Os Problemas da Saúde Mental O contexto maior em que a vida acontece (macroestrutura), que a afirma ou a nega, tem um papel decisivo no processo saúde-doença mental. O que entender por saúde e doença mental? Se definir saúde já não é fácil, definir saúde mental ou doença mental é muito mais complicado. Na medida em que estão envolvidos conceitos de normalidade psicológica, se está submetendo a julgamento de valores determinados por normas, regras e padrões de comportamento de uma certa sociedade, num preciso espaço de tempo.A saúde mental, como um estado positivo de se viver, entendida como ‘saúde integral”, remete diretamente às condições básicas e globais do existir, que vão muito além do simples estabelecimento de programas de assistência médica ambulatorial ou institucional. Têm um papel decisivo neste contexto as condições social de vida, tais como moradia, trabalho, salário, educação, liberdade, lazer, terra, acesso aos serviços de saúde, entre tantos outros fatores. Os problemas de saúde estão intimamente ligados aos problemas de cidadania e aos direitos humanos. Uma sociedade doente que gera doentes – A saúde da comunidade é influenciada por toda sorte de fatores econômicos, sociais, políticos e ideológicos que vão muito além da contribuição que a Psiquiatria ou as ciências da saúde podem oferecer, por mais valiosas que sejam. A saúde está inter-relacionada com economia, educação, habitação, agricultura, só para citar alguns elementos. Neste sentido, não é muito que se pode fazer em termos de saúde mental à população, sem levar a serio uma melhoria da qualidade de vida. A saúde mental do brasileiro está profundamente abalada. Isto deve-se não pela dificuldade ou alta de acesso ou tratamento psiquiátricos (quando existem), mas sobretudo pelo clima geral de desesperança que nos abate, falta de perspectiva num futuro melhor, que gera medo, angústia, preocupação, depressão, revolta pelas injustiças sociais. A corrupção a nível governamental; situações de dominação e exploração; violência gerando violência; descaso do governo para com a educação e saúde do povo, entre tantas situações de desamparo, atingem gestantes, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. O tecido social doente gera mais distúrbios psíquicos que saúde mental. É grande o número de pessoas em nossa sociedade que sofrem de problemas emocionais profundos, que geram sofrimentos terríveis, desencadeando sintomas físicos os mais diversos. Entre as inúmeras causas, podemos pontualizar: a solidão que o ser humano sente, principalmente nas grandes cidades, alimentada pelo individualismo do “cada um por si e Deus por todos”; as injustiças que negam os direitos básicos que gsrantem uma vida digna; a luta dura pela sobrevivência, com longas horas de trabalho, em locais
insalubres, sem a mínima proteção e tendo como pagamento um salário de fome. A competição desenfreada na sociedade de consumo, que causa o estresse, não deixa de ser, também,outro problema inquietante, entre tantos outros. Conseqüência de tudo isso, não é de se admirar a elevada incidência de pessoas com insônia, constantemente tensas e nervosas. O povo fala muito que sofre da “doença dos nervos”; registrar-se aumento das tentativas de suicídio e do uso de drogas e de álcool. Aumentam os sintomas que provocam distúrbios de natureza psicossomática: asma, úlcera, urticária, dores de cabeça, cansaço excessivo, perda de auto-confiança e da capacidade de iniciativa, e muitos outros sintomas existenciais. A vida não é uma doença – Embora nos defrontamos com um contexto profundamente hostil à vida, não podemos ser pessimistas. Realistas, sim, mas esperançosos e lutadores pela “cultura da vida”. Além disso, é necessário superar a mentalidade de que toda pessoa sã, que tem saúde, não é senão um enfermo mal-diagnosticado. Nesta visão, tudo na vida é um problema psiquiátrico, passível de tratamento médico. Resultado dessa mentalidade hoje, é que todas as dificuldades e problemas existenciais são considerados doenças psiquiátricas, a ponto de se chegar ao “absurdo de afirma ser a própria vida uma enfermidade que se inicia com a concepção e termina com a mote, necessitando em cada etapa da douta assistência dos membros da profissão médica e de outros agentes da saúde, afirmação,s em dúvida, de uma profunda alienação, oriunda de uma fuga perante a existência. Essa postura dá guarida para um complexo industrial e farmac6eutico, pois se todos estão doentes e padecem de existir, eis uma fonte inesgotável de lucros” (Szasz, S.T. Ideologia da doença mental: ensaio sobe a desumanização psiquiátrica do homem, RJ, Zahar, 1977). Inúmeros profissionais na área da saúde têm procurado desmistificar esta prática, no sentido de conscientizar numa linha preventiva sobre a importância da detecção precoce dos distúrbios mentais, bem como alertar a respeito do perigo dos rótulos psiquiátricos e dos prejuízos da medicalização psiquiátrica, sobretudo em paciente jovens, já que estes formam, hoje, o maior contingente de internados em hospitais psiquiátricos. O doente mental, ao ser rotulado de louco, doido, é encerrado num prognóstico que o coloca numa camisa-de-força difícil de escapar. E necessário vencer, em nossa sociedade, o estigma em relação ao doente mental, que fecha as perspectivas de uma vida decente e lhe impõem toda sorte de discriminações, rejeições e marginalizações. Ele, sem dúvida, é um grande esquecido. Não raro, isso começa na própria família do doente mental
ao esconde-lo, priva-lo da convivência com os outros, pois existe uma espécie de “vergonha moral”. Concluindo estas observações introdutórias à questão, vemos que as perspectivas de solução para os problemas da saúde mental são de natureza ética, econômica, política, ideológica e de responsabilidade individual, comunitária e, especialmente, do Estado. Uma sociedade mais saudável é a garantia de mais vida e saúde mental. Leo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo.
Enfermeira: a muda testemunha da vida. Não há atividade que ofereça tantos contrastes, mostre a vida em toda sua variedade, nudez e beleza, como a da enfermeira. Colocada entre o médico e o doente, ela garante a continuidade do tratamento. É os olhos do médico a acompanhar o paciente dia e noite. Permanecendo ao seu lado, visitando-o a todo instante, é ela quem surpreende as primeiras alterações que podem pôr em risco a vida, e alertar o médico. Ele está tranqüilo porque ela está lá, vigiando atendendo, observando, anotando, pronta a despistar qualquer intercorrência. Silenciosa, modesta e tímida, ela não sabe o poder que possui: as atividades de todo o hospital, seu desempenho, conceito e seu bom atendimento repousam em seus ombros. Entretanto, o mérito de seu trabalho cansativo e de sua dedicação é creditado só ao médico, glorificado após a cura do doente. Vencidas as complicações da doença, na hora da despedida, os elogios vão para os residentes, assistentes, enquanto aquela que na verdade teve maior atuação, sobre quem recaiu toda a responsabilidade, a quem coube o fardo mais pesado na luta travada, é esquecida e, muitas vezes, nem um gesto de agradecimento recebe, quando não é criticada. Seu trabalho é a dor, o sofrimento, a miséria humana, testemunha muda de tantos erros fatais de empertigados cirurgiões. Acompanha-nos até o último segundo e nos fecha os olhos quando desce a noite eterna. Por força de seu labor, cedo ainda se desvanecem em seu coração os encantos e as ilusões, aquela aura de poesia e romance que ainda envolve os que não conhecem o lado negro da existência. Em contato com a realidade cruel, ela vê o homem em sua verdadeira face, seus falsos ídolos reduzidos a cacos, seu egoísmo, sua vaidade, sem nenhuma valia. Em sua presença está apenas um animal ferido, rastejando com suas chagas, seus odores pútridos, numa ânsia desesperada de sobreviver. Quando você entrar em um hospital, olhe atentamente para a enfermeira: será ela quem estará ao seu lado nos momentos mais difíceis. Em
seu rosto você verá o cansaço imenso das noites de vigília, das campainhas impertinentes, da angústia de querer ajudar e não poder, mãos atadas ante a frieza e a distância dos médicos, a incompreensão e a agressão dos doentes. Só quem traz em si aquela centelha do amor ao próximo, da sensibilidade ao sofrimento, o dom da comunicação humana e um inesgotável espírito de renúncia, torna-se enfermeira. Sabe que não receberá recompensa, mal ganhará para seu sustento, nenhum reconhecimento de médicos ou doentes, e que sua única colheita no final do dia serão críticas e ingratidão. Vamos surpreender um episódio rotineiro: “Doutor, desculpe incomodá-lo na residência. Seu paciente diabético cem recebendo 40 unidades de insulina por dia. Acaba de chegar o último exame de açúcar no sangue, abaixo do normal. Está receitada a mesma quantidade para hoje à noite. Achei melhor consultá-lo antes de aplicar nova dose”. “Fez muito bem. Suspenda a insulina”- foi a resposta. “Se o paciente sentir alguma coisa, dê-lhe um pouco de água com açúcar”. Eles jamais souberam que suas vidas foram salvas por aquela figura silenciosa e discreta que deslizava por seu quarto, a onipresente enfermeira. Salomão A. Chaib, Médico, articulista colaborador do “Diário Popular”, de São Paulo. Seminário sobre o Mercosul O Setor de Pastoral Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil promoveu em Curitiba, de 14 a 18 de setembro de 1992, um Seminário sobre o Mercosul, Participaram membros das pastorais sociais e outros organismos da Igreja, de centros de pesquisa, professores universitários e representantes da Argentina, Paraguai e Uruguai. Com a ajuda de diversos assessores, procuraram analisar o projeto do Mercosul e ver suas implicações para os povos dos quatro países. Refletindo sobre o Mercosul, constatara, unanimemente e necessidade urgente de toda a sociedade civil participar dessa reflexão, para que este projeto seja melhor conhecido mais debatido, em vista de ser colocado a serviço da verdadeira integração dos povos latinos-americanos. Os participantes do Seminário expressaram suas apreensões, como inicio do debate que desejam suscitar, em um Comunicado Final, que tem o seguinte teor: Quando `amaneira como o projeto foi decidido – A constituição do Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi formalmente iniciada com a assinatura do Tratado de Assunção, em 26.3.1991, pelos quatro países que dele participam: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.Por este tratado, se
estabelece que a parti de primeiro de janeiro de 1995 haveria plena abertura das fronteiras para o comércio entre eles. O processo que culminou no Mercosul teve origem na progressiva aproximação entre Argentina e Brasil, durante os governos Alfonsin e Sarney, que em 1988 assinaram um Tratado de Integração, Coopera;cão e Desenvolvimento, prevendo para 1998 a integração completa de suas economias, prazo que posteriormente foi antecipado para 1994. Foi durante os governos Menen e Collor que o Paraguai e Uruguai foram convidados, e aceitaram participaram desse processo de integração, que foi formalizado com o citado Tratado de Assunção, agora já referendade pelos Congressos Nacionais dos respectivos países. Quando a este processo de decisão : – questionamos o fato da sociedade civil não ter sido chamada a opinar; – estranhamos a pressa em estabelecer prazos tão curtos para implementar um processo tão complexo; – nos interrogamos sobre os reais interesses que motivaram esta decisão; – e nos perguntamos pela legitimidade de política dessa decisão, ainda mais por ter sido tomada por governantes tão pouco representativos da vontade popular, como se pode constatar pelo epílogo que tiveram os governos Alfonsín e Sarney, e pelos grandes questionamentos a que agora está sendo submetido o Governo Collor. Quando à natureza do Tratado e seus impactos sobre as populações – Aparece com evidência que o tratado tem nítida configuração mercantilista, e que atende com exclusividade aos interesses das transnacionais. Isto nos mostra que o Mercosul é um projeto que visa compatibilizar os interesses das grandes empresas na América do Sul. Elas terão as fronteiras ampliadas para aumenta seus lucros. Desta forma o Mercosul não será um projeto para fortalecer as economias regionais em benefícios das populações. Esta impressão fica reforçada quando percebemos que na verdade as iniciativas da implementação do projeto vêm sendo conduzidas quase exclusivamente a nível dos empresários, limitando-se os Estados a referendar suas decisões. Urgimos não só a participação mais ampla da sociedade civil, mas cobramos a obrigação do estado de salvaguarda os legítimos interesses das populações em todas as decisões que se tomam referentes ao Mercosul. O encaminhamento concreto do Mercosul se submete ao totalitarismo do mercado e da competitividade econômica, omitindo a maior de todas as prioridades de nossos países: o atendimento às necessidades básicas de
consumo e de qualidade de vida das populações pobre, das grandes massa excluídas. Ponderamos que os prazos de sua implantação são por demais exíguos, se queremos que, de faro, se proceda às necessárias e indispensáveis medidas de adaptação setorial e regional que o funcionamento de um mercado comum requer, para que não sejam atropelados inteiros setores e regiões, com o correspondente prejuízo para as populações envolvidas. Estranha-nos que o Tratado não se preocupe comas indispensáveis garantias e salvaguardas para proteger os integrantes menores, o Paraguai e Uruguai, atitudes que se reflete também no pouco caso com a preservação das identidades nacionais e culturais dos quatro países envolvidos. Isto de novo nos faz colocar a pergunta se o Trabalho é um pacto entre nações soberanas ou um convênio entre mega-empresas. Em especial, preocupam-nos os impactos que o Mercosul vai trazer para as pequenas e medias empresas e para os trabalhadores. Estes não podem ver atropeladas as precárias conquistas já garantidas em seus direitos, e as pequenas empresas não podem se sentir ameaçadas de desaparecimento diante das facilidades concedidas às grandes,q eu assim terão o caminho abeto para a cartelização de toda a economia regional. Chamamos a atenção para as sensíveis diferenças regionais, em especial no que se refere à agricultura. É indispensável que se prevejam mecanismos de incentivo aos pequenos produtores rurais, e aos setores com menores condições de competitividade atual, para que não despareçam, aumentando assim o êxodo rural e agravando os riscos ecológicos. Lembramos também a situação crítica vivida pelos migrantes, que já ultrapassaram fronteiras nacionais, e que se constituem numa denúncia dos riscos de um projeto que defende a livre mobilidade das forças de trabalho, mas não lhes garante condições dignas de trabalho e de vivência de seus valores culturais. Propostas - Diante destas e de outras apreensões, temendo que a legítima aspiração dos povos latino-americanos a uma integração solidária de suas economias seja instrumentalizada por um projeto de submissão ainda maior ao capital internacional, os participantes do Seminário propõem: 1. que haja mais transparência e informação a respeito de tudo o que se refere ao projeto do Mercosul. Que se publiquem, por exemplo, todas as decisões já tomadas nas subcomissões existentes; 2. que a sociedade civil realize amplo debate a respeito das implicações e impactos que o Mercosul poderá trazer, em todos
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os setores da economia, nas diferentes regiões de cada país, e no conjunto das populações envolvidas; em especial, lançam a proposta da constituição de Fóruns, em diversos níveis, envolvendo movimentos populares e outras instâncias da sociedade, com representantes dos quatro países, para articula iniciativas, debates, estudos e propostas da sociedade civil a respeito do Mercosul; finalmente, que a efetivação ou não do Mercosul seja submetida à decisão soberana do povo, através de plebiscito a ser oportunamente realizado nos quatro países, após amplo e prolongado processo de esclarecimento popular.
Relacionamento efetivo enfermeiro-paciente A enfermeira não é somente ciência e técnica, mas deve ser relacionamento positivo com o doente e todos os membros da equipe de saúde. Quando digo que a enfermagem também é interação humana, quero referir-me a processos que acontecem entre pessoas, entre entidades, que são sistemas que percebem, sentem e compreendem. Cada pessoa é uma origem e um centro de efeitos psicológicos,que se expandem para o interior da vida de outras. Pode exercer efeitos vivificadores ou deformadores. As emoções, os pensamentos de uma pessoa agem como forças, para pôr em movimento as atividades psicológicas de outras. A capacidade de compreender e controlar as próprias emoções é fundamentalmente importante nas relações humanas. O amadurecimento das atitudes constrói um relacionamento positivo e cria ambiente de bem-estar entre todos. O enfermeiro deve buscar a humanização do seu trabalho no relacionamento com seus colegas, com o paciente e com outros profissionais da área. O enfermeiro é o principal responsável pela criação de um ambiente terapêutico e relacionamento positivo em qualquer hospital. Por relacionamento positivo quero entender o contato direto com as pessoas, no sentido de fazer desaparecer preconceitos, concepções errôneas e, principalmente, nos sentido de fazer crescer as pessoas, de esta presentes aos seus problemas e necessidades. Há muitos conceitos do que seja tal relacionamento. Destacarei apenas alguns: “É o modo das pessoas entenderem-se bem umas com as outras, com a finalidade de levarem a efeito uma tarefa que conjuntamente concordaram em realizar”(Lewis e Pearson). Nadir Kfhori assim se expressa a esse respeito: “O bom relacionamento se realiza à base de relações de comunicações, através da palavra na qual o ser humano está presente como um todo, com seus sentimentos, seu modo de
pensar, sua inteligência, suas dificuldades e virtudes, seus padrões culturais”. É importante que o relacionamento seja algo significativo, no sentido de abertura ao outro. Nós, enfermeiros, devemos ter consciência de que: tratar de doentes não é apenas uma questão de inteligência e competência científica, mas uma questão ampla de humanidade; não podemos ignorar a estrutura bio-psico-social histórica e filosófica da pessoa que está a nossa frente; o enfermeiro, como todo profissional da saúde deve sabe respeitar as aspirações e necessidades do paciente, as quais jamais poderão ser esquecidas ou negligenciadas; o doente sente necessidade de ser tratado como pessoa, e não como tipo, caso, número ou coisa. Ele deve ser considerado como um ser dotado de qualidades próprias, características e diferenças específicas. É tão essencialmente uno que não é possível dividi-lo sem o destruí (o princípio ético da totalidade da pessoa). Nesse sentido, devemos considerar que a pessoa só é capaz de estabelecer um relacionamento construtivo, quando sentir que é reconhecida como pessoa-indivíduo. Aliás, a individualização é um dos pontos essenciais no conceito de pessoas; o doente sente necessidade de expressar seus sentimento negativos e positivos. Carls observa que os pacientes exprimem seus sentimentos gradativamente, em especial quando se relacionam com os membros da família, o que faz sentir a necessidade de uma técnica apropriada na relação com o paciente; o doente sente necessidade de ser aceito como pessoa de valor, com dignidade inata, apesar de seus erros, falhas e enfermidades de que se vê acometido.No entanto, aceitação não é resignação e, menos ainda, acomodação. O saber aceitar o outro é um reflexo da aceitação de si mesmo. Precisamos amadurecer muito nesse terreno da aceitação de algumas realidades humanas, no campo profissional, por exemplo, como ajudar o paciente moribundo e agonizante, respeitando sua dignidade de pessoa humana; o paciente sente necessidade de não ser julgado ou condenado pelas dificuldades em que se encontra. Ninguém pode
compreender o comportamento humano na sua totalidade. Rogers dizia: “... tenho perfeita consciência do fato de que, pela necessidade de se defender dos seus temores íntimos, o indivíduo pode vir a comportar-se de uma maneira incrivelmente feroz, honrosamente defensiva, imatura, agressiva, anti-social, prejudicial, mas não deixa de ser verdade que os trabalhos junto a eles constituem um dos aspectos mais animadores e revigorantes da minha experiência". Frete à doença e a à dor (física /moral0, o ser humano tem respostas diversas e, muitas vezes, incompreensíveis à primeira vista; o paciente sente necessidade de compreender solidária e correspondência aos sentimentos expressos. Ele aprecia e quer lealdade da parte do profissional que o assiste. Caso contrário, se fecha dentro de si próprio. Só a autenticidade produz no outro a confiança. É importante entender que, muitas vezes, o doente quer mais uma palavra que uma medicação. A atitude de compreensão do doente é duplamente enriquecedora, pois, enquanto me volto para ele, modifico-me, torno-me diferente e mais sensível. Mas, talvez o que mais importa é que a compreensão vai permitir que o outro se modifique, se assuma e se sinta mais pessoa; o paciente sente necessidade de fazer escolhas e tomar decisões próprias no que se refere à sua vida. O enfermeiro, no seu relacionamento com o paciente, deve evitar super protegêlo e, de outro lado, não lhe tolherá a liberdade, impondo-lhe suas decisões. A super proteção deforma, porque impede a pessoa de desenvolver sua potencialidades, levando-a a uma dependência. Ora, a enfermagem é, também, uma relação de ajuda para libertar a pessoa, tornando-a independente, capaz de atender a suas necessidades, autonomamente. Por outro lado, o enfermeiro jamais poderá impor seus conhecimentos aos outros, aos seus pacientes. Todos os seus conhecimentos técnico-científicos devem ser empregados em função da pessoa / indivíduo e único e não a pessoa ser colocada como objeto para aplicação de seu saber. Enfim, o paciente deve ser, sempre, sujeito ativo da assistência que lhe e prestada; o paciente sente necessidade de que seja mantido em segredo o problemas confiando ao enfermeiro, nem como ao médico e outros que o assistem. O segredo confiado é diferente do
prometido e do natural, e se baseia numa espécie de contrato entre o profissional e o cliente. Este só conta se tiver certeza de que o profissional não vai revela-lo a ninguém. A ética do sigilo profissional nos ensina que somente podemos revelar um segredo do paciente nos casos em que houve real necessidade, em função do bem-estar do próprio paciente. Mas este deve ser notificado dessa necessidade. A violação de um segredo destrói todo o relacionamento positivo, além de se tratar de uma questão de injustiça e de desrespeito à dignidade humana. O enfermeiro deve sr valorizado pelos seus conhecimentos profissionais, sua técnica na execução dos cuidados e pelo seu modo de relacionar-se com os pacientes. É preciso que os enfermeiros estejam bem preparados profissionalmente. O estudo da pessoa humana, seu comportamento e psicologia dos diversos tipos de personalidade, nas diferentes enfermidades, são assuntos que devemos aprofundar com freqüência. No mundo atual, a pessoas estão buscando conhecer a si mesmas. Está havendo mudanças, baseadas na crescente valorização do nosso humanismo. Todas as transformações sociais e/ou individuais se refletem na profissão de enfermagem, o que não é surpreendente, pois a enfermagem está no âmago de tudo isso. Nesta área em que a preocupação com a vida e a morte, a pobreza e a abund6ancia, o conhecimento e a ignorância, bem como os sentimentos e a inteligência convergem para algumas das mais básicas relações, o enfermeiro é um dos principais envolvidos. Os enfermeiros se esforçam para aplicar o que a[renderam e querem aprender ainda mais sobre relações humanas, talvez porque a enfermagem veja, mais do que nunca, a necessidade de redefinir e reavaliar os valores profissionais tradicionais. Espera-se que os enfermeiros saiam dessa reavaliação como lideres da equipe de saúde, pois, reunirão em si o conhecimento científico, a competência profissional, a perícia e a sensibilidade necessárias para uma interação humana afetiva – bem como a habilidade para articular os meios de alcançar níveis ideais de atendimento aos doentes na sociedade em que vivemos. O enfermeiro está atento aos princípios éticos que regem sua profissão, mas também reflete os problemas éticos e sociais derivados dos progressos médicos. Daí o interesse da enfermagem pela bioética, a qual aparece no horizonte científico das novas descoberta como o estudo interdisciplinar dos problemas criados pelo saber biomédico e tecnológico, suas repercussões na sociedade e seu sistema de valores. A bioética quer se uma “reflexão para orientar o saber médico, em função de uma proteção cada vez mais responsável da vida humana” (David Roy).
Retomando o objetivo inicial desta reflexão – que é buscar subsídios par o relacionamento positivo enfermeiro-paciente-, deve dizer que inexistem fórmulas precisas e absolutas para uma interação efetiva nesse sentido. A interação efetiva depende, em última instância, da habilidade dos participantes dessa interação (enfermeiro/paciente). Qualquer conclusão está sujeita a falhas, já que cada um de nos está sempre em desenvolvimento, em constante mudança, em reiterado vira-se. A experiência de cada enfermeiro deve ser compartilhada nesse terreno do relacionamento com o paciente. Quem sabe, das experiências, possamos chegar a alguma conclusão. Precisamos,no entanto, considerar, como diz Circe Ribeiro, que “o paciente é o principal objeto das atividades da enfermagem, e representa uma constante força opressora, exprimindo seus desejos, suas expectativas e atividades. Ele é uma personalidade individual, com necessidades particulares, no plano físico, mental e social, que reage de acordo com suas crenças, esperanças para o futuro e experiências passadas. E,portanto, deve receber cuidados de enfermagem planejados segundo suas necessidades”. “Nenhuma época acumulou sobre o homem conhecimentos tão numerosos e diversos quanto a nossa. Nenhuma época apresentou tão bem e sob forma mais tocante seu saber sobre o homem, Nenhuma época conseguiu tornar este saber tão pronto e facilmente acessível. Mas nenhuma época também soube menos o que é o homem. Em nenhuma outra o homem apareceu tão misterioso” (Martin Heidegger). Genical Fernandes de Freitas, enfermeiro do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. Seu nome é Deus É manhã de terça-feira. Helena desperta de seu sono e recompõe na mente os compromissos do dia. Entre esses, ocupa maior importância a visita aos anciãos doentes, internados na Clínica X, que fazia todas as terças-feiras à tarde. Entretanto, ela se sente fisicamente indisposta e vai cancelando mentalmente alguns de seus compromissos. ÀS 9 horas, um pouco mais receita, levanta-se e retoma seus afazeres domésticos. No dia anterior, tinha ido ao médico, e este lhe havia recomendado uma vida mãos tranqüila, porque seu coração exigia menos esforço. Isso iria custar muito a ela, tão afeita ao trabalho no lar e incansável na dedicação aos menos favorecidos. Era preciso encontrar o equilíbrio entre a sua personalidade dinâmica, criativa, serviçal, e a saúde ora ameaçada. À tarde, após o período de maior afã, ela se recolheu aos seus aposentos: descansaria, conforme orientação médica. Não completara, meia hora de repouso, quando soou aos seus ouvidos o toque da campainha. Era
Lúcia, sua amiga, que viera para, em sua companhia, realizar sua primeira visita àquela instituição. Desculpe-me, Lúcia, hoje não iremos. Não me sinto bem. Preciso descansar. Faremos a visita na próxima semana... Oh, Helena! Justo hoje que estou motivada para essa visita, cujo convite se vem repetindo com freqüência! Vamos! Verá que, ao regressarmos, você se sentirá melhor. Tanta foi a insistência de Lúcia que Helena se dispôs a ir. Ao chegarem ao hospital, receberam o credenciamento para a visita e se dirigiram à unidade de internação que lhes cabia visitar. Gradativamente, Lúcia ia sendo apresentada à equipe de enfermagem e aos doentes da unidade. De repente, Helena se detém em frete ao leito de uma velhinha, e percebe que o almoço, servido às 11 horas, permanece intacto, frio e sem proteção contra insetos. A Anciã, de olhos fixos no prato e no copo de água, denota tristeza em seus olhos. A fome a tortura, e a limitação física a impede de sacia-la. Lábios ressequidos, deixa transparecer a sede a castiga-la. Helena se entristece antes esse quadro. Interrompe a apresentação de Lúcia, aproxima-se mais do leito e começa a prestar a assistência que o momento requer. Envolvida com o atendimento à anciã, não percebe que está sendo observada pela paciente ao lado, portanto de uma retraplegia. Mal acabara de ajeita a anciã em seu leito, repercute atrás de si uma voz,vinda daquela observadora: Qual é o seu nome? Não houve tempo para a resposta, porque uma voz, agradecida, se antecipou, tomada pela emoção: Seu nome? Seu nome é Deus! Irmã Judith Francisca Muniz, diretora da Pastoral da Saúde, da Sociedade Beneficente São Camilo). Nova evangelização e formação profissional Ao considerar-se a abordagem da formação profissional na área da saúde, na ótica cristã, não se pode desconhecer o desafio do “ser cristão”, no atual contexto sócio-cultural, o que significa pertencer a uma sociedade pluralista qual “os diversos setores sócio-culturais tornam-se autônomos, gozando portanto de inteligibilidade e normatividade própria e apresentando cada um deles sua interpretação da realidade,s eu universo simbólico respectivo, simplesmente ignorando ou prescindindo dos princípios cristãos”(1). Significa ainda pertencer a uma sociedade caracterizada pelo econômico, que “tudo reinterpreta e valoriza dentro de sua lógica da produtividade, do quantitativo, do lucro” (2); uma sociedade caracterizada
pela perplexidade nascida da experiência do descrédito no mito do progresso aliada à impotência do indivíduo frente aa complexidade do estado moderno. Avaliar e formação profissional na e para a área da saúde supõe reconhecer a esse nível as influências desta sociedade moderna, que apõe individualismo científico e subjetivismo à consciência coletiva, ao desenvolvimento social, à espiritualidade. E mais: avaliar este processo no enfoque da nova evangelização às vésperas do Terceiro Milênio requer considerar o confronto entre o “dar prosseguimento à tradição evangélico profético-libertadora dos cristãos na realidade latino-americana”(3) e as “culturas de morte’de uma sociedade impregnada “das múltiplas formas de sacrifício da vida humana aos ídolos da riqueza, do poder e do prazer” (4). Portanto, é possível considerar que a formação na e par a área de saúde, hoje, implica em permitir reconhecer as dissimuladas forças de morte que distanciam o cidadão da vida plenamente humana. Entretanto, um rápido averiguar a realidade permite constatar que esse “reconhecimento” não é “exercitado” durante a formação profissional, podendo-se inclusive exemplificar com fato recente: há pouco mais de um ano, a Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM, juntamente com instituições afins na área da saúde, propuseram e realizaram uma avaliação do ensino médio no País (5). Embora ainda não sejam conhecidas as conclusões finais deste levantamento, constatou-se que, apesar de não existir uma política de educação médica definida, o “modelo” transmitido aos alunos, durante a sua formação universitária, não se baseia tanto num perfil apresentado pelos professores do curso de graduação, mas resulta sobretudo da “propaganda da indústria da saúde”, que, sub-repticiamente, “vence”, entre outros, a medicalização e a compulsão pela prática de exames complementares, que requerem equipamentos sofisticados e profissionais cada vez mais especializados, em detrimento da busca de restaurar a(s) função (ões) vital(is) comprometida (s). Esse comportamento não só onera significativamente a assistência médica como traduz um posicionamento “mercantilista”da saúde, que aparece como mercadoria a ser consumida (6), passando à categoria de “produto” acessível apenas aos que podem pagar o seu preço, o que certamente exclui o vasto contingente dos empobrecidos... Também se verificou, a partir deste estudo, que a formação profissional nas escolas de medicina não leva em consideração as necessidades dos usuários do sistema de atenção médica, pois simplesmente as desconhece. Triste realidade, essa primeira avaliação permite apreciar o “peso do tecnismo e da mercantilização, verdadeiros entraves à prática profissional que tenha por objetivo buscar a saúde como “estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas ausência de doenças ou enfermidade”(7). Na ótica cristã, essa
constatação é ainda mais dolorosa,pois verifica-se que a formação desses profissionais baseia-se quase exclusivamente nos valores da modernidade,que são, “antes de mais nada, valores dos fortes”(8). Como transformar essa realidade a partir da nova evangelização proposta para o continente latino-americano? É fundamental lembrar que “a Igreja convence pelo conteúdo muito mais do que pelos métodos usados para comunicar o conteúdo. Se o conteúdo não se referir às preocupações dos homens modernos, é pouco provável que consiga converte-los de novo”(9). Portanto, cabe aqui mais uma questão: como convencer o homem moderno, que é formado para atuar na área da saúde, de que a fé cristã quer estar e deve estar vinculada à sua realidade profissional? “A fé sem obras não tem valor”(Tg 2,21), já alertava o apóstolo. Ou seja, a fé implica em compromisso que se traduz no concreto da vida. Ao contrário, os profissionais formados na e para a área da saúde, em sua maioria, oriundos da classe média, “formados numa religião funcional e distante da vida real, tradicional, mas desprovida de uma espiritualidade de fundo, são particularmente expostos à secularização, de sua vida profissional e da organização global da sociedade em que vivem”(10). De outro lado, constatase hoje o emergir de um “novo sujeito histórico”, que se caracteriza por sua consciência coletiva, por sua capacidade de organização em movimentos, associações, comitês e comunidade, e que surge a partir do apelo de “bandeiras”, como moradia, justiça social, direitos humanos, defesa do meio ambiente, dignidade da mulher (11). Esse novo sujeito histórico conquista espaços para o “novo”, o “dissidente”, em confronto com o “estabelecido”, o “oficial”, apresentando-se como aquele que questiona e desafia esta sociedade (12). Surge, pis, uma pista de ação: é preciso suscita entre os que estão comprometidos com o processo de formação na e para a saúde o apelo para conquistar um espaço “novo”, “divergente”, “dissidente”, à maneira do “novo sujeito histórico” (13). Para tanto, é fundamental que a Igreja se faça presente no meio universitário, no meio científico, nos centros profissionalizantes ligados à área da saúde. este tipo de presença eclesial implica em compromisso coma inculturação junto ao “universo técnico-científico da área da saúde”. Afinal, “o tema específico da cultura técnico-científica”, que da modernidade é certamente um traço central, não parece, ao me nos no Brasil, ter estado no cento nem da reflexão teológica, nem das preocupações pastorais,nem de especial interesse por parte dos religiosos”(14). A Igreja precisa estabelecer diálogo com os que constituem o meio de formação dos profissionais ligados à área da saúde: formadores e formandos. Tal diálogo exige do lado eclesial interlocutores que se comuniquem a partir
da base técnico-cientifica, porém, capazes de interpreta-la o “projeto de vida de Deus para o seu Povo”(15), retirando da “cultura tanatocrátcica’ uma pseudo-autoridade que ela se arroga ter e que se sustenta na dissociação entre fé e vida, fé e cultura (16). Urge libertar este “universo de formação” ligado à área da saúde das forças da morte. Ora, “não existe mensagem de libertação em si, sem revestimento cultural” (17). E a\o verdadeiro cristão, hoje, acredita que a mensagem de libertação da qual é portador precisa chagar a todos os níveis e segmentos sociais, “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jô 10,10). Ao “mensageiro” que se dispuser ao diálogo com formandos e formadores da área da saúde é importante lembrar que a espiritualidade da nova evangelização assemelha-se à espiritualidade do Servo de Javé, e que pode ser sintetizada em quatro pontos fundamentais: esse novo evangelizador deve saber-se escolhido para servir, para praticar o direito e a justiça em relação aos pobres, para “carregar” o pecado do mundo e para esperar contra toda esperança (18). Embasado neste “terrenoespiritual”, tal interlocutor possibilitará conhecer a origem da Verdadeira Autoridade, que nasce do compromisso de Amor de Deus com o homem e a mulher e que representa o modo mais eficaz de transformar uma realidade de morte em realidade de vida. Interpelados a partir de seus referenciais e desafiados a recebe-los à luz Boa Notícia de Jesus Cristo, os formandos e formadores da área da saúde poderão comprometer-se com o espaço que lhes cabe com os novos sujeitos históricos eclesiais (19). Maria Elena Guariento, religiosa, médica e professora na Unicamp, Campinas, SP. Até onde ir no tratamento aos aidéticos A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) não difere de algumas doenças crônicas passíveis de ação terapêutica com eficiência sob vários aspectos, mas, ultimamente, fatais. No estágio de nossos conhecimentos científicos, hoje, não há cura para a citada moléstia, e as infecções que afligem os pacientes freqüentemente podem ser controladas, permitindo qualidade de vida satisfatória, desde que seja mantido tratamento contínuo, para que a maior parte delas não recorra. As complicações tumorais permitem resultados razoáveis e, no caso de linfomas, há inclusive a possibilidade de erradicação do dano em caráter definitivo, por vezes. O vírus da imunodeficiência humana (HIV), causador fundamental da AIDS, é atingido, via de regra, por drogas disponíveis, entre as quais a principal,no momento, é a AZT, que definitivamente mudou a história natural do processo mórbido, quanto à
sobrevida e à qualidade de vida. Grande óbice tem sido o acontecimento neurológico que, quando depende da agressão do vírus em si, possibilita poucos benefícios. Na medida em que os progressos mantêm aidéticos vivos durante mais tempo, percebemos ser comum a lesão do sistema nervoso, correspondendo não raramente ao quadro final da evolução. A AIDS, como outras afecções não suscetíveis de cura, estabelece para o médico situações em relação às quais ele percebe, com clareza, a pouca utilidade de seus esforços, já que a medicina, então, chega a seus limites de viabilidade de ações. Julgamos importante frisar isso com objetividade ao enfermo, se ele estiver em condições de consciência suficientes, ou a seu representante legal. O ideal é abordar o assunto muito antes da emergência da condição em tela, em fase coerente com ampla discussão, concedendo ao próprio envolvido avaliar e decidir o que vai desejar que façam consigo nas etapas mais avançadas do mal. Nos estados Unidos, é comum a execução de living will, ou seja, testamento em vida, em tais circunstâncias, a fim de nortear os cuidados a serem prestados no derradeiro instante. Se o paciente ou quem de direito exprimirem a intenção de não aceitar procedimentos extraordinários, ultrapassadores do sensatamente aceitável e até comprometedores de morte com dignidade, não há nenhum impedimento ético para que a equipe médica aceite a disposição. Documentos éticos católicos, como o dos bispos franceses a respeito do tema, endossam plenamente essa opção, que em hipótese alguma pode ser confundida com eutanásia, que é atitude ativa de terminar uma vida> Insistimos na diferença essencial entre uma coisa e outra, reconhecida pela Igreja não só no posicionamento lembrado,mas também em encíclicas papais. Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak, médico e professor universitário em São Paulo. A recusa terapêutica, ontem e hoje. A fim de evitar qualquer equívoco, declaramos de início que estamos plenamente a favor da modernização técnica, devidamente utilizada, notadamente no campo médico, e não somos a favor da eutanásia. Constatamos, porém, uma resistência, inclusive entre cristãos, à modernização tecnológica (por diversas razões) e certa perplexidade diante da interrupção – ou não – dos cuidados aos doentes desenganados em fase final. Nossa opção pelo progresso das ciências biomédicas e cirúrgicas, assim como a consciência de dever assistir os limites apontados pela razão e humanidade não nos impedem, todavia, de lançar sobre os primórdios da Igreja um olhar histórico que restringe nosso espanto diante de posições diversas das nossas.
A livre recusa de cuidados ou cirurgias que parecem onerosas ou inoportunas ao doente está sendo advogada em nossos dias em nome da livre disposição de si do cidadão, mas no âmbito do cristianismo outro argumento pode ser invocado: a tradição patrística. Essa tradição sobre o papel de Cristo “único Médico” (das almas e dos corpos); pela força desta convicção alguns cristãos dos primeiros séculos recusavam faze apelo à medicina profana. Tatiano e Tertuliano chegam a condenar tal recurso ao médico e julgar ilícito até o uso dos medicamentos.”Deixemos aos pagãos tais recursos! Nossa baluarte é a fé” (Tertuliano, Scorpice I). “A cura por meio de remédios provém em todos os casos de em embuste, porque se alguém sara pela sua confiança nas propriedades da matéria,quanto mais sarará ao se abandonar ao poder de Deus”. (Tatiano, Discurso aos gregos, 20). Cristãos e pastore de menor prestígio dizem o mesmo: Arnóbio de Sicca critica o recurso à medicina como manifestação da cultura pagã, fundada sobre saber puramente humano e não sobre o pode divino, que “não precisa, para agir, nem de ervas nem de ungüentos” (Adversus gentes, 1, 48). Essa atitude (descrita com simpatia e referências por J.C. Larchet em Théologie de la maladia. Cerf, 1991) era mais comum entre monges do que entre simples leigos (segundo São Gregório Palamas, Tríades II, 1,35), para não falar da hostilidade de Márcion, herege, à medicina (saber que os cristãos passaram por essa fase pode nos ajudar a entender as seitas que teimam hoje nessa postura). São Barsanufe não tergiversa: “Aqueles que, na doença, desprezam os remédios chegaram ao grau supremo da fé”(carta, 529). No mesmo espírito de fé fundamentalista, São Macário instiga o fiel comum: “Será que as doenças do corpo, por acaso, não te levam a ver os médicos terrestres, como se o Cristo, a quem te confia, não podia te curar? Veja o quanto tu te enganas a ti mesmo, desde que imaginas ter a fé enquanto não acreditas realmente como deveria” ( Homilias, II, 48, 4). São Barsanufe é mais condescente com os fraços: “Quanto a consultar ao médico, cabe ao perfeito abandonar-se a Deus, mesmo se a coisa custa: o fraco, porém, consulta o médico” ( Cartas, 770). Mesmo atitude em São Macário: “Deus permite o uso dos remédios àqueles que não podem ainda confiar totalmente em Deus. Masvocê queleva uma vida solitária, que se aproximou de Cristo, que deseja ser filho de Deus e nascer do Espírito, que se tornou estranho ao mundo, deve adquirir uma maneira de pensar e de viver totalmente nova e diferente dos homens mundanos” (Homilias, II, 48, 6). “Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Transporta-te daqui para lá, e ele se transportará, e nada vos será impossível’(Mt 17,20). As posições rigoristas de Tertuliano, Tatiano e Arnóbio, em grau menor de Orígenes, de São Barsanufe, de São Macário e de São Gregório
Palamas,não foram unânimes entre cristãos dos primeiros séculos, mas são amplamente documentadas e não foram condenadas, pelo contrário. De lá pra cá, a medicina fez enorme progressos, mas isso não importa na questão de princípios que estamos examinando. Importa, sim, é certa atitude de desprezo dos meios naturais ou artificiais, em nome duma transcendência talvez equivocada. “O perfeito podo esse dispensar de recorrer à medicina porque para ele Deus é tudo em todos, porque tende para Deus de uma maneira direta e única”( Larchet, 113, invocando São Gregório Palamas). Importa outrossim considerar que esses rigorosos receiam que a confiança nos meios humanos venha a substituir a confiança em deus; nesta perspectiva dizem combater uma “atitude idolátrica”, exatamente o conceito usado hoje pro agente que militam contra os progressos técnicos. Por outro, consta que a recusa da “obstinação terapêutica” é mais do que justificada, isso desde os primórdios do cristianismo, quando mais num século que valoriza, ainda que mais na teoria que na prática, a liberdade do paciente de aceitar ou recusar determinadas terapias. O contexto antigo de desconfiança no tocante ao progresso técnico, particularmente sensível no campo da saúde, se apoiava sobre um providencialismo que concedia pouco valor às causalidade humanas. Muitos Padres da Igreja davam com causa principal de muitas doenças e ação do demônios (Larchet, 31). Ainda hoje, Larchet,um autor moderno, observa que “uma razão fundamental pela qual os espirituais são, mais freqüentemente que outras pessoas, afetados por doenças, pode ser uma ação direta de demônios que procuram, desta maneira, perturbar sua vida interior e desvia-lo de sua tarefa essencial” (Larchet, 47). Sabemos que o providencialismo, ainda hoje , ajuda muitas pessoas simples a suportarem as agruras da vida. Isso requer dos outros, portanto, uma atitude cautelosa de respeito e compreensão. O providencialismo exacerbado é ligado ao fundamentalkismo de certas seitas e ao supranaturalismo que marcou muitos séculos cristão: repsrou-se que, nos relatos hagiográficos, a cura dos doentes é sempre associada a sua conversão (R. Aigrains, L’hagiographie, 1953). Uma pastoral moderna da saúde não precisa operar opções drásticas entre o natural e o sobrenatural, nem deve faze-lo, mesmo se as fronteiras nos escapam. Só em Deus a visão do mundo é unificada,mas não somos Deus. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista.