüentar o curso, vivemos com alegria a experiência do mesmo, até o final de 1986. Foi quando houve a mudança do pároco. O novo pároco reuniu as lideranças da comunidade para um “encontrão” (com duração de três domingos), com o objetivo de estudar as linhas da ação pastoral da Igreja no Brasil. Na conclusão do encontro, foram votadas as prioridades pastorais, sendo a Pastoral da Saúde indicada como uma das três primeiras a serem organizadas (Família, Juventude e Pastoral da Saúde).


Escolhidos por unanimidade como casal coordenador, demos início às atividades de formação da equipe de trabalho. Consultamos vizinhos, conhecidos, amigos, dando preferência a pessoas desvinculadas de outras pastorais, motivando-as para formar fileira conosco e a participar de nossa primeira reunião. Integrantes da equipe – Na primeira reunião da Pastoral, nossa equipe já contava com nove elementos: Na segunda, passou para 18 e, na terceira, já éramos 30 elementos. Hoje, nossa equipe ainda é constituída de 30 pessoas, assim discriminadas: homens, quatro (13%), mulheres, 26 (87%). Fazem parte da equipe três casais. Um dos casais coordena a equipe. Doze elementos da equipe já fizeram o Curso de Ministro dos Doentes no lago São Francisco, no decorrer destes quatro anos. Seis destes ministros foram escolhidos pelo pároco para exercerem as funções de ministros da eucaristia. O pároco participa da equipe como responsável último, animador e orientador das atividades da Pastoral da Saúde da Paróquia. Principais atividades – A primeira reunião contou com a presença do pároco, que enfatizou a importância desta nova Pastoral e de seu papel evangelizador junto à comunidade. Foram estabelecidas diretrizes de ação e distribuídas tarefas para cada agente, como: descobrir mais doentes, trazer mais elementos para a equipe, idealizar modelos de ficha cadastral e outros mapas demonstrativos. A segunda reunião trouxe uma série de resultados complementares. As principais atividades desta Pastoral em nossa Paróquia podem ser resumidas nas seguintes: a) reunião mensal, toda última terça-feira de cada mês, para integração e formação do grupo e programação de atividades e troca de experiências; b) Missa mensal pelos e com os doentes e idosos da comunidade, com a participação dos integrantes da Pastoral da Saúde, dos familiares dos doentes; c) Visitas domiciliares (quem, quando, como); d) Visitas do sacerdote ao doente e sua família; e) Preparação da ida do padre à casa do doente para atender às necessidades espirituais do mesmo; f) Intercâmbio com o Serviço Religioso do hospital quando da internação dos doentes; g) Presença afetiva e freqüente do agente na casa do doente, no hospital e no velório, em caso de falecimento; h) presença amiga do agente por ocasião do luto da família do doente assistido pela Pastoral da Saúde; i) facilitar a presença do pastor no caso de doentes de outras confissões; j) manter contato telefônico freqüentes com a família do doente; k) envolver a comunidade nos grandes temas da doença, de dor, da saúde e da vida; l) levar a comunidade a tomar consciência de seus direitos e deveres quanto à sua saúde e melhores condições de vida; m) ajudar as pessoas a assumirem a responsabilidade de sua própria saúde e de seus irmãos; n) difundir a leitura do Boletim ICAPS junto às famílias da Paróquia;


o)

promover celebrações anuais, como a Missa Anual da Saúde, com pregação apropriada, e a Unção comunitária dos Enfermos (doentes e idosos) como forma dinâmica de evangelização; p) encaminhar doentes aos postos, clinicas e hospitais, e orientá-los na utilização de ambulâncias; q) apresentar à comunidade relatório de atividade e fichário atualizado dos doentes etc. Objetivos alcançados – Desde o início de suas atividades, a Pastoral da Saúde de nossa Paróquia procurou traduzir em realidade os 10 objetivos específicos traçados pelo I Encontro Nacional da Pastoral da Saúde, de 1986 que são: 1º conscientizar o povo sobre seus direitos à vida e sobre seus deveres de lutar por condições dignas de viver (terra, trabalho, salário justo, habitação, alimentação, lazer e transporte, educação e saneamento básico); 2º ajudar o povo a ser agente de sua saúde (e não objeto); 3º capacitar o povo para desenvolver ações básicas de saúde, formação de agentes de Saúde indicados pela comunidade; 4º organizar o povo a reivindicar seus direitos; 5º articular a saúde comunitária com postos de saúde, hospitais e escolas; 6º recuperar e revalorizar a sabedoria popular, a sua fé e a sua religiosidade; 7º centrar todo esforço na educação transformadora, a partir da comunidade, sob o critério de três dimensões: justiça, solidariedade e mística (interligadas); 8º preparar agentes de saúde para anunciar a Boa Nova ao homem, diante do confronto com o sofrimento, a doença e a morte; 9º proporcionar assistência espiritual aos enfermos internados e a domicílio; 10º relacionar-se com instituições (ministérios, Secretárias, Hospitais, escolas, Editoras) que exercem atividades ou tomam decisões no campo da saúde, a fim de defender junto a elas os direitos da comunidade. Apesar do empenho de toda a equipe, reconhecemos não temos sido capazes, ainda, de atingir os 10 objetivos propostos. Acreditamos, porém, ter conseguido concretizar, no todo ou em parte, ao menos os objetivos de número 2, 3, 5, 8e 9 indicados. Nosso esforço será o de atingir gradativamente os 10 objetivos específicos de uma Pastoral da saúde realmente eficaz. Novas metas – A Pastoral da Saúde da Paróquia Nossa Senhora Consolata tem à sua frente novas metas que se propõe atingir, entre as quais gostaríamos de enfatizar: 1ª setorização da Paróquia e aumento de número de equipes de trabalho; 2ª programação de horário de expediente de Pastoral da Saúde nas dependências da paróquia. 3ª orientações para uso de recursos em saúde (posto, centros de saúde, hospitais, pronto-socorro, ambulâncias etc. 4ª atuação junto à domésticas, vigilantes e peões de obras; 5ª cursos de educação sanitária, alimentação, enfermagem no lar etc.; 6ª Missas e celebrações na casa dos doentes, como preparação e vivência dos momentos fortes da liturgia.


Como implantar e organizar a Pastoral Apresentamos, a seguir, um roteiro sintetizado contendo as principais etapas ou passos, julgados úteis e importantes na organização da Pastoral da Saúde na Paróquia. 1º - Conhecer a realidade – antes de qualquer pretensão, é necessário conhecer com alguma profundidade a verdadeira realidade da Paróquia população, níveis sociais, ruas, escolas, clínicas, hospitais, igrejas, farmácias, creches, padarias e especialmente recursos humanos disponíveis). 2º- Trabalhar a idéia – Qualquer iniciativa, por melhor que seja, deve se trabalhada junto à comunidade a que se destina, através de contatos com lideranças, reuniões, encontros, missas etc. A Pastoral da Saúde na Paróquia é uma iniciativa extraordinária, mas não pode chega repentinamente e nem ser posta em prática sem amadurecimento prévio. A idéia deve ser apresentada às lideranças da comunidade e aos responsáveis por outras Pastorais, e colocada respeitosamente ao próprio pároco – onde for o caso – para que, no momento oportuno, ela desponte da própria comunidade como uma de suas prioridades paroquiais. 3º- Aproveitar os recursos da comunidade – É fundamental que a equipe de Pastoral da Saúde conte com elementos diversificados (senhoras do Apostolado, legionários de Maria, voluntários, atendentes, jovens, operários, domésticas, assistentes sociais, professores, dentista, enfermeiros, nutricionistas,médicos, religiosas e outros) e que utilize todos os recursos da comunidade, como postos, clinicas, farmácias, clubes,escolas, panificadoras etc., para o bom desempenho das atividades que se propõe realizar. 4º- Constituição da equipe e escolha da coordenação – A constituição da equipe e a escolha de um coordenador (es) (ou casal) são medidas da maior relevância na implantação de um trabalho que pretenda começar de forma organizada. A determinação do número de elementos da equipe cabe ao próprio grupo. 20, 25, 30 pessoas parece ser um bom número. 5º- Encontro inicial (primeira reunião) – A primeira reunião de Equipe visa apresentar claramente o conceito e os objetivos da Pastoral da Saúde na Paróquia, principais linhas de ação da equipe, organização do cadastro de doente, divisão de tarefas, ata da reunião etc. 6º- Segundo encontro – Na segunda reunião da equipe, passa-se à elaboração do fichário dos doentes da Paróquia, organização de visitas, programação de confissões e formação de pequenos grupos que acompanharão o ministro da Eucaristia ou o sacerdote para a comunhão (mensal) do doentes. 7º- Reunião mensal de formação e programação de atividades – Aconselha-se que a equipe se reúna mensalmente, em dia da semana fixo (exemplo: toda última terça-feira do mês), com a dupla finalidade: de formação interior e crescimento espiritual do grupo e de programação de atividades, como revisões, dificuldades,novos contatos, sugestões, preparação da Missa mensal dos doentes etc. A reunião não deverá ultrapassar o horário de uma hora. 8º- Missa mensal dos doentes e da saúde – A Missa mensal dos doentes é uma forma de congregar os elementos da equipe e manter acesa na comunidade a chama da Pastoral da Saúde. A equipe da Pastoral prepara a Missa dentro do tema saúde. A Missa


pode terminar com a bênção individual e a imposição das mãos aos doentes e às pessoas da comunidade que o desejarem. 9º- Missa anual dos doentes – A Missa anual dos doentes, celebrada no domingo mais próximo da Festa de São Camilo (14 de julho), é uma excelente oportunidade para envolver a comunidade nos temas doença, saúde e vida, e no esclarecimento de seus direitos e deveres em prol de melhores padrões de vida do povo. Esta Missa deve ser longamente preparada, e é bom que o convite de participação seja extensivo às Pastorais de Saúde das paróquias vizinhas. 10º- encaminhamento de elementos da equipe (ou outros) para cursos de formação de agentes – A equipe será tanto melhor quanto maior for a formação de seus integrantes. Será necessário que participem de cursos de formação de agentes de Pastoral, ministros dos doentes, da Eucaristia e outros, visando a solidificação e atualização do grupo, e garantindo a eficácia das atividades que o mesmo se propõe desenvolver na comunidade. 11º- Outras atividades – A Pastoral da Saúde procurará ainda desenvolver outras atividades e utilizar outros recursos que facilitem a consecução de seus objetivos, como:  mapas demonstrativos das principais atividades realizadas no mês;  relatório anual de atividades;  organização de uma pequena biblioteca específica em saúde;  obtenção de audiovisuais que tratem de assuntos relativos à saúde;  preparação da celebração comunitária da Unção dos Enfermos aos doentes e idosos;  palestras periódicas trazendo especialistas em temas de saúde etc. 12º- Equipe de retaguarda – Este grupo de pessoas (doentes, familiares e voluntários de todos os níveis), apóia e sustenta o trabalho de vanguarda da equipe de Pastoral, com sua oração, sofrimento e oblação em prol da causa de saúde. A equipe de retaguarda é tão ou mais importante que a própria equipe que atua na linha de frente, na minoração da dor e na promoção evangélica da saúde junto aos irmãos. Relato da experiência do casal Prof. Dario Paterno e da Enf. Tereza Faria Paterno, casal coordenador da Pastoral da Saúde da Paróquia Nossa Senhora Consolata, na Zona Note, em São Paulo. Apresentação feita no XII Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde, em setembro/91, em São Paulo.

O público e o privado A distinção do privado e do público domina a ética social: os interesses puramente individuais recebem limitações do direito das outras pessoas da comunidade. Esta deve proteger seu bem público, necessário ao bem-estar e à sobrevivência da coletividade. Quando andamos pelas ruas das grandes cidades, por vezes nos damos conta da facilidade com que alguns indivíduos invadem o passeio da rua (para não falar em praias), numa apropriação particular que açambarca um espaço que é de todos, a ponto, eventualmente, de desnivelar o terreno a fim de valorizar a abordagem da casa ou aumentar sua área de serviço. O apagamento das fronteiras entre bem público e propriedade privada constitui uma chaga corruptora das práticas políticas: verbas públicas e cargos administrativos são tratados como posse patrimonial do político que os usa em proveito para si mesmo ou para


a família, para os amigos ou para os cabos eleitorais. “Se se deseja ao mesmo tempo a lei e a transgressão, não há mais nem lei nem transgressão. Se a perversão é a norma, não há mais perversão. Entra se na perversão generalizada” (Phillippe Sollers). Têm essas fronteiras alguma relevância no campo da saúde? Têm. 1) Primeiro em nível político, como já comentamos e acabamos de lembrar, porque boa parte dos serviços de saúde são financiados através de contribuições públicas, patrimônio comum e não propriedade de seus administradores. 2) Diante de doenças reputadas contagiosas, há milênios que as sociedades regulamentaram de uma maneira ou de outra o relacionamento dos suspeitos com as outras pessoas: da antiga peste, muito mencionada na Bíblia, até o presente surto de cólera, a liberdade individual encontra limites. 3) essa regulamentação, secularmente destacada para as doenças sexualmente transmissíveis, adquire particular importância frente à atual expansão da AIDS. 4) a recente conscientização ecológica evidencia a solidariedade dos cidadãos na nação e das nações no globo terrestre, solidariedade que impõem restrição ao capricho individual, na nação, e – por que não reconhece-lo? – à soberania nacional no concerto da humanidade. No preparo de Eco-92, percebe-se que o Brasil entende usar o evento carioca para cobrar politicamente das outras nações e que outras nações entendem despertar maior responsabilidade por parte dos detentores de bens que têm certo impacto mundial. Seria surpreendente que a posse dos dois terços da Amazônia não comportasse uma responsabilidade natural e culturalmente embutida. Esperamos que haja objetividade de parte a parte: valores sanitários comuns e objetivos são implicados. Ao refletirmos sobre a distinção entre o privado e o público, não se pode negar uma evolução cultural e histórica no tocante dos limites e da consciência deles. Vale a pena perceber o porquê de certas dificuldades. A modernidade puxa aos poucos a religião e a ética na área privada da livre escolha, quando na realidade religião e ética não deixam de repercutir no social. Religião e ética, de certo modo, decorrem, para cada um, das suas convicções acerca da fundamentação da dignidade do se humano e de seu destino. Na modernidade, questão de fé é opção individual. A ética, porém, para focalizar aqui apenas seu conceito, não deve ser abordada unicamente pelas motivações da convicção individual, porque os comportamentos decorrentes de opções éticas perpassam toda a existência e acarretam conseqüências sociais, assim como modificação na natureza, que condicionam também os outros. Fala-se em livre opção de comportamento sexual, mas o impacto de tais opções sobre a sociedade não pode deixá-la indiferente. Em cada tipo de opção, de ação, os abusos da liberdade trazem decorrências negativas que deveriam desencadear o sistema imunológico da sociedade. A generalização da fraude e da corrupção, por exemplo, consubstancia uma verdadeira AIDS que castiga o corpo social indefeso. Por que seu sistema imunológico não está reagindo, ou tão pouco? Certo individualismo exprime uma legítima proteção pessoal, mas o individualismo, mesmo no campo religioso ou ético, nunca pode ser irrestrito e absoluto. Se condenações radicais do individualismo são improcedentes e irrelevantes, nosso condicionamento ecológico e social impõe maior responsabilidade no discernimento entre as áreas privadas e as áreas públicas. O setor público, em âmbito nacional, e o “resto do mundo”, em âmbito internacional, não constituem áreas que em nada nos diriam respeito. Esta solidariedade além das fronteiras exíguas de nossos quintais é óbvia no campo da saúde: estamos respirando o gás carbônico rejeitado pelo escapamento dos carros dos vizinhos e dos ônibus municipais, e estamos comendo produtos cuja composição escapa à


nossa capacidade de averiguação. As fraudes do INSS deveriam suscitar repulsa ativa que impeça seu prosseguimento. O radicalismo de certa retórica condenatória não compensa o afrouxamento do sentido de justiça. A língua portuguesa dispõe de um termo muito feliz para designar um órgão público de serviços comunitários: a Repartição. O ato da Repartição significa o partilhar dos encargos e prestações prestados pela comunidade política em determinado setor, assim como o lugar desta operação de justiça e solidariedade. O pior acontece, segundo o ditame, quando ocorre a perversão do melhor: no caso, quando a “partilha” se efetua em proveito exclusivo dos funcionários da entidade ou de qualquer outro grupo de privilegiados. Por enquanto, o sujeito comum é condenado a fazer seu mel do conceito de “soberania” individual: “privado” significaria o espaço de seu completo arbitrário; “público” apontaria o que o Estado lhe deve, num espaço que os movimentos reivindicatórios entendem alargar indefinidamentes em compensação. Tal imediatismo dificilmente chega à moralidade porque a saúde do domínio público é tecida, dia após dia, pelas fidelidades éticas particulares, Num ambiente público onde crescem as contaminações, como haveria clima para desabrochar da saúde individual? A visualização ecológica do problema, onde Deus não interfere, mas onde apenas interferem potencialidades naturais, nos ajudará provavelmente a superamos a “lei de Gerson”, o maquiavelismo de levar sempre vantagem, ao admitirmos que os eventos costumam seguir certas lógicas nada arbitrárias, que a solidariedade entre os seres humanos não é menor que seu condicionamento pela natureza. Por tudo isso, verifica-se a perfeita continuidade e osmose entre os ethos (nível ético médio duma sociedade), em ilusória fase de privatização, e a prosperidade pública. Aos que sugeriam nova lei com vistas ao respeito do domínio público, responde-se que o estatuto do funcionalismo público já proíbe que os servidores aceitem favores. O remédio a um formalismo jurídico viciado pela inadimplência não consiste num reforço do mesmo. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista.

Suicídio: desafio para a Pastoral Por suicídio, entende-se a ação mediante a qual alguém se inflige a própria morte, por um ato ou pela omissão de alguma coisa que conserve a vida. As causas podem ser múltiplas: desastre grave, enfermidades incuráveis, fracassos econômicos, conflitos emocionais, depressão, entre outros fatores. Segundo a Organização Mundial de Saúde, acontecem cerca de mil suicídios por dia, no mundo, e quase um milhão por ano. Para os países pobres, é mais difícil termos dados estatístico confiáveis. Para os países ricos, o suicídio é uma das principais causas, de morte na faixa etária de 15 a 44 anos. Em Berlim Ocidental, por exemplo, o suicídio é a primeira causa de morte a segunda em países como a Bélgica, Dinamarca, Japão, Canadá e Áustria, e a terceira na Austrália, França e estados Unidos da América. As mulheres tentam o suicídio três vezes mais freqüentemente que os homens, e escolhem meios menos letais, como pílulas para dormir, venenos ou corte dos pulsos. Os homens escolhem meios mais “eficazes”, como armas ou enforcamento.


O suicídio pode acontecer mais de uma vez no seio de uma família, mas não é algo hereditário. Ultrapassa as fronteiras de raça, religião e grupo sócio-econômico. Entre os profissionais, os psiquiatras e dentistas são os que têm a mais alta taxa de suicídio. Os idosos lideram as estatísticas nos EUA. As madrugadas e os fins de semana são os tempos mais comumente escolhidos para os suicídios. Perspectivas histórico-religiosas – Historicamente, a atitude da sociedade em relação ao suicídio variou da admiração à hostilidade, punição e irracionalismo de superstição. A religião, através da história, desempenhou um papel importante na formação de atitudes perante o suicídio. Biblicamente, nem o Antigo e nem o Novo Testamento proíbem ou condenam o suicídio. Existem seis exemplos de suicídio no Antigo Testamento e um no Novo (e de Judas). A posição oficial da Igreja foi definida por Santo Agostino e, mais tarde, por São Tomás de Aquino, vendo o suicídio como algo pecaminoso. Basicamente, essa posição sustenta que a vida pertence a Deus, e somente ele pode tomá-la. Trata-se de uma transgressão ao quinto mandamento (“Não matarás”). As conseqüências eram que os suicidas eram privados da “visão beatifica” e condenados ao inferno. Recusavam-se aos suicidas os ritos funerais e, nos cemitérios, eram enterrados separadamente dos demais. Atualmente, o suicídio não é visto exclusivamente como um problema moral, mas como uma questão de saúde mental. Especialistas no assunto acreditam que os suicidas, em sua maioria, são compulsivos e irracionais. Aqueles que tiram a própria vida estão perturbados emocionalmente, e agem compulsivamente, ou então a percepção da realidade está tão distorcida pela angústia que a liberdade está profundamente comprometida. Conseqüentemente, embora o ato do suicídio seja objetivamente mau, as circunstâncias individuais podem torna-lo subjetivamente isento de culpa. Não podemos falar de responsabilidade, então. O desafio é promover uma atitude de compaixão e compreensão, antes que atitudes de julgamento e condenação. Muitas Igrejas são sensíveis às necessidades pastorais da família, proporcionando ritos religiosos significativos, que tornam presentes aos parentes o carinho da comunidade de fé. Ninguém tem o direito de condenar a pessoa que se suicidou. O julgamento deve ser deixado a Deus. A fé cristã fez ver que Deus é misericórdia. O convite é para confiar nele, que conhece os recessos de nosso coração e cujo amor e compaixão são infinitamente maiores do que podemos imaginar ou compreender. Como conviver com a dor da perda? – A dor da perda de alguém por suicídio é uma das mais difíceis experiências da vida. Quando alguém morre, já idoso, ou porque tem câncer, por exemplo, ou num acidente, dizemos: “Era esperado!”, “é tão triste!”, “é tão trágico!”. Mas, quando alguém se suicida, dizemos “Que vergonha!”. Morrer pelas próprias mãos tem implicações diferentes de morrer por causas naturais. As outras mortes levam os que ficam a se revoltar contra a sorte, Deus ou o destino. Quando o suicídio acontece, os parentes, por vezes, se revoltam conta o ente querido, ou mesmo contra si mesmos. “Eu criei esta criança... Por que ela fez isto comigo?”. “O que eu fiz de errado?”. A recuperação de quem passa pela experiência da perda de alguém por suicídio é uma tarefa monumental, longa, lenta e penosa. O caminho da recuperação exige aceitação dos sentimentos, resgatar forças interiores e desenvolver atitudes positivas em relação ao passado, presente e futuro. A jornada da cura começa com pequenos passos. Eis alguns:  aprender a conviver com questões sem respostas – A presença dos porquês nunca resolvidos é uma constante. As pessoas que se suicidam levam com ela, freqüentemente, o mistério de sua vida e de sua morte. É


necessário deixar de lado os porquês, aceitar o que aconteceu e continuar a viver;  dar espaço e tempo para as memórias dolorosas – Somente lidando com elas, surgirão também as lembranças boas;  reconhecer os sentimentos de raiva – Nunca ficamos com raiva de alguém que não amamos. A raiva não é o oposto do amor, mas uma dimensão dele, sinal de um amor profundamente ferido;  transformar culpa em perdão – A cura acontece quando descobrimos que não podemos julgar o ontem com o conhecimento de hoje, que somente o amor não é suficiente para salvar a vida de alguém, existem limites de força e responsabilidade;  aceitar a solidão – A solidão é o preço que pagamos por amar. Ela pode ajudar a descobrir a profundeza do amor e, a partir disso, tornar-nos mais sensíveis à perda dos outros;  reconstruir a auto-estima – O suicídio abala profundamente a auto-estima, as pessoas se sentem julgadas pela comunidade por terem falhado.Sentem o suicídio como uma desgraça, uma desonra;  ser paciente consigo mesmo – Utilizar o tempo em algo positivo;  ir ao encontro dos outros – Colocar a ferida, a sensibilidade para os outros é a chave para ajudar-se a si próprio. O suicídio deixa marcas profundas. Ninguém se suicida por prazer. Atrás de cada caso, sempre existe uma história a ser acolhida e compreendida. Leo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo .


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