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Direitos da Criança e do adolescente A CNBB, através de seu Setor Pastoral Social, publicou um folheto sobre os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares. Por sua oportunidade e importância para a ação pastoral, transcrevemo-lo a seguir: 1. Introdução. Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, como os Conselhos Tutelares, são um poderoso instrumento de participação da sociedade civil organizada para a melhoria do atendimento, a garantia e a defesa dos direitos da infância e da juventude. A Constituição Federal, do art. 204, prevê que as ações governamentais,na área da Assistência Social, devem ser organizadas com base nas seguintes diretrizes: descentralização político-administrativa e participação da população por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações, em todos os níveis. Conselhos de Direitos. A Lei Federal 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, dentro do espírito da Constituição Federal, prevê, no art. 88-I, a “municipalização do atendimento”, e prescreve, no inciso II do mesmo artigo, a “criação de Conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente...” O município é a base fundamental do processo democrático, através da participação da sociedade civil organizada. O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, enquanto instância local, é o núcleo fundamental de formulação da política de atendimento e do controle das ações. É no município que o cidadão sente as suas necessidades. Portanto, é nele que devem ser tomadas as decisões fundamentais para a melhoria do atendimento e a defesa dos direitos da criança e do adolescente, sempre levando em conta a realidade local e as peculiaridades próprias. A criança dos Conselhos de Direitos deve acontecer, pois, em todos os municípios do território nacional. a) As principais funções do Conselho de Direitos são: Deliberar – Compete do Conselho formular o plano de ação para as políticas de atendimento de direitos, garantir no orçamento o seu cumprimento e emitir resoluções e deliberações deles decorrentes; Fiscalizar o cumprimento do plano de ação e o destino das verbas no município; Controlar as ações para que as políticas sociais básicas atendam aos direitos fundamentais da criança e do adolescente; Cadastrar as entidades de atendimento; Gerenciar o fundo financeiro oriundo de verbas públicas, de doações subsidiadas, de multas e dos Impostos de Renda de pessoa físicas e jurídicas (ECA, art. 260). 2.

b) Composição. A composição se faz de forma paritária: a metade dos membros será indicada pelo órgão governamental e a outra metade será proposta pela sociedade civil organizada, a partir de lei municipal. 3.

Conselho Tutelar – é um órgão permanente e autônomo,não jurisdicional.


Permanente, deve desenvolver uma ação contínua e ininterrupta. Autônomo, delibera e age sem interferência externas; Não jurisdicional, não lhe cabe apreciar e julgar os conflitos de interesse (estas questões são pertinentes ao Ministério Público e à Justiça da Infância e da Juventude). a) Sua finalidade é “... zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (arts. 4º e 141 do ECA, art. 227 da Constituição Federal). Enquanto o Conselho de Direitos tem o encargo de traçar a política de atendimento no Município, ao Conselho Tutelar compete o atendimento direto das crianças e adolescentes para as questões sociais. Sempre que os direitos reconhecidos em lei forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, devem ser garantidas as medidas de proteção. Propõe medidas em relação: às crianças e adolescentes; aos pais e responsável; as entidades e atendimento; aos serviços públicos. b) Composição. Haverá pelo menos um Conselho Tutelar, composto de cinco membros, em cada município. Os conselheiros serão do município, escolhidos pela comunidade, para atender às crianças e adolescentes da localidade. Torna-se evidente a necessidade de se escolherem pessoas representativas quanto ao relacionamento com criança e adolescente, com as entidades e autoridades e que tenham competência técnica e prática. 4.

Considerações finais. Os Conselhos de Direitos são um espaço adequado de militância cristã para todos aqueles que querem seguir a prática de Jesus, que disse “Quem acolhe um menor a mim acolhe” (Mc 9,37). Garantir os direitos da criança e do adolescente é uma forma de acolhida. A Igreja,no documento CNBB-47 – Educação, Igreja e Sociedade (30ª Assembléia Geral, Itaici, SP, 29/4 a 9/5/92), na pág. 67, recomenda: “Seja incentivada a criação de Conselhos de Direitos, em todos os níveis para garantir as políticas públicas em benefício das crianças e adolescentes”.

Rio-92: ecologia e saúde Rio-92 ou, mais exatamente, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ocorreu de 3 a 14 de junho (com 178 delegações nacionais e, no fim, 117 chefes de Estado ou de governo), foi um acontecimento importante em prol da saúde da humanidade presente e futura. A profusão de informações a respeito nem sempre deixou uma idéia clara das conclusões obtidas, além da incontestável conscientização que promoveu. 1) O primeiro texto assinado (154 assinaturas) é a Convenção sobre as mudanças climáticas, que visa reduzir a emissão de gases e poluentes que geram o efeito estufa, perigosa elevação da temperatura terrestre. Os europeus prometerem unilateralmente reduzir até o ano 2000 suas emissões suspeitas ao nível de 1990, já que não houve acordo sobre os prazos. A OPEP lutou para que a venda de petróleo não fosse restrita por novas imposições, ao


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passo que a voz européia de Jacques Delors sugeriu ao invés a taxação geral da energia, cujo volume de consumo corresponde ao grau de desenvolvimento. Em maio, na reunião preparatória de Nova York, os norte-americanos avisaram que não aceitavam calendário preciso nem normas taxativas a respeito da poluição atmosférica. Em segundo lugar foi assinada pela maioria das nações, não pelos Estados Unidos, a Convenção sobre a biodiversidade, que visa proteger 1,5 milhões de espécies vegetais e animais que ainda escaparam à eliminação humana. A questão que motivou as resist6encias do presidente George Bush foi as decorrências do texto no tocante às biotecnologias que envolvem patentes e direitos. Curiosamente, é precisamente essa reticência dos Estados Unidos que motivou a assinatura dos países em via de desenvolvimento que estavam na defensiva frente ao texto. A França teria apreciado a determinação exata das espécies ameaçadas que se deseja proteger. A Agenda 21 é um catálogo de uma 600 medidas destinadas a promover o “Desenvolvimento Sustentável”daqui ao ano 2000: essas simples recomendações foram facilmente assinadas por todas as nações participantes. A esse respeito, porém, os países desenvolvidos do Note se tinham precavido contra compromissos financeiros, e os países menos desenvolvidos do Sul contra limitações de sua liberdade de ação. John major propôs uma reunião das Organizações não governamentais, para junho de 1993, a fim de avaliar a implementação da Agenda 21. Declaração. As nações possuidoras de grandes florestas (Brasil, Malásia, Indonésia) conseguiram fazer abortar a convenção projetada sobre as florestas, que teria limitado o arbitrário nacional. Declarou-se apenas que era oportuno e necessário protege-las. Declaração do Rio ou Carta da Terra. Trata-se da proposição de 27 grandes princípios, supostos consubstanciar a filosofia do “Desenvolvimento Sustentável”(sustainable development) no seguimento do relatório da Comissão Brundtland que motivou a Eco-92. Repara-se o princípio segundo o qual o autor duma poluição ou degradação ambiental tem que pagar por sua restauração ou compensação, mas os americanos e japoneses não escondem que freiam as implicações de tais princípios no que lhes dia respeito. Decidiu-se criar uma modesta Comissão para o Desenvolvimento Sustentável. Em dependência da Comissão Econômica e Social das Nações Unidas, ela mesma diretamente subordinada à Assembléia Geral. Entre os projetos que chamaram a atenção: uma convenção sobre os desertos foi em princípio aceita, a pedido dos africanos; uma convenção sobre a água foi solicitada pela França; uma convenção


sobre o clima dói solicitada pela Alemanha. Outro problema inquieta muitos peritos, mas não foi oficialmente debatido, a explosão demográfica. Por não pressionar o Brasil como prioridade no futuro imediato, essa questão está geralmente silenciada entre nós,mas é apontada por personalidades competentes como o perigo número um do futuro da humanidade, após o afastamento, provisório ou não, da ameaça nuclear bélica. O presidente do Grupo dos 77,notadamente, quebrou o tabu que pesa sobre o assunto. 8) Assinalamos enfim que uma série de verbas foi outorgada ou prometida no tocante aos desafios ecológicos: a Comunidade Européia prometeu 4 bilhões de dólares em cinco anos para a aplicação da Agenda 21; 440 milhões de dólares foram anunciados pelo governo japonês e 250 milhões de dólares adicionais foram oferecidos pelo presidente Bush, a França e a Holanda prometeram consagrar 0,7% de seu PIB aos países em via de desenvolvimento, até o ano 2000, isto é, a partir desta data no mais tardar (os outros países europeus se recusaram a marcar datas). No total, um razoável sucesso coroou os esforços brasileiros. Delineia-se um quadro global, ainda que pouco preciso e constrangedor por enquanto, no qual poderemos pensar os problemas específicos de saúde. N.B. – No Boletim de junho (n.º 90), sob o título “Responsabilidade...”, no fim da primeira coluna, ler “inevitável” em vez de “evitável”; no fim da segunda coluna, ler “uma mulher sem marido sadio e trabalhador, sem saúde...” Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista. Os Religiosos e as instituições de saúde Não se pode aprofundar, reflexivamente, a respeito da ação dos (das) religiosos (as) na instituição hospitalar sem compreender como funciona a instituição na atual conjuntura, e quais os desafios que se apresentam em nome da humanização ou da libertação integral daqui para a frente. A instituição hospitalar, hoje, vive uma conflitividade ética, ideológica e política – pelo menos na maioria gerenciada por religiosos (as). Por que? Creio que, só compreendo suas causas, é que se pode responder; e isto só é possível se entendermos a lógica do modo de funcionar das instituições na sociedade. A sociedade condiciona, determina, por exemplo, a maneira da medicina caminhar. “A medicina... define-se como uma área em tensão, por estar simultaneamente ligada ao processo de expansão do regime do capital, que envolve a universalização da mercadoria, a redefinição das categorias profissionais, a criação de necessidades não satisfeitas, a distribuição desigual dos recursos, a tecnificação do cuidado, e estar ligada aos chamados problemas sociais, em que se afirma a ideologia de ética natural e universal do modo de produção. A isto devemos ainda acrescentar a existência de um ‘poder médico’, que se configura desde a relação médico-paciente, no processo de medicalização, nas diferentes associações profissionais que defendem os direitos deste grupo como se fossem direitos inerentes ao próprio exercício da medicina e, portanto, como o modo de produzir, também naturais e universais”(1).


Pelo fato da estruturação e funcionamento de quaisquer instituições serem determinados pela formação social, a qual é construída por um modo de produção onde o econômico e determinante, o humano-social fica em segundo plano a nível de prioridade. Em outras palavras, toda instituição corre sobre os trilhos do sistema capitalista, pensando a nossa realidade. Por isso, as instituições de saúde vêm-se caracterizando como:  um centro de interesses ideológicos, políticos, econômicos e sindicais mais que uma instituição curativa;  um lugar de trabalho para os sãos mais que um lugar de tratamento para os enfermos;  um mundo de tratamento centralizado no médico mãos que no doente;  uma expressão de técnica e de ciência mais avançada antes que uma realidade humana onde ‘se encontra tempo’ para as pessoas;  um ambiente baseado sobre relações funcionais mãos que pessoais. Pense nos paternalismos abertos e ocultos, nos tratamento em que o paciente é visto como um ‘caso’ interessante ou um ‘número’ mais que uma pessoa;  um lugar que desumaniza a morte em vez de ajudar a morrer com dignidade;  um lugar do mundo do trabalho que não escapa do risco da discriminação, da omissão, do clientelismo etc. Tudo indica que a instituição hospitalar é dinamizada, veiculada pela racionalidade técnico-científica, utilitarista. E, ao ser estruturada por essa lógica funcional, tudo será reinterpretado e valorizado a partir da ótica da efici6encia, produtividade, competitividade, quantatividade e lucratividade. É dentro dessa situação, criada pelo processo da modernidade, que se tem que perguntar: a vida religiosa, o que pode e deve fazer dentro da instituição hospitalar em nome da evangelização? Como testemunhar a solidariedade com os pobres enfraquecidos na tentativa de equacionar serviços de assistência e “serviço de libertação”? Os desafios Em nome da evangelização, a vida religiosa está convocada a ser evangelizadora dentro do processo de modernidade. Processo histórico vivido, construído de idéias, valores, metas, técnicas, que acaba figurando no conjunto uma maneira de (com) viver, trabalhar, crer, sonhar etc. Negar este processo é impossível, tanto pela sua irreversibilidade como pela sua importância estrutural na formação sócio-cultural e política da sociedade. Partindo desta realidade, quais as tarefas que a vida religiosa deverá, impreterivelmente, assumir em nome da opção profética da defesa justa da vida, boa e feliz para todos? A seguir, tenta-se explicar alguns pontos que parecem importantes no presente. Serviço pela humanização – “Humanizar o hospital é reconhecer a identidade dos doentes..., é estimular suas defesas, protege-los do desânimo, do tédio da doença crônica e da angústia da doença aguda” (H. Lepargneur). O que retrata a humanização dentro da instituição hospitalar é a qualidade das relações entre os profissionais da saúde e os enfraquecidos (doentes), e o espaço justo a nível de tratamento, conforto e possibilidade de desejar. Inclusive, a saúde, por não ser resultado apenas de artefato técnico, pressupõe esta


atmosfera. A encíclica Centesimus annus afirma: “Hoje, é claro que o problema não é só oferecer... uma quantidade suficiente de bens, mas de responder a uma exigência de qualidade: qualidade das mercadorias a produzir e a consumir, qualidade dos serviços a ser utilizados, qualidade do ambiente e da vida em geral”. Neste sentido, compreender como, a nível institucional, se trama a relação, por exemplo, entre o conjunto de profissionais e os pacientes é fundamental. Isto é verdade porque a medicina, antes de tudo, “é a concentração de um saber que media a relação entre o sofrimento e o que o alivia nas mãos de um grupo, e a correspondente difusão de um não –saber nas populações que se tornam dependentes diante do sofrimento. (...) Médicos e pacientes encontram-se em relação de troca, em que um é portador de necessidade e o outro de conhecimento. Mas o que o primeiro recebe não é o conhecimento, e sim o cuidado, forma instrumental deste conhecimento monopolizado”. A questão é saber como a troca, a partir do “processo de trabalho” como um “processo de transformação” do necessitado em suas dimensões biológicas, psicológicas..., possibilita uma manutenção, regeneração de “valores vitais”. Enfim, não se pode falar em humanização em vista da humanização e da libertação de estruturas desumanas, quando o trabalho na instituição – através de conhecimentos corporificados em instrumentos e condutas (nível técnico) e uma relação social específica (nível social) – não operacionaliza o cuidado para atender na justiça (pela competência científica, atenção amorosa e serviçalidade honesta) as necessidades específicas (subjetivas e objetivas) dos corpos apresentados. A instituição hospitalar não pode fugir da tarefa em perceber como”no processo de trabalho” funciona o conjunto de relações entre: “os elementos que o compõem, os conhecimentos, as técnicas”, as relações humano-sociais, as necessidades a serem satisfeitas. Logicamente, o conjunto de relações tem que ser orquestrado por princípios como : direitos à vida do ser humano pela promoção de seus direitos inalienáveis: integração humanizadora a partir da dimensão comunitário-solidária; conquista da libertação no trabalho e do trabalho, visando um serviço criativo, livre e humanizador; buscar uma “ética do prazer, da gratuidade, da celebração e da fantasia”, para acabar com toda manipulação, massificação-tecnificação, rotinização... Estes princípios capacitam os servidores à capacidade de ouvir, compreender, dizer a verdade, defende o sofredor, não aceitar a ética da morte. Uma coisa é certa: a primazia do enfraquecido como “eixo de estruturação da instituição hospitala pede e exige que se parta sempre das necessidades subjetivas e objetivas, visando a justiça. Seguindo esta orientação, se poderia falar da instituição hospitalar como uma catedral da saúde”. Mística da esperança e experiência de salvação – Diante do sofrimento, desespero, incerteza, é importante alimentar e testemunhar a mística da esperança. Ela reanima a vida: a continuar crendo, a ser forte nas dificuldades, a se reorientar diante do mistério da morte etc. Só através desta força é que se pode rezar com Paulo: “Gloriamo-nos também nas tribulações, sabendo que da tribulação deriva a paciência; da paci6encia a virtude comprovada; e da virtude comprovada a esperança”. (Rm 5,3ss). A vida religiosa na instituição hospitalar está desafiada a cultivara experiência mística, porque assim a presença de Deus se torna mais intensiva e afetiva, o que possibilitará doar-se com mais generosidade e comunhão com o outro sofredor. E mais. Num ambiente de desesperança, isolamento, a mística será e dará força para reanimar corpos, humanizar convivências, redefinir estruturas e trabalhar esperançosa e honestamente.


Dentro da instituição hospitalar, esta experiência da mística do serviço misericordioso e esperando leva a “buscar e encontrar Deus em todas as coisas” (Santo Inácio), e a ser pessoas “piedosas e dispostas a servir ao doente, não por dinheiro, mas por amor” (São Camilo). No fundo, vivenciar esta ação espiritual “é expor-se ao Deus sempre maior, sempre e nos desinstala e desconcentrar, explodindo nossos conceitos e representações, surpreendendo-nos onde menos esperávamos por ele, impedindo-nos identifica-lo com suas mediações, e fazendo-nos mergulhar na história humana para vivê-la intensamente, pois aí, e somente aí, podemos encontra-lo”. Todo agente da vida diante dessa história (ou desse mundo) atravessada e processada pela secularização, pelo pluralismo e ateísmo prático, pela ética individualista, utilitária e hedonista, pelo consumismo e pelo materialismo, tem que viver e favorecer uma experi6encia de Deus não limitada ao setor religiosos de nossa vida, mas possibilitada “em meio a qualquer atividade, desde que aprendamos por experiência e perceber, interpretar e seguir as moções divinas. Estas nos inspiram a vontade de Deus e nos capacitam a executala. Quanto mais sensíveis formos às moções do espírito em nós, por uma laboriosamente conquistada atitude de escuta, quanto mais competentemente soubermos discernir os movimentos do Espírito em meio às moções nascidas do nosso egoísmo, quanto mais generosos formos em acolhe-los, transformando-os em opções concretas, tanto mais experimentaremos Deus e teremos nossa é reforçada de dentro”. É claro que, na prática, esta experiência é difícil: há que nadar contra a correnteza que dinamiza a lógica de viver, trabalhar e sonhar na sociedade hodierna; lógica que não tem nenhuma alusão ou insinuação com a visão cristã. Devido à emancipação dos diversos setores da vida do ser humano e da sociedade, através da autonomia construída pela “inteligibilidade e normatividade próprias e auto-suficientes”, com base apenas na hegemonia da razão, estes setores funcionarão a partir de valores fundantes, padrões éticos e critérios sócio-políticos sem referência alguma à visão cristã. Isto vem provocando o “divórcio entre fé e experiência”. Entre os atores responsáveis por esse divórcio, que aparecem nas instituições, podese destacar: a) a “própria racionalidade funcional, técnica, visando a produtividade, que deixa fora de seu horizonte grande parte da realidade, tornando o homem de hoje pobre em experiência humanas. A cultura unidimensional tende a deixar de fora experiências gratuitas, estéticas, lúdicas, experi6encias do mistério da vida”; b) “a identificação entre salvação e satisfação pessoal, própria da cultura moderna, dificulta ao nosso contempor6aneo perceber também nas experiências negativas (sofrimento, fracasso, injustiça, morte) experiências de salvação, embora sejam freqüentemente tais experiências que fazem emergir no homem a nostalgia de Deus”; c) incapacidade e temor em interpretar as possíveis experiências salvífica dentro da instituição hospitalar permeada pela mentalidade securalizada, pouco ortodoxa. Para exprimir o cerne-causa da problemática, caberia reafirmar a seguinte afirmação: “o atual pluralismo cultural separou as expressões e as práticas da fé das experiências humanas significativas para os nossos contemporâneos. A crise atual do cristianismo, hoje decorre, em grande parte, dessa ruptura. Na medida em que não se


consegue iluminar, dar sentido e estruturar tais experiências, perde o cristianismo em força, enquanto universo simbólico...”. Esta real situação convoca a vida religiosa dento da instituição hospitalar a fermentar uma experiência salvífica onde Deus surge afetando e determinando a existência concreta. Ou seja: partindo duma pluralidade de experiência humanas reais, o agente da vida, à luz da fé, no espaço de trabalho, deverá fazer emergir o sentido de vida contra experiência anti-vida. Perspectiva crítico-dialogal-construtiva diante do progresso científico-tecnológico – À instituição hospitalar não basta “crescer na caridade, deve crescer também na credibilidade!” Isto, hoje, implica ter (também) capacidade de compreender criticamente, não pessimista e maniqueisticamente, a penetração do fenômeno irreversível do desenvolvimento científico-tecnológico na instituição de saúde. “O considerável progresso da tecnologia investigadora do corpo e terapêutica dos males que o afetam concentrou nos hospitais uma aparelhagem variada e onerosa, cada vez mais sofisticada, que atraiu os doentes fora de casa. Sabemos que a medicalização da vida efetiva-se, cada vez mais, no hospital, do pato aos últimos instantes na UTI, sem termos refletido bastante sobre as causas e implicações deste fenômeno que desestruturou o relacionamento tradicional do doente no seu meio familiar. Em vez de entrar numa crítica radical, provavelmente ineficaz (se ela fosse eficaz, seria contraproducente dum ponto de vista desenvolvimentista) da tecnologia em si mesma... (a vida religiosa) ajudaria mais ao analisar e, quiçá, entender melhor o novo condicionamento da ação concreta”. O magistério já tem sabiamente reconhecido a importância da ciência e da técnica no serviço e promoção do desenvolvimento integral da pessoa humana. O que falta é: a) superar uma visão da Lei Natural fisicista (biologicista), fixista, para se ter critérios fundamentais mais condizentes com a evolução do conhecimento sobre o ser humano, no que diz respeito, por exemplo, à reprodução; b) exercer um questionamento do projeto da modernidade no que tem de dominação. É claro que a postura crítica do magistério quanto a certas experimentações, intervenções terapêuticas, manipulações é útil, válida e necessária. Contudo, “a tecnologia, ou seja, a aplicação sistemática do conhecimento científico a tarefas práticas, não pode determinar nem depender diretamente do fato religioso. Esta, não obstante, por sua ambivalência não pode prescindir de um humanismo, ou seja, de uma colocação ética elementar que o acompanhe sempre, a fim de evitar, na medida do possível, seus perigos e, assim, coloca-la verdadeiramente a serviço do homem”. E mais: a postura de inflexibilidade para reconhecer a importância de certas conquistas, devido à mentalidade casuística e naturista, apenas prejudica a Igreja ser “caminho com os demais viajores em humilde busca da verdade ética, propondo suas convicções mais como diretrizes pastorais, como uma lâmpada para os nossos pés, e não tanto como veredictos indiscutíveis”.(J. Snoek). Toda instituição de saúde que queria trabalhar pela hominização, humanização, visando a libertação integral, não poderá descartar a ciência e a técnica. Isto acompanhado de um sério discernimento quanto à realidade ambivalente e à perigosa supervalorização da ciência e da técnica que não interrogam sobre o sentido humano e social desta mesma ciência e técnica. A constituição pastoral Gaudium etSpes expressa: “Se por autonomia da realidades terrestres entendemos que as coisas criadas e as mesmas sociedades gozam de leis e valores próprios, a serem conhecidos, usados e ordenados gradativamente pelo homem, é necessário absolutamente exigi-la (...) Pela própria condição da criação, todas as coisas são dotadas de fundamento próprio, verdade, bondade, leis e ordens específicas. O homem deve respeitar tudo isso, reconhecendo os métodos próprios de cada ciência e arte.


Portanto, se a pesquisa metódica, em todas as ciências, procede de maneira verdadeira científica e segundo as leis morais, na realidade nunca será oposta à fé: tanto as realidades profanas quanto as da fé originam-se do mesmo Deus”. Do dito fica compreendido que tanto a ciência como a técnica não impedem uma experimentação humanizadora e libertadora da vida; “pelo contrário, visto que ambas podem se consideradas uma colaboração de grande valor que a obra criadora de Deus”, elas podem ajudar a humanidade a co-criar toda criatura e toda criação. “Devemos rejeitar de uma vez para sempre tanto a concepção medieval, sendo a qual a religião dirigia a ciência, quanto a concepção positivista de alguns anos atrás, segundo a qual a religião estava subordinada à ciência”. Em nome do processo evangelizador nas instituições de saúde, há que descobrir como reposicionar-se desde os avanços científicos e técnicos. Fugir desta tarefa-missão é perder a oportunidade de viabilizar uma compreensão clara, crítica e testemunhal no seio da sociedade moderna. Conflito ou conveniência com a “religião econômica”? – O funcionamento da instituição hospitalar obedece a uma lógica proveniente da maneira de funcionar e/ou estruturar própria da sociedade. Esta é regulada e dinamizada pelo mercado, o qual tem a capacidade de äutoprogramação”, “auto-sustentação, auto-equilibração e auto-expansão” – é o todo-poderoso que, inescrupulosamente, trabalha com a lógica da inclusão e da exclusão. Aqui o contabilizado é o poder de competir através da livre iniciativa, a liberdade de comercialização, a ganância desenfreada, a criatividade empresarial produtiva – tudo contribuindo para a maximização do lucro, a sofisticação tecnológica em vista da competição, a “internacionalização da capital e do poder”. Esta realidade invade as instituições, inclusive as instituições reforçam esta mentalidade capitalista, o que torna normal transformar homens e coisas em mercadoria. O que vale é cultivar o “interesse próprio” e a “idolatria do mercado”. Por isso, cresce voluntariamente o “egoísmo ético” (deve-se fazer o que contribui para o bem maior, independente das conseqüências, boas ou más, que tenham para os outros) e a constatação da influência do “mercado total” (tem a hegemonia sobre a totalidade das opções, projetos etc.) nos seio das instituições hospitalares. Daí que os sacrifícios humanos apresentam como exigência. O direito à vida sã, boa e feliz para a maioria não se encontra no primeiro plano; o que importa é a produtividade, o quantitativo, a eficiência, a competitividade. O problema é conciliar o trabalho profético dos (das) religiosos (as) dentro das instituições de saúde que, impreterivelmente, é pressionado para ser regido pela lógica da “religião econômica” – o conflito do deus-capital com o Deus cristão é real e indescartável. Termino com as seguintes preocupações: a vida religiosa nas instituições hospitalares está preparada (científica, psicológica, política e teologicamente) para enfrentar evangelicamente;  a mística, a idolatria e a “mesianização do mercado”?  a “auto-regulação” e “auto-sustentação” do mercado?  O paradigma do “interesse próprio”?  A exclusão diabólica dos pobres enfraquecidos que são considerados inúteis e inaproveitáveis?  O “seqüestro da Boa-Notícia” pelos sacerdotes do sistema?


A privatização e a falta duma política justa, que abandona à sarjeta os sempre de tudo excluídos?

Outros desafios Lanço algumas questões que penso ser, hoje, importantes para serem refletidas pelas instituições de saúde: 1) partindo da perspectiva do Terceiro Mundo, como re-situar-se diante de temáticas como aborto, eutanásia, engenharia genética, métodos contraceptivos etc.? 2) pensando numa administração integrada-integradora, como resocializar o poder de gerência nas instituições hospitalares onde os (as) religiosos (as) são os proprietários e únicos gerenciadores, para que, cada vez mais, os leigos (isto é, funcionários de todos os escalões, equipe médica) entrem responsavelmente no processo de auto-gestão dessas instituições? Como conciliar o conflito entre modelos antropológicos divergentes, opostos, que se refletem na prática dentro da instituição? 3) Em vista duma sintonização com os debates nacionais, regionais, como operacionalizar um compromisso com temas importantes também para a instituição hospitalar, como ecologia, saúde comunitária, municipalização da saúde, corrupção no Inamps, política do governo na área da saúde etc.? 4) Como a instituição hospitalar está contribuindo para a rearticulação do inter-relacionamento entre mercado, sociedade civil e Estado? Luiz Augusto de Mattos, religioso Agostino, pós-graduado em Teologia Moral. O Canto do Magnificat Magnificat é o Canto da Comunidade do Pobres e mostra o motivo pelo qual Jesus se encarnou e a razão da manifestação do Filho de Deus na história. É um canto revolucionário e perigoso. É contra os soberbos, os poderosos e os ricos. Será difícil encontrar na literatura religiosa ou profana um hino em termos tão explosivos. É anterior às Bem-Aventuranças e está escrito em termos fortemente ameaçadores e reinvidicatórios. Minha alma glorifica o Senhor. Exulta meu espírito em Deus, meu salvador. Ele olhou para a humanidade de sua serva. De agora em diante todas as gerações me chamarão de Bem-Aventurada. O Todo-Poderoso fez em mim grandes maravilhas, Santo é seu nome. Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem. Manifestou a força de seu braço. Dispersou os soberbos. Derrubou do trono os poderosos. E exaltou os humildes. Saciou de bens os famintos. Despediu os ricos de mãos vazias. Veio em socorro de Israel, seu servo, porque se lembrou de sua Aliança. Assim como prometera a nossos pais, o Abraão e a seus filhos para sempre. Este cântico tem a forma e o conteúdo libertador e renovador, carregado de solidariedade e esperança, fraternidade e opção clara: VIDA. Se, hoje, Nossa Senhora escrevesse seu cântico em certos regimes políticos, talvez fosse presa e certamente seria censurada pela imprensa. Fala, no entanto, em termos de reivindicações par aos humildes,


famintos e alienados. Uma reviravolta: derrubando uns, exaltando a outros, despedindo uns de “mãos vazias”, a outros saciando de bens. É um hino de libertação dos humildes e pobres de Javé. São os pobres que têm capacidade de receber a Deus. A misericórdia dos pobres é um reclamo e um grito incessante à misericórdia divina. Os soberbos, os poderosos, os ricos não mendigam, e por isso ficam fora do Reino. Os desprezados, os marginalizados, os mendigos e os pobres são proletários, candidatos diretos para o Reino dos Céus. São os que amam a Deus e os que Deus ama. Dia Mundial do Doente Em carta dirigida ao cardeal Firenzo Angelini, presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, João Paulo II comunica a instituição do “Dia Mundial do Doente”, a ser celebrado anualmente a 11 de fevereiro, dia em que a liturgia celebra a memória de Nossa Senhora de Lourdes. Na carta, datada de 13 de maio, o Papa justifica a instituição desse dia. Aqui as razões do Santo Padre. A Igreja que, segundo o exemplo de Cristo, advertiu sempre, no decorrer dos séculos, o dever de prestar serviços aos doentes e a quem sofre, como parte integrante de sua missão, está consciente de que, “ao aceitar amorosa e generosamente toda a vida humana, sobretudo se fraca e doente..., vive hoje um momento fundamental de sua missão”. Ela, além disso, não cessa de ressaltar a índole salvífica da oferta do sofrimento que, vivido em comunhão com Cristo, pertence à essência mesma de Redenção. A celebração anual do “Dia Mundial do Doente”tem, pois, a finalidade evidente de sensibilizar o povo de Deus e, por conseguinte, as múltiplas instituições sanitárias católicas e a própria sociedade civil à necessidade de assegurar a melhor assistência aos enfermos; de ajudar quem está doente a valorizar o sofrimento no plano humano e sobretudo no plano sobrenatural; de envolver de modo particular as dioceses, as comunidades cristãs e as famílias religiosas na pastoral sanitária; de favorecer o empenho cada vez mais valioso do voluntariado; de recordar a importância da assistência religiosa aos enfermos da parte dos sacerdotes diocesanos e regulares, como também de todos os que vivem e prestam assistência junto de quem sofre. Assim como a 11 de fevereiro de 1984 publiquei a Carta Apostólica Salvifici doloris, sobre o signidicado cristão do sofrimento humano e, no ano seguinte, instituí este Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, assim também considero significativo fixar a mesma data para a celebração do “Dia Mundial do Doentes”. De fato, “com Maria, Mãe de Cristo, que estava de pé junto da Cruz, nós detemos-nos junto de todas as cruzes do homem de hoje”. E Lourdes, o santuário mariano mais querido do povo cristão, é lugar e ao mesmo tempo símbolo de esperança e de graça e da oferta do sofrimento salvífico”. Queira dignar-se, portanto, levar ao conhecimento dos responsáveis pela pastoral no campo da Saúde, no âmbito das confer6encias episcopais e também dos organismos nacionais e internacionais empenhados no vastíssimo campo da saúde, a instituição deste “Dia Mundial do Doente”, a fim de que, segundo as exigências e circunstâncias locais, a sua celebração seja devidamente cuidada com o contributo do povo de Deus inteiro: sacerdotes, religiosos e fiéis leigos. Os leigos e as diretrizes gerais da ação pastoral As “Diretrizes Gerais das Ações Pastorais da Igreja no Brasil”(Documento 45 da CNBB) apresentam uma referência que ilumina o texto. O leigo retoma seu papel de sujeito


da evangelização. Porque a questão ainda foi integralmente assimilada, seja por pastores, seja pelos próprios leigos, muitos deles líderes comunitários e com práticas freqüente dos sacramentos, este será o grande desafio da implantação dessas Diretrizes: fazer crescer nos agente leigos a consci6ebcia da missão. Ser evangelizador, para o agente de pastoral leigo se resume em vivermos plenamente a eclesiologia da comunhão e missão. Essas duas formas assumem muitos contornos que resultam num ardor missionário. Cabe a nós, leigos, no mundo do trabalho, da cultura, da educação, da saúde..., transmitir o conteúdo do Evangelho. Não é tarefa fácil testemunhar Jesus Cristo num mundo onde as pessoas perderam a identidade, ou seja, com a industrialização da vida”, onde as pessoas deixaram de ser produtores e passaram a ser produtos, deixaram de ser criadores e passaram a ser criaturas, como objeto e não sujeito deste mundo, com sua tão falada modernidade, que desestrutura, ao invés de servir. Mas é exatamente esse o desafio proposto ao leigo: participar da construção de uma sociedade justa e solidária. Como? Sendo sujeito, apesar de considerado objeto; tornando-se produto; fazendo-se novamente criador, embora criatura. Em especial os que militam na Pastoral da Saúde devem perceber o papel específico do leigo na Igreja de hoje. Sem pretender substituir o padre e os religiosos, não somos apenas clientes, mas co-participantes e co-responsáveis do Reino de Deus, no campo do trabalho. Em outros campos de trabalho, sejamos evangelizadores, deixando-nos, porém, também evangelizar. Somente assim, caminhando juntos, poderemos oferecer algo novo, com o verdadeiro sentido de ardor missionário. José Paulo Arruda, agente de Pastoral da Saúde, Bauru, SP.


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