Para tornar seu filho delinqüente 1- Comece a dar na infância tudo o que seu filho quiser. Deste modo, ele crescerá acreditando que o mundo deve tudo a ele!... Receita de Deus: Provérbios 19,18. 2- Quando ele fala palavrões ou conta piada sujas, dê risadas. Isto vai fazê-lo sentir-se engraçadinho. Futuramente, ele irá fazer coisas que irão decepcionar e embaraçar você. Receita de Deus: Provérbios 15,28. 3- Nunca dê instrução espiritual até ele chegar aos 21 anos de idade. Depois, então, deixe-o decidir por conta própria! Receita de Deus: Provérbios 22,6 (“treina nos seus hábitos”...). 4- Evite o uso da palavra “errado”. É capaz de desenvolver um complexo de culpa. Isso o condicionará a crer, quando adolescente, e quando for pego pela polícia por ter roubado um carro, que está sendo perseguido e que a sociedade está contra ele. Receita de Deus: Provérbios 13,24. 5- Em casa, faça tudo por ele: arrume seu quarto, guarde seus sapatos e roupas jogadas. Assim fazendo, ele terá “experiência” em jogar todas as responsabilidades em cima dos outros. Receita de Deus: Provérbio 10,5. 6- Deixe-o ler qualquer literatura que possa adquirir... ... mas tome cuidado ao máximo para que os talheres que ele usa estejam sempre esterilizados, enquanto sua mente se alimenta de lixo. Receita de Deus: Provérbios 4,23. 7- Briguem freqüentemente entre si na presença de seu filho. Desta maneira, o filho não ficará chocado quando o lar for destruído mais tarde. Receita de Deus: Provérbios 17,27-28. 8- Dê a seu filho todo o dinheiro que ele deseja. Nunca o encoraje a conseguir o seu próprio sustento. Por que ele tem que passar as coisas difíceis da vida como você passou? Receita de Deus: Provérbios 24,30 9- Satisfaça a todos os seus desejos dê conforto, comida e bebida. Providencie meios para que ele se agrade dos seus desejos sensuais. A negação destas coisas pode trazer “frustração prejudicial”. Receita de Deus: Provérbios 29,15. 10- Defenda sempre seu filho, mesmo que ele esteja errado. Defenda-o errado na frente do vizinho, professor, polícia... Receita de Deus: Provérbios 28,4. 11- Não cumpra sua promessa de discipliná-lo por desobediência... ... porque, assim, ele pensa que não existe conseqüência para seu pecado ou desobediência. Receita de Deus: Provérbios 22,15. 12- Prepare-se para uma vida de dor!... É bem possível tê-la! Receita de Deus: Provérbios 23, 24-25. Texto de autoria de Jaime Kemp, publicado no “Jornal de Fátima”, ano IX, n.º 85, set/out 92, Caxias do Sul, RS.
Entre submissão e domínio da vida Sören Kierkegaard foi literalmente hipnotizado pela figura de Abraão como paradigma da submissão ao Criador, até em matéria de vida e morte. Ao extremo oposto, a paixão da dominação dos processos vitais leva a modernidade até a tentação do eugenismo. I-Sören Kierkegaard escreveu o livro “Temor e tremor” a fim de exaltar a figura de Abraão, especialmente sua decisão de sacrificar o filho Isaac. Por isso, o cérebro dinamarquês opõe a Moral que lida, segundo ele, com o geral, e a Fé, que lidaria como particular, especialmente o indivíduo. Ele situa o judeu-cristianismo numa ruptura radical com a moralidade da razão; nesta trilha, o uso da razão rebaixaria a moral à ordem da casualidade rasteira e das motivações humanas. Se esta é realmente a essência da norma cristã, o diálogo com os não cristãos, para construirmos uma Bioética comum, é vão. Cada um fica na sua fé ou ideologia e se vangloria de não descer a um nível de discussão empírico-racional. “O herói trágico terminou rapidamente o combate; acha a segurança no geral”, ao passo que (sempre segundo Kierkegaard) o herói cristão “não pode pedir a ninguém cristão “não pode pedir a ninguém conselho”. (senão à hierarquia eclesial, se ele for católico). “O herói trágico (isto é, pagão) exprime o geral e se sacrifica a ele, ao passo que o cavaleiro da fé é o paradoxo, o Indivíduo, absoluta e unicamente o Indivíduo, sem conexão nem considerações. Aí está o terrível de sua situação que o enfermo sectário não pode suportar. Em nossos dias, não será o partidário da mesa de negociação do Comitê de Bioética que julgará sectário aquele que recusa a discussão com outros pontos de vista? Responde S.K.: “uma dúzia de sectários se dão os braços; não entendem absolutamente nada das crises de solidão que esperam o cavaleiro da fé. Este não tem outro apoio que si mesmo; sofre de não poder se fazer entender, mas não tem nenhum vão desejo de guiar os outros”. Isso é mais Kierkegaard que Cristianismo, mas não está totalmente estranho a este. II-A evolução dos vivos sexuados é dominada pela loteria dos genes dos genitores, que acabam dando um produto sempre original em cada herdeiro. As intervenções nazistas alertaram biólogos modernos e outros interessados sobre os perigos do eugenismo. Alguns acham que se deve proibir qualquer intervenção sobre gametas; outros que intervenções gênicas para curar doenças hereditárias dificilmente podem ser recusadas a priori. Menos unânime que a proibição do eugenismo é a definição das fronteiras de sua área proscrita. 1) Um setor já está ativo nos países avançados. A detecção pré-natal de doenças graves, por meio da visualização translúcida ou por meio de análises, é corriqueira em alguns países, para casais de risco, que provocam o aborto se a enfermidade receada aparece no embrião. A Igreja opõe-se a esse abortamento. Para quem não segue suas normas, existe o problema de determinar qual a gravidade da anomalia no conceito que justificaria sua rejeição. Não se elimina uma progressiva permissividade chocante. 2) O dr. Testart combate o que ele acha a raiz do eugenismo imoral na checagem da normalidade dos ovos fertilizados in vitro (a Igreja condena a própria fecundação in vitro, não o faz Testart). Outras vezes, acham Testart muito rigorista. Aí também põe-se a questão da gravidade da
anomalia que justificaria descartar ovos fecundados. Não é inimaginável que casais, grupos ou nações se fixem um certo ideal morfológico para sua descendência e sistematizem a fecundação in vitro para averiguação dos padrões, descartando conceitos perfeitamente sábios. 3) Menos longe das pessoas sensatas é a questão mais banal da escolha do sexo. Estamos ainda à procura de modos naturais de aumentar as chances para determinado sexo da prole. O método mais horrendo consiste em matar o concepto do sexo não desejado. O procedimento em discussão passa, contudo, pela fecundação in vitro. Diversos processos de triagem são conhecidos para aumentar as chances de determinado sexo, mas é a Grã-Bretanha que deixou abrir-se a primeira oficina européia, funcionando livre e publicamente, com esta finalidade. O bioquimista Liu, vindo de Hong-Kong, associou-se ao dr. Alan Rose, para que funcione na periferia de Londres (em Hendon, Park Road) a ainda modesta London Gender Clinic. Outros centros usam tais métodos seletivos por exclusivos motivos médicos, correlatos à transmissão de uma doença genética, como a hemofilia. A Gender Clinic pede que o casal seja casado e já tenha uma criança de sexo oposto ao filho desejado; pede também o compromisso de não abortar, caso falhe o ensaio. A Human Fertilization and Embryology Authority, que rege desde 1990, na Grã-Bretanha, a procriação medicalmente assistida, não achou a prática ilegal. Sabe-se também que cerca de 50 clínicas fora da Europa (na América, Índia, Paquistão, Líbano...) usam o kit que o dr. Ronald Ericsson, norte-americano, vende por US$ 15.000,00 com a mesma finalidade. Não são apenas antropólogos e sociólogos que se alarmam ao ver a percentagem de mulheres diminuir drasticamente em família indianas, paquistanesas ou chinesas. 4) Uma escolha individual do sexo para o próximo filho parece inocente se o casal não reprovar o meio; há casos, seguramente, em que a preocupação é legítima. Pioneiro da fecundação in vitro, o obstetra René Frydman acha os métodos atuais de seleção do sexo artesanais e inseguros (como a punção da placenta na nona semana de gravidez), mas não descarta aperfeiçoamentos em prol das famílias que já têm muitos filhos de um só sexo. A moral, porém, não pode fugir duma visão prospectiva mais ampla em que (sem falar do meio de fecundação in vitro que contestamos) uma manipulação das leis naturais leva ou levará previsivelmente a um eugenismo nocivo. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista, Comunidade de São Paulo.
Falta de saneamento causa maioria das doenças As doenças diretamente relacionadas à falta de saneamento básico foram responsáveis por 80% das consultas médicas e por 65% das internações, no ano passado, no Brasil. Para os técnicos que atuam no setor, os índices são comparáveis aos países mais pobres do Terceiro Mundo.
Os 35 mil estabelecimentos de saúde existentes no Brasil atenderam, em 1992, a 568 milhões de casos de portadores de moléstias contraídas por falta de saneamento, como a cólera: 2,6 milhões foram internados. “Não adianta as elites acharem que o problema é só das camadas mais carentes da população, pois essas doenças, como a cólera, por exemplo, na certa vão chegar a Ipanema”, adverte Szachna Eliasz Cunamon, professor da escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e um dos maiores especialistas brasileiros em saneamento básico. “As favelas são apenas portas de entrada das doenças”. Com base em dados do Ministério da Saúde, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) concluiu que o Brasil gasta, todos os anos, US$ 2,5 bilhões para tratar as doenças causadas por um sistema de saneamento falido. “Se a metade do dinheiro que o governo gasta com doenças fosse usado para evitálas, em 10 anos toda a população teria água tratada e 70% dos brasileiros seriam beneficiados com serviços de esgotos sanitários”, diz o presidente da ABES e diretor de Engenharia da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), João Alberto Viol. “É uma questão de relacionarmos custos e benefícios”, diz ele. Os números coletados pela ABES não deixam dúvidas sobre a situação de calamidade em que vivem os brasileiros: são 44 milhões de pessoas sem sistema de coleta de esgotos; 2.566 municípios ( 58% do total) sem água tratada; e 2.665 cidades onde o lixo e despejado a céu aberto. “São vazadouros onde se joga 42,3% do lixo hospitalar recolhido no País”, preocupa-se a coordenadora da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE, Elisa Caillaux. “É uma loucura”, afirma a especialista. Apesar de considerar “bastante grave” a radiografia brasileira revelada pelas estatísticas, ela acredita que a situação real é ainda pior. “Os dados que têm sido divulgados foram colhidos em empresas municipais e privadas de saneamento básico, que não contabilizam os esgotos, depósitos de lixo e poço clandestinos de água”, afirma Elisa Caillaux. Solução caseira O presidente da ABES, entidade criada há 25 anos, acha que a saída para o caos está na aprovação pelo Congresso Nacional de um projeto de lei elaborado em 1989 por várias entidades sanitaristas e ambientalistas de todo o País. O projeto chegou a ser aprovado pelas comissões de Viação e Transportes, Desenvolvimento Urbano e Interior, mas há quase um ano aguarda parecer da Comissão de Seguridade Social e Família para ser levado a plenário. ‘no mínimo falta vontade política”, afirma Viol. Entre os principais pontos do projeto de lei estão a criação de uma política para o setor e de um fundo específico para aplicação em saneamento. Pelos cálculos da ABES, seriam necessários investimentos anuais da ordem de US$ 200 por habitante para que toda a população tivesse acesso a água tratada, e de US$ 120 por habitante para a implantação do sistema de esgotos. Feitas as contas, o presidente da ABES estima em cerca de US$ 1,5 bilhões o total de recursos anuais para dotar o País de condições dignas de saneamento. “Não adianta ficar em cima do estado, pois as fontes de financiamento secaram”, alerta Cynamon, que defende a adoção de “medidas alternativas” para recuperar “a defasagem histórica” que existe no setor de saneamento básico. “está provado que as tais dotações orçamentária nunca funcionaram”. Cynamon defende a instalação de sistemas modulares de saneamento, um modelo desenvolvido por ele e outros professores da Escola de Saúde Pública. O projeto será implantado ainda este ano pela Secretaria de Desenvolvimento Social do Rio.
“A redução de custos, em comparação aos sistemas, tradicionais, chega a 80% “, garante o professor. No Rio, onde existem 1.500 “pontos críticos”, deverão ser implantados 300 módulos desenvolvidos por Cynamon. Inicialmente, serão atendidas favelas e comunidades carentes com população entre 2 mil e 100 mil pessoas. De autoria de Robson Pereira, este texto foi extraído da edição de 7 de março deste ano do jornal “O Estado de São Paulo”.
Como personalizar esse relacionamento? Muito se tem dito a respeito dos relacionamentos humanos, assim como vários e proveitosos estudos psicológicos foram e são realizados dentro de núcleos sociais característicos, como a família, o trabalho, as corporações militares etc. Podemos dizer que estes “órgãos maiores” compõem o “corpo” da comunidade e que são formados por “pequenas células” sociais: o relacionamento humano. Várias destas células são velhas conhecidas nossas: o relacionamento homem e mulher, mãe e filho, patrão e empregado etc. Apesar da intimidade e do cotidiano, muito destes relacionamentos nos são dificultosos e, em sua grande maioria, inadequadamente vividos ou, por que não dizer, vivenciados. É claro que este assunto abrange vasta gama de conhecimentos, tanto quanto as polêmicas que gera, porém o objetivo deste texto não é necessariamente dissertar ou questionar e sim expor as dificuldades diárias de determinado relacionamento e principalmente propor “ferramentas” práticas para melhor compreensão e melhor solução possível para tais problemas. Dentro do universo da comunidade, vamos obviamente ater-nos ao nosso meio, o da saúde. É desnecessário sublinhar a importância deste núcleo social, seus problemas característicos e os sócio-econômicos atuais. Todos os profissionais da área os conhecem na teoria e na prática. Portanto, aqui vamos olhar mais atentamente para uma de suas “células”, uma de fundamental importância: o relacionamento médico e paciente. Comparado a um teatro, este seria bem peculiar: um pequeno palco com vários nomes – consultório, centro cirúrgico, em quarto – e uma grande peça em cartaz há muito tempo, desde o primeiro ato de socorro de algum “homem das cavernas” ao semelhante ferido. Seus personagens principais: “curador e doente”. Atualmente mais conhecidos como médico e paciente. Para compreender melhor esta peça é importante conhecermos mais destas personagens. Um pouco do que pensam, um pouco de suas expectativas e medos, principalmente porque muito do enredo versa sobre a dificuldade de relacionamento entre ambas. O médico tem como meta profissional “fazer medicina”, no mais amplo significado desta expressão – tirar a dor, curar a doença, manter a vida, vencer a morte... Como meta social, ser respeitado através dos símbolos de status de sua época (hoje, confortável casa, automóvel do ano, casa de veraneio etc) e, claro, realização efetiva. A meta “fazer medicina” é trabalhosa desde o aprendizado até seu pleno exercício. Ainda na adolescência, o estudante de medicina defronta-se, e não raro confronta-se, com o “lado feio da vida”: dor, doença incuráveis, seqüelas, violência, injustiça social, miséria humana, morte etc. A distância entre o “ideal” e a realidade é sinônimo de desilusão. Desde cedo, fica claro que esse lado da “casa” deve ser construído sólido ou poderá desabar sob o peso de
saber que o homem pouco pode em relação ao “fazer medicina”. Então, uma parede de arrimo é levantada. Como uma casa, cada personalidade tem uma estrutura e, dependendo dessa estrutura, a “parede” levantada, mais que arrimo, torna-se barreira, principalmente se são usados os “tijolos” da indiferença, da frieza, do desencanto, da descrença e muito outros que, se procurarmos dentro de nós, acabaremos encontrando. Estes “tijolos” também são usados em algumas outras “paredes”, pois esta não é a única situação em que um pedaço da cada pode desabar. Quando se encontram, formam verdadeiros “cantos” da personalidade, que, às vezes, tornam-se “becos sem saída”. É necessário fazer “portas e janelas” nessa parede, para que ela deixe de ser um obstáculo. Esse processo, além de não ser simples, é uma das mais importantes partes do “fazer medicina”, e todo médico sabe o quanto é difícil tratar a si mesmo, ainda que em caráter preventivo. Felizmente, a grande maioria destas “paredes” são dificuldades de relacionamento ainda longe de serem chamadas de doenças, porém carentes de suas “portas”, pois o médico não deve ter barreiras internas para exercer a medicina. Para melhor compreensão do que já foi dito, vamos analisar duas dessas barreiras, talvez as mais importantes, principalmente em virtude das várias dificuldades que geram. Impotência frente à morte Lidar com a morte não é fácil para ninguém. Mas, para aquele que tem como meta profissional preservar a vida e cuidar do semelhante doente, a morte torna-se uma incômoda e constante presença. Várias atitudes inconscientes são adotadas para suavizar este incômodo. Por exemplo, raras vezes se diz que o paciente morreu. Em vez disso, são usadas expressões como “foi a óbito”, “parou”, “já foi”, pois o peso inconsciente da palavra “morreu” é muito maior que o das expressões. Tal expediente é frequente quando alguém vai se referir a algo potencialmente mau, temendo que a menção do seu nome atraia para si o malefício: “isso é coisa do chifrudo” ou “do coisa ruim”ou “do tinhoso” ou “do demo” etc. os nomes Lúcifer, Satã, diabo costumam ser evitados. Um outro exemplo: ao se passar um plantão com um paciente terminal prestes a morrer, é inegável a sensação de alívio, ainda que discreta ou até desapercebida – “o doente morreu no outro plantão, não na minha mão...” – ou quando é diagnosticada uma doença fatal, como câncer, e o paciente é encaminhado ao especialista – “...eu fiz a minha parte, não sei se o outro colega poderá cura-lo...”. A inabilidade de “trabalhar” o conceito da morte dentro de si faz com que o médico tenha dificuldade em estabelecer o vínculo emocional adequado com o paciente que irá morrer em breve. Pacientes nessa situação costumam fazer perguntas diretas ou nas entrelinhas, alguns querem respostas, outros não querem, porém precisam de uma. Essa resposta, muitas vezes, é a presença do médico, que, através da visita ou consulta, participa desse momento crucial do doente. O relacionamento com familiares de pacientes terminais e pacientes com morte súbita – “... quem vai dar a noticia? “O chefe de plantão fala”... – torna-se mais fácil quando o conceito de morte está adequadamente vivenciado pelo médico responsável. Nesse caso, falar é muito mais fácil do que fazer, porém faz parte do “fazer medicina”. Portanto, é o médico quem deve dar o correto suporte humano e emocional ao paciente e familiares. Faz parte do tratamento e, na maioria das vezes, é o único possível. Este procedimento e muito importante para o profissional também, pois exercita a capacidade de envolvimento emocional, que é a base do vínculo com o paciente. Fica claro o benefício que esta mobilização interna traz à vida pessoal do médico. Afinal,
envolvimentos emocionais são parte da vida. Como não poderia deixar de ser, aqui as barreiras também ocorrem, sendo obviamente mais freqüentes que lidar com a morte. Por isso, vamos falar um pouco sobre esse assunto. Medo do envolvimento com o paciente Saber o quanto envolver-se com o paciente é tarefa impossível, uma vez que estamos lidando com fatores humanos em situação de peculiar nível emocional – “curador” e “doente” -, além do que emoções não podem ser quantificadas. No entanto, como esta é uma situação de resultado prático, ou seja, se médico e paciente não se entendem bem, um terá dificuldade no tratamento e outro na profissão, alguns parâmetros devem ser traçados. Como estamos falando de “barreiras”, podemos usa-las como limites, isto é, vamos ver os problemas mais freqüentes, seus efeitos e o que pode ser feito para uma melhora. Esta atitude, com certeza, permite uma maior clareza no quanto envolver-se, já que uma definição exata é impossível. Aproximar-se emocionalmente de uma pessoa significa abrir a possibilidade para perguntas que exijam respostas mais profundas, situações de maior responsabilidade moral, desconforto afetivo nas “perdas”etc. Obviamente, isto assusta e, à primeira vista, parece um terrível mau negócio, principalmente para um profissional que lida diariamente com pessoas carentes de saúde, tanto orgânica quanto afetiva. Essas incômodas possibilidades podem ser traduzidas no relacionamento medico e paciente como: demorada explicação sobre a doença e o tratamento; correr o risco de o paciente retornar e ter de ouvir que o tratamento não foi eficiente ou teve efeito colateral; agüentar o paciente pedir um exame (“Doutor,não precisa de um raio X?); explicar aos familiares a piora do parente, quando era esperada uma boa evolução; perder tempo com pacientes que, devido a problemas emocionais, relatam sintomas infundados (peripaque); repetir a descrição do estado de saúde do paciente a várias pessoas etc. Para “defender-se” daquilo que, na maioria das vezes, é o medo de errar, tão comum em todos nós, o médico procura evitar o envolvimento com o paciente, de vários modos, sendo que a verdadeira razão de seu procedimento não é consciente. Vejamos alguns exemplo: no hospital, quem piora, morre ou tem alta não é o sr. João, é o “leito 14”. É curioso notar que, quando, por algum motivo, o paciente estabelece vínculo emocional com os profissionais, passa a ser conhecido pelo nome, não pelo número do leito, sua alta hospitalar é comemorada e sua piora lastimada; nas consultas ambulatoriais, o médico dificilmente sorri, costuma não cumprimentar o paciente ou familiares, costuma não olhar para o doente, enquanto executa a anamnese, costuma não “pedir licença” para examinar partes mais íntimas; costuma não explicar resultados de exames, dizendo textualmente ou nas entrelinhas que o paciente não irá entender: “está normal, a senhora toma este remédio...”etc. Os exemplos acima, de certa maneira, despersonalizam o paciente, dificultando a criação do vínculo adequado. O inverso, porém, também é verdadeiro: o médico fica despersonalizado. Assim, acaba tratando da doença e não do doente, normaliza o resultado do exame e não promove a cura. Ao evitar a aproximação do paciente, perde dados do caso e, o mais importante, a sua confiança. Quando estabelece seu critério profissional baseado principalmente em exames subsidiários e encaminhamentos, o médico acaba vítima de sua própria armadilha: “Já marquei consulta com um especialista...” (o termo especialista já substitui “médico”, sinal claro de despersonalização); “Doutor, eu vim aqui para fazer um exame de sangue, porque eu não estou bem...” (o paciente não confia no exame clínico e quer assegurar seu exame subsidiário, por isso “não arrisca” e pede ele mesmo).
O resultado prático e imediato dessa situação é a não aderência ao tratamento por parte do doente, o que significa abandono do tratamento antes do término, não observância das recomendações, procura de outro profissional, não comparecimento ao retorno da consulta etc. O resultado, a médio prazo, é: retardo na cura do paciente, possibilidade de agravamento da doença, aumento do número de consultas no sistema, exames subsidiários efetuados desnecessariamente, perdas com transporte e faltas funcionais etc. A longo prazo: insatisfação profissional por parte do médico e insatisfação pessoal e social por parte do paciente. É claro que existem outros importantes fatores colaborando para este quadro, como a situação sócio-econômica que o País atravessa, maioria de pacientes com baixo nível cultural, deficiência no currículo das faculdades de medicina, que só fazem reforçar a necessidade do bom relacionamento entre o médico e paciente. Isso pode ser feito de imediato e com ótimo resultado para ambas as partes. Portanto, comportamentos simples, como sorrir, cumprimentar o paciente e familiares, olhar o paciente, ouvir e dar atenção às queixas, ainda que superficiais, explicar os exames etc. são muito mais que mera educação ou delicadeza, fazem parte do “fazer medicina”. A falta destes complementos pode fazer com que um paciente não se sinta à vontade e retarde a procura da ajuda médica, agravando a doença de tal maneira que, não raro, leve a intervenções cirúrgicas ou até à morte. Isto é um custo muito elevado em termos de saúde do paciente, gastos hospitalares e desgaste profissional da área da saúde. Colocar-se sempre à disposição do paciente é mais fácil. Pois a sua insegurança provoca maior número de atendimentos e complicações. É ilusório achar que é menos trabalho quando um paciente “não retorna” e procura outro profissional, porque é bem provável que a próxima consulta atendida tenha esse objetivo. Concluindo Pelo fato deste tema ser marcante e complexo, é objeto de vários livros, teses e tratados, que abordam desde a psicologia até conceitos de qualidade e produtividade. Como foi dito no início, a intenção deste texto foi despertar, de modo prático, a consciência do médico para a importância de seu relacionamento pessoal com o paciente. Essa conscientização é um grande passo para o resgate da função do médico: ser o “curador”, “fazer medicina”. O que vem de encontro à tendência atual de ver o homem e o universo como um todo – conceito já difusamente aplicado à moderna física. Portanto, humanizar o tratamento é fundamental. Não é questão de filosofia ou apologia dos “direitos humanos”, trata-se de qualidade de vida. Tanto do doente, na expectativa de sua cura, como do médico, na sua realização profissional que, como ele mesmo sabe, vai bem mais além do que o sucesso social. Este texto, apesar de dirigido para o relacionamento entre médico e paciente, abrange todos os profissionais da área da saúde, variando apenas o contexto dos exemplos citados. Visa não somente uma orientação profissional, mas também postura de vida. Adenauer Peres de Oliveira, médico, anal’sita junguiano e administrador em São Paulo.
Seminário de saúde comunitária Promovido conjuntamente pela Conferência dos Religioso do Brasil, através de seu Grupo de Reflexão da Saúde – GD, e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, através
do Grupo de Pastoral da Saúde – GPS, realizou-se em Fortaleza, CE, de 24 a 29 de maio deste ano, o II Seminário Nacional de Saúde Comunitária. Seus 130 participantes refletiram sobre o tema “Política de saúde, saúde comunitária, visão ético-teológico”. Com a preocupação geral de fortalecer e animar os (as) religiosos (as) e agentes de pastoral que atuam na área da saúde, o Seminário teve os seguintes objetivos específicos: aprofundar as questões da política da saúde na atual conjuntura; explicitar e avaliar a metodologia de nossa prática na saúde; partilhar experiências e celebrar nossa caminhada; estabelecer linhas de ação e articulação; clarear nossa prática à luz da mística cristã. O Seminário teve a assessoria do pe. Christian de Paul de Barchifoutaine, para a conjuntura e a política de saúde: de Pe. João Maria Van Damme para a metodologia da saúde comunitária, e de Frei Luiz Augusto de Matos para a visão ético-teológica. O ponto alto do Seminário, segundo seus participantes, foi a colocação sobre a visão ético-teológica, a mística, fornecendo elementos para o senso crítico e o discernimento na nossa prática, ajudando para as pistas de ação, o agir. As pistas de ação levantadas no Seminário são as seguintes: capacitar agentes de Pastoral de Saúde Comunitária que sejam sujeitos de transformação a partir da vivência da mística cristã e da formação sóciopolítica; articular-se com as entidades (eclesiais, sociais, políticas) que defendem a vida; comprometer-se com as formas de organização e mobilização em favor da saúde integral e da sociedade nova. Ao final do Seminário, foi aprovada e assinada uma moção de repúdio à privatização do setor saúde e à manipulação da representação popular nos Conselhos de Saúde, enviada aos presidentes da República, Senado e Câmara dos Deputados, ao ministro da Saúde e presidências da CNBB e da CRB. A moção tem o seguinte teor: “Os participantes do II Seminário Nacional de Saúde Comunitária, promovido pela Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)/Pastoral da Saúde, reunidos em Fortaleza (CE) nos dias 24 a 29 de maio d e1993, cientes da importância do cumprimento das Leis 8.080 e 8.142, que regulamentam o Sistema Único de Saúde (SUS), vêm repudiar com veemência todo o lobby do setor privado que comercializa a doença da população, contrariando as determinações legais e obstaculizando a consolidação do SUS. Nós repudiamos também toda forma de manipulação da representação popular nos Conselhos de Saúde em todos os níveis. De fato, isso “prefeituriza” o SUS, impedindo o controle social, como determinou também a IX Conferência Nacional de Saúde”. Na avaliação dos trabalhos, feita ao final, os participantes ressaltaram a importância do clima fraterno da convivência das liturgias. Em nível dos conteúdos, também se manifestaram positivamente, considerando que o temário desenvolvido ajudou na conscientização da realidade vivida a nível político, econômico e social, bem como na tomada de consciência da importância da articulação com todos os movimentos e entidades que promovem e defendem a vida, em nome do Deus da Vida.
Cumpriu-se, assim, como destacaram, por sinal, os jornais de Fortaleza, o objetivo principal do encontro, que foi o de “discutir como melhorar os serviços na área da saúde e testemunhar a presença de Jesus na sociedade, hoje”. Enfatizou ainda a imprensa da capital cearense o fato de a maioria dos participantes do Seminário trabalhar em Comunidades Eclesiais de Base de todo o País, atuando nas áreas de prevenção a doenças, através da vacinação e da luta por saneamento básico.
Em defesa da Constituição Em sua 31ª Assembléia Geral, em Itaici, SP (28/04 a 7/5), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil aprovou moção “em defesa da Constituição” com o seguinte teor: 1 – Os bispos do Brasil, reunidos na 31ª Assembléia Geral da CNBB, sentimos o dever de manifestar à Nação nossa apreensão diante da Revisão Constitucional, prevista no Artigo 3º das Disposições Transitórias. 2- O atual Congresso não poderia valer-se da revisão para proceder indevidamente a mudanças substanciais apressadas em nossa Constituição. Isto colocaria em risco o estado de Direito, deixando a perder o rico patrimônio conseguido pelo esforço conjunto da Nação na última Constituinte. 3 – Para reordenar o texto, eliminar possíveis contradições e, sobretudo, providenciar mudanças coerentes com o resultado do plebiscito, existe sim a revisão constitucional, que pode ser decidida por maioria absoluta. 4 – Mas para introduzir mudanças substanciais é necessário adotar o procedimento da emenda constitucional, a ser feita após preciso e exaustivo debate, conforme estabelece a Constituição em seu Artigo 60, Parágrafo 2º: “A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”. 5 – Nosso processo legislativo distingue, pois, claramente entre revisão e reforma constitucional. 6 – estamos surpresos diante das freqüentes manifestações, inclusive de parlamentares, que revelam a intenção de alterar profundamente a atual Constituição, valendo-se dos trâmites da revisão constitucional prevista nas Disposições Transitórias. 7 – Chamamos a atenção para o fato de que nenhuma carta constitucional moderna admite modificações de fundo só por maioria absoluta. Mas, sobretudo abalizados juristas alertam que o atual Congresso não tem poder constituinte, pois para tal não foi eleito pela Nação. 8 – Diante disto, julgamos conveniente que se faça recursos ao Supremo Tribunal Federal para que, como guardião da Constituição, defina clara e precisamente o âmbito exato da Revisão Constitucional, que a Disposição Transitória preceituam. Pertence a toda a Nação a defesa do patrimônio constitucional, em que se enraíza a democracia brasileira”.
O novo agente da Saúde Comunitária No Seminário de Saúde Comunitária, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e Conferência dos Religiosos do Brasil, em Fortaleza (de que se dá notícia na página anterior), enfocou-se com ênfase a mística que deve nortear a ação dos que atuam na Pastoral da Saúde, em especial dos religiosos. O tema foi desenvolvido por Frei Luiz Augusto de Matos, OSA, que discorreu sobre os traços que, “desde a perspectiva do Reino,
devem nortear, motivar e fundamentar a vida dos agentes e do povo que trabalha a nível continental em defesa da vida ameaçada”. Destacou Frei Luiz Augusto que o agente de Pastoral, a partir da Mística do seguimento a Cristo, alimentada pela fé teologal (= Reino), deve ser contemplativo do processo de libertação integral e total da grande maioria explorada, oprimida e excluída. Condição importante, também, é que o agente viva a ética da solidariedade comunitária e libertária com o povo pobre e oprimido, na promoção e defesa da vida, bem como promova a justiça recreativa contra a lógica sistemática, exploradora e excludente, global, totalitária e fragmentária. Para o conferencista, o agente de Pastoral deve carregar em si, sempre, a esperança utópica na possibilidade de construção do novo ser humano e da nova sociedade igualitária, livre e justa. Sua missão implica em reencantar a vida, em todas as suas dimensões, no que denominou de “fraternura”: * pelo espírito poético e alegre; * pela mentalidade ecológica; * pela criatividade lúdica e artística; * pela gratuidade admirada; * pela gratuidade admirada; * pela maneira de ser forte e frágil ao mesmo tempo; * pela palavra múltipla e mutável; * pela provisoriedade desconcertante; * pela reciprocidade humanizadora; * pela liberdade e sabedoria dos pobres; * pela sexualidade integrada-libertada; * pela reorganização da esperança dos últimos; * pela “alternatividade profética; * pelo encanto das comemorações festivas populares e religiosas; * pela convivência simples, espontânea e acolhedora; * pela atitude receptiva-compreensiva diante do novo, do imprevisível, do diferente e do outro. É obrigação do agente de Pastoral combater profeticamente a idolatria do mercado totalitário, que expropria, subjetiva e objetivamente, a vida pessoal e social, nacional e continental. Deve ele, ainda, experiência a “santidade política” que orienta a vida e os compromissos para as “virtudes sociais” ou “ estruturais” e para as grandes causas do povo, tendo a certeza de que a História da Salvação se manifesta na Salvação da História. Enfatizou Frei Luiz Augusto que a vida e ação do agente devem testemunhar a coerência entre o ser – falar, crer, viver e lutar – e a conflitividade pelos grandes ideais, visando resgatar e potencializar as corporeidades crucificadas. É igualmente essencial que assuma o processo encarnatório, a partir da inserção e da inculturação no espaço histórico popular e diante do desafio da modernidade. Preocupação sua também deve ser a de viabilizar um macroecumenismo capaz de construir o diálogo entre as varias Igrejas e entre as diferentes religiões, do mesmo modo que deve ser capaz de unir as várias frentes de luta e de incentivar o vínculo entre as forças antisistêmicas que estão contra a situação de morte e a desintegração da sociedade. Para isso, cumpre ao agente conquistar diariamente uma visão holística (integral e global), que supere dualismos, sectarismos, maniqueísmos, provincianismos, vanguardismos, fatalismos, bairrismos, dirigismos, terrorismos, obreirismos, espontaneísmos... e que favoreça a dialogação e integração no seio da realidade humana, social e cósmica. No trabalho, o agente deverá assumir uma metodologia libertadora-comunitária que possibilite o refortalecimento, o auto-acompanhamento e a formação contínua de si próprio e do povo-agente, que viabilize um permanente discernimento, avaliação e replanejamento quanto às atividades assumidas, em consonância com as exigências-desafios do momento. Tudo isso deverá fortalecer a “pedagogia do oprimido”, da esperança e do excluído.
Será necessário ao agente – disse ainda Frei Luiz Augusto – decodificar a realidade, pela “lucidez crítica”, que ajuda a ser consciente, crítico, atento, científico em relação ao clamor surdo e dolorido dos pobres e do processo histórico-coletivo. Destacou o conferencista a importância de o agente de Pastoral trabalhar na organização do povo – como sujeito histórico coletivo – para a conquista da cidadania popular-participativa, que se manifesta no poder popular e no processo democrático participativo e integrador. O agente, para fiel desempenho de sua missão, deve reestruturar a própria vida, através de busca de sentido para o viver e de alternativas políticas diante da crise da civilização ocidental, que –enfatizou – fomenta a lógica do suicídio coletivo da humanidade, devido à crise da ética, da falta de paradigmas e da mundialização do capital e do instrumental técnico-científico. Disse, por fim, Frei Luiz Augusto que o agente deve conscientizar-se da urgência de construir na práxis (teoria e ação) um projeto sócio-político que venha ao encontro da revolução das necessidades-básicas, da “liberdade libertada” e do belo re-encantador da vida humana e social.
Como ajudar o doente mental Nosso objetivo é apresentar algumas pistas para o relacionamento com o doente mental, valendo-nos de algumas notas da enfermeira em saúde mental, Terezinha Ritter, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e da experiência pastoral no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É necessário superar alguns tabus que envolvem a loucura, pois dificultam o relacionamento com o doente mental. Quatro deles são particularmente imprtantes: O doente mental é perigoso –A pessoa portadora de problemas mentais sempre foi considerada, historicamente, perigosa, porque não sabe o que faz, agride facilmente os outros e destrói o que vê pela frente. Na verdade, a loucura tem muitas facetas. Embora exista perturbação mental, os doentes não são mais perigosos por causa disso. Encontramos até mais agressores e assassinos entre pessoas ditas “normais” do que entre os loucos. É importante frisar que a doença mental não compromete 100% da vida da pessoa. Apenas algumas funções são atingidas, o que permite ao doente conservar a consciência de si mesmo e do que faz, mesmo que esteja desorientado. Pode acontecer que a pessoa não tenha a mesma percepção crítica em relação aos seus pensamentos, sentimentos e ações, como se espera de alguém mentalmente sadio. Ocorrem disfunções no nível de testar a realidade, alteração nas atitudes convencionais e nos padrões de moral, incapacidade de controlar os impulsos básicos, entre outras mudanças. É importante salientar que ninguém é totalmente louco, assim como ninguém é totalmente sábio. Existe até um dito popular: “de médico e louco todo mundo tem um pouco”. O doente mental é irrecuperável – Essa visão foi responsável pelo abandono de muitos doentes mentais em instituições como os manicômios. A doença mental é como qualquer outra. Geralmente é crônica, e a pessoa tem que conviver com ela ao longo da vida. Desde que siga o tratamento indicado e tome os devidos cuidados, poderá ter uma vida normal. A doença mental pode ser tratada e controlada através de psicoterapia
individual e/ou grupal, medicamentos apropriados, atividades supervisionadas e ambiente adequado. Essas pessoas necessitam manter seus laços familiares, sociais e ocupacionais, que são os elementos básicos e necessários para suportarem, com menor prejuízo pessoal e social, as situações de sofrimento. O doente mental é um incapaz – Muitos acreditam que o doente mental é incapaz de tomar decisões e de desenvolver atividades, cuidar de si e relacionar-se com os outros. É verdade que algumas formas de loucura limitam o ser humano mais do que outras: as perturbações denominadas esquizofrenicas, por exemplo. Mesmo assim, com tratamento e acompanhamento, a pessoa mantém uma certa capacidade de decidir, de relacionar-se, de cuidar-se ou desenvolver alguma atividade, é na fase aguda dessas doenças, que se caracteriza como um episódio (período passageiro), que as capacidades estão mais reduzidas, porém não ausentes, e que os doentes mais necessitam de ajuda especializada. Daí a importância de a família e a equipe terapêutica estimularem os doentes a acreditar em si mesmos, ajudando-os a descobrirem seu potencial criativo e a se responsabilizar pela própria vida. O doente mental é alguém totalmente estranho – Sim, o doente mental, o psicótico ou o louco têm uma maneia especial de perceber e de se relacionar com o mundo. Se formos um pouco mais atentos em relação a nós mesmos, veremos que a diferenças entre nós e eles não são tantas, e a distância que nos separa de seu mundo por vezes é bastante tênue. Quem de nós já não sonhou com coisas impossíveis? Qual a distância que existe entre nossas fantasias inatingíveis e/ou irreais e os delírios de um louco? Qual a diferença entre nossos momentos de desespero e a depressão profunda de uma pessoa mentalmente doente? Que diferença há entre nossas “birras”, que nos levam a “virar a cara” para alguém que nos magoou, e o descaso de um louco, que se recusa a conversar conosco, entre a instabilidade do nosso humor e a instabilidade do humor de muitos doentes? Considerar o louco totalmente diferente de nós e, conseqüentemente, de impossível convivência, talvez seja um expediente que encontramos para não olharmos para nós mesmos, para nossas próprias loucuras. É mais fácil excluí-lo de nosso convívio. Mantê-lo confinado em manicômios significa confirmar também a nossa loucura e perpetuar a ilusão de que somos perfeitamente saudáveis. É a mesma situação de alguém, tendo um defeito no rosto, não se olha no espelho. Em muitas situações, os loucos são os nossos espelhos. Conviver com o doente mental é possível. É preciso conhecer um pouco melhor a doença mental, o comportamento desajustado e doentio, para respondermos de maneira adequada. Algumas dicas Não há fórmulas mágicas, milagreiras, para a convivência com o doente mental. Mas aqui vão algumas indicações de valia: o doente mental tem uma grande sensibilidade à linguagem não verbal, à qual devemos prestar muita atenção; só é possível uma autêntica relação humana, quando aceitamos o doente mental tal qual ele é, e não como gostaríamos que ele fosse; o cuidado realmente eficaz é aquele que é dirigido à pessoa e não à doença; as pessoas tendem a se comportar de acordo com o que esperamos delas;
uma intervenção eficaz está relacionada com a identificação correta do problema (precisão de diagnóstico); o instrumento fundamental no cuidado somos nós mesmos, como pessoas; a técnica mais eficaz no atendimento aos doentes mentais é a relação interpessoal de honestidade, empatia, compreensão e confiança mútua que é possível estabelecer; este nível de relação só é possível se aprendemos a aceitar e enfrentar os próprios sentimentos de medo, desespero, revolta, ira, desapontamento e culpa; só podemos mudar o que formos capazes de aceitar como parte de nós mesmos. Só se pode entender os outros à medida que se é capaz de conhecer e entenderse a si mesmo.
É sempre bom ter por perto um profissional competente para orientar o tratamento e a conduta diante dessa questão tão delicada, diante do doente deprimido, hiperativo, desconfiado, agressivo e agitado, isolado e silencioso, regressivo, sedutor e dramático. Cuidar de doentes mentais, além de competência profissional, implica doação e amor. Leo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo.