icaps-107

Page 1

O que é saúde mental Ninguém é perfeito. Cooperação em vez de confronto. Embora a expressão “saúde mental” possa ter significado diferente para diferentes pessoas, a auto-estima e a capacidade de estabelecer relações afetivas com outras pessoas são componentes importantes da saúde mental universalmente aceitos. Pessoas mentalmente saudáveis compreendem que não são perfeitas nem podem ser tudo para todos. Ela vivenciam uma vasta gama de emoções, incluindo tristeza , raiva e frustração, assim como alegria, amor e satisfação. Enquanto, caracteristicamente, são capazes de enfrenta os desafios e as mudanças da vida cotidiana, sabem procurar ajuda quando têm dificuldades em lida com traumas e transições importantes: perda de pessoas queridas, dificuldades conjugais, problemas escolares e profissionais ou a perspectiva da aposentadoria. Há varias atitudes que podem ajuda-lo a conservar a saúde mental. Quando você reduz seu próprio nível de “stress”, deixa os outros também mais à vontade. Se for cooperativo e sociável, você estimulará o espírito de cooperação nos outros. A seguir, algumas sugestões. Adote uma abordagem realista Se houver um trabalho a ser feito, faça-o sem irrita outras pessoas. Aceite desafios. Estabeleça objetivos. Mantenha-os em perspectiva e encare-os como parte de um propósito maior. Faça concessões aos outros, que podem não concordar com você em todos os pontos. Lembre-se: eles também têm seus direitos. Obtenha cooperação, em vez de confrontação. Sugira uma reunião de família para encoraja a cooperação e a solidariedade. Aprender a reconhecer a expressar seus sentimentos Procure não rotular sentimentos – sejam seus ou de outros – de “bons” ou “maus”. É da natureza humana vivenciar uma ampla variedade de sentimentos. Em geral, é saudável expressar os sentimentos sempre que possível, de modo apropriado, pois, se eles forem reprimidos, podem resultar em reações inadequadas. Por exemplo, se você se sente menosprezado ou ignorado, e reprime seus sentimentos em relação a isso, poderá, mais tarde, descarregar a raiva em outra pessoa ou interioriza-la e tornar-se deprimido. Procure descobrir por que sente raiva e expresse seus sentimentos da forma mais tranqüila possível. Ou discuta seus problemas com uma pessoa sensata e confiável – um bom amigo, um religioso, um médico, um parente ou um conselheiro profissional. Esta abordagem poderá ajuda-lo a pensar de forma mais clara, a lidar adequadamente com seus sentimentos e a compreender melhor os próprios sentimentos e os dos outros. Não fique remoendo os problemas Freqüentemente, uma simples mudança de ritmo ou o redirecionamento das energias é uma forma construtiva de escapar da tensão. Em vez de ficar remoendo os problemas, tome uma atitude – não importa quão pequena – positiva e útil em relação à situação. Procure não se preocupa com coisas que não podem se mudadas. Dê apenas um passo de cada vez Para escapar à sensação de esta sem saúde, avalie seu problema, pense em cada passo necessário para resolve-lo e trabalhe no sentido de alcançar uma solução. Esta abordagem de “um passo de cada vez” lhe permitirá ter orgulho de sua capacidade de lidar com s situação. Desviando suas tensões e a raiva para metas úteis e atingíveis, você se surpreenderá com o seu grau de controle.


Aspectos éticos do planejamento familiar Tendo esse tema como pano de fundo, parece-me importante salientar que a Ética, do grego Ethos, refere-se à constituição do se humano para determinada ação de cunho virtuoso, bem como aos costumes.por sua vez, o espaço da ação ética constitui-se no campo no qual pode-se dizer que a humanidade do humano se manifesta. Entre os elementos que compõem este campo ético estão o agente ou sujeito moral, que é aquele que dispõe da capacidade de deliberar e escolher, ou seja, da razão e da liberdade. Estão também o conteúdo do ato ético e a relação entre meios e fins, lembrando que, nesse plano, os meios determinam a qualidade dos fins. Também se encontram entre os componentes do campo ético a presença do contingente, do fortuito, assim como a realidade do universo cultural, pois a Ética concretiza-se na intersubjetividade cultural. O continente americano, e particularmente o Brasil, tem sua fisionomia cultural marcada fortemente pela cultura ocidental européia. Esta, por sua vez, tem dois referenciais éticos: o da Ética cristã e o da Ética profana. A Ética cristã tem como valores maiores e caridade e a justiça e remete à relação como Outro Absoluto. Quanto à Ética profana, para que haja relação no plano ético, necessário se faz que o outro seja experimentado como igual. Nesse nível, a virtude consiste na força interior que permite realizar esses valores mesmo em situação adversa e opõe-se ao vício, cuja expressão maior é a violência ou o ato de violação da natureza humana como consciência, como liberdade. Consiste em reduzir à condição de objeto, não o reconhecendo como pessoa humana, coisificando-o portanto, a violência, como tal,invalida qualquer possibilidade de uma relação ética. Colocados estes pressupostos a respeito da Ética, do campo ético e das relações éticas, passo a apresentar agora os elementos que desejo considerar a respeito do tema “Aspectos éticos do planejamento familiar”. Dividirei esta colocação em duas partes. Na primeira, tratarei da questão relativa à sociedade brasileira como a percebo na atualidade, situando alguns problemas éticos no contexto dessa mesma sociedade. A seguir, pretendo trata da questão do feminino, desde a realidade apresentada, relacionando-a com a proposta de planejamento familiar. Sociedade violenta Ao, é bastante conhecido de todos nós, fruto, inclusive, de nossa experiência de vida, que a sociedade brasileira está estruturada sob a violência e não apenas a partir do modelo capitalista de desenvolvimento adotado sobretudo a partir do final da Segunda Guerra Mundial, que, se de um lado possibilitou a disponibilidade crescente de divisas, bem como o início de um rápido processo de industrialização, de outro lado não se acompanhou da realização das reformas estruturais de base (a nível educacional, agrário e fiscal) em decorrência do tipo de compromisso político das elites nacionais conservadoras. De tal modo foi desarm6onico o desenvolvimento desta sociedade que, se de uma patê constatouse melhora nos índices de mortalidade infantil e de expectativa de vida, da outra observouse o agravamento das desigualdades sociais e da concentração de renda, gerando um crescimento progressivo da pobreza, tanto nas áreas rurais como urbanas. Entretanto, a viol6encia sob a qual se estrutura a sociedade brasileira tem raízes mais profundas e antigas, de ordem sócia e histórica. Ela está baseada no modelo colonial escravista ou de hierarquias sociais. Neste modelo, as relações sociais sempre foram fundamentalmente desiguais, compreendendo-se a partir daí a existência de categorias de hierarquizados, ou seja, de relações do tipo superior-inferior, mandante obediente. Ainda nesse modelo, reconhece-se apenas um tipo de igual: os parentes da família. Desde esse


tipo de relação a figura da alteridade, ou seja, a existência do outro como tal, não se constitui nunca. Pode-se então dizer que a sociedade brasileira é estruturalmente autoritária e violenta e, à ilusória concepção de que existem apenas “surtos” e “bolsões” esporádicos de viol6encia, fundamentada no tão propalado “muito da não-viol6encia do povo brasileiro”, contrapõe-se a existência de uma sociedade racista, machista, discriminatória a excludente. Portanto, a violência expressa o nosso modo de ser socialmente. Nesse contexto, a identidade do cidadão e da cidadã, a consciência da cidadania enfim, não consegue se constituir, pois a esfera sócio-política supõe a esfera ética, e a práxis violenta é frontalmente contrária às relações éticas. Donde se pode concluir que a esfera ética encontra-se como que bloqueada pela estrutura da sociedade brasileira, sendo substituída por uma visão do tipo moralista. O Brasil é, portanto,uma sociedade de tradição autoritária, não tendo sequer conseguido concretizar, já no alvorecer do século XXI, os princípios do liberalismo e do republicanismo, conhecidos da sociedade européia de três séculos atrás. Ao contrário as relações sociais habitualmente constatada a nível da sociedade brasileira, estão baseada no favoritismo e não no direito, estando a legalidade constituída como um círculo fatal que passa do arbítrio dos dominantes à transgressão dos dominados, remetendo novamente ao arbítrio dos dominantes. Nessa sociedade que oscila entre a carência e o privilégio, o autoritarismo no plano sócio-político contribui para a perpetuação da violência, cabendo a uma minoria o privilégio de serem “humanos” e à grande maioria o dever de serem “coisas”. E o mais perverso que se constata é que, entre esses desumanizados, ocorre o fenômeno da interiorização da desumanidade que lhes é imposta. Passam, portanto, a considerar o “outro desumanizador” como sendo o “verdadeiramente humano”. Esse fenômeno cria uma forma de relação social assustadora, denominada de “servidão voluntária” e que pode ser resumida na frase: “ele é eu e eu não sou a não ser através dele”. Quanto à questão do feminino, para uma abordagem adequada, é preciso situa-la no presente contexto da sociedade brasileira. A mulher, vista desde a ótica colonial escravista, é objeto de dominação masculina numa sociedade machista. Esta dominação se efetiva fundamentalmente a partir do corpo e da capacidade reprodutiva da mulher, que não são considerados como dons, mas como elementos passíveis de manipulação, sendo os esquemas do sistema de produção capitalista. Contrapondo-se a esta realidade de dominação, já se constata em diferentes níveis a força transformadora do feminino, que representa, a meu ver, um dos elementos que, juntamente com a conscientização ecológica e ética, permitirão reestruturar esta sociedade. Assim é que, quando a mulher se faz presente, toda a sociedade se envolve,pois a mulher representa o cotidiano, as condições mais ou menos precárias de vida, o que há de mais profundo nas relações sociais. A mulher pensa e age no coletivo e no comunitário; portanto, quando ela vai à luta, abala as estruturas. E nessa caminhada da mulher, de nós, mulheres, dentro desta sociedade brasileira, em busca da identidade feminina que contesta a violência estrutural machista, podemos constatar três momentos. O primeiro refere-se à tomada de consciência frente à condição de oprimida, de dominada, de “coisificada” pelo homem. Esse processo se dá a nível pessoal e social e é acompanhada de revolta e raiva pela constatação dessa realidade. O segundo momento é o da autorização,com o reconhecimento e a explosão das potencialidades, e que concretiza na participação nas diversas luta por libertação.


Finalmente, o terceiro momento supõe a experiência dessa participação, que resulta no progressivo amadurecimento, tanto do reconhecer como do aceitar o específico da mulher e do qual resulta a possibilidade de emergir o humano nas situações marcadas pela desumanização. Entretanto, esse processo ainda está longe de atingir a abrangência que todos desejaríamos que já tivesse alcançado. E a violência praticada contra mulher, presente na sociedade brasileira, é também evidenciável em outras sociedades, não apenas a nível de Terceiro Mundo como entre os países desenvolvidos. Assim é que o número de mulheres analfabetas cresceu, no espaço de 15 anos, de 543 milhões, em 1970, para 597 milhões, enquanto, no mesmo período, o número de homens analfabetos manteve-se mais ou menos estável, segundo dados de um relatório da ONU, publicado há dois anos. Além disso, constatou-se também que a mulher trabalha tanto ou mais que o homem, em qualquer lugar do mundo, em média 13 horas a mais por semana, segundo estudos realizados na África e na Ásia, porém, seu trabalho é pior remunerado mesmo nos países desenvolvidos. Por outro lado, existe uma estimativa de que somente na Ásia, 60 milhões de crianças do sexo feminino tenham “desaparecido” unicamente por serem mulheres. Finalmente, há dois anos, a Associação Médica Americana demonstrou que, nesse país, a mulher tem 30% menos chance de receber um transplante de rim do que os homens... E o mais perverso frente a essa situação é constatar que, em termos mundiais,nem como a nível de Brasil, o processo discriminatório contra a mulher ainda permanece com muita força,s em que a sociedade se dê conta de sua gravidade e extensão. É nesse contexto que me parece importante situar a questão do planejamento familiar e dos aspectos éticos a ela relacionados. Creio que é fundamental lembrar que o planejamento familiar é uma importante atividade relacionada à medicina sanitária, tendo contribuído nos países em que foi adotado, para diminuir a mortalidade neonatal e perinatal na infância, bem como para o decréscimo da morbidade e mortalidade materna. Os métodos anticonceptivos naturais tem preferência quando se vida a contracepção sem efeitos colaterais para o organismo. Saúde X Doença Por outro lado, a fertilidade deve ser encarada como evidência de saúde e não de doença. Desse modo, o planejamento familiar, como tal, deve idealmente inserir-se num contexto de saúde e não como atividade mórbida. Ao contrário, a prática do controle de natalidade inscreve-se na linha da violência contra a pessoa humana e mais especificamente contra a mulher. Ele se baseia na ideologia controlista, por sua vez fundamentada no “mito de explosão demográfica das populações pobres do Terceiro Mundo”. Ora, embora alguns países devam atravessar crises demográficas sérias, a “bomba demográfica” revela-se progressivamente um mito que ainda hoje justifica o imperalismo contraceptivo, ideologia esta que pode ser reduzida à concepção segundo a qual populações pouco numerosas apresentam um melhor desempenho no plano econômico. É a partir dessa ótica que os protagonistas dessa ideologia tentam impor, em escala mundial, a esterilização cirúrgica e o aborto contraceptivo. Tal prática representa uma forma bastante perversa e sutil de violentação da pessoa humana, desprezando a alteridade e esvaziando o relacionamento de qualquer possibilidade ética, visto que não considera a consciência e a liberdade do outro.


No Brasil, o uso da anticoncepção é elevado, visto que dois terços das mulheres em idade reprodutiva, casadas ou unidas, usam algum método de contracepção, sendo que a esterilização cirúrgica da mulher constitui-se num amplamente utilizados (bem longe go que se observa nos países desenvolvidos), assim como o uso de pílulas anticoncepcionais, obtidas diretamente da farmácia por 8 entre cada 10 usuárias, sem acompanhamento médico adequado. É importante lembrar que, entre os métodos anticonceptivos de alta eficácia usados no Brasil, está o aborto induzido, para o qual os números fornecidos não têm base confiável, dada sua não legalização. Acredita-se, porém, que represente um método utilizado por um expressivo contingente de mulheres. Frente a esses dados que apontam para a elevada utilização de métodos anticonceptivos de alta eficácia, cujo ônus recai sobre as mulheres, parece-me que cabe uma questão; será que há espaço, na sociedade brasileira, par o planejamento familiar, entendido como um direito fundamental da mulher e do homem, tanto para decidir livre e responsavelmente sobre o número e o espaçamento de seus filos como para obter instrução e orientação adequadas a respeito deste assunto? Essa questão,por sua vez, deve ser relacionada ao campo ético da sociedade brasileira: é possível que aconteça planejamento familiar, de fato, num sociedade estruturalmente violenta? A alta taxa de utilização de métodos anticonceptivos de alta eficácia entre as mulheres brasileiras em idade fértil permite supor que às mesmas coube pouco ou nenhum espaço de orientação a respeito dos diversos métodos anticonceptivos, assim como pouca ou nenhuma possibilidade de opção entre os mesmos. Para tanto contribui a ausência de uma política efetiva de oferta e de educação a propósito da anticoncepção, pelo sistema oficial de saúde, o que possibilita que a contracepção passe a constituir-se apenas em um artigo a mais no mercado de consumo. Contribui também a atitude dos médicos que atuam a nível de atenção primária a saúde, os quais, além de, em boa pare,não terem recebido formação quanto aos métodos anticonceptivos nas escolas médicas, insistem em não levar em conta a contracepção na sua prática profissional junto aos usuários do sistema de atenção primária. É também importante que se ressalte que os métodos contraceptivos de alta eficácia são habitualmente utilizados pelas mulheres pertencentes às faixas da população mais carentes do ponto de vista sócio-econômico. Esse tipo de prática contraceptiva também se verifica quando são comparados os índices obtidos no Brasil em relação aos dos países desenvolvidos: entre as mulheres na faixa reprodutiva em nosso País, a esterilização cirúrgica chega a 42%, enquanto que, no mundo desenvolvido, essa taxa fica em torno de 7%. Esse índice, por si só, reflete o dramático quadro de falta de alternativas contraceptivas, muito mais premente entre as mulheres mais pobres, alvo preferencial da discriminação da sociedade brasileira e para as quais o ônus de uma gravidez não desejada pode tornar-se insuportável. A simples crítica a esse tipo de prática só contribui para aumentar a violência contra a mulher. Além do que já foi referido, acrescente-se o fato de que, à esterilização cirúrgica na mulher, é freqüente que se associem sintomas clínicos, bem como o arrependimento. Em levantamento por mim realizado no Ambulatório Geral de Adultos no HC-FCM / Unicamp, entre mulheres submetidas à laqueadura de trompas, detectei uma taxa de 90% de mulheres


que relacionavam à esterilização o surgimento de sintomas tais como alterações menstruais, ansiedade e frigidez sexual. A meu ver, portanto, o planejamento familiar quando considerado pela abordagem ética, só poderá efetivar-se numa sociedade na qual as relações evoluam do plano da vilência e do privilégio de alguns, em detrimento da carência de muitos, para o plano da valorização da alteridade e da dignificação da pessoa humana como tal. Será preciso que os desumanizados conquistem a sua humanidade, para que mulher e homem possam decidir com consciência e liberdade sobre a sua posteridade. Portanto, a oferta de alternativas contraceptivas contextualizadas na assistência integral à saúde deve acompanhar-se da reestruturação da sociedade brasileira no plano ético, bem como da progressiva libertação da mulher. Para tanto, é imprescindível que se envolva a sociedade brasileira, sobretudo os segmentos mais conscientizados sobre esta problemática, entre os quais os profissionais da área de saúde e particularmente a mulher. Também se faz necessário a participação do governo no que diz respeito à viabilização da oferta e educação sobre os métodos contraceptivos, além de atuar a nível da política demográfica,impedindo a ingerência de tendências controlistas internacionais. Finalmente, encerra lembrando que o planejamento familiar permite que a reprodução humana seja conduzida racionalmente, e desvincula a sexualidade da reprodução. Ora, o planejamento familiar é apenas um meio e não um fim em si. Numa sociedade baseada em relações éticas, tanto a sexualidade como as reproduções serão consideradas como dom e não como objeto de manipulação. Logo, os métodos contraceptivos utilizados desde essa ótica permitirão a valorização desses dons e não o desvirtuamento dos mesmos. Maria Elena Guariento, religiosa calvariana, médica na UNICAMP. Planejamento familiar e contracepção Apresentados pela dra. Albertina Duarte Takiuti, da USO, no I Congresso Brasileiro de Bioética e Saúde ( São Paulo, capital, 10-12/6/93), os dados a seguir permitem ter uma visão bem abrangente sas razões,condições e ocorrências relativas à fecundidade e contracepção no Brasil. Segundo dados do IBGE, historicamente, a fecundidade apresenta taxas elevadas no País. O primeiro recenseamento, em 1872, indicava um crescimento populacional acima de 2% ao ano. Após a Segunda Guerra Mundial, entre 1940 e 1950, essa taxa se situava em 2,4%, elevando-se para 3, na década de 50. Entre 1960 e 1980, o nível de 3% caiu para 2,5 ao ano. Quanto à taxa de fecundidade (número médio de filhos por mulher), era de 6,2, em 1940-60; 5,8 em 1970; 4,4 em 1980; 3 em 1984 e 2,6 em 1990. Levantamento de 1991 apontava que, para uma população de 73,283 mil mulheres em idade fértil, 46,792 mil tinham entre 10-49 anos e 38,673 mil entre 13 e 49 anos. Para a ONU, ocorrem 3,4 milhões de abortos por ano na América Latina, com a média de 45 abortos, para cada 100 mulheres em idade reprodutiva. Ética, risco e medicina. Em Manchester, GB, a viúva de Harry Elphick movimentou a justiça porque achou a morte do marido injusta. Desde os 17 anos e durante 30 anos, Harry fumava seu maço e meio de cigarros por dia. Antes de operá-lo para o coração, os médicos lhe tinham pedido que parasse de fumar. Não concordou ou não obtemperou, antes que surgisse um segundo


ataque, letal. Por culpa de quem? Cada vez mais o doente é inocente, vítima duma medicina insuficiente; quando pode, a família levanta o estandarte da justiça para ganhar indenizações. Não é a doença uma justiça e a morte uma falha da medicina? Vitória da medicina seria manter durante mais de um ano Dona Leda Collor, em como, no Hospital Alberto Einstein,d e São Paulo? Para quanto mais tempo? Em proveito de quem? Qualquer que seja a fonte pagadora, estes altos custos de cobiçados leitos de Uti não seriam socialmente melhor utilizados para a sobrevivência de muito mais numerosas pessoas na beira da miséria? O dr. Colin Bray, cardiólogo do hospital de Withenshawe, atacado pela viúva Elphick, tinha escrito a Harry que o Hospital dava prioridade aos não-fumantes na listagem de urgência para intervenções cardíacas: não por razões éticas, mas de eficiência operacional, as chance de cura sendo melhores para os não-fumantes. Na Inglaterra, a espera para intervenção cirúrgica demora porque o sistema é público e estatal. Gratuidade se paga de uma maneira ou outra. Técnico, cientista ou médico não julga eticamente o cliente. O juízo moral constituiria uma interferência reprovável na vida privada. Contudo, em 1992, seis cirurgiões e mais seis outros médicos do Withenshawe Hospital tinham decidido e publicado o seguinte: “Operar fumantes custa mais caro e os resultados são medíocres. Urge incitar fortemente os fumantes a deixar de fumar...” Outros hospitais britânicos, tais como os de Leeds e de Leicester, adotaram similar atitude, mas desencadearam críticas do “British Medical Journal” e de certos meios médicos, ainda que os profissionais reconheçam a oportunidade de pedir ao candidato cirúrgico abster-se de fumar durante pelo menos dois meses. A emoção e a ética não jogam sempre o mesmo time, deixando o árbitro pragmático na dúvida, recebendo conselhos contraditórios dos peritos da área. Excelente tema de discussão para mesa redonda. A “Bristish Medical Association” reconheceu o seguinte; “As pontagens coronárias são de pouco efeito nos pacientes fumantes. Os riscos pré-operatórios e pós-operatórios são elevados...” O difícil é refutar o dr. Bray quando declara: ‘Existe uma lista de espera. Escolhas devem ser feitas segundo critérios clínicos e não éticos. A espera para um pontagem coronária é de dois a três meses em média.não podemos fazer mais”. E em caso de urgência? No caso em pauta, o médico tratante não tinha avisado o Dr. Bray da eventual urgência, nem tinha sequer proposto uma pontagem. Critérios técnico, médico, existe sem juízo moral? Karem Moore, encarregada das relações públicas no Hospital de Withenshawe, responde: “Efetuamos uma 1.200 pontagens no ano, ao custo de 13 mil dólares cada uma. Para um paciente fumante, podemos operar dois não –fumantes, com hospitalização mais breve e menos complicações pósoperatórias”. Como não levar em conta também as observações do dr. Lê Fanu, de Manchester: “A inscrição de Mr. Elphick na lista de espera teria aumentado o risco para outros paciente de não chegar em tempo no começo da lista. Os recursos da saúde pública são limitados. Nunca houve e nunca haver verbas para assumir totalmente todos os pedidos. Queiramos ou não, tem de haver certo tipo de racionamento. Na Inglaterra esta discriminação atinge (informalmente) sobretudo os idosos (para transplantes, pontagens, diálises etc.)”. O lema da igualdade, penetrou tanto nas democracias que não se suportam discriminações, mesmo quando decorrem de desigualdades naturais, genéticas ou históricas. Quando uma Constituição proclamou direitos inexeqüíveis, a resist6encia da opinião popular impede o “retrocesso”, isto é, a retirada formal de prerrogativas inaplicadas


porque inaplicáveis. O maior inconveniente deste processo é e aumentar, de fato, as injustiças, os espertos conseguindo a implementação da lei ou do direito que a eles interessa, porque assim determina a lei, enquanto o resto do povo não obtém nada, porque, lastimavelmente, os recursos faltam de fato. A aritmética da economia nem sempre é democrata. A moral, entretanto, deveria penetra a vida profissional; mais facilmente que os processos políticos, porque o profissional liberal trata dos problemas caso por caso, por função. O enfoque é diferente na medida em que o médico nunca pode deixar de conferir à própria atuação uma dimensão moral (nem mais nem menos que a condição de todo agir humano), ao passo que não lhe cabe julgar moralmente o cliente. Na prática, o exemplo aqui evocado revela interdependências fatuais entre comportamentos éticos e condicionamentos técnicos. No caso da AIDS, poderia recusar-se a tratar uma pessoa que recusa o uso da camisinha nas relações sexuais (supondo, por impossível, que isso seja moral, o que não é?) Isto seria inútil, porque a transmissão de vírus é mais contatos pouco mudarão a situação do sujeito em pauta (mas pode importar para terceiros). A relação entre a conduta ética do paciente e a evolução de seu mal importa para ele quando a observação ou inobservação de certas normas (ao mesmo tempo éticas e terapêuticas) influi drasticamente sobre o processo patológico ou de cura, o que é requente. Sem que o médico se torne juiz ético do cliente, o profissional enfrenta a tarefa de medir o momento em que a inobservação das recomendações do tratamento anula qualquer benefício de terapia, tornando-a tecnicamente inoperante e financeiramente desastrosa. A prática moderna duma medicina muito onerosa, conjugada com os déficits quase universais dos sistemas políticos de saúde, vai obrigar a definir e respeitar normas mais rigorosas num universo no qual os valores democráticos de liberdade, pluralismo, tolerância e respeito das opções alheias, sem esquecer o famoso “direito à saúde” (gratuita, assegurada pelo Estado), se chocam com as realidades orçamentárias das tesourarias e da preservação do bem comum. A confusão não é monopólio de um só país. A jornalista francesa Marie Muller assim termina um artigo sobre o mesmo assunto: “Ninguém mais é responsável. Ninguém mais é culpável. Cada um lança mão de seu jeitinho, com valores equívocos, com uma ética improvisada e uma moral com temperatura variável, na gigantesca fermentação deste fim de século. E Deus nisto tudo?” Hubert Lepargneur, sacerdote camiliano, teólogo moralista, comunidade de São Paulo. Holocausto ao consumo Considerando a sociedade brasileira atual como contexto de reflexão e tendo como objeto desta reflexão o sentido social da saúde podemos colocar, como primeiro argumento a existência, entre nós, de coisas (isto é, objeto e serviço) portadoras de saúde, dento as quais se destaca o medicamento. Estas coisas portadoras de saúde são objetos de consumo, seja este consumo privado e direto, seja ele público e indireto. Assim, a saúde está sendo portada para se consumida privada e diretamente tanto pelo projeto ‘Hepatoviz”, na medida em que ele se anuncia como “a saúde do seu fígado”, quanto pelo serviço Golden Cross, na medida em que este se anuncia como “a saúde em boa companhia”. Analogamente, apesar da não existência explícita de publicidade, é também a saúde que está sendo portada, tanto pelo objeto “aspirina pública”quando pelo serviço, também


público, Centro de Saúde, onde ou a partir de onde esta “saúde”,portada pela aspirina,e sta sendo consumida. Como interpretar este incontestável (e generalizado) fato empírico? A primeira interpretação, mais óbvia, é que a saúde, assim como a felicidade, a beleza, a pot6encia e tantos outros valores, está sendo oferecida (um holocauto) ao consumo. Mas se isto é verdade e se esta verdade é contestável por qualquer criança que ande, de olhos abertos, em alguma cidade brasileira, a referida verdade nos será de pouca valia se dela não forem extraídas as devidas conseqüências para o entendimento da nossa questão básica,ou seja, sobre o sentido atual da saúde entre nós. Assim, qual o significado (não óbvio) do fato da saúde estar sendo portada por objetos e serviços? Que isto não deveria acontecer (o que supõe, necessariamente um posicionamento ético diante da questão)? Vamos imaginar que sim, que isto não deveria acontecer. É necessário, então, buscar a razão. Uma resposta possível iria na linha de que a saúde, eticamente, não deveria estar sendo portada por objetos e serviços e oferecida no bojo de uma relação, ou seja, espontaneamente, em estado natural entre os homens vivendo em sociedade. Em termos de saúde pública, este “dever existir” da saúde tem a ver com a idéia de doença evitável. Com efeito, a ausência de saúde que ocorre pro doenças evitáveis – pelo uso da ciência e da tecnologia ou por estarem as referidas doenças ligadas ao “fator humano” em seus aspectos comportamentais, sociais, econômicos, culturais e ambientais – não deveria estar sendo suprimida por objeto e serviços a serem consumidos, mas sim assegurada por uma estrutura produtiva e por um modo de vida que garantissem e efetivassem o direito universal à saúde. Assim estaríamos, ao mesmo tempo, promovendo a saúde e o uso socialmente ético do medicamento, concebido este como instrumento (nobre) de enfrentamento das doenças não evitáveis. Basta abrir os olhos para ver o quanto ainda estamos – em escala planetária – longe desta situação desejável. É claro que o caminho é longo, mas um primeiro passo necessário poderia ser dado na medida em que se firmasse a idéia de que a saúde não pode ser entendida como envolvendo consumo; porque, nas atuais circunstâncias de hegemonia planetária do capitalismo, a tendência é o consumo envolver a saúde e não esta ao consumo, de modo que a “saúde” da indústria e do comércio (e também das corporações profissionais a elas ligadas) será sempre prioritária em relação à saúde dos indivíduos e das coletividades (até porque a “não saúde” esta indústria e deste comércio implica sempre na chantagem do desemprego, da miséria e da doença). Em outras palavras, nas atuais circunstância, é paradoxal falar em consumo racional da saúde (e de medicamentos) porque a “raciona,idade”será sempre empresarial e nunca humana. É claro que o modo mais radicalmente coerente de enfrentar esse dilema é promover a promoção da saúde para que, a médio e longo prazos, a industria da saúde (e dentro dela e de medicamentos) se racionalize, sensível que é ao único argumento que o capitalismo entende e leva a sério, ou seja, a falta de massa de consumidores, já quem nesta altura, não existirão mais, também no Primeiro Mundo, as enormes levas de doentes das doenças evitáveis. Fernando Lefèvre, professor doutor, faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.Texto originalmente publicado com o título “A saúde é oferecida em holocausto ao consumo”, em “Tema 13”.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.