A pobreza no começo da vida O documento intitulado “Crianças e Adolescentes – Indicadores Sociais”, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e divulgado no início de setembro último, revela a extrema gravidade da situação da população brasileira na faixa etária entre zero e 17 anos. Alguns números são impressionantes: 32 milhões de indivíduos incluídos nessa faixa vivem em situação da mais negra miséria, representando quase 53% dos 60 milhões de pessoas envolvidas: 4 milhões de crianças entre 7 e 14 anos, que deveriam freqüentar as escolas, simplesmente não têm acesso à educação formal que lhes deveria estar sendo garantida pelo Estado, segundo a Constituição federal; 26,5% da população total de adolescentes (entre 10 e 17 anos) têm apenas oito anos de estudo; 18 milhões de adolescentes (com mais de 15 anos de idade) são analfabetos. Indicam os números do Instituto que os 32 milhões de crianças e adolescentes do País podem ser considerados miseráveis, pois integram famílias de renda mensal inferior a meio salário mínimo, ou seja, CR$ 261.093,47, de longe insuficiente para lhes garantir a satisfação sequer das necessidades básicas em alimentação. Embora o IBGE admita que um total de 7,5 milhões de crianças e adolescentes já trabalhe, isso não chega a ser algum consolo: pelo menos 40% desse contingente ainda não chegou aos 14 anos de idade e, por isso, não deveria estar atuando no mercado de trabalho, segundo a Constituição. A situação de miséria e pobreza, segundo o Instituto, é mais grave na região Nordeste do País, onde 76% da população considerada criança e adolescente se encontra no pior estágio. No texto em que divulgou esses dados, em sua edição de 11 de setembro ano, o jornal “Folha de S. Paulo”ilustra sua matéria com uma fotografia que é o verdadeiro retrato da situação revelada pelo estudo do IBGE: o menino Irinaldo, de quatro anos de idade, que já vivia, há 15 dias, no vão livre da plataforma do metrô na estação paulista do bairro do Brás, com seus pais e irmão. A família havia emigrado do Piauí, viajara durante 23 dias, de carona, e permanecia em São Paulo na mais absoluta miséria, vivendo da caridade pública,. Outras informações destacadas pelos textos do jornal paulista davam conta que, segundo o documento do IBGE, pouco menos da metade da população infanto-juvenil do País (45,1%) mora em casas sem as mínimas condições de saneamento (água encanada, esgoto e instalações sanitárias), apenas 19,8% dos 32 milhões de crianças e adolescentes tendo casas com esgoto adequado, 28,4% com água encanada e 27,4% com serviço regular de coleta de lixo. Esse é um quadro que deve dar o que pensar, constituindo uma violência sem desculpa, que urge eliminar da vida do País, por afrontar a dignidade humana e representar um dos piores crimes que podem ser cometidos contra a vida. Das diretrizes a Santo Domingo A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em seu Documento 48, “Das Diretrizes a Santo Domingo”, recém-emitido, contendo a contribuição da Igreja no Brasil à Conferência do episcopado Latino-Americano, em Santo Domingo, também dedica especial atenção à ação pastoral na área da saúde. Em particular, são ressaltados aqui dois tópicos desse Documento: 84.5) Como condição inalienável da defesa da vida e da pessoa, há de se criar e manter condições adequadas e acessíveis no tratamento da saúde na prevenção das doenças, ainda mais hoje, diante dos espectros da AIDS, cólera, malária e câncer. A Igreja há de assumir a pastoral da saúde e dos enfermos como premência factual e como exigência
evangélica (cf. Mt 25,36). A Igreja estimula a participação nos movimentos populares e a atuação governamental neste dever primordial.. 85... 6) Que a condição específica dos deficientes seja levada em conta na ação pastoral da Igreja, superando atitudes assistencialistas e protecionistas para desenvolver seus valores próprios e suas potencialidades, no sentido de integrá-los na vida de sociedade e na ação evangelizadora da Igreja. O sarampo e sua gravidade O sarampo é uma doença grave, causada por vírus que passam facilmente de uma pessoa para outra, por via respiratória, através de gotículas eliminadas pela tosse, espirro ou fala. Os primeiros sintomas são mal-estar, coriza, conjuntivite e febre alta. Três a sete dias depois, surgem manchas avermelhadas na pele; aparecem primeiro na região da cabeça e, depois, se alastram por todo o corpo. O sarampo dura cerca de 10 dias, podendo, eventualmente, apresentar complicações que evoluem para a morte. Dentre as complicações decorrentes do sarampo estão: infecção no ouvido, pneumonia, diarréia e, mais raramente, a meningo-encefalite (inflamação do cérebro e das meninges). Essas complicações ocorrem porque o organismo fica enfraquecido pela doença, e são mais graves e freqüentes entre os bebês de poucos meses e as crianças desnutridas. Muitas vezes, a população não procura a vacina contra o sarampo por considerar essa doença comum e benigna. Na verdade, o sarampo é grave e pode levar à morte. Situação no mundo e no Brasil – o sarampo causa mais de um milhão de óbito anuais no mundo, principalmente nos países do Terceiro Mundo. É com se, a cada ano, morresse a população de toda uma cidade do porte de Goiânia, GO. É, também, como se, a cada hora do dia, houvesse um acidente fatal com um avião 747 lotado de crianças. No Brasil, nos últimos anos, têm sido notificados cerca de 40 mil casos e mil óbitos por ano. Esses dados, entretanto, não refletem a realidade, porque há uma grande subnotificação de casos da doença e óbito. Alguns estudos revelaram que mais de 95% dos casos não são notificados nos serviços de saúde. Pelos dados notificados, observa-se uma tendência à manutenção de uma quantidade grande de casos e uma diminuição acentuada do número de mortes, o que está relacionado aos esforços que vêm sendo realizados, no sentido de aumentar a cobertura de vacinação, em anos recentes. Embora esse aumento seja insuficiente para controlar a doença, estaria conseguindo proteger as crianças menores de cinco anos das complicações e mortes. A vacina – A vacina contra o sarampo é a única maneira de proteger as pessoas da doença. É muito eficaz, isto é, consegue bons resultados, se aplicada após os nove meses e se conservada em baixa temperatura nos serviços de saúde. para se conseguir interromper a transmissão da doença numa comunidade, é necessário que mais de 95% das pessoas suscetíveis estejam vacinadas. São suscetíveis pessoas que não tiveram a doença ou que não foram vacinadas adequadamente. Na Campanha Nacional de Vacinação contra o Sarampo foi alcançada uma cobertura vacinal de mais de 95%, no geral. Entretanto, essa cobertura não foi homogênea, ou seja, nem todos os municípios alcançaram cobertura satisfatória para o controle da doença, razão pela qual é muito importante intensificar as ações rotineiras de vacinação. Além da vacinação, é importante no controle da doença uma efetiva vigilância epidemiológica, conforme estabelecido no informe técnico do Ministério da Saúde. Essa vigilância segue-se à primeira etapa do Programa Nacional de Controle?Eliminação do
Sarampo, ou seja, a vacinação de 95% da população de nove meses até 14 anos completos, e inclui: notificação de caso; investigação de casos; vacinação de bloqueio. A preocupação com a vacinação deve continuar, pois é necessário manter as coberturas de vacinação acima de 95%. Estratégias para a vigilância – Para exercer a vigilância epidemiológica do sarampo, o informe técnico recomenda: capacitar pessoal de nível superior e médio do sistema de saúde; capacitar outros profissionais que, no exercício das suas funções, possam detectar casos de febre e erupção; implantar uma referência para a vigilância do sarampo em cada um dos cerca de 4.600 municípios brasileiros; examinar todos os casos de febre com erupção, a fim de classifica-los como caso suspeito de sarampo, ou não; investigar todos os casos suspeitos de sarampo; coletar sangue dos casos para exame de laboratório; fazer vacinação de bloqueio na ocorrência de um caso suspeito, no prazo máximo de 72 horas do conhecimento do caso. Nessa ocasião, deverão ser vacinadas: crianças que tenham somente uma dose da vacina registrada na Caderneta de Vacinação ou Cartão da Criança, crianças sem nenhuma dose registrada; crianças que receberam a vacina antes dos nove meses; crianças com menos de nove meses ou com mais de cinco anos (cinco a 14 anos), quando a situação epidemiológica indicar. Definição de casos de sarampo – Todo caso de doença em que estejam presentes exantema generalizado, febre acima de 38,5 ºC e, além disso, tenha um ou mais dos seguintes sintomas: tosse, coriza ou conjuntivite. O que fazer – Após o conhecimento de um caso de febre e erupção (manchas vermelhas); Notificar, de imediato, a unidade de saúde mais próxima; Encaminhar crianças a partir de nove meses para vacinação nas unidades de saúde; Informar sobre a gravidade da doença. Para mais informações, procurar a Coordenação Municipal da Secretaria de Saúde do município, a Coordenação da Secretaria Estadual de Saúde ou a Coordenação Nacional, em Brasília, DF, através dos telefones (061) 315-2584 ou 315-2507. Evangelização, saúde e pastoral urbana. Com o título de “Nova Evangelização, saúde e Pastoral Urbana”, o Pe. Júlio Munaro apresentou ao XII Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde, realizado em setembro último, em São Paulo, o trabalho que transcrevemos a seguir, em sua íntegra. “O tema proposto desdobra-se em quatro itens: evangelização, saúde, cidade e pastoral. Seguirei o roteiro, tentando mostrar o entrelaçamento entre as partes.
Evangelização – A evangelização é tão antiga quanto o cristianismo e lhe é essencial. “Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos...ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei”(Mt 28, 19-20). São Paulo dizia: “anunciar o Evangelho... é uma necessidade que se impõe. Ai de mim se não anunciar o Evangelho”( 1 Cor 9,16). A comunidade cristã encarou a evangelização como tarefa primordial. Fiel à mensagem, soube adaptar-se às pessoas, povos, realidades e cultura. São Paulo foi um exemplo. Percorreu o mundo enunciando o Evangelho. Usou de todos os meios ao seu alcance, sem receio de adequar o evangelho aos costumes e culturas, libertando-o da cultura e costumes estritamente judaicos. O exemplo Paulino nem sempre prevaleceu ao longo da história. Houve momentos em que a mensagem cristã foi indissoluvelmente associada a culturas e costumes efêmeros que comprometeram a sua universalidade e obstacularam a sua difusão. Mas a comunidade cristã sempre encontrou o caminho para libertar-se de semelhantes amarras. Hoje, fala-se em nova evangelização, isto é, o núncio da Boa-Nova livre de fatores estranhos, apresentada em linguagem acessível às pessoas de nosso tempo, expondo os conceitos evangélicos que fecundam e transformam, com a força vital que lhes é própria, as pessoas de hoje, seu modo de ser, de pensar e de agir, para, em Cristo, “fazer novas todas as coisas”( Cf. Ap. 21,5). A Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, traça, com rara felicidade, as grandes linhas para evangelização no mundo contemporâneo. A evangelização é tarefa de todo cristão. Exige, porém, que cada cristão compreenda em profundidade a mensagem evangélica e a saiba transmitir de forma a atingir as pessoas de hoje. Para evangelizar não bastam boa vontade nem ardor apostólico. Requerem-se preparação a arte. Sobretudo compreensão do meio sócio-cultural e adaptação a ele, seguindo a pedagogia gradativa que o próprio Deus usou com o Povo Escolhido. A pressa nunca foi o caminho de Deus. O Reino de Deus, comparado a um grão de mostarda,merece reflexão (c. Mc 4,30-32). Não cabe condicionar a salvação a certas práticas secundárias, como se a vontade salvífica de Deus pudesse ser condicionada pela vontade de terceiros. Ou a pessoa adere ao Evangelho por convicção interior, ou a evangelização não surte efeito. O diálogo de Cristo com a samaritana é um exemplo primoroso de evangelização (c. Jô 4). A Samaritana sentiuse tocada pela Boa-Nova, pela nova proposta de vida que lhe foi feita. Aderiu com a força que explodiu de seu íntimo, sem constrangimento, com entusiasmo e alegria incontidos. Graça de Deus, sim, mas também, fruto de boa evangelização. Saúde – O livro do eclesiástico exalta a saúde e a coloca acima de qualquer bem terreno. Também não a limita ao fator biológico. Amplia-a para a alegria do coração (cf. Eclo 30, 14-17), Recomenda que se evite a negligência nos cuidados à saúde e atribui à ciência, aos meios materiais e ao médico papel fundamental (cf. Eclo 38, 1-15). O mundo atual atribui à saúde uma dimensão bem mais ampla que no passado. Já não se trata apenas de ausência de doença, e sim de plenitude de vida e de bem-estar. A saúde não é considerada apenas como um bem pessoal e de responsabilidade privada, mas um patrimônio coletivo e de responsabilidade de todos. A saúde tornou-se um direito do indivíduo, no sentido de que ninguém pode, por ação ou omissão, lesa-la. Acrescenta-se, ainda, o direito de tratamento, em caso de doença. Esta mudança não aconteceu por acaso. Fundamenta-se no progresso científico que descobriu as causas das doenças, como agem, como preveni-las e encontrou meios para elimina-las ou contorna-las. Outro fator de reconhecimento do valor social de saúde foi,
embora pareça menos digno, o econômico. Qualquer vida truncada representa um investimento pedido. A prevenção da doença custa menos que o tratamento. Daí a importância que se atribui a ela. Ao lado disso, não faltaram motivações mais elevadas para proteger, preservar e tratar da saúde. Não só de fundo cristão, mas também humanitário. Na linha de direito à saúde e ao tratamento, o Estado, encarregado de zelar pelo bem comum e de tutelar o direito dos cidadãos, assumiu a responsabilidade, senão de executor das tarefas, pelo menos de legislador e fiscalizador de seu cumprimento, Hoje, o estado desempenha papel decisivo no campo da saúde, seja para garantir o direito dos cidadãos, seja para planejar e executar ações de prevenção e de tratamento. A Igreja (e as religiões em geral), que desempenhou papel vital na assistência, já não dispõe de poder decisório em políticas de saúde. Isso não significa que não tenha mais nada a fazer ou que não faça. Faz, e muito, na assistência aos doentes, na promoção da saúde, na defesa da vida, na pregação de princípios éticos, além da assistência espiritual aos doentes e agentes de saúde. Mas as ações de saúde e de terapia foram secularizadas. Correm por conta do Estado leigo, que define suas políticas e lhes destina as verbas e se apóiam na ciência e na técnica, e são executadas por profissionais devidamente habilitados, com o respaldo da indústria e de avançados centros de pesquisa. Em si, o mundo da saúde prescinde da religião. De qualquer religião. Aliás, existem sérios conflitos entre posicionamento éticos das religiões (sobretudo da católica) e mundo da saúde, conflitos que, no momento, tendem a se agravar. Não é sem dificuldade que os hospitais confessionais conseguem manter fidelidade aos princípios éticos que professam. O próprio atendimento espiritual dos doentes nem sempre é considerado parte integrante da assistência hospitalar. Muitos hospitais já não dispõem de instalação para o serviço religioso. Urbanização – Nos dias últimos séculos do mundo conheceu um processo de urbanização acelerada, fruto de novos métodos de produção de bens – a indústria. A industrialização não foi fruto do acaso, mas de nova postura mental, fundada no empenho de conhecer e dominar a natureza para colocar suas forças a serviço do ser humano. A indústria não é uma mera técnica. Tem sua matriz na ciência, e é a partir desta e de seus avanços que o homem moderno descortinou novos horizontes de visa. A técnica, apesar de sua importância, não passa de derivado da ciência, mas proporciona à própria ciência novas possibilidades de avanço. A ci6encia avança com a ajuda da técnica, e esta progride pouco sem a ciência. Graças à ci6encia e à técnica, o ser humano já não se sente impotente face à natureza. Prolongou a duração de sua vida e melhorou sua qualidade. Nunca se sentiu tão senhor de si, da natureza e do mundo, como agora. Nunca a humanidade dispôs de tantos recursos de autoproteção contra as forças negativas da natureza quanto hoje. Nunca a humanidade dispôs de tantos e tão variados bens de consumo como os que a ciência e a técnica lhe proporcionam e com menos esforço que no passado. Criou o hábito de consumir sem necessidade. Inventou a obsolescência programada. O tempo de trabalho foi reduzido, e o lazer ganhou espaço. Muitos já não sabem como ocupar as horas vagas. .. Criou-se a próspera indústria do lazer. A cidade desfrutou por primeiro dessas vantagens, e se tornou pólo de atração. A cidade não é um mero aglomerado humano. Encarna nova forma de pensar, de viver, de agir e de interagir. A cidade induz o ser humano a se autocultivar, a desenvolver suas potencialidades, a se tornar mais criativo, a sentir-se mais livre, a conquistar meia espaço de subjetividade e de auto-determinação. A cidade aumentou a interdependência global,
mas afrouxou os laços familiares, afetivos, patronais, econômicos, religioso, éticos, culturais... A cidade alarga o leque de opções do indivíduo e respeita suas escolhas, ainda que delas discorde. Cada qual é livre de se comportar a seu critério. Na cidade, mudanças se sucedem, e são aceitas com naturalidade. Mudanças religiosas e comportamentais incluídas. Cria-se um novo ethos no sentido mais amplo do termo. O mundo urbano comporta problemas. Alimenta tensões e conflitos, marginaliza os mais fracos e menos preparados, manipula os indivíduos através de grupos organizados, sejam econômicos, políticos ou religiosos. Os recém-chegados à cidade passam por um período de adaptação que transtorna sua vida e os valores que lhe davam coesão e sentido. Pastoral – Damos à pastoral o sentido de ação evangelizadora e de atendimento às necessidades religiosas sentidas por indivíduos e grupos. Encaramos a evangelização não penas como anúncio da Boa-Nova a quem ainda não a conhece, mas, sobretudo, como aprofundamento, melhor compreensão e apoio de vivenciamento da mensagem para quem já se declara cristão, mas cujo conhecimento e vivência da mensagem deixam a desejar. Pensamos, especialmente, naqueles que não conseguiram conciliar cristianismo e vida moderna e, diante desta dificuldade, descartam ou a vida moderna ou o cristianismo. Este, aliás, é o dilema mais sério da evangelização e da pastoral na atualidade. Muitos agentes de pastoral não estão preparados para enfrentar esse dilema. Fala-se de descristiação de setores da sociedade ocidental, Brasil incluindo, e diz-se que as cidades, sobretudo as grandes, são campo de missão, se não de primeiro anúncio, pelo menos de sua melhor compreensão e vivência da mensagem. O atendimento das necessidades religiosas sentidas varia ao infinito. Varia de indivíduo para indivíduo e segundo as circunstâncias em que se encontra. O atendimento coletivo, como missas e cultos dominicais, tem seu espaço, mas não satisfaz a todos os anseios individuais. Muitos procuram e querem atenção personalizada. Há casos em que o atendimento só pode ser personalizado, como na doença grave. É essencial manter a qualidade do atendimento, coletivo e individual, por fidelidade à missão e respeito ao indivíduo e, também, pela concorrência proselitista e pela relativa importância que se dá à prática desta ou daquela modalidade religiosa. O que as pessoas buscam é sentir-se bem com Deus e consigo. Cabe ao agente pastoral leva-las a sério e trata-las com seriedade e competência. A pastoral urbana supõe o conhecimento preciso das circunstâncias que envolvem as pessoas, das forças que atraem sua atenção e movem seus interesses, os valores que as determinam, os modelos que as empolgam. A cidade age e interage como um todo, com centros que comandam seu ritmo, traduzem, geram e transmitem pensamento, criam necessidades, propõem comportamento, determinam visões de vida. A pastoral deve fazerse presente e atuante neste processo. Os pastores individualista e alienados do conjunto desperdiçam tempo e esforço Posto isto, surge, espontânea, a pergunta: que evangelização e que atendimento religioso dar ao mundo da saúde em meio urbano. A resposta depende da justa compreensão dos fatores que compõem o conjunto e do entrelaçamento que lhes soubermos dar. A mensagem evangélica tem validade universal, isto é, pode ser proposta par todos, em qualquer ambiente e de qualquer cultura. Tudo depende do momento de propor, a quem propor, como propor, em que medida propor. E o mundo da saúde, convém lembrar, tem traços culturais próprios.
O exemplo de Cristo e dos apóstolos oferece vários modelos de evangelização. Ater-se a apenas um deles seria empobrecer a ação evangelizadora. Cabe à habilidade do agente escolher o modelo mais apropriado para cada circunstância, cada ambiente, cada pessoa ou grupo de pessoas. Embora o mundo da saúde seja secularizado, auto-suficiente e não necessitado de religião, no desempenho de suas atividades, nem por isso é inacessível à Boa-Nova. A proposta evangélica, bem apresentada e oportunamente, pode sensibilizar os profissionais em sua vida pessoal, da novo sentido a sua atividade e leva-los a perceber valores evangélicos que merecem ser incorporados a todo o sistema de saúde. Isso não implica desrespeito aos dados científicos e técnicos que lhe são próprios e cujo valor intrínseco não depende do Evangelho. O mesmo pode afirmar-se para as políticas de saúde. Ainda que destituída de poder decisório e sem recorrer a interferência e sem recorrer a interfer6encia indébita, a Igreja (o agente religioso) pode, partindo da evangelização, encaminhar mudanças profundas, capazes de alterar a filosofia do sistema de saúde de um país. No campo ético, respeitadas as competências profissionais e a consciência pessoal, a mensagem evangélica tem amplas luzes a oferecer. Não basta simplesmente opor-se a prática consideradas antievangélicas ou contrárias do bem comum da pessoa ou da comunidade. O caminho do Evangelho está em mudar as pessoas, propondo-lhes novos valores e ajudando-as a assumi-los. João Paulo II deu-se conta disso quando afirma: “face à crescente aceitação social da eutanásia..., a condenação moral não é nem ouvida nem compreendida por aqueles que, às vezes sem se da conta, têm uma concepção de vida que não se concilia com a mensagem cristã. .. O problema fundamental consiste em como conseguir ajudar os homens de nosso tempo a tomar consciência do caráter desumano de certos aspectos da cultura dominante e redescobrir os valores mais preciosos que ela encerra”( João Paulo II aos anestesistas italianos, 4/10/1984). A norma cristã de “faze aos outros o que queremos seja feito a nós”(cf. Mt 7,12) é suficiente, quando assumida, para dar novos rumos ao comportamento profissional e ao relacionamento humano. Propor uma ética muito detalhada para o mundo da saúde é contraproducente. Será interpretado como uma interferência indébita. O profissional de saúde, de formação e viv6encia urbana, não aceita propostas de vida e de ética profissional sem estar convencido de seu valor. Na pastoral urbana e global, existem organismo cujo influência e poder se exercem sobre todo o sistema. A evangelização não pode prescindir desta realidade. No atendimento religioso ao paciente, o papel fundamental cabe a este. O agente deve colocar-se o seu serviço, aceitar seus condicionamentos, acolhe suas necessidades, Inverter os papéis, como tantas vezes acontece, não dá bom resultado. A mentalidade urbana rejeita tal procedimento. O agente deve estar preparado. O serviço religioso, tanto de culto, administração de sacramentos e outras cerimônias, quanto de atendimento personalizado, deve ser primoroso. O meio urbano não tolera displicência ou pouco caso. Para terminar, creio que a evangelização, saúde e pastoral urbana formam um conjunto que ainda não foi bem equacionado pela Igreja Católica ou por outros agrupamentos religiosos. Vida urbana e saúde constituem dois pontos fortes no mundo contemporâneo. Uma e outra estão impregnadas de secularização. Sua dinâmica não se pauta pela religião. Embora não a excluam positivamente, de fato prescindem dela. A dificuldade da pastoral está em se adequar a essa realidade. Não faltam esforços, nem de reflexão nem de ação. Difícil mesmo é captar a alma do complexo mundo urbano”.
O autor do texto, e o Pe. Júlio Munaro é coordenador da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de São Paulo. Esperança para viagem certa É mais fácil acreditar naquilo que se espera, como é relativamente fácil esperar naquilo que se crê: fé e esperança se confortam. A experiência é diária no hospital consubstanciado o transbordo da subjetividade sobre o dado imediato e refletindo a interdependência da mente e do corpo. “Vou cada vez melhor, melhor”, “Estou cada vez mais forte, forte”, “Sumiu por completo, por completo,minha do de cabeça e também minha doença”. Seria irrealista desprezar os métodos de melhoramento da mente e do corpo, reatualizados hoje como nunca, como para resgatar algum poder sobre aquilo que escapa à nossa ação racional. Quando pretendemos que o próprio médico é o melhor remédio de sua receita, batemos na mesma tecla. Isto lembrado, a sugestão está espreitada pela ideologia que confunde realidade e sonho, sem proveito palpável. O assunto é delicado, porque de fato precisamos de otimismo, e o otimismo precede os felizes resultados que espera. Forçando a dose do otimismo aéreo, abrimos a porta par aos armadores de promessas que nos iludem para um proveito que não é nosso. Não chega um dia em que o paciente exige ver e sentir para continuar acreditando e esperando, sofrendo e pagando? No campo da justiça social,não figura a saúde, junto com a educação primária, o transporte público, a moradia, o trabalho, entre os bens básicos (o primeiro deles?) a respeito dos quais o jogo do formalismo e da verbosidade precisa encontrar limites? Após a morte que estava fora de cogitação, não é tarde para se conseguir melhorar a saúde? Não seria preferível não desfrutar da “melhor lei que existe no mundo sobre inf6ancia e adolescência” e não ter nas ruas do País uns mais de 30 milhões de crianças e adolescentes carentes, entre os quais 8 milhões de crianças abandonadas, que vivem Deus sabe como e de quê? Oxalá a lei sirva realmente, a meio prazo, para minorar a desgraça e não apenas para contentar legisladores e ufanistas. Não basta ter fé, é recomendado esclarecer: a fé em quê ou em quem? Não basta cultivar a esperança como tônico,é por vezes oportuno prever onde se vai de verdade. Onde vai nossa caminhada? Não deve o viajante se beneficiar da viagem, além dos cartões postais, e não apenas seu agente de viagem, que pode ser um profeta fundador de seita? Sunny, o evangelista relacionamento com as curas realizadas pelo famoso curandeiro carismático Tony Agpaoa, costumava interpelar os doentes de toda nação que afluíam em Bagio (Filipinas): o fim de toda viagem é o homem interior, a morada onde os místicos sabem que reside a divindade. A nenhuma outra viagem essa reflexão aplica-se melhor que à viagem que chamamos doença, à viagem à qual obriga a doença. “se o mental é como o cérebro da alma, seu centro é sempre a espiritualidade”(Sunny). Vale o reparo ora para a moléstia que desemboca em mais vida, após superação dos obstáculos, ora para aquela que dá em óbito. A finalidade espiritual da enfermidade, se é que lhe assiste alguma utilidade pessoal, não será o progresso do doente? Essa é uma maneira realista e não dolorista de tratar a dor e seu sentido. Na grande maioria das viagens, o viajante termina o percurso com a volta ao ponto de partida: Jô nasceu nu e nu voltou para a terra, a mãe terra. O ponto de chegada do doente é sempre ele mesmo, mas enriquecido ou amargurado? Como sua é e sua esperança saíram da viagem? Em que nível aproveitou a aventura entre quatro paredes? “Embora, em nós, o homem exterior vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova de dia a dia”
(2Cor 4,16; ver também 4, 18-12 e 5, 1-4). Belo programa para uma velhice feliz, também. São Paulo não era pessimista, mas homem de fé e ação: não geme por se achar mártir, nem dispensa o incentivo duma imensa esperança, aquela que brotou à medida de sua fé. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliAno, teólogo moralista, comunidade de São Paulo. Os franceses e a morte Os franceses pensam muito na hora de sua mote? Como gostariam eles que ela acontecesse? Segundo recente sondagem de opinião realizada no país, a grande maioria dos cidadãos franceses (68%) respondeu que só muito raramente pensa na própria morte. Já 32% da população diz que pensa na morte e reflete sobre ela com razoável freqüência. Quanto ao modo como gostariam de morre. A esmagadora maioria dos entrevistados (83%) afirmou que preferiu morrer repentinamente, sem sequer dar se conta do próprio pensamento (Grade Sinal, editora Vozes, março/abril de 1992). Pessoas são dádivas Pessoas são dons. O mesmo Cristo pensava assim. “Pai, quero que aqueles que me destes estejam onde eu estou”. Eu também quero que aqueles que o Pai me deu estejam onde eu estou. Pessoas são presentes que o Pai manda a mim, embrulhadas. Uma são presentes que vêm num embrulho bem bonito: são atraentes logo que as vejo. Outras v6em em papel bastante comum. Outras ficaram machucadas no Correio. De vez em quando, chega uma registrada. Umas pessoas são presentes que vêm em invólucros fáceis. Outras, é bem mais difícil tirar da embalagem não é presente. É fácil fazer este erro... Às vezes, o presente não é muito fácil de abrir... precisa-se da ajuda de outras pessoas. Será que a razão é o medo? Será que é o ódio? Talvez já tenha sido desembrulhada, e o presente jogado fora. Por ser que este presente seja para mim. Eu também sou uma pessoa. Também sou um presente. Um presente a mim mesmo, antes de tudo. O Pai deu-me a mim mesmo. Já olhei para dentro de minha própria embalagem? Talvez eu nunca tenha aceito o presente que sou... Pode ser que, dentro da embalagem, haja algo diferente do que eu penso. Talvez eu nunca tenha compreendido o presente maravilhoso que sou... Será que o Pai faz pessoas que não são maravilhosas? Eu adoro os presentes que aqueles que me amam dão a mim. Por que eu não amo o presente que sou, a pessoa que sou eu? A pessoa que o Pai especialmente criou! Sou um presente às outras pessoas. Estou pronto para ser dado pelos outros? Ser pessoa para os outros? Será que os outros têm que ficar contentes só com minha embalagem? Será que nunca chegarão a gozar o presente? Cada encontro com pessoas é uma troca de presentes. Mas o dom sem doador não é mais um dom... É somente uma coisa vazia, sem relacionamento entre o doador e o receptor. A amizade é um relacionamento entre pessoas que se vêem a si mesmas como realmente são. Dons do Pai uma à outra... irmãs.
O amigo (a amiga) é um dom, não somente para mim, mas par aos outros, através de mim. Quando eu guardo um amigo, possuindo-o, eu destruo sua capacidade de ser dom. Se eu guardo a vida par Amim, eu a perco. Se eu perco para os outros, então guardo-ª Pessoas são sons, dons recebidos e dons doados... como o filho. Fraternidade é a resposta das pessoas. Fraternidade é comunhão de vida. É amor... Ser dome ser, antes de tudo, promotor da vida... guardar a vida do outro! Acolher a vida que é dom é ser mais dom! Se dome distribuir-se para os outros, na gratuidade do ser, reconhecendo-se prolongamento do Doador de todos os dons. Autor anônimo.