Ética e miséria A miséria é evidente e cresce de modo assustador. O povo come cada vez menos e anda mais doente do que antes. O remédio é caro. Em muitas cidades, não se prevê oferta de maior número de empregos. Tudo isso sabemos. Daí a urgência das soluções emergenciais da atual “Ação da cidadania contra a miséria e em favor da vida”, que une sociedade e governo para erradicar a pobreza extrema. É hora de apoiar estes esforços dignos de louvor. Além do aspecto técnico da questão, há o grave problema ético. Fome e miséria são fruto da injustiça distribuição de terra e dos recursos, da corrupção de órgãos governamentais, da exploração instituicionalizada, alimentadas na raiz última do egoísmo e do pecado. O bispos católicos,no documento recente de Itaici, insistem no interrogativo ético que surge do contraste entre abundância de recursos econômicos e técnicos, de uma parte,e a miséria clamorosa, de outra.Trata-se da consciência de que temos condições para superar a fome e a pobreza extrema que afligem o nosso povo. Mas será que existe realmente em nós a decisão de vencer a miséria, oferecendo ao povo sofrido dignidade de vida? Cada um é chamado a responder a esta pergunta diante de Deus. Temos que distinguir as várias faixas da população. De um lado, há uma parcela favorecida pelo desenvolvimento e cuja riqueza aumenta sempre mais. Conforme o IPEA, “em 1981, o segmento brasileiro 1% mais rico mantinha 13% da renda total, cota pouco inferior à soma apropriada pela metade mais pobre da população (13,40%). Em 1990, o segmento 1% mais rico aumentou a sua participação para 14,6%, e os 50% mais pobres tiveram sua cota de renda diminuída para 11,2%”. Aprofundou-se, assim, a diferença entre a maioria pobre e a minoria rica. Prevaleceram os interesses individuais do grupo mais aquinhoado e que não sabe ceder à exigência ética e cristã de preocupar-se com os irmãos mais pobres. Infelizmente, o dinheiro que não é aplicado, para renda mais, vai para gastos supérfluos e até suntuosos. Cabe aqui um exame sério de consciência diante de Deus e da fome do povo. Outra faixa de população, a mais pobre e numerosa,luta pela sobrevivência,no trabalho mal remunerado e no subemprego. Cresce a cada dia o volume da “massa sobrante”, dos excluídos e deserdados. A estes irmãos é preciso, com a máxima urgência, vir em socorro com ações básicas e eficazes. O documento dos bispos sobre “Ética, Pessoa e Sociedade”( n.º 52) refere-se à terceira faixa da população que dá sinais de reencontrar-se com ética da promoção do bem comum, ligado o ideal democrático e patriótico, aberta à participação de todos, às motivações religiosas, especialmente da Doutrina Social da Igreja, em busca de uma sociedade justa. Unam-se as orças vivas do País: governo e povo, classes médias, empresariado e sindicatos, massas pobres organizadas, imprensa, rádio e TV. Todos, especialmente os mais jovens,somos chamados a vence a apatia, o desânimo, o individualismo e a somar esforços. A Igreja tem a missão de contribuir para a formação da consciência ética, responsável e solidária, à luz dos valores do Evangelho. Enquanto os grupos se reúnem e organizam com maior competência a campanha contra a miséria, permito-me sugerir que já se comece a agir em nível de município, formado conselhos com a participação da sociedade local. Dê-se preferência às crianças, maiores vítimas da recessão, valorizado o “Pacto da Infância”, já assinado pelos governadores, garantindo a vacinação total, o apoio à gestantes e o aleitamento materno. Há
dois pontos igualmente urgentes: p encaminhamento adequado da situação dos acampados, dos sem-terra, em todo o território nacional,e a última definição sobre a reforma agrária e agrícola. O importante é começar e não esmorece. Dom Luciano Mendes de Almeida, presidente da CNBB, Conferência dos Bispos do Brasil. Bioética nos EUA e nos países pobres Cresceu muito o interesse pela Bioética como resposta direta aos avanços na pesquisa biomédica e tecnológica médica nos últimos 30 anos. Quanto mais sofisticada se torna a ci6encia médica e tecnologia, mais sofisticadas se tornam as questões levantadas; quem tem o direito de decidir se o tratamento médico deve ser iniciado, continuado ou interrompido? Em relação aos profissionais da saúde, quanto de informação é exigido comunicar aos pacientes? Quando o direito do paciente à confidencialidade não deve se respeitado? Quando é que se justificam, por exemplo, a eutanásia (ativa ou passiva) e p aborto, e quem teria o direito de decidir sobre essas questões? No livro Contemporary Issues in Bioethics, são apresentadas questões a respeito do início e fim da vida, eutanásia, prolongamento da vida, aborto, direitos do paciente e responsabilidade profissional, que estão no centro do debate. Avanços na área tecnológica e escassez de recursos financeiros também exigem uma reflexão ética nas questões de pesquisa biomédica e distribuição de recursos disponíveis na área da saúde. Esses assuntos, que envolvem julgamentos morais individuais, e conseqüentemente ações, levantam também questões de política, lei, ética profissional e até de economia. Não é minha intenção menosprezar a importância de todo esse conjunto de questões que são discutidas nas sociedade ricas, como os Estados Unidos. Estou convicto de que assuntos de vida e saúde não se limitam a questões médicas e científicas, pura e simplesmente. A crescente disparidade entre os países ricos e países pobres do Terceiro Mundo, por exemplo, o crescimento do número de pessoas vivendo em pobreza absoluta, representam um perigo crescente para a paz, justiça e proteção de nosso meio ambiente natural. O lixo não tratado de forma adequada prejudica a saúde do ser humano em todo o mundo, ameaça o globo e dificulta certamente a qualidade de vida das futuras gerações. Embora a Bioética se defronte com essas áreas de interesse, ela é tratada numa perspectiva muito estreita e vista como distinta da ética ecológica ou ética do desenvolvimento. Política de saúde como uma ramificação de Bioética A política de saúde em todos os quadrantes do mundo tem seus próprios problemas de Bioética. Em nações ricas, enormes quantidades de dinheiro são gastas na área da saúde, mas não está claro quanto dinheiro deve ser gasto e por quem, como um sistema de saúde deve ser organizado ou como os benefícios de tal sistema devem ser distribuídos. Contamse avanços na pesquisa biomédica e tecnologias médicas na parte rica do mundo; por outro lado, observa-se uma escassez crescente, por exemplo, no que se refere a caríssimos equipamentos de terapia intensiva, medicina sofisticada, técnicos ultra-especializados, órgãos artificiais, doadores para transplantes de órgãos, e assim por diante. Conseqüentemente, questões a respeito de decisões e justa distribuição de tais recursos para satisfazer às necessidades e desejos humanos aumentaram. Não obstante, somos privilegiados com esses problemas, se compararmos com as questões atuais de saúde dos países pobres. Enquanto nós começamos a enfrentar alguns de nossos complexos problemas de saúde com a engenharia genética, centenas de milhões de pessoas nos países em
desenvolvimento sofrem de malária, filariose, esquistossomose, doença de Chagas ou mal de Hansen. Nenhuma dessas doenças – que são perfeitamente preveníveis e/ou curáveis – está sendo controlada de uma forma satisfatória e, para algumas delas, a situação está em franca deterioração. Um milhão e meio de pessoas nos países em desenvolvimento estão, por razão culturais, financeiras ou simplesmente geográficas, privadas e qualquer atenção primária de saúde. Conseqüentemente, as pessoas pobres, que não têm condições de cuidar da saúde e que vivem em zonas rurais, longe do mais simples posto de saúde, o que não são informadas adequadamente das falhas da medicina tradicional, morrem de doenças relativamente simples como a diarréia. Pobreza em massa: um desafio para a Bioética Em 1992, após três décadas de um desenvolvimento econômico sem precedentes na história humana, bem como uma explosão de conhecimentos e capacidades técnicas,mais de um bilhão de pessoas vivem em absoluta pobreza, “uma condição de vida tão degradada pela doença, analfabetismo, desnutrição e esqualidez, negadoras das necessidades humanas básicas”, como definiu Robert McNamara, em Adress to the Board of Governors, em 24 de setembro de 1973, em Nairobi, no Quênia. O numero de analfabetos – a alfabetização é uma garantia para as futuras gerações escaparem da pobreza – aumentou para 900 milhões, conforme o World Educational Report, da Unesco, em 1991. Em todo o mundo, a pobreza, antes que simples gene patogênico, causa morte; a pobreza, antes que qualquer micróbio, parasita ou verme, é o vetor-chave para a doença. Em 1989, nos EUA, o risco de morrer até o primeiro ano de vida era 2,3 vezes maior para as crianças negras que entre crianças brancas, e para todas as principais causas de mote o risco era maior para as crianças negras que entre as brancas (cf. Morbidity and Mortality Weekly Report – 1992). No mundo emdesenvolvimento, em torno de 280 mil crianças morrem por semana, antes de atingirem a idade de cinco anos, tendo como causa infecções freqüentes e desnutrição prolongada. Isso significa que em torno de 40 mil crianças morrem por dia e acima de 400 9a capacidade de um Jumbo lotado) enquanto você lendo este discurso ( The State of the World’s Children – 1988), Unicef, Nova York). Anualmente, quase 3 milhões de crianças morem de doenças imunizáveis. Em torno de 180 milhões de crianças sofrem de desnutrição séria, uma em cada três, nos países em desenvolvimento. Por ano, em torno de meio milhão de mulheres morrem em razão de problemas cujas causas estão relacionadas com a gravidez e nascimento de crianças, conforme dados estatísticos extraídos do Human Development Report – 1991, da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento dos Povos. Saúde e desenvolvimento econômico sócio-econômico são interdependentes. Conquistas significativas e progressos duradouros do estado de saúde situam-se entre os mais importantes, senão o mais importante fator, pré-condição para o desenvolvimento econômico e social, no sentido mais amplo possível. Progressos significativos e duradouros no estado de saúde, particularmente da classe pobre, exigem melhorias no nível de vida e, conseqüentemente, desenvolvimento econômico. Portanto, os serviços de saúde curativos e preventivos têm somente um espaço limitado e temporário sobre o estado de saúde da maioria pobre, visto existir um contexto de desnutrição, água contaminada, falta de infra-estrutura sanitária, condições precárias de moradia e ignorância generalizada. Nesta perspectiva de pobreza absoluta prevalecendo, e mesmo crescendo, não se pode atingir progressos substanciais no estado de saúde dos mais pobres. De qualquer maneira, poderíamos ficar na defensiva, de braços cruzados, esperando que aconteça o desenvolvimento econômico e se resolvam todos os problemas relacionados
com a pobreza? Podemos esperar que as massas pobres aguardem até que os benefícios do desenvolvimento econômico cheguem até elas, se é que de fato chegarão algum dia? Uma saúde mais bem cuidada e taxas de mortalidade mais baixas são as mais altas prioridades a nível de esperança e aspirações humanas, Cuidados de saúde adequados podem contribuir para maiores chances de sobrevivência e melhor qualidade de vida, hoje, para milhões de seres nos países. Programas simples, tais como os implementados pela Unicef, demonstraram que é possível prevenir a maioria das mortes de crianças e desnutrição infantil, através de meios que qualquer nação em desenvolvimento tem condições de assumir. Toda e qualquer singular tem valor incomensurável, bem como uma importância única de justificação moral e, portanto, deve ser salva, apoiada e protegida, Nós, contudo, corremos o risco de enfocar questões que são importantes para uma minoria nas nações ricas, enquanto ignoramos tragédias humanas de dimensões sem precedentes nos estratos mais baixos dos países pobres de hoje. Nossa tendência é lidar com um número menor de questões e num nível de profundidade de maior complexidade, como os objetivos investigados e dissecados sob o microscópio, e perdemos a visão global dos problemas mais candentes. A Bioética, como eu a vejo, é uma disciplina holística e deve,portanto, também ter uma apreciação mais profunda das questões pertinentes à política de desenvolvimento nos países pobres. Orientação: necessidades básicas O desenvolvimento deve acontecer em função das pessoas, e não as pessoas serem usadas para o desenvolvimento, O critério de Bioética mais importante para uma política de desenvolvimento é trilhar o caminho que satisfaça as necessidades humanas mais básicas de todos os membros e estratos da sociedade. Conseqüentemente, provisão de comida, educação básica, água potável, educação e facilidades sanitárias, habitação e cuidados de saúde básicos devem ser prioridades numa política de desenvolvimento. Atingindo esse objetivo, as possibilidades de escolha das pessoas aumentam bastante no sentido de tornar o desenvolvimento mais democrático e participativo. Receitas nacionais e desenvolvimento humano Para financiar o necessário a que se criem oportunidades adequadas de renda e/ ou pagar (e/ ou subsidiar) por bens e serviços essenciais nos países pobres, gastos militares devem ser congelados, projetos de prestígio abandonados, investimentos públicos revisados e combate à corrupção implementado. O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas estima que uma reestruturação das receitas nacionais poderia gerar em torno de US$ 50 bilhões por não. Outros US$ 55 bilhões estariam disponíveis para o Terceiro Mudo, se os países desenvolvidos abandonassem o protecionismo contra as nações em desenvolvimento, conforme o World Development Report – 1991, do Banco Mundial. Estas duas fontes de recursos, mais os fundos internacionais para cooperação no desenvolvimento, de aproximadamente US$ 50 bilhões por ano, não somente permitiram uma política de desenvolvimento em sintonia com a Bioética, mas também contribuiriam no sentido de um desenvolvimento global, ajudando a evitar comportamentos destrutivos relacionados com a pobreza. Conclusão A Bioética,não sendo ainda uma disciplina estabelecida, tem diante de si a oportunidade de abrir seu horizonte de alcance. Contudo, a Bioética deve ser definitivamente interdisciplinar, para evita a rigidez e visão parcial de uma simples disciplina. Levando em conta o impacto do desenvolvimento e pobreza num mundo sempre
mais interdependente, a Bioética deve ser vista como uma disciplina acadêmica que trata de todos esses problemas rapidamente mencionados. Onde milhões de crianças morrem por falta de cuidados básicos de saúde ou onde a milhões de órfãos é negado o direito de terem cuidados e amor dos pais, debates filosóficos microscópios em relação a questões reprodutivas, tais como inseminação artificial, fertilização in vitro, úteros de aluguel, parecem, num contexto global, estar fora de proporção. Além da ética da natureza, da ética da vida e da ética da solidariedade, devemos considerar também o fator tempo como um valor ético, porque “cada minuto perdido ou discussão protelada significa mortes por fome e desnutrição, significa evolução para a irreversibilidade do fenômeno Ambiental. Ninguém nunca saberá com certeza o custo humano e financeiro do tempo”, como acentuam ª King e B. Schneider em The First global Revolution, documento do Clube de Roma, divulgado em 1991. Klaus M. Leisinger, siretor da Fundação para Cooperação com os Países em Desenvolvimento da Ciba-Geigy, de Basel, Suíça. Vida religiosa e instituições de saúde Apresenta-se aqui p resumo da palestra feita no II Seminário Nacional de Instituições de Saúde – CRB / Nacional, ocorrido em Curitiba, PR, de 9 a 14 de setembro último. Vida e saúde – são dons de Deus e compromisso de fraternidade (=comunitário). É a questão mais ecumênica, pois interessa a todos indistintamente, independentemente a raça, credo, nacionalidade, cultura etc. O anúncio da vida constitui-se no ponto fulcral do Reino anunciado por Jesus (cf. Jô 10,10). Instituições de saúde – São síntese-espelho do que a sociedade de mais edificante, bem como o que ela apresenta de mais degradante. Constituem-se hoje numa veradadeira encruzilhada da sociedade. Num contexto atual da modernidade, tornam-se sempre mais instituições de cunho terapêutico e sempre menos marcadas pelo fator religioso (=secularização). Se, num regime de cristandade, o hospital praticamente era uma extensão da Igreja,hoje são completamente distintas estas realidades. Os hospitais são, atualmente, verdadeiros aerópagos, terra de missão, que nos interpelam a partir do nosso ser (=identidade e missão) como religiosos(as). Assinalamos a seguir de forma sintética oito questões fundamentais no processo de reflexão ético-teológica sobre identidade e missão – vida religiosa e instituições de saúde. São elas: a) visão crítica da realidade; b) necessidade de definição e operacionalização da filosofia das instituições; c) educação e especialização dos religiosos na área; d) administração científica que prime pelo aspecto humano-ético-pastoral; e) presença sempre mais expressiva dos leigos em cargos-chaves; f) necessidade de se trabalhar a Ética num contexto conflitivo e implementação do serviço de Pastoral; g) cultivo de uma espiritualidade exodal para estar a serviço da vida e, finalmente, h) a marca de uma ética missionária num contexto de missão em que se transformaram as instituições de saúde, hoje. Lucidez crítica frente à realidade É necessário, de início, apontarmos algumas indicações para uma aproximação crítica (espírito de discernimento) em torno do que entendemos por vida, saúde e hospital. Nesta perspectiva, é essencial perceber as ideologias que manipulam a vida e estruturam a chamada “cultura de morte”. A vida é bios (biologia), mais atividade sóciopolítico-econômico e religiosa. Precisamos superar a visão de compreensão da vida como
um fenômeno meramente biológico, isolado e, conseqüentemente, descontextualizado do “global” onde se insere, e de entende-la miopemente a partir da “ótica da pessoa na cama”. Um outro elemento necessário para nos situarmos é estarmos informados e conscientizados a respeito do que entender por saúde (conceito da VIII Conferência Nacional de Saúde – Brasília – 1986) e da situação política de saúde no Brasil e especificamente a realidade institucional. Como se encontram as instituições pertencentes aos religiosos (política, associação, dificuldades e esperança)? Come sta compreensão a respeito do processo vida-saúde, o terceiro elemento a ser considerado, já que refletimos a partir da instituição de saúde, é qual o conceito de hospital. O hospital, na visão da OMS, “é parte integrante de uma organização sanitária, médica e social, cuja missão consiste em proporcionar à população assistência médico-sanitária completa, tanto curativa como preventiva, e cujo serviços externos estendem-se ao âmbito familiar. O hospital é também o centro de formação de pessoal médico-sanitário e de investigação bio-social”(cf. Serv. De Inform. Tecn. 122,4,1957). Num relance histórico, é importante frisar que, “antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão. O pobre, como pobre, tem necessidade de assist6encia e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente, tanto para recolhe-lo, quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna. O personagem ideal do hospital, até o século XVIII,não é doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e último sacramento. Esta é a função essencial do hospital. Dizia-se correntemente, nesta época, que o hospital era um morredouro, um lugar onde morrer”(cf. M. Foucault, Microfísica do pdoer, Graal, Rio de janeiro, 1986, 6a. ed. , p. 101-102). Quão diversa é a sua função, hoje! (para maior aprofundamento a respeito deste item, ver BARCHIFOUNTAINE, C. de Paul, O agente de Pastoral e a saúde do povo, Edições Loyola, São Paulo, 1993). Filosofia da instituição É fundamental buscar urgentemente uma definição de nossa identidade e missão nesse contexto. Que fisionomia apresentamos? Quais são os valores e princípios que mostram o nosso rosto? É preciso definir o nosso credo (=verdades fundamentais que norteiam nosso ser e agir nesta área). Faz-se necessário reavivar, reinventar novamente o carisma à luz das exigências evangélicas – orientações pastorais da Igreja – necessidades dos mais carentes (=pobres) – tripé da vida religiosa (experiência de Deus, vida comunitária e missão). Num projeto de fidelidade à inspiração do carisma temos que mudar para sermos os mesmos. A questão da identidade é “um desafio centralpotohoje à vida religiosa (cf. Marcelo Azevedo, Vidas consagradas: rumos e encruzilhadas, Edições Loyola, São Paulo, 1993). No Objetivo Geral da XVI AGO da CRB (1992-1995) existe o apelo de “aprofundar em todos os níveis a identidade da vida religiosa...” O que significa resgatar a identidade e a missão da vida religiosa no contexto das instituições de saúde? Como operacionalizar isso no concreto do dia-a-dia? O que é que distingue as nossas instituições de saúde religiosas das outras? Existe algo característico, específico, ou elas simplesmente respondem às leis do mercado? Educação e especialização dos religiosos A área da saúde é profundamente desafiadora neste nível de formação. Boa vontade e muita disposição não vão longe. É preciso conhecer e conhecer em profundidade. Existem
desafios específicos que surgem nessa área. Uma educação puramente filosófico-teológicoreligiosa e insuficiente para o desenvolvimento da missão de uma forma “competente”, do ponto de vista técnico e humano. Sem falsos saudosismos, constatamos que a profissionalização é inevitável e não deve restringir-se somente ao aspecto técnico, mas também ao humano-ético-pastoral. É imperiosa uma educação que valorize o auto-cuidado de quem cuida. Situações de stress e esgotamento mental são freqüentíssimas (“fazei-vos mel e as moscas vos comerão”). Em grande parte, os religiosos foram educados para atua num mundo rural e aqui surge o desafio de atuar no meio urbano. Surge no horizonte a necessidade do diálogo interdisciplinar. Não seria missão profética do religioso encarnar numa síntese os conhecimentos técnico-científicos e testemunho de humanidade (calores ético-teológicos)? Gerenciamento das instituições à luz da administração científica É uma questão de sobrevivência. Não há como escapar disso. É um instrumental que precisa ser usado em função da vida. Existem realidades muito diferentes, o que nos obriga a distinguir instituições de pequeno, médio e grande porte, estejam estas situadas em áreas rural ou nas megalópoles. As necessidades de saúde são diferentes dependendo da realidade. Existe uma grande tensão. De um lado uma “administração hospitalar científica”, que impõe uma perspectiva empresarial, técnica (=asséptica), que busca a saúde da instituição, sua sobrevivência, pura e simplesmente, sem muita referencia ao “elemento humano”. De outro lado, a grande maioria das instituições dos religioso é gerenciada a partir de uma perspectiva de administração doméstica, que tem seus dias contados, bem familiar, humana, caritativa, acolhedora dos pobres doentes e vista como evangélica. Cresce o número de empresas especializadas em administração hospitalar que oferecem assessorias em grande parte só valorizando o aspecto técnico-científico. É preciso vigilância para que esses valores não sejam absolutizados em si mesmos, em detrimento dos valores humanos, éticos e pastorais (que falam de nossa identidade e missão na área).O encanto pelo aspecto técnico-administrativo pode facilmente deixar para segundo plano valores sagrados da vida religiosa, desfigurando, conseqüentemente, o carisma. Podemos facilmente ter uma instituição exemplarmente administrada, dentro dos parâmetros da moderna administração hospitalar, mas comprometedora dos “ideais religiosos”. Será que onde começa a economia termina a teologia? É preciso ter a ousadia de incorporar critérios humano-éticos e cristãos que vão julgar a idolatria da “cientificidade” do aspecto técnico-administrativo. Na área de investimentos ,para além da patrimonial (edifícios, equipamentos, terrenos etc.) abre-se todo o desafio da área social. Como instituição se liga a isso como um espaço de educação para a saúde, por exemplo? Presença sempre maior dos leigos em postos-chaves A Conferência de Santo Domingo fala do “protagonismo dos leigos” na Igreja. Coma diminuição numérica da presença dos religiosos nas instituições de saúde, os leigos vão ocupando sempre mais espaço em posições-chaves. A visão prospectiva é que essa tendência aumente enormemente, pois são poucos os (as) jovens que se entusiasmam em trabalhar nas instituições. Um desafio fundamental a ser trabalhado é a formação desses profissionais da saúde. Eles são formados numa perspectiva puramente técnica (e freqüentemente recebem uma educação técnico-científica deficiente) sem qualquer referência ao humano-éticopastoral, que é “mero detalhe”. O que dizer de formação humana? Não que todos sejam obrigados a ter os nossos valores (o contexto é pluralista), mas o grande desafio que fica é
que,pelo menos os que representam nossas decisões maiores, têm de estar em sintonia, ‘de corpo e alma”, com os valores da vida religiosa. Seria isso uma mera utopia ou uma exigência de garantia de fidelidade em relação à identidade e missão da vida religiosa neste contexto? Espaço para reflexão ética e solidariedade pastoral organizada A ética e a Pastoral são os “sois faróis” do carro de nossa missão, que nos iluminam e guiam em meio à escuridão da noite. Vivemos num momento de grande sensibilidade pela ética, justamente quando a vida humana é mais desprezada e vilipendiada (tecido social doente). Nesta perspectiva abre-se uma chance única de despertar sensibilidade humana num meio despersonalizado e despersonalizante (cf. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n.º 50, Edições Paulinas, 1993). Sente-se uma grande tensão e sofrimento no processo de reflexão e encaminhamento de solução de dilemas éticos à luz dos princípios éticos da Igreja e os valores e contra-valores propostos pela sociedade como um todo. Veja-se, por exemplo, a questão dos métodos anticoncepcionais, aborto, fecundação assistida, só para mencionar alguns mais em evidência. Seriam os (as) religiosos (as) meros iscais da moral alheia? Seria lamentável se isso fosse verdade. Entreabre-se o espaço e a urgência de elaboração de uma ética missionária, sem abrirmos mão dos valores sagrados do Cristianismo,já que estamos em “terra de missão”. Acrescente-se a isso a importância e necessidade de dialogar com a ciência de uma forma lúcida e crítica. Quanto ao aspecto pastoral, as instituições religiosas se ressentem de uma organização e preparação mais adequada destes responsáveis, que respondam à altura às interpelações que surgem da realidade hospitalar. Este setor não pode mais ficar pura e simplesmente num amadorismo sofrido. Sem matar as iniciativas voluntárias, que são necessárias, e muita solidariedade humana que acontece, é preciso dar um passo avante e profissionalizar (sem cair no exagero do “profissionalismo” frio e sem coração) esse setor também. É preciso investi nesta área (cf. Leo Pessini, Pastoral Hospitalar: capelães,problemas de Bioética e desafios para nossa realidade, em Pastoral nos Hospitais. Espiritualidade exodal A história do êxodo (Ex 1,10) nos oferece um paradigma de compreensão de uma espiritualidade de caminhar em busca de mais dignidade de vida, libertando-se de uma situação de morte. Podemos destacar quatro momentos fundamentais: 1) o povo no Egito – Egito é a terra do sofrimento e da escravidão. Faraó significa morte para o povo. O povo é forçado a duros trabalhos. “os egípcios obrigavam os filhos de Israel ao trabalho, e tornavam-lhes amarga a vida com duros trabalhos” (Ex 1,13). O estar no Egito pode ser comparado ao nosso povo pobre e doente, sem perspectiva de dignidade de viver e ter saúde e simplesmente esperar pela morte. Quem é o faraó, hoje? 2) A vocação de Moisés – Deus ouviu o clamor de seu povo e suscita um libertador em Moisés: “os filhos de Israel, gemendo sob o peso da servidão, clamaram; e do fundo da servidão p seu clamor subiu até Deus. E Deus ouviu os seus gemidos” (Ex 2,23-14). Moisés recebe uma missão: “Vai, pois, eu te enviarei ao faraó para fazer sair do Egito o meu povo, os filhos de Israel” (Ex 3,10). Quem é o nosso Moisés? Quem encarna hoje esta esperança de sair da escravidão e conquistar a liberdade?
Caminhar pelo deserto – São 40 anos de caminhada. Tempo de novas descobertas, de tentações de voltar para trás, infidelidades e idolatria. Quando falta o básico para viver o povo murmura e quer voltar para trás: “Antes fôssemos motos pela mão de Javé na terra do Egito, quando estávamos sentados junto às panelas de carne e comíamos pão com fatura”. No deserto, Deus sela uma aliança como oro (Sinai). Manifesta-se o Deus providente (maná... codornizes...água da rocha). A grande tentação é sair do Egito e logo chegar à terra prometida. É no meio do sofrimento do deserto que o povo vai forjando sua identidade e descobrindo sua missão. Esta situação pode se comparada, hoje, à nossa procura de clareamento da identidade e missão da vida religiosa na área da saúde. 4) Terá prometida – existe uma esperança, uma utopia da conquista da terra “onde correm leite e mel”. O caminhar em meio às dificuldades do deserto avança na perspectiva desta esperança maior. É acreditando nessa promessa que nasce uma fé inabalável de que existe um futuro, existe uma luz para além das trevas, que existirá “saúde para todos”. Onde está nossa “terra prometida” na área das instituições de saúde? Esta perspectiva nos desafia numa espiritualidade da esperança. Quando falta esta, começamos a morrer. É também nesse sentido que vãos distinguir e perceber o sofrimento provocado que “gera a morte antes do tempo”, que é uma blasfêmia a Deus, que deve faze nascer em nós uma indignação ética e nos leva a agir. (cf. PESSINI, L. (org) Vida, esperança e solidariedade: subsídios para profissionais e agentes de pastoral da saúde e dos enfermos, para o trabalho domiciliar, hospitalar e comunitário, Editora Santuário, Apaecida, 1993, p. 42-47). Ética missionária Tem como alvo aquelas pessoas para as quais o evangelho ainda não é Boa Nova e que têm dificuldades em aceitá-lo como tal. Baseia-se no pressuposto fundamental de que “alimento sólido é só para quem tem condições de digeri-lo”(1 Cor 3,1-3). Sua inspiração brota a partir de metáforas bíblicas, por exemplo a que a analisamos acima – paradigma do êxodo) que nos ajuda a distinguir o que se pode exigir: de alguém que está vivendo uma experiência de cativeiro ou exílio; de alguém que está vivendo uma experi6encia de deserto (como fuga ou libertação) ou de alguém que já conseguir se libertar e está vivendo numa situação de liberdade e responsabilidade madura – uma experiência de terra prometida. A grande preocupação da ética missionária é: a) descobrir como anunciar às pessoas, para quem a Boa Nova é ainda algo estranho, a felicidade de viver os valores da Terra Prometida. b) grande desafio, quando se busca penetrar nas culturas dos submundos dos marginalizados e dialogar com as pessoa que se sentem excluídas, exiladas e desprezadas (homossexuais, prostitutas, travestis...). Passo fundamental a ser dado é: aprender a escutar e devolver às pessoas a sua palavra. Não se pode simplesmente parar num discurso sobre os problemas dos excluídos para os excluídos, as pessoas para quem o Evangelho não é Boa Nova. É preciso produzir um discurso junto com os destinatários (=diálogo e participação). É importante olhar não só o destinatário, mas também o sujeito do discurso moral. Metodologia – a) nova consciência do peso que se deve dar à compreensão adequada das pessoas como ponto de partida para a reflexão teológica; b) reconhecimento 3)
do valor da palavra de cada um na reflexão não somente sobre a palavra vivida, mas também na interpretação desta realidade e das suas exigências à luz da fé. Traços da ética missionária – É uma ética do seguimento de Jesus. Uma ética de conversão que leva em conta o que for alcançável e possível nas circunst6ancias da vida presente. É uma ética do ideal prático (=ideal em função daquilo que uma pessoa pode concretizar aqui e agora), trata-se de uma ética pedagógica num contexto de sobrevivência. O grande mérito desta postura ética é que nos ajuda a entender os dilemas reais das pessoas em situações de pouca liberdade. Além disso, ajuda as pessoas a seguirem Jesus da melhor forma que elas podem nesta altura de sua vida, história, momento existencial. O que está em jogo são ações de uma pessoa humana. Trata-se do ideal prático que atende ao fato de que a avaliação moral de qualquer situação exige que se levem em consideração os seguintes critérios: a) natureza humana do ato humano – É importante que seja livre. Situação de cativeiro prejudica a natureza do ato. Em determinadas situações podemos perguntar até que ponto se trata de um ato verdadeiramente humano? b) Motivação – É importante perguntar por que a pessoa está fazendo isso. Por exemplo, qual a motivação subjacente quando alguém tenta praticar aborto, suicídio, procura a droga ou álcool? c) Conjunto das circunstâncias do ato – Por exemplo, mulher que vive junto com um homem, sem serem casados, quer o civil ou no religioso. Qual o peso a dar à responsabilidade para com os filhos? d) Prováveis conseqüências – Por exemplo, jovem num relacionamento homossexual com um homem mais velho. Como ficaria a situação do jovem depois de um certo tempo? Seria uma falta de sensibilidade missionária impor uma ética pastoral de terra prometida a pessoas ainda lutando em situação de cativeiro e/ou exílio, caracterizadas por pouca liberdade e precárias estruturas de apoio de vida. Esta perspectiva nos traz luz no sentido de elaborarmos critérios de ajuda e discernimento nos famosos casos de ética na área hospitalar, em que a “ética ideal”pode tornar-se fantásticas e um instrumento a mais de opressão e não de libertação das pessoas em meio ao sofrimento humano de caminharem pelo deserto em busca de vida plena. Para maior aprofundamento sobre o tema, ler Os desafios da moral missionária no contexto brasileiro de hoje, da Vice-Província dos Missionários Redentoristas de Fortaleza, CE, publicada em outubro de 1992, em texto mimeografado.Como conclusão, propomos para discussão nos grupos dias questões: como articular o aspecto tecnocientífico e o humanitário cristão nas instituiçòes de saúde religiosas? O que nos identifica e deveria nos identificar como vida religiosa nas instituições de saúde? Leo Pessini, sacerdote camiliano, capelão do hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Inovações para mais vida e saúde Jesus de Nazaré julgou “má e adúltera” (Mt 12,39) a geração que escolhera pra nascer. Desde então, todas as gerações, todas as épocas, foram julgadas más por seus contemporâneos. A tradição cristã de oposição à modernidade nos leva facilmente a
qualificar nossa civilização, cultura ou sociedade, como sendo “de morte”. Não haveria algum maniqueísmo em se precipitar uma condenação global do caldo cultural onde bem e mal nunca deixaram de se misturar? Hoje, ao condenar genericamente as operações da “razão instrumental”, criadora do progresso tecno-científico, não estaríamos reduzindo de fato nossa capacidade de desenvolver os germes positivos latentes numa nova estruturação ética da sociedade? Tentaremos aqui esclarecer se, na desestruturação letal anunciada por nosso profetas, não haveria também esperanças de descobertas positivas, emergindo da modernização. Nossa indagação é de dados, não pretende sondar intenções. Nosso critério de interesse diz respeito, exclusivamente, ao que favorece a vida e a saúde, em meio à chamada “cultura da morte”. Contestamentos, portanto, a generalização, não a existência de atividades de morte e de indivíduos perversos. A memória coletiva, idealiza cultura primitiva, selvagens ou desaparecidas, para melhor culpabilizar a cultura vigente; esse processo, consciente ou inconsciente,porém, não vale tanto quanto uma saída, lúcida, acional, autocrítica. Outro processo culpabilizante é usado ao enaltecer, irrestrita e unilateralmente, a natureza; descoberta do ecologista obriga. Deus faz chover sobre bons e maus, certo; não se acrescenta que os injustos têm amiúde, em contexto que conhecemos, os meios de escapar aos sofrimentos das secas e das enchentes, cujo peso de sofrimento vem a repousar exclusivamente sobre os pequenos.não resulta que a obra da natureza seja tão eqüitativa. Ocorre também que, se o ser humano maltrata freqüentemente a natureza,outras vezes ele corrige seus erros ou melhora seu rendimento, precisamente com o uso de sua razão instrumental. Para uso, quer agrícola, quer farmacêutico, sabemos acelerar e orientar uma seleção reprodutiva de microorganismos, com resultados surpreendentemente positivos (um exemplo: obtêm-se ribozimes cem vezes mais eficazes que os da natureza; os ribozimes, descobertos por Thomas Cech, são moléculas de ARN que, além de transportar informações genéticas do ADN para fabricar proteínas, têm atividades enzimática de triagem das seqüências do ADN sem interesse). A oposição “natureza boa versus homem ruim”, portanto, não seria um tanto simplista,apesar de seu consumo apologético? Ultimamente, o Ministério japonês da Pesquisa,cuja seriedade não é questionável, patrocinou um estudo que elenca 1.149 inovações julgadas realizáveis até o ano 2020. É inútil discutir se algumas inovações são suscetíveis de servir ao mal e à morte, como tudo natureza. Mais oportuno se faz enxergar o crescimento dos instrumentos do bem-estar e do bem, cujo aproveitamento dependerá apenas de decisões individuais e coletivas. Ano 1999: novos cereais, obtidos por “manipulações genéticas” (expressão suspeita aos olhos dos mais pessimistas). 2002: materiais biodegradáveis capazes de estocar água para irrigação das zonas secas. 2003: utilização do magma como fonte de energia. 2004: órgãos artificiais em materiais sintéticos. Substituição dos operários da construção civil por robôs. Sistemas técnicos facultando o andamento dos paralíticos (Jesus não tentou o mesmo?). Pulmões artificiais. 2005: previsão dos terremotos. Sangue artificial (colher de chá para as testemunhas de Jeová). 2006: cura da AIDS. Proteção invisível contra as fontes de barulho. 2007: prevenção das metásteses dos cânceres. Revitalização das florestas estragadas pelas chuvas ácidas. Cura da arteriosclerose. 2008: cultura de órgãos humanos. Reconstituição da camada atmosférica de ozônio, mediante injeção de partículas aerotransportadas. 2009: integração de genes estranhos, devidamente escolhidos para fins terapêuticos, aos cromossomos humanos. Implantação de vegetais sobre solos salinos e em desertos. 2011: cura da doença de Alzheimer. 2013: cura de todas as formas de câncer.
Impede-se a morte das células cerebrais. 2016: transformação de dores em sensações agradáveis. 2017: desenvolvimento de um cérebro artificial de 10.000 células. 2018: bloqueio do processo de envelhecimento. 2019: fabricação de olhos artificiais. 2020: cura da esquizofrenia. É provável que algumas antecipações sejam adiadas ou paralisadas por obstáculos imprevistos; não importa muito aqui. Novas doenças ou novas formas de antigos flagelos podem surpreender enquanto se consegue extinguir algumas endemias. A atitude sistematicamente negativa frente aos produtos da criatividade, do empirismo crítico e da racionalidade não deixa de ocultar melhorias que não mais percebemos, por estarmos acostumados a elas, mesmo quando são recentes. Mesmo uma prática que condenamos como “mortífera” deve ser analisada e não apenas anatematizada, quando não satanizada, porque ela responde quase sempre a uma aspiração que pode e deve encontrar uma solução alternativa. Quem mais tem, mais exige. A Ética diz algo um pouco diferente: a quem tem mais, mais será exigido. Em momento algum confundimos progresso técnico ou material e progresso ético-espiritual ou maior felicidade. Apontamos apenas antagonismos infundados, cuja radicalização torna-se contraproducente e que repousam sobre simplificações abusivas. Temos um só mundo sobre o qual e dentro do qual trabalhar, aquele que existe realmente,como está. As caças às feiticeiras nunca deram certo. O objetivo é canalizar os esforços para as melhorias que podemos e devemos realizar. Os franco-maçons têm uma divida de profundo valor antropológico: “Gemamos, gemamos, mas esperamos”. Não escolhemos nossa geração, nem nosso mundo; é sobre ela, sobre ele, que nossa esperança tem de se enxertar, sem inúteis lamúrias. Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista.