icaps-105

Page 1

A Igreja e a Semana Social Ao organizar a Semana Social, qual é a missão própria da igreja? 1- A missão da igreja está relacionada com a motivação ética. Falar de ética todos podem e devem. Mesmo porque, até hoje, se falou pouco deste aspecto fundamental da vida humana e da sociedade ética, no fundo, trata da coerência da pessoa com a sua dignidade e do respeito à dignidade dos outros. Há pessoas que vivem valores éticos, sem fundamentá-los nas convicções religiosas. No entanto, a igreja, no campo da Ética, acrescenta uma motivação própria. Comprometer-se com a promoção integral do povo é, para nós, cumprir a vontade de Deus, respondendo ao projeto criativo de Deus. Pôr sermos cristãos, acrescentamos uma explicitação ainda mais profunda: a resposta ao projeto criativo de Deus é também adesão à ação de Cristo na história, porque ele assumiu uma posição firme diante da promoção humana: dignificar a pessoa, a ela conferindo a filiação divina. Assim, ao promover a dimensão ética, além de buscar a coerência da pessoa com a própria dignidade - o que é dever de todos-, além de responder ao projeto criativo de Deus em comunhão com os que alcançaram o nível religioso dos valores éticos, a igreja realiza a imitação de Cristo. 2- Há outro aspecto importante para a igreja ao promover a dimensão social: é o da maior abertura do campo ético. Abre-se o campo dos valores éticos. Assim, todos somos chamados a “respeitar o outro”. Uma pessoa que ilumina o seu agir ético pela referência explícita a Deus, acata esta vontade divina ao respeitar o próximo. Mas, para o cristão, não basta “respeitar o outro”, é preciso ir além e imitar o Cristo pelo dom da vida. Isto tem implicações práticas. Há um “esclarecimento” no conteúdo da exigência ética; daquilo que é o bem a ser feito. O cristão amplia o campo de seu compromisso à justiça: vai mais longe. Inclui as exigências do amor fraterno. O cristão, diante da miséria alheia, experimenta o dever de partilhar com o outro até mesmo os bens necessários, para viver a verdade da caridade cristã. A justiça do cristão se alargou. Tornou-se um imperativo ético, o mandamento do amor. A igreja, portanto, ao propor sua Doutrina Social, ao organizar uma Semana Social, está consciente da sua originalidade, quanto à motivação ética e quando à abertura do campo da justiça social. Além da luta pôr justiça social, em favor dos excluídos, buscando trabalho, salário justo, moradia, condições de participação política - em união com os demais protagonistas-, temos outras exigências que nascem de nossa fé em Cristo. 3 - A Igreja sente-se - se chamada a prestar um serviço. Podemos oferecer condições para um encontro entre pessoas interessadas em repensar o futuro do País. A igreja abre o espaço de encontro a intercâmbio de idéias. Pertence à missão da igreja aproximar os grupos, possibilitar o intercâmbio, zelar pelo bem comum neste momento especial que o País atravessa. É uma função supletiva: gera o encontro e o diálogo. A consciência desse serviço leva, no entanto, a Igreja a não se esquecer do seu campo próprio, quanto à dimensão ética, e a respeitar, portanto, a competência técnica dos especialistas. Precisamos nos ajudar para que, no âmbito da Semana Social, sejamos capazes de ouvir, de salvaguardar a liberdade de expressão, a autonomia da proposta, o respeito ao pluralismo de alternativas, oferecendo, no entanto, as iluminações éticas do Evangelho.


Uma Semana Social aberta a todos será uma experiências de serviço pôr parte da Igreja, empenhada na apresentação de proposta adequadas às necessidades de nosso povo, mas sempre alicerçadas, também, na motivação mais funda que a fé nos concede e na abertura aos valores cristãos. Somos convidados a fazer o aprendizado deste tipo de encontro. Dom Luciano Mendes de Almeida, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Falando sobre a depresão A depressão é uma doença “do corpo como um todo”, que compromete o corpo, humor e pensamento. Ela afeta a forma como você se alimenta e dorme, como se sente em relação a si próprio e como pensa sobre as coisas. Uma doença depressiva não é uma “fossa” ou um “baixo astral” passageiro. Também não é um sinal de fraqueza ou uma condição que possa ser superada pela vontade ou com esforço. As pessoas com doença depressiva não podem simplesmente recompor-se e melhorar pôr conta própria. Sem tratamento, os sintomas podem durar semanas, messes ou anos. O tratamento adequado, entretanto, pode ajudar a maioria das pessoas que sofrem de depressão. AJUDANDO-SE A SI MESMO Os distúrbios depressivo fazem você se sentir exausto, desvalorizado, desamparado e sem esperança. Estes pensamentos e sentimentos negativos fazem com que algumas pessoas queiram desistir de tudo. É importante compreender que a visão negativa faz parte da depressão e não reflete, de forma exata, sua condição. O pensamento negativo desaparece quando o tratamento começa a surtir efeito. Neste meio-tempo, recomendam-se algumas atitudes:  não se imponha metas difíceis e nem assuma demasiadas responsabilidades;  divida as grandes tarefas em tarefas menores, estabeleça algumas prioridades e faça apenas o que puder e do modo que puder;  não espere demais de si mesmo; isso só aumentará sua sensação de fracasso;  procure ficar com outras pessoas; geralmente é melhor do que ficar sozinha;  participe de atividades que possam fazer você se sentir melhor;  você deve tentar praticar exercícios leves, ir ao cinema, a jogos ou participar de atividades sociais ou religiosas;  não exagere ou se preocupe se o seu humor não melhorar logo. Isso ás vezes pode demorar um pouco;  não tome grandes decisões, tais como mudar de emprego, casar-se ou divorciar-se sem consultar pessoas que o conheça bem e que possam ter uma visão mais objetiva de sua situação. resumindo, é aconselhável adiar decisões importantes até que sua depressão tenha desaparecido; não espere que sua depressão passe de um momento para outro, pois isso raramente ocorre. Ajude-se o quanto puder e não se culpe pôr não estar “cem pôr cento”. Lembre-se: não aceite seus pensamentos negativos. Eles são parte da depressão e desaparecerão à medida que sua depressão responder ao tratamento. FAMÍLIA E AMIGOS PODEM AJUDAR


Como a depressão pode fazer com que se sinta exausto e desamparado, você desejará e provavelmente necessitará da ajuda de outras pessoas. Entretanto, quem nunca sofreu um distúrbio depressivo pode não compreender complemente seus efeitos. As pessoas não têm a intenção de magoá-lo, mas poderão dizer e fazer coisas que magoam. É interessante que as pessoas que lhe são mais próximas leiam estas informações para que possam compreendê-lo melhor e ajudá-lo. AJUDANDO AO DEPRIMIDO A coisa mais importante que alguém pode fazer pôr uma pessoa deprimida é ajudá-la a se submeter a um diagnóstico e a um tratamento adequado. É importante encorajá-la a continuar se tratando até que os sintomas desapareçam(após várias semanas), ou a procurar tratamento diferente, se não ocorrer melhora. Ás vezes, pode ser necessário marcar uma consulta e acompanhá-la até o médico, bem como verificar se ela está tomando a medicação corretamente. A segunda coisa mais importante é oferecer-lhe apoio emocional. Isto envolve compreensão, paciência e encorajamento. Procure conversar com a pessoa deprimida e escute-a com atenção. Não menospreze os sentimentos expressos, porém chame a atenção para a realidade e ofereça esperança. Referências a suicídios são importantes. Devem se relatadas ao médico. Convide a pessoa deprimida para caminhadas, passeios e outras atividades. Insista delicadamente se seu convite for recusado. Encoraje a participação em atividades que anteriormente lhe proporcionavam prazer, como passatempos, esportes, atividades culturais ou religiosas, porém, não a force a assumir rapidamente muita responsabilidade de uma vez. O deprimido necessita de distração e companhia, porém, cobrar demais dele pode piorar-lhe a sensação de fracasso. Não acuse o deprimido de se fingir de doente ou de ser preguiçoso, nem espere que ele melhore de uma hora para outra. Com o tempo e tratamento adequado, a maioria das pessoas com depressão melhoram Tenha isso em mente e procure reafirmar à pessoa deprimida que, com o tempo e ajuda, ela se sentirá melhor. Extraído de “uma conversa franca sobre depressão”, publicação da Sociedade Brasileira de Psiquiatria Clínica (av. Presidente Vargas, 433, Ribeirão Preto, SP, 14.030260), traduzido de material produzido pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, dos EUA. O hospital no Brasil, hoje. No Brasil, existem 6.478 hospitais, representando 492.328 leitos. Os hospitais são divididos em hospitais oficiais (do governo), que são 1.150, representando 104.037 leitos, e particulares, que são 5.328, representando 388.291 leitos. Os hospitais particulares se subdividem em lucrativos (3.200, com 206.428 leitos) e não- lucrativos (2.128, com181.863 leitos). Os hospitais filantrópicos, como as Santas Casas, fazem parte dos hospitais particulares não-lucrativos. O hospital, na visão da Organização Mundial da Saúde, “é parte integrante de uma organização sanitária, médico e social, cuja missão consiste em proporcionar à população assistência médico-sanitário completa, tanto curativa como preventiva, e cujos serviços externos estendem-se ao âmbito familiar. O hospital é também o centro de formação de pessoal médico-sanitário e de investigação bio-social”(Serviço de informação Técnica, n 122, 4, 1957).


Nas palavras do sanitarista brasileira, Carlos Gentile de Melo, “o ideal seria que as pessoas não adoecessem; adoecendo, que fossem tratadas sem necessidade de hospitalização; hospitalizadas, que tivessem alta o mais rápido possível. Afinal, conforme reconhecem os especialistas, o hospital é um local insalubre por vocação”. No nosso contexto, a saúde e a vida viraram uma mercadoria, e o hospital, uma empresa, o que dificulta a colocação em prática da definição da OMS. O atendimento médico-hospitalar deveria ser feito numa relação de confiança, de vínculo e responsabilidade entre médico e paciente. A grande distorção que estamos vivenciando é a perda desse vinculo, como conseqüência do avanço tecnológico. Os complexos médico-hospitalares detêm o equipamento e começa a assalariar os profissionais médico, rompendo o vínculo entre estes e o paciente, e trandormando a atividade num negócio que tem interessado a grupos empresariais. Portanto, o hospital deveria ser da comunidade, que não permitiria a transformação deste num negócio. O atendimento das pessoas tem de ser igual. Não se pode admitir nenhum ripo de elitismo, parcelas da população tendo acesso, enquanto outras não têm. É bom lembrar que quem mantém o sistema de saúde é o povo, através dos impostos e contribuições (cf. Presença Consasems, abril-maio de 1992, página 4: “Hospital não é uma empresa”, Dr. Adib Jatene). Num relance histórico, é importante frisar que, “antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. O pobre, como pobre, tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto acolhê-lo, quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna. O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistindo material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último sacramento. Esta é a função essencial do hospital. Dizia-se correntemente, nesta época, que o hospital era um morredouro, um lugar onde morrer”(Michel Foucault). Com a secularização do mundo da saúde, a medicina e as instituições de saúde tornaram-se auto-suficientes, e graças à técnica e à ciência, o homem tornou-se senhor da vida. Nas suas origens, o hospital era uma casa de acolhimento para os miseráveis. A partir do século XVI, com o desenvolvimento da ciência e da técnica, houve mudanças na função do hospital: este passou de centro caritativo a centro terapêutico, de instituição da Igreja a instituição política, civil. O hospital passou a ser um centro de tratamento da saúde como direito. A razão de ser do hospital, hoje, é a terapia, recurso para eliminar a doença. Estas são algumas características do hospital: * instrumental terapêutico e diagnóstico: aparelhos, além dos centros de diagnósticos fora do hospital; * habilitação profissional cada vez mais exigente: conhecimento científico, habilidade técnica, qualidades pessoais; custo da ação terapêutica: custo do profissional (formação, reciclagem), instrumental; terapêutico e diagnóstico, tempo de tratamento (permanência); * interdependência: de escola, faculdades; de recursos terapêuticos (remédios, aparelhos); de pesquisas científicas (coleta de dados no hospital); de mercados (pão, legumes; frutas, carne...); da cobertura dos custos: Inamps, convênios; * progressos científicos sempre em ebulição; * organização administrativa altamente técnica;


trabalho interdisciplinar em função da pessoa humana vivendo num momento crítico; * profissões colaterais: assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, ministros de cultos religiosos... * função pública muito sentida e cobrada: processos contra hospitais e médicos; * lucro: interesse econômico acima da pessoa e da ciência. Extraído de “Vida religiosa e saúde do povo”, de Padre Christian de Paul de Barchifontaine, MI, Caderno da CRB n.º 15 - Publicações CRB/ 1992. À procura do conceito exato O I Congresso Nacional de Bioética e Saúde (São Paulo, 10-12/06/1993), promovido por entidade católica, ofereceu a oportunidade de frisar o que não é Bioética, chamada a estender sua competência sobre um setor da maior criatividade e responsabilidade nos decênios por vir. O sentido liberal da palavra Bioética aponta para um capítulo da Ética que diz respeito aos seres vivos, à vida, com referência primordial, inquestionável, à vida do ser humano. Nesta perspectiva, toda denominação religiosa tece implícita ou explicitamente sua própria bioética, em afinidade com sua antropologia e suas convicções; sem desmerecer, tal bioética não passa de um capítulo da ética sistematizada por qualquer autor ou entidade. Entretanto, todo pedantismo posto de lado, a etimologia raramente informa exatamente sobre o sentido atual dos termos, sentido que não deixa de ser o mais importante. A Bioética, hoje, não aponta exatamente um capítulo densa moral cristã ou da Deontologia da Classe Médica, mas um esforço dialogal de todos quantos estão interessados e envolvidos na retidão moral (isto é, humana global) das pesquisas, terapias, atividades em geral referente à vida e saúde do ser humano. A tarefa escapou da relação bipolar paciente-médico em que se limitou pro muito tempo, ultrapassou toda categoria de cidadão, para abranger a sociedade como um todo, em busca de progresso responsável. Por isso, a Bioética é uma disciplina nova, que pertence à humanidade em evolução, não podendo ser monopolizada nem por uma Igreja nem por uma corporação profissional. Queiramos ou não, ela é diálogo (comunicação, diriam os discípulos de Habermas), no qual entram indivíduos e entidades interessados, sem que nenhum deles, é claro, possa abdicar de sua própria responsabilidade moral comum, por tudo que lhe diz pessoalmente respeito. Não diríamos com Joaquim Clotet que a Bioética seja uma “uma nova imagem da ética médica”. A ética médica permanece o que era e é; decorre de nosso conceito de Bioética que ela aparece como novidade epistemológica. Com isso discordamos de toda tentativa de anexação da Bioética à Deontologia Médica. Se recusamos definir a Bioética como estudo de certas práticas “á luz dos valores e princípios morais”( Joaquim Clotet), não é por negar a vigência de valores e princípios na mente de cada participante do diálogo bioético, mas por saber que os valores e princípios de todos os participantes sendo inconciliáveis, a nova disciplina não pode principiar com eles. A Bioética é, antes, uma caminhada coletiva altamente conflitual e crítica, em busca dos valores e princípios que sejam aceitáveis e aceitos por todos. Antes de se ditar no leito dum eventual código, a Bioética aparece, portanto, sobremaneira, com uma mentalidade à procura do agir mais oportuno nos campos da pesquisa e operatividade biomédica. Mais do que o peso da autoridade, aqui vale o mérito da argumentação; mais quem o título, a competência; mais que a confraternização num


esoterismo de iniciados, a oportunidade de apontar os meios de respeitar simultaneamente a dignidade da pessoa e a solidariedade entre os seres humanos. Neste contexto, alvissareira é a aparição da revista Bioética, publicada pelo Conselho Federal de Medicina, cuja linha editorial se auto afirma oportunamente “completamente independente do Plenário do Conselho Federal de Medicina”. ë de seu direito começar por impor à sua participação o sistema de referência bibliográfica da Corporação Médica Norte Americana, Não aceito por famosas publicações européias especializadas em bibliografias, nem seguido pelo Conselho Português de Bioética. Esse detalhe não impede, evidentemente, que a revista reconheça que a pesquisa biomédica deve “sofrer algum tipo de controle social, com a coletividade participando mais amplamente na definição d seus objetivos e prioridade”, de modo que a revista Bioética seja “uma tribuna que possibilite diferentes enfoques dos problemas e dos conflitos éticos na Medicina e na Saúde”. O futuro dirá se este nobre projeto se confirma ou se os problemas da saúde continuarão no Brasil a ser da alçada e competência praticamente exclusiva dos médicos (com as exceções de prazer, em progressão face à AIDS). O conjunto da publicação é de excelente qualidade. Contestaríamos no máximo alguns detalhes do panorama oferecido da história da Ética. A doutrina católica da lei natural contesta que o cristianismo tenha criado uma oposição entre homem e natureza. O pensamento tomista que prevaleceu durante séculos na Igreja refuta a identificação entre ser e pessoa. A urgência da decisão solicitada da razão prática nunca motivou um adiantamento de moral “teórica”. Reduzir a subjetividade kantiana a uma formação puramente lógica não será empobrecer o pensamento de Kant? Ninguém ensina a incondicionalidade do ato moral. A experiência moral não é apenas íntima e indivisível, tem que se auto-justificar com argumentos de dados e razões. Mantemos quanto a nós que a Ética é a ciência da mais justa escolha, ainda que cônscios de que a razão teórica quanto se diz) não seja objetivamente infalível. No mesmo primeiro número da revista, é de ser louvar notadamente a recusa de se checar sistematicamente a seronegatividade do paciente que espera uma cirurgia (em “Implicações éticas...”) e a liberdade de abordar o tema da eutanásia com rara franqueza (em “Reflexões sobre...”). Neste particular, reparamos um ponto nunca francamente abordado: em que medida é justificada ou obrigatória projetar no outro (o enfermo grave ou desenganado) o sistema de valores que é nosso? Quem dá sentido a uma vida humana, a crença do sujeito ou a convicção de outras pessoas? Sem menosprezar a questão da vida pela vida, alguns já descobriram e introduziram na Bioética a questão da crescente relevância da qualidade da vida. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista, Comunidade de São Paulo. Vida religiosa e instituições de saúde Nos dias 9 a 14 de setembro último, aconteceu o II Seminário Nacional de Instituições de Saúde, em Curitiba, PR, promovido pela CRB - Conferência dos Religiosos do Brasil, através do GRS -Grupo de Reflexão de Saúde. Com a presença de 100 religiosos (as) de todo o território nacional, procurou-se refletir sobre a temática Vida religiosa instituições de saúde: identidade e missão, a partir da metodologia do ver-julgar-agir, com a


seguinte justificativa: a XVI Assembléia Geral Ordinária da CRB (julho de 1992) assumiu como objetivo geral (1992-1995) aprofundar em todos os níveis a identidade da vida religiosa, no seguimento de Jesus pobre, em sua preferência pelos pobres, no dinamismo profético dos carismas específicos, em comunhão com todo o povo de Deus e os pastores, a serviço da vida, da justiça e da esperança. O grande apelo é “aprofundar em todos os níveis a identidade da vida religiosa”. O que significa isso na área da saúde e especificamente para a vida religiosa nas instituições de saúde? Temos no Brasil um expressivo número dd religiosas (os) que atuam em instituições de saúde. Constata-se um êxodo dessa realidade. Hoje mais do que nunca, frente às urgências da sociedade de doenças (“cultura de morte”), inovações técnico-científicas idolatradas (tecnolatria), sem nenhuma referência ética, e desumanização crescente co cuidado, entre outros fatores, se pergunta com insistência, e não sem angústia, a respeito da identidade e missão da vida religiosa neste contexto. Muitos pensam até que, nesta realidade, o novo da vida religiosa, tão transparente e vivo outrora, não pode mais acontecer. Será verdade? Vendo a questão Assumindo essas inquietações em continuação ao I Seminário de Instituições de Saúde (Garibaldi, RS, 1991), este II Seminário Nacional procurou aprofundar justamente dois aspectos fundamentais do ser religioso - sua identidade e missão nas instituições, bem como a própria identidade e missão das instituições de saúde. Sem dúvida, fazem-se necessários um conhecimentos e leitura crítica da realidade das instituições de saúde no contexto maior da conjuntura nacional de saúde, tendo em vista o confronto entre a tendência privatizante e o processo SUS (Sistema Unificado de Saúde) no desdobramento da municipalização, garantida na Constituição de 1988, que, em muitas localidades, vem sendo pervertida pela politicagem da prefeiturização. Acrescente-se a isso possível revisão constitucional próxima, com sérias tendências de anular conquistas de direitos sociais garantidos. Na análise desta conjuntura, fomos ajudados pelo Padre Christian de Paul de Barchifontaine, MI. É importante frisar também que uma visão histórico-social evolutiva das instituições de saúde e da medicina nos ajudou a entender a problemática de hoje, para não cairmos facilmente em simplismos dogmáticos frente à complexidade da situação, que exige várias matizações e perante a qual não temos soluções mágicas. Nesta tarefa, a Irmã Dra. Maria Helena Guariento apresentou uma contribuição preciosa. Do bojo dessa realidade emergem inevitavelmente algumas questões muito sérias. Entre outras, levantamos: * as instituições de saúde pertencentes e/ ou administradas por religiosas (os) servem a quem”; * estão abertas à comunidade ou simplesmente, na estratégias de sobrevivência em tempo de crise, acabam elitizando seus serviços, utilizando-se necessariamente de técnicas e especialidade de última geração e, conseqüentemente, afetando as pessoas mais carentes da comunidade?; *estas instituições cultivam uma filosofa marcadamente cristã ou o mercado acaba sempre elegendo as prioridades?; * existe o empenho de se ter uma Pastoral da Saúde que envolva toda a realidade hospitalar (doentes, familiares e profissionais) e comunidade?;


* como são encaminhadas as questões éticas ligadas ao nascer, bem como aquelas legadas ao paciente terminal? No que toca à vida religiosa enquanto tal, a respeito da razão de ser e presença na realidade institucional:  que educação (ética-teológica, humana e técnico-científica) as (os) religiosas (os) recebem?;  que testemunho evangelizador transparece?;  que mística deve alimentar o ser e agir da (o) religiosa(o);  por que as gerações mais jovens de religiosas (os) não mais se entusiasmam em marcar presença neste contexto? Nesta perspectiva inquetadora, os objetivos deste Seminário foram os seguintes: a) analisar criticamente a conjuntura atual das instituições de saúde frente à Política Nacional de Saúde e como esta situação interfere na identidade e missão da vida religiosa e instituições de saúde; b) oferecer espaço de reflexão sobre o ser religioso nos serviços de saúde institucionalizados; c) ajudar as (os) religiosas (os) a refletirem sobre uma Filosofia que explicite os valores evangélicos das Instituições de Saúde, à luz dos clamores do povo, caminhada de Igreja e pluralidade dos carismas; d) levantar pistas de ação em relação a questões ‘ticas no contexto hospitalar que ferem a dignidade humana; e) oferecer subsídios para organização da Pastoral da Saúde em ligação com a comunidade e, finalmente, partilhar experiências e celebrar a caminhada. O julgar No julgar (perspectiva ética-teológica), foram apresentadas oito questões fundamentais no processo de reflexão ético-teológica sobre Vida Religiosa - instituições de saúde: identidade e missão. São elas: 1. lucidez crítica frente à realidade (espírito de discernimento); 2. filosofia da instituição -valores e princípios que foram o nosso credo e inspiram a missão; 3. educação e especificação das (os) religiosas (os); 4. gerenciamento da instituição à luz da administração científica que prime pelo aspecto humano-ético pastoral; 5. protagonismo dos leigos em cargos-chaves com formação puramente técnica sem qualquer referência a valores ético-religiosos; 6. a instituição de saúde como espaço para reflexão ética e solidariedade pastoral organizada; 7. o desafio do cultivo de uma espiritualidade exodal; 8. pistas de uma ética missionária num contexto pluralista, ecumênico, que poderíamos chamar de “terra de missão”. Pense em 95 O próximo seminário sobre instituições de saúde está previsto para acontecer daqui a dois anos (1995), em local e temática a serem definidos proximamente a partir das sugestões colhida junto aos participantes deste evento. Leo Pessini, sacerdote camilianos, membro do Grupo de Reflexão de Saúde Conferência dos Religiosos do Brasil. UTI: LUGAR ONDE NÃO ANOITECE ANÍSIO BALDESSIN


Quando olhamos ao nosso redor, percebemos que, em muitos lugares, nunca anoitece: a vigilância é constante. Exemplo disso são as grandes indústrias, que trabalham dia e noite, para garantir uma produção eficiente. O hospital também nunca fecha sua portas, embora não o faça para garantir produção – pois ele não existe para produzir pessoas fisicamente sadias, mas para oferecer ao paciente um tratamento que respeite sua dignidade e seus direitos como pessoa. Essa é uma das grandes diferenças entre um hospital e outras instituições. Embora sempre de portas abertas, pronto a receber a todos indistintamente, independente de idade, raça, cor ou religião, raramente nos dispomos a entrar nele. Quando o fazemos é porque com algum problema de saúde ou temos alguém próximo de nós necessitado de cuidado. Para isso, não existe nem dia nem hora: procuramos o hospital durante o dia ou a qualquer hora da noite, em dias úteis, domingos ou feriados. É ali o lugar onde buscamos encontrar alívio na dor, recompor as orças e, primordialmente, recuperar a saúde. O hospital é uma instituição que impõe respeito e, ao mesmo tempo, intimidade. Toda pessoa, ali, fica mais sensível. Revê a vida e até se aproxima de Deus. Nele ocorrem fatos que mexem com nosso ser e valores, com nossa vida. No complexo hospitalar, existe um lugar mais temido que qualquer outro – lugar que causa stress, angústia e cansaço a quem nele está, seja ao paciente ou ao profissional. Apreensão, medo, tensão e desespero são os sentimentos comuns dos que ficam do lado de fora, os familiares e amigos: estão quase sempre cabisbaixos e com lágrimas nos olhos , a fisionomias tensas. Embora sempre esperando pelo melhor, temem o pior, que pode suceder a qualquer momento. Essa é a UTI 0 unidade de terapia intensiva -, um lugar onde a vida, num momento crítico, requer cuidado todo especial. Lugar onde os opostos se aproximam: vida-morte, esperança-desespero, fé-descrença, cuidado-descaso, sorriso-lágrima, alegriatristeza, calma-tensão, dor-alívio. Lá, estes opostos se tocam e, por vezes, se unem perigosamente. Ali nunca se pára de trabalhar, de esperar. É um lugar onde nunca anoitece. As luzes da UTI, permanente acesas, mostram que lá está alguém em permanente vigília. São os profissionais da saúde, atentos ao mínimo detalhe do que está ocorrendo. Os profissionais de sensibilidade sabem distinguir um som diferente no monitor, bem como o comportamento de cada paciente. Não seria despropositado comparar a UTI ao Getsêmani. Quem não se lembra do Getsâmani, o Jardim das Oliveiras, de que nos fala Mateus (26, 36-42). Prestes a enfrentar o Calvário, Jesus saiu para orar com seus discípulos. O clima era tenso: todos estavam certamente cansados, estressados, angustiados e com medo. Jesus, tomado pela angústia, permanecia em vigília, enquanto os discípulos dormiam. A UTI é o retrato perfeito do Jardim das Oliveiras: o medo, a angústia, a gravidade do paciente internado, entre outros fatores, tiram o sono de todos aqueles que o assistem. O paciente, às vezes, consegue dormir, quando sabe que, mesmo cansados, angustiados e estressados, os profissionais não dormirão, cuidarão dele com desvelo. Eles permanecem, como Jesus, vigilante no Getsêmani da dor, garantindo o sono repousante e necessário a quem precisa recuperar a saúde. O sofrimento de Jesus era intenso. Tinha consciência do que estava por acontecer. Confiava no projeto de Deus, em meio a muitas dúvidas, pois sua humanidade o fazia sentir medo. Angustia, não dormia. Nem mesmo conseguia rezar. Ou melhor: sua oração foi um pedido para que o Pai afastasse dele o sofrimento (Mt 26,39). “E indo um pouco adiante,


prostrou-se com o rosto em terra e orou: “Meu Pai se é possível, que se afaste de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres”. Ao mesmo tempo parecia não ser nem mesmo capaz de expressar o que sentia. O medo do desconhecido lhe tirava a paz. Sentiu a ausência dos amigos e tentou pedir ajuda aos discípulos. Mas estes dormiam. Para ele, a noite parecia interminável. O sofrimento dos profissionais de saúde que atuam principalmente em uma UTI também é muito intenso. Sabem do que são capazes. Muitos confiam em Deus, em sua própria orça, na tecnologia, nos aparelhos, na especialização, nos medicamentos e, igualmente, na vontade do paciente. Mas, como pessoas humanas, sentem-se impotentes em alguns casos, diante do sofrimento, da dor e da morte que, muitas vezes, se faz presente ali. Na UTI, o paciente também está no Getsêmani da vida – um jardim onde há mais espinhos que flores. O medo se apossa dele, aumentando-lhe a angústia. Como Cristo, sente dor e calafrios. Sues discípulos não são os familiares, mas os profissionais da saúde. Confia em sua competência, amor e solidariedade, reconhecendo neles incansáveis defensores da vida. Mas, como pessoa, sabe da fragilidade de seu próprio corpo que, atingido pela doença, pode definhar. A UTI é, assim, o lugar de encontro de seres humanos em situações bem características: pacientes e profissionais lutando pelo mesmo objetivo, que é a vida. A cada troca de plantão, duas certezas: para os profissionais, a de mais uma missão cumprida e a alegria de haver colaboração no sentido de devolver a saúde a alguém; para os pacientes, a confiança de que os profissionais estarão sempre vigilantes na arte de cuidar da vida com competência e ternura. Sozinho e abandonado no seu Getsêmani, que homem suportaria, se até o Filho de Deus reclamou! O sofrimento na UTI, sem a presença e o cuidado solidário (dos profissionais, capelães e agentes de Pastoral), prolongaria para os pacientes internados as trevas da noite, sem perspectivas de verem surgir as luzes de um novo dia. Por isso, ali nunca anoitece. Anísio Baldessin, é Sacerdote camiliano, capelão do Hospital das Clínicas, em São Paulo.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.