Eu tenho um sonho Eu tenho o sonho de que, um dia, os homens se ergam e percebam que são eitos para viver uns com os outros, como irmãos. Hoje, ainda tenho o sonho de que, um dia, todos serão julgados com base no seu caráter e não na cor da sua pele, e de que todos os homens respeitarão a dignidade e o valor da personalidade humana. Ainda sonho, hoje, que um dia as indústrias paradas serão revitalizadas e os estômagos vazios serão cheios; a fraternidade será mais do que algumas palavras no fim de uma oração, será o primeiro assunto em todas as agendas legislativas. Ainda sonho, hoje, que um dia a justiça jorrará como a água, e o direito será como um rio caudaloso. Sonho, hoje, que, em todos os nosso estados e assembléias, serão eleitos homens que praticarão a justiça e possuirão piedade e serão humildes ante o seu Deus. Sonho que, um dia, a guerra chegará ao fim; que os homens transformarão as espadas em arados e as lanças em machados, e as nações não mais se levantarão contra outras nações, nem se estudará mais a arte da guerra. Ainda sonho, hoje, que um dia o cordeiro e o leão ficarão lado a lado, e todos os homens poderão sentar-se sob a sua vinha e sob a sua figueira, e ninguém sentirá medo. Sonho que, um dia, todos os vales serão exaltados e todas as montanhas e as colinas serão aplainadas, e a glória do Senhor será revelada, e toda a mortal humanidade e verá em seu conjunto. Ainda sonho que, com essa fé, seremos capazes de derrotar o desespero e levar uma luz nova às câmaras escuras do pessimismo. Com essa fé, apressaremos a chegada do dia em que haverá paz na terra e boa vontade para com todos os homens. Será um dia de glória. As estrelas da manhã cantarão em coro, e os filhos de Deus gritarão de alegria. (Ver. Martin Luther King Jr., in “O grito da consciência”). Comida e paz Os estômagos famintos da Somália clamam pela paz. O almoço distribuído ao som de canhões prolonga a vida, mas pouco acrescenta à esperança. Os pobres do Haiti começam também a desperta solidariedade internacional. Suas esperanças foram cortadas por um golpe militar que continua a trucidar lideranças. Bispos brasileiros que foram a Santo Domingo quiseram visitá-los, mas não puderam. Na França, Holanda, Alemanha, Bélgica, os agricultores estão indo para a rua contra um acordo que obriga os europeus a diminuir a produção em 25%. Por que diminuir? Porque Bush quer exportar um bilhão de dólares de soja estocada. Não compra vinho nem óleo de girassol, se a Europa não diminuir a produção e os subsídios aos agricultores. Há brasileiros contentes com essa guerra de Bush. Acham que o Brasil pode aproveitar essa brecha e vender também mais um bilhão de dólares de soja. Ledo engano. O problema do mundo é superprodução de alimentos. E de má repartição, claro. Se a Europa diminuir sua produção em 25%, não faltará alimento. Faltará trabalho para 6 milhões de agricultores e, também, mercado para a soja brasileira. Nunca a Comissão Pastoral da Terra defendeu a agricultura voltada para a exportação. Mas, num país que só tem valorizado os produtos agrícolas de exportação, muitos pequenos e médios produtores entraram no canto de sereia da soja. E, agora, não
haverá mais vacas européias para comer soja importada. Vão sobrar agricultores no Brasil, mais uma vez. Acabaram as eleições, os governos municipais estão fazendo planos. Como vão cuidar da segurança alimentar da população do município? Por que a agricultura, pensada a nível de município e região, não poderia ser uma peça-chave da economia, da política, da participação popular? Se os grandes fazem guerra por causa dos alimentos, para tirar lucro, por que os prefeitos não deveriam dar prioridade à produção e à distribuição de alimentos, para a paz das maioria pobres que querem produzir e das maiorias famintas que precisam de comida? Em Tauá, CE, com um governo do PDS, os trabalhadores, liberados pelo sindicato, obrigaram a Câmara a incluir na Lei Orgânica do município um capítulo sobre agricultura. Diante da falta de ação do prefeito, fizeram, eles mesmos, o zoneamento agro-ecológico do município e um plano de ação agrícola que, apesar da pouca vontade das autoridades, se tornou lei municipal. Sem esperar pelo prefeito, mas obrigando-a a colocar a administração a serviço das comunidades. Os pequenos produtores não podem interferir nos mercados e preços internacionais. Mas podem ir criando e implantando na sociedade nos conceitos de agricultura, novos modelos que valorizem os recursos da natureza e os consumidores da região. Claro que o povo consumidor precisa de emprego e melhores salários. Na atual situação de desemprego e baixos salários, morre-se de fome e sobra alimento. Exatamente porque o mundo está se envergonhando da Somália, do Haiti e, por que não, da africanização do Brasil, é preciso despertar novas energias criativas. Provar, com novas práticas, que o Brasil tem jeito. Desde que seja planejado a partir das potencialidades da região, com a população, junto com ela e para ela. Na fal6encia do neoliberalismo, pessoa, comunidade, povo ficarão valendo mais que mercado, produtividade, competitividade e outros deuses coloridos, cegos, surdos e que não dizem nada para a humanidade. Apesar de toda a sua fome, o povo não precisa de esmolas, precisa de respeito, prática novas onde ele seja ator. Esperamos que Itamar não volte ao “social: de Sarney. O povo quer muito mais. Quer participar da economia, da política. Extraído do “Boletim da Comissão Pastoral da Terra – CPT, edição n.º 106, novembro /dezembro de 1992. Os gastos públicos com os manicômios Os cofres públicos gastam anualmente CR$ 2,5 milhões com internações psiquiátricas. É a maior despesa de internação sustentada pelo Inamps. Um documento do Ministério da Saúde alerta: o serviço é de “má qualidade” e de custos econômicos elevados, sustenta Domingos Sávio do Nascimento Alves, coordenador do Departamento de Saúde Mental. Esse documento foi levado para a Conferência Nacional de Saúde Mental. Realizada em 1º de dezembro de 1992, onde foram feitas denúncias sobre a internação psiquiátricas no Brasil. “ë uma área de gigantescas distorções”, afirma Domingos Sávio. Segundo ele, tratamentos mais baratos do que a internação são, muitas vezes, mais eficientes. Há no Brasil 313 hospitais psiquiátricos – 54 públicos e 259 privados. De todos os leitos mantidos por contratos com recursos oficiais, 20% estão ocupados por pacientes com transtornos mentais. Em 1989, foram internadas 450 mil pessoas – um terço deles é recorrente. Pelo menos 50% são por alcoolismo.
De acordo com o documento, “muitos desse pacientes são residentes nos hospitais psiquiátricos, pois perdem completamente os vínculos familiares e sociais, o que torna extremamente difícil o seu processo de reabilitação”. E, assim, entra-se num círculo que dificulta a desinternação. Considera-se como “aceitável”, segundo o Ministério da Saúde, o prazo de internação de 30 dias – a média, no Brasil, é de 69 dias. “Essa distorção é ainda maior do setor privado contratado”, informa o Ministério da Saúde. Ali, registrou-se um tempo inédito de 75,3 dias. Como conseqüência dessa diferença entre o setor privado e público, os hospitais particulares acabam recebendo mais dinheiro. Os hospitais públicos levaram, em 1990, 8,5% das despesas no Inamps com internações, garantindo o primeiro lugar. Na área privada, sobe para 14,6%. A proposta do documento é que se inverta o sistema, estabelecendo a internação como último estágio – o Departamento de Saúde mental afirma que, hoje, a prioridade é a ocupação do leito. Mas já existem experi6encias alternativas que se mostram mais eficazes e baratas. “Alguns resultados positivos já começam a ser observados, com a desospitalização e reinserção total de pacientes com história de longas internações, além do tratamento de pacientes com quadros graves em unidades extra-hospitalares”. Há uma série de alternativas em discussão no documento, visando também garantir os direitos humanos. Uma delas é o paciente permanece de dia no hospital e, à noite, voltar pa casa. Propõem-se também oficinas terapêuticas e casas de convivência. A idéia central é isolar o indivíduo da família o menos possível, a fim de facilitar sua recuperação. Censo de “inquilinos de hospícios”- A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo vai fazer, no primeiro trimestre deste ano de 1993, um censo nos manicômios para apurar o perfil dos pacientes crônicos – 85% desses internados há mais de dois anos. Há pacientes que “moram” nos hospícios há mais de 20 anos. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, há 30 mil “moradores” de manicômios. São os principais responsáveis pela sangria de dinheiro público. A idéia do censo que será feito em São Paulo surgiu de experiência realizada em Minas Gerais, em 1991. Foram examinados 4.227 pacientes. Desses, 23% estavam internados há mais de 10 anos; 17% entre cinco e dez anos; 29 entre um e cinco anos; e 16% entre três meses e um ano. Segundo o coordenador de Saúde Mental da Secretaria Municipal da Saúde, 70 dos 3.248 leitos psiquiátricos estão ocupados por pessoas internadas há mais de um ano. Par ele, isso ocorre porque há um “círculo vicioso”, compactuado por hospitais e familiares do pacientes. Quando um paciente chega a um manicômio, é emitida uma guia de internação que vale por 45 dias. Terminado o prazo, podem ser emitidas até cinco novas guias de internação, cada uma com validade de um mês. Mas, ao completar esses 195 dias, o paciente é reinternado e passa a ser um caso crônico, segundo o coordenador. A tese da exist6encia desse “circulo” é confirmada pelo fato de os leitos psiquiátricos estarem sempre ocupados. Não há ociosidade nesse setor. Se, por um lado, os hospitais ganham do Inamps US$ 9 ao dia por paciente internado, para a família a internação é uma saída estratégica. Ela acaba se livrando de um integrante que, em vez de gerar renda, só dá despesas e ainda demanda cuidados especiais. Mas os números mostram também que te um hospício não é mais uma atividade lucrativa. Os leitos psiquiátricos no Brasil já foram 105 mil, hoje são 85 mil. No Estado de São Paulo, de 1989 até hoje, foram desativados 3.507 leitos, uma queda de 9,4%, que
reduziu o total para 32 mil. A maio queda (30%) ocorreu na capital: em 1992, foram feitas 15 mil internações, contra 23.041 de 1998. Gilberto Dimenstein, jornalista da Folha de S. Paulo, publicado em “Santuário de Aparecida”, edição de 23 a 29 de janeiro de 1993. Geriatria e rejuvenescimento O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. Uma série de fatores conjugados, entre os quais o melhor controle das doenças transmissíveis, a contenção de certas doenças crônicas e a melhora das condições sócio-econômicas têm favorecido o aumento da expectativa média de vida das populações. Em termos de saúde pública, o aumento da população idosa traduz-se em maior número de problemas médicos crônicos, que freqüentemente dependem de tratamento prolongado e dispendioso. Assim, na Inglaterra, a população acima de 65 anos corresponde a cerca de 17% do total, mas utiliza aproximadamente 60% do orçamento destinado ao atendimento médico e ocupa mais de 50% dos leitos hospitalares, com tempo de permanência hospitalar maior do que o dos demais grupos etários. O atendimento geriátrico pode ser definido como um processo multidisciplinar projetado para atender o idoso do ponto de vista médico, psicológico, social e funcional, procurando mantê-lo em sua plena capacidade e autonomia pelo maior período possível. Envelhecer mantendo as funções é o que interessa, tanto par ao indivíduo como para a comunidade. AS normas deste atendimento tiveram sua origem com os pioneiros da moderna geriatria inglesa, entre os quais os médicos Marjorie Warren, Lionel Cosin e Ferguson Anerson. Estes médicos notaram, há quase 60 anos, que, entre os idosos hospitalizados, havia elevada incidência de doentes crônicos, com graus variados de incapacidade, que não haviam sido adequadamente analisados e tratados, e nos quais não havia sido tentado a reabilitação. Através de medidas terapêuticas adequadas, muitos desses idosos foram recuperados parcialmente, e às vezes completamente, retornando à comunidade e liberando um número preciso de leitos hospitalares. A manutenção do atendimento multidisciplinar em nível ambulatorial, com médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas ocupacionais, assistentes sociais e outros profissionais, quando necessário, refletiu-se em menor índice de ocupação de leitos hospitalares, menor taxa de re-hospitalização e em redução dos gastos do sistema de saúde. A qualidade dos serviços prestados aos idosos foi sendo progressivamente aprimorada, sendo criados centros de convivência, unidades de reabilitação, hospitais para portadores de afecções crônicas, asilos para os necessitados e organizados sistemas de apoio domiciliar aos idosos dependentes. Devido ao sucesso desse tipo de atendimento, diversos países, entre os quais Suécia, Noruega, Holanda, Israel, Espanha e Austrália, organizaram seus sistema de assistência à população idosa com base no modelo inglês. Nos Estados Unidos, apesar dos programas de atendimento geriátrico terem se iniciado há cerca de 20 anos, seu desenvolvimento tem sido rápido, principalmente na última década, devido principalmente a pressão da população idosa sobre os órgãos governamentais. Atualmente, nos países desenvolvidos, a expectativa médica de vida aproxima-se dos 80 anos, e procura-se, através de medidas multidisciplinares preventivas e terapêuticas,
prolongar a fase de plena autonomia, reduzindo, portanto, o período da vida em que os idosos ficam dependentes, o que já está sendo conseguido. Nos países em desenvolvimento e mais especificamente no Brasil, devido às dificuldades econômicas, à existência de outras prioridades, como o atendimento à infância e o combate às doenças infecciosas, a assistência à população idosa ainda é precária. Na cidade de São Paulo, durante a última década, foram criados serviços geriátricos no Hospital das Clínicas, Santa Casa, Hospital São Paulo, Hospital dos Servidores do Estado e Hospital dos Servidores do Município,onde, além do ensino e da pesquisa, é oferecida assist6encia multidisciplinar ambulatorial aos idosos, porém insuficiente para preencher as mínimas necessidades da população. No entanto, apesar do progresso que a geriatria vem apresentando, muitas pessoas, principalmente em países como o nosso, onde ela é menos difundida, confundem essa especialidade médica com práticas que visam o rejuvenescimento. O envelhecimento é um processo dinâmico e progressivo, que afeta todos os seres vivos, determinando alterações morfológicas e funcionais em todos os setores do organismo e que terminam por leva-lo à morte. Nestas ultimas décadas, as pesquisas cientificas que procuram estudar o processo do envelhecimento e os fatores que o influenciam t6em-se multiplicado. Diversas teorias, algumas parcialmente comprovadas, têm sido aventadas, e os estudos prosseguem, procurando verificar a sua real importância. Como a procura do rejuvenescimento sempre foi um anseio do homem, métodos que tentam torna-lo realidade têm sido preconizados desde a antiguidade, Inicialmente empíricos, esses métodos, ultimamente, baseiam-se em investigações cujos resultados são discutíveis ou baseados na análise parcial e distorcida de fatos verificados. Indivíduos interessados na difusão desses métodos terapêuticos de eficácia não comprovada, e que geralmente são bastante dispendiosos para o paciente, promovem sua propaganda em órgãos de divulgação popular, como jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão. Há alguns anos, o método da quelação pelo EDTA era apresentado, inclusive através de anúncios em jornais, como sendo de grande valia na prevenção e tratamento da aterosclerose e de suas complicações. Em março de 1985, publicamos no “Jornal da Associação Paulista de Medicina”um artigo em que fazíamos uma análise desse me’todo terapêutico e concluíamos que não havia evid6encia aceitável de que ele fosse efetivo no tratamento dessa afecções, além de poder determinar efeitos colaterais graves e mesmo fatais. Posteriormente, em 11 de julho de 1987, o Conselho federal de Medicina publicou resolução condenando a prática da quelação com EDTA na terap6eutica da aterosclerose e de suas complicações. Ultimamente, outros métodos terapêuticos de eficácia não comprovada têm sido divulgados como sendo efetivos na prevenção do envelhecimento e mesmo promovendo o rejuvenescimento. Destes, os mais difundidos baseiam-se no emprego de doses elevadas de vitaminas A, C e E e na utilização no hormônio de crescimento. As vitaminas A,C e E agiriam como antioxidantes, ou seja, reduzindo a produção dos chamados radicais livres, substâncias que são formadas nos organismos vivos durante reações químicas e que teriam importância na gênese e agravamento de diversas afecções e mesmo no processo de envelhecimento. No entanto, apesar do grande número de pesquisas que têm sido realizadas, existem muitas dúvidas e pontos obscuros sobre sua real importância e, principalmente, sobre os efeitos benéficos de altas doses dessas vitaminas.
Barry Halliwell, um dos cientistas que mais se tem dedicado ao estudo dos radicais livres e dos antioxidantes, publicou recentemente uma revisão sobre o assunto, onde conclui que a terapêutica antioxidante é uma possibilidade que deve ser melhor avaliada. Deve-se lembar que doses elevadas destas vitaminas, durante períodos prolongados, podem provocar efeitos colaterais. Assim, a hipervitaminose A pode causar hipertensão intracraniana, hiperostose e hepatoesplenomegalia; a hipervitaminose C pode determinar diarréia, hiperoxalúria, cálculos renais e acidose, e excesso de vitamina E pode causar hemorragias e agravamento de processos infecciosos. Quanto ao hormônio de crescimento, o seu emprego baseia-se na verificação de que sua produção diminui no idoso, e a sua administração prolongada nesses indivíduos determina aumento da espessura da pele, da massa muscular e da densidade de alguns ossos. No entanto, deve-se considerar que o processo de envelhecimento é algo muito mais amplo que simples alterações cutânea, musculares e ósseas e, por outro lado, o hormônio de crescimento deve ser administrado continuamente e, como efeito colaterais, pode determinar hipertensão arterial, diabetes, aterosclerose e atropatias, condições que, sem dúvida, sobrepujam o seu eventual efeito benéfico. Com base nessas observações, podemos afirmar que não há evidência aceitável de que esses “ modelos de rejuvenescimento” tenham efeito benéfico, devendo lembrar-se que podem determinar efeitos colaterais. Para o real benefício da população idosa, a sociedade deveria pressionar os poderes públicos, em níveis tanto municipal como estadual e federal, no sentido de se criar uma rede de assistência geriátrica multidisciplinar, procurando adaptar às nossas condições a experiência adquirida em países desenvolvidos. Eurico Thomaz Carvalho Filho, médico geriatra e diretos do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP. Semear felicidade a varejo Após a palestra, uma voluntária declarou publicamente que ajudava os enfermos por pura satisfação pessoal. E se esse auto-contentamento vier a definhar repentinamente, cessa o serviço? Será que nosso capricho respeita o outro na continuidade de sua necessidade? O hospital é uma bomba que tende a aspirar certos tipos de mal físico dos indivíduos que se queixam de exagerada concentração, neles, desse ingrediente da vida. Assistidos pela enfermagem, os médicos estão drenando, colhendo ou cortando, na medida de seu possível, o mal que se apoderou dos membros e corpos, num avanço cego e ameaçador. A intervenção dos visitadores justifica-se pela união dos corpos às mentes (visitadores aconfessionais) ou aos espíritos (visitadores da Pastoral da Saúde). O alvo implícito é a desobstrução do caminho da auto-realização das pessoas, dos doentes, na sua caminhada para aquilo que se convencionou chamar por um termo vago, mas sempre fascinante, que muda de sentido com as culturas e o tempo: a felicidade. A dor intensa ou o sofrimento profundo é como um buraco negro no céu do destino pessoal; absorve a energia e o interesse que a gente teria para atividades ou outras doçuras do passeio existencial. Se assim for, o visitador chega como auxiliar de busca duma felicidade paralisada ou alienada, mais ou menos radicalmente, provisoriamente ou não, pela enfermidade. Certo ou não, diz-se que a felicidade não pode ser encontrada por quem a busca, porque é recompensa para quem não a persegue.
Temos sobre os obstáculos à felicidade, porém, conceitos muito mais concretos e precisos que sobre ela. A doença, por exemplo, ou a dor. Se a felicidade é tão fugaz que ela se experimenta numa semi-inconsciência (descobre-se que foi uma temporada feliz quando já acabou) ou por instantes, ocorrem, entretanto, momentos privilegiados como o de receber no rosto o ventinho da rua, ao sair, enfim, do quarto hospitalar, ou ver eliminado algum sério receio do pior, ou perceber que não se sente mais aquela forte dor: alívios notáveis vivenciados simultaneamente pelo corpo e a mente. A felicidade no varejo. Nem a Pastoral da Saúde foge ao esquema, desde que procure incentivar o conforto da pessoa toda, que nós sabemos ter também dimensão religiosa, sobrenatural, com um destino transcendente. Daí a facilidade com que projetamos no enfermo nossas aspirações mais sublimes, que nem sempre são perceptíveis no visitado. Nossa antropologia nos assegura que, latente ou não, essa religiosidade que aspira ao bem supremo, espera nossa contribuição para emergir e fortalecer. A fé a serviço da felicidade mais ampla e profunda, durável, do outro: haveria mais belo ideal? Frente ao sofrimento, a vista, mediante delicada procura do sentido, almeja uma postura que, longe de ser dolorista, pauta-se por algo que se aproxima da felicidade. Nem sempre se reconheceu, no seio das religiões ou das filosofias da vida, que a procura da felicidade era normal, sadia, necessária (São Tomás o fez): a Constituição norte-americana é a única do mundo que se atreveu a reconhecer explicitamente “o direito à procura da felicidade”. Reação contra o antigo dolorismo católico? Assim estimulados, técnicos da ONU esmiuçaram as “necessidades” cujo preenchimento nos encaminharia para a felicidade (observamos sua virtual presença na programação hospitalar): necessidades energéticas (comida), de conforto e segurança (abrigo, vestidos), necessidades de estimulação (relação com o mundo exterior: hoje, rádios, TV...), necessidades relacionais (aí chegamos, com entidades visíveis ou invisíveis). A relação sofrimento-felicidade não independe da relação corpo-mente, sem, no entanto, identificar-se com ela. Quando cortamos um verme em dois, em que pedaço se aloja a dor do bicho? Dois sofrimentos fazem mais do que um fisicamente mais extenso? A luta contra a dor (de hoje e de amanhã, o medo de hoje) é sempre, também, combate contra o passar do tempo (raramente neutro): não queremos perder tempo pouco gostoso na reconquista da saúde que nos permite viver a vida que queremos. Como aproveitar a vida sem curtir prazer, a que julgamos fazer jus, num leito de hospital? Será que o visitador pode ensinar a receita de ser feliz na internação ou com sonda e regime na cama da casa? Inventaram máquinas quadradas, cuja função é apenas encher (= fazer sumir) o tempo numa fuga do momento desagradável por que passamos aqui-agora; nem sempre exigem o esforço que pede a leitura. É evidente que o hospital na o pode desprezalas. Mas raramente fazem progredir o sujeito no seu próprio dever e ser. Os mais afortunados anseiam por apagar as marcas funestas do tempo no corpo: gordura ou rugas. Mas o tempo, em qualquer lugar e condição, não é, também, a moeda com que pagamos, dia a dia, nosso lugar na eternidade? Uma revelação que pode ser feita tanto pelo visitador ao visitado quanto pelo doente ao visitante, diz respeito ao poder da vontade sobre a felicidade que costuma pairar nos espíritos como alvo (ou ave) cobiçado, forma vaga à procura dum corpo onde assentar-se. A cultura moderna faz desfilar com notável velocidade seu catálogo de paradigmas atualizados dos objetos do desejo, coisas que pretendem atrair a felicidade. Será que o visitador não está aí a fim de oferecem um catálogo alternativo?
Haverá sempre aqueles que têm, e aqueles que cobiçam o mesmo. Ms alguma indefinição atinge o que. Nossa resistência à massificação exprime-se pela convicção de que circunstância como a doença, ou outra qualquer, é capaz de nos incentivar a trocar o catálogo de nossas ambições. As Igrejas e movimentos religiosos oferecem a sua clientela prospectivas diversas das proposições mais em vista no marketing secular. A doença conscientiza melhor o fato de que a felicidade é feita de instantes aparentemente modestos, que não sabíamos tão precários. Felicidade o tempo todo se percebe; a varejo é quando se realiza uma idéia sonhada, quando conseguimos efetuar um gesto que não se podia fazer, uma reconciliação consigo, uma simples flor no quarto, uma pequena atenção sob o fundo da imperturbável indiferença que permite a milhares de indivíduos coabitarem no mesmo pequeno mundo com o mínimo de atritos. A felicidade é realmente tal apenas quando conscientizada de ser felicidade, libertação e acesso ao sonho indizível; pode se sair da clínica sem nenhuma preocupação com o meteo ou a hora; pode se te descoberto outra dimensão da vida. Hubet Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista,Comunidade de São Paulo. Credo da mulher Creio em Deus, que criou a mulher e o homem à sua imagem, que criou o mundo e recomendou aos dois sexos o cuidado da terra. Creio em Jesus, Filho de Deus, eleito de Deus, nascido de uma mulher, Maria, que escutava as mulheres e as apreciava; que morava em suas casas e falava com elas sobre o Reino; que tinha mulheres discípulas, que o seguiam e o ajudavam com seus bens. Creio em Jesus, que falou de teologia com uma mulher, junto a um poço, e lhe revelou, pela primeira vez, que ele era o Messias, que a motivou a ir a contar as grandes novas à cidade. Creio em Jesus, sobre quem uma mulher derramou perfume, em casa de Simão; que repreendeu os homens convidados que a criticavam. Creio em Jesus, que disse que essa mulher seria lembrada pelo que havia feito-servir a Jesus. Creio em Jesus, que curou uma mulher, no sábado, e lhe restabeleceu a saúde, porque era um ser humano. Creio em Jesus, que comparou Deus com uma mulher que procurava uma moeda perdida, como uma mulher que varria, procurando a sua moeda. Creio em Jesus, que considerava a gravidez e o nascimento com veneração,não como um castigo, mas como um acontecimento desgarrador, uma metáfora de transformação, um novo nascer de angústia para a alegria. Creio em Jesus, que se comparou à galinha (choca), que abriga seus pintinhos debaixo de suas asas. Creio em Jesus, que apareceu primeiro a Maria Madalena, e a enviou a transmitir a assombrosa mensagem: “Ide e contai...” Creio na universalidade do Salvador, em que não há judeu nem grego, escravo nem homem livre, homem nem mulher, porque todos somos um na salvação. Creio no Espírito Santo, que se move sobre as águas da criação e sobre a terra. Creio no Espírito Santo, o espírito feminino de Deus, que nos criou e nos fez nascer, e qual uma galinha nos cobre com suas asas. Rachek C. Wahlberg (tradução de P. Maria Luíza Rückert).
O segredo da felicidade verdadeira Uma mulher que estava no meio da multidão falou bem alto para Jesus: “Feliz a mulher que o deu à luz e o amamentou!” Mas ele replicou: “Mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a observam”. (Lucas, 11,27-28). Qual o segredo da felicidade? O êxito nos empreendimentos? O status na sociedade? O desempenho social e financeiro? A obtenção de todos os objetivos projetados? Essas categorias servem para avaliar que conseguimos atingir os nossos objetivos, propostos pela nossa vontade, segundo nossa visão. Jesus apresenta uma nova maneira de se construir a vida, com critérios originais que podem, inclusive, tornar mais significativos os nossos esforços. De fato, para ele, como para todos os que acreditam na dignidade do homem, existe algo de mais profundo e verdadeiro em que se basear nossa existência: a força do amor que é expressão vivida, concreta da vontade de Deus. Entender e viver isso revoluciona nossa modo de existir. Ouvir a palavra de Deus: isto é muito mais do que um conselho, é uma arte, um novo e definitivo modo de viver e nos recolocar na nossa dignidade original. Importante lembrar que ouvir a palavra de Deus significa, de faro, coloca-la em prática. Não é possível fazer da vida, do amor, uma teoria, uma bela mensagem. Tudo deve ser concreto, encarnado como Deus assim, o revelou, vindo a nós e fazendo-se concreto no amor que por nós tinha manifestado. (Extraído da “Agenda Bíblica Ave Maria”).