UM NOVO PARADIGMA Existe um novo e melhor modo de avaliar a questão da saúde e da doença, que vem sendo usado e aceito pelas mais proeminentes instituições internacionais da área, substituindo os tradicionais índices de mortalidade por outros, que levam em consideração o cálculo de anos de vida perdidos e a qualidade de vida. Uma doença que tira a vida de um cidadão aos 65 anos, num país onde a esperança média de vida é de 72, lhe roubou sete anos; uma outra doença, nesse mesmo país, que o faz sucumbir aos 32 anos, lhe tirou 40 anos. São mortes com valores diferentes para o indivíduo e para a sociedade. Por outro lado, curar o doente e lhe devolver a plenitude das suas atividades tem mais valor que mantê-lo vivo, mas incapacitado. Foi completamente alterada a hierarquização dos fatores que mantêm a saúde ou que causam doença e morte com essas novas formas de avaliação. Os hábitos de vida e reprodutivos passaram a ser responsáveis por 50% dos anos de vida perdidos; o meio ambiente e sua influência sobre as pessoas, por 20%; a genética por outros 20%; e o sistema de saúde que tem sido a principal preocupação apenas por 10%. Essas pesquisas deverão revolucionar os fundamentos da medicina e, portanto, o seu paradigma. Passa-se de um conceito biomédico a cartesiano amplamente aceito, para um paradigma sócio-ecológico, que recupera o modelo chinês, e mesmo o hipocrático, de saúde e doença. De acordo com este último, que nasceu 400 anos antes de Cristo, na ilha grega de Cós, a saúde resultava do equilíbrio do indivíduo como fatores ambientais, como vento, temperatura, água, solo e comida e o modo de viver e de se reproduzir, que não é outra coisa senão o estilo de vida. Disso decorre grande relevância à prevenção primária relacionada com os hábitos de vida mais do que a própria detecção precoce das diferentes enfermidades, também chamada de prevenção secundária. A ilação prática decorrente do novo paradigma é que, hoje é mais importante transferir informações e educar a população para a saúde do que somente assisti-la. O novo paradigma sócio-ecológico não substitui o biomédico: ele o engloba, o amplia e exige dele qualidade. Pôr esses novos conceitos em prática é simples e tem uma única direção – a educacional – e múltiplas facetas: desde o ato médico que, para ser completo deve incorporar transferência de informações o que significa diminuição do excessivo poder médico, criticado por Foucault, até o papel responsável da mídia, como prestadora de serviço, passando pelas escolas e salas de espera de ambulatórios e hospitais, onde se deve exercer uma tarefa pedagógica em saúde. O cidadão, informado e educado, tornar-se-á o seu próprio agente de saúde, consciente também de que saúde é um direito, e não um favor, como tem rezado distorcidamente a cultura nacional. Trata-se de mudança política e cultural e, por isso, difícil, mas que, se concretizada, proporcionará um relevante avanço em saúde e qualidade de vida. Os países subdesenvolvidos têm se caracterizado por assumir modelos que repetem os erros históricos dos desenvolvidos, sem aproveitar a enorme oportunidade que têm de saltar etapas no processo. Na saúde, é possível faze-lo, até porque não se trata de projetos caros ou de alta tecnologia, mas simplesmente de entender e assumir no concreto um novo paradigma. José Aristodemo Pinotti, médico, foi secretário de Saúde do estado de São Paulo.
A DÉCADA DO CÉREBRO Raul Marino Jr. Na década dos anos 90, a Década do Cérebro voltemos nossa atenção para o cérebro humano, a fim de melhor estudar esse maravilhoso instrumento através do qual o homem se revela a si mesmo e aos outros, com ele controlando o corpo e por ele sendo controlado pela alma. Em 25 de julho de 1989 o presidente George Bush assinou decreto que transformado em lei pelo Congresso, consignou a nova década, a partir de 1º de janeiro de 1990, como a Década do Cérebro – convencidos que estão de que os progressos no entendimento dos mistérios do cérebro jamais foram tão grandes como nos últimos anos. A finalidade desse decreto foi focalizar a atenção dos órgãos governamentais num programa de planejamento e iniciativas do national Institute of Heath, o órgão máximo do governo americano para a financiamento de pesquisas nas áreas de saúde, e melhorar ainda mais os métodos de prevenção, tratamento e reabilitação das doenças e problemas que afetam o sistema nervoso, conseqüentes dos enormes progressos tecnológicos e terapêuticos conseguidos pelo florescimento das Neurociências nos últimos anos. O presidente Bush e o Congresso proclamam, dessa forma, que, a partir deste ano, as pesquisas e Neurociências se tornam, obrigatoriamente, prioridade nacional. Para atingir esse objetivo já se desenvolvem programas e oram designadas verbas consideráveis. Anualmente, mais de 50 milhões de americanos são vitimados por afecções no cérebro, tais como derrames, trauma, tumores, epilepsias, infecções e uso de drogas, estatísticas demonstram que os custos decorrentes do tratamento e reabilitação desses pacientes oscila anualmente em torno de US$ 305 bilhões (o dobro da dívida externa brasileira!). Na última década, os progressos da Neurologia e da Neurocirurgia foram tão grandes que uma bateria de novos recursos, como a tomografia computadorizada, a resson6ancia magnética, a magnetoencefalografia, a eletrencefalografia com eletrodos implantados, a tomografia com emissão de pósitrons, a cirurgia pelos raios laser e pelo ultrassom, vieram permitir o diagnóstico e o tratamento de lesões, tumores, epilepsias, e outros problemas com uma precisão inimagináveis até há alguns poucos anos. Essas modernas técnicas, acopladas a sofisticadíssimos instrumentos estereotáxicos, auxiliados por computador e geradores de raios gama, vieram permitir a abordagem de alvos situados na profundidade do cérebro e na base do crânio, antes inatingíveis pela neurocirurgia convencional. Isso significa também que tais intervenções vêm sendo realizadas com pequeníssima incidência de complicações, pois dispensam a abertura do crânio. Ale, disso, os modernos conhecimentos de genética molecular têm fornecido conhecimentos essenciais à prevenção e tratamento das distrofias musculares, Coréia de Huntington e outras doenças graves do sistema nervoso. Novos conhecimentos sobre o metabolismo das células nervosas têm aberto caminho para a prevenção, a cura ou o alívio de muitas outras doenças neurológicas, algumas delas já claramente passíveis de ser vistas pelo PET scanner, um tomógrafo que, em vez da imagem anatômica, nos permite ver a “função” das áreas do cérebro. Os transplantes de tecidos heterólogos ou fetais no cérebro humano vieram revolucionar os conceitos de certas doenças neurológicas, como o mal de Parkinson, as epilepsias e certos tipos de demências, embora ainda estejam em fase experimental. Podemos afirmar que, comparativamente ao observado em outras ciências, a área das Neurociências é a que tem feito progressos mais rápidos em relação aos outros campos
da Medicina. Alguns chegam mesmo a afirmar que fizemos nesse campo médico mais progressos nos últimos cinco anos que nos cinco mil anos de História da Medicina! E no Brasil, aplicam-se essas afirmações? Infelizmente ainda não. À medicina que em outros centros parece ser vertiginoso o progresso frente a essas novas aquisições, nossos centros principais de pesquisa e atendimento parecem estagnados, a olhar perplexos para os infindáveis progressos que desfilarão ante nossos olhos ainda nesta Década do Cérebro. A moderna Medicina, em nosso meio, apesar de seus brilhantes avanços, já criou uma situação bizarra, conseguindo prolongar nossas vidas sem, no entanto, prevenir as doenças do cérebro – como a demência senil, por exemplo, presente em 16 da população após os 65 anos de idade. As doenças cérebrovasculares situam-se, altaneiras, no topo da escala dos males, como as segundas responsáveis pelas causas de mortes, juntamente com as doenças cardiovasculares, o câncer e os acidentes rodoviários. Num estado pujante como o de São Paulo, existem menos de 600 leitos para doentes neurológicos (no Estado todo!), que é suficiente para atender a apenas 3% da demanda. Cerca de 80% a 90% dos pacientes do pronto-socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo são pacientes neurológicos e de traumas cranianos, que inexoravelmente irão ocupar 90% dos leitos da Clínica Neurológica daquele hospital, bloqueando, assim o acesso de outros pacientes, que irão esperar meses ou anos para serem atendidos ou submetidos a uma intervenção neurocirúrgica, talvez tarde demais. Não podemos atinar ainda com os fatos que levaram as Ciências Neurológicas a ocupar um lugar tão secundário entre as especialidades médicas neste estado e neste País. O certo é que cada vez menos recursos são consignados para esse tipo de pacientes, que na, maior parte das vezes são tratados em macas ou instalações pouco adequadas em todos os centros de atendimento, sem o benefício de uma terapia intensiva ou de cuidados indispensáveis à sua sobrevivência como seres humanos dignos, merecedores de nosso esforço e, ai quase dizendo, de nossa compaixão. Enquanto noutros países se dedica uma década ao estudo desse órgão maravilhosos – a obra-prima da criação, o tempo de nosso pensamento, a estrutura viva mais complexa, mais perfeita e certamente a mais importante de nosso universo, o mais belo instrumento jamais saído das mãos divinas! -, em nosso meio pouca importância se dá, não só ao melhor entendimento dessa estrutura, como também ao estudo e atendimento dos doentes portadores de efecções que envolvem. Se quisermos entender como o nosso cérebro funciona, ou como funciona a nossa TV ou equipamento de rádio, devemos estuda-lo melhor quando estão em mau estado, ou “doente”. O paciente neurológico ou o paciente psiquiátrico, que sofrem de alguma doença que altera as relações normais entre os vários centros cerebrais, poderá gerar riquíssimas informações sobre a organização básica do funcionamento do cérebro se estudados em centros de excelência. As ciências em centros de excelência. As ciências do cérebro nos estão ensinando muito mais sobre nossa real natureza do que a maioria das disciplinas médicas. A fisiologia do cérebro é interessante, porém não mais que a fisiologia do rim ou do coração. É o que o cérebro faz que o torna tão misterioso e difícil de estudar, pois ele é o órgão do nosso comportamento, nossa consciência, nossas decisões, emoções e até mesmo nossa religião. É nossa religião, nossa ética, nosso dever, nossa emoção, que nos faz separar parte do orçamento de uma nação ou estado para que nossos irmãos, nossos familiares ou nós mesmos tenhamos, em caso de doença ou acidente, a atenção devida num leito hospitalar, sem precisarmos nos deslocar para outros países que já tenham conseguido melhorar níveis
de atendimento médico. Não seria justo, para com nossos irmãos e compatriotas, que estes corram perigo de vida durante semanas, aguardando atendimento médico mal acomodados numa maca de hospital, enquanto os responsáveis por esse status quo têm toda a liberdade de se descolar para outro país e buscar melhor atendimento para si ou para familiares. O atendimento médico neste país deveria ser – como é para o médico merecedor desse cognome – uma das formas mais exaltadas de patriotismo; e só esse sentimento de amor à Pátria e aos semelhantes, unidos num espírito cristão, permite que a maior parte de nossos médicos e cientistas continuem trabalhando e, por incrível que pareça, produzindo cientificamente. Não podemos continuar a ser apenas inertes repetidores de compêndios e trabalhos estrangeiros, ecoando e papagueando conhecimentos científicos e teorias que nossas instituições médicas não nos permitem pôr em prática. O Brasil e seus cientistas já estão hoje amadurecidos e em cientistas já estão hoje amadurecidos e em condições de se realizar cientificamente, executando trabalhos de pesquisa médica de nível comparável aos que lemos em publicações estrangeiras. Nesta década, a Década do Cérebro, voltemos nossas vistas e nossa atenção para o cérebro humano, concitando todos os que a seu estudo se dedicam – neurólogos, psiquiatras, neurocirurgiões, neurofisiologistas, eletrencefalografistas, e tantos outros – a se congregarem em centros especializados onde se fale uma linguagem comum, a fim de melhor estudar esse maravilhoso instrumento através do qual o homem se revela a si mesmo e aos outros, nele executando a música da vida, com ele controlando o corpo e por ele sendo controlado pela alma. O médico de hoje precisa reaprender a ver seu paciente como um pedaço do mundo que está doente. Talvez seja auspiciosa a notícia de que um grupo de professores da Universidade de São Paulo, juntamente com jovens cientistas que se dedicam a esse campo de estudos, e estejam já empenhados em reviver a idéia de se construir um Instituto do Cérebro (criado pelo Decreto 47.304, de 5 de dezembro de 1966) no vigoroso campus do Hospital das Clínicas de São Paulo, seguindo, assim, a tradição de outros centros já consagrados daquela instituição, tais como o Instituto do Coração, o da Criança, o de Ortopedia, o de Psiquiatria e o da Mulher, ora em construção. Esperamos que nesta Década do cérebro uma nova era também se inaugure nas Ciências Neurológicas e na Medicina Brasileira. Raul Marino Jr. É professor titular de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da USP Fonte: O Estado de São Paulo, Espaço Aberto, 28/09/1990. BIOÉTICA: UM GRITO PELA DIGNIDADE HUMANA E QUALIDADE DE VIDA Apresentamos sucintamente algumas reflexões de Jean Bernard, grande médico e humanista, da Academia francesa de Ciências e ex-Presidente da Comissão e ex-Presidente da Comissão Consultiva Nacional de Ética da França a partir da Comissão Consultiva Nacional de Ética da França a partir de sua obra De la biologie à l’étique (Da biologia à ética) recentemente traduzida para o português (editorial Psy, Campinas, 1994). Jean Bernard ao se referir à ciência médica afirma que “A medicina, mudou mais nos últimos 50 anos que nos 50 séculos precedentes”(p. 29). As duas revoluções responsáveis por essa mudança são: a revolução terapêutica e a biológica, que tem conseqüência diferentes para a bioética. Ele define como sendo “a garantia da harmonia que resulta a boa conduta da alma e que determina o lugar certo de qualquer coisa (e de qualquer ato) no mundo”(p. 26). Em outras palavras “a ética tem por objeto a relação da alma com o meio”. Vejamos algumas características destas duas revoluções:
A revolução terap6eutica é produzida pelo aperfeiçoamento de medicamentos, começa com o surgimento das sulfamidas em 1937. dá ao se humano após milênios de impotência, o poder de triunfar sobre doenças durante muito tempo fatais, tais com a tuberculose, a sífilis, as grandes septicemias, as afecções das glândulas endócrinas e as perturbações da química dos humores. Jean Bernard relata a partir e sua própria vivência, no Hospital Claude Bernard, como responsável pelo setor dos doentes de erisipela que “em 1933, como interno, todos o s doentes morriam. Em 1937, como chefe da clínica, todos os doentes se curavam , graças a descoberta recente da primeira sulfamida ativa, o pontosil ou rubiazol”. Esta revolução muda profundamente o destino dos seres humanos. Diz respeito à medicina, mais especificamente à ética da aplicação dos progressos recentes ao tratamento, à prevenção das doenças e à ética da pesquisa clínica. Permanece empírica. Testemunha desse empirismo, entre outras histórias, é a história da descoberta da penicilina por Fleming. A inovação terap6eutica trouxe três conseqüências: a) felicidade ligada a cura de numerosas doenças durante muito tempo fatais; B) desordem ligada a este sucesso com a prescrição abusiva de medicamentos. Por exemplo, uma senhora de 50 anos, vista doente no Hospital do Instituto Pasteur, tomava 65 medicamentos por dia; c) necessidade de estudos rigorosos de cada novo medicamento, apreciando seus benefícios e inconvenientes. A história registra graves deformações congênitas em fetos cujas mães durante a gravidez, oram tratadas com talidomida. Estima-se que entre 1961 e 1962, entre 15 a 20 mil vítimas da talidomida em todo o mundo. Nasce dentro do próprio contexto-científico uma profunda inquietação ética, que se concretiza em normas e pistas éticas no sentido de nortear os ensaios medicamentosos e as experimentações com seres humanos. A outra revolução mais recente é a revolução biológica, conseqüência do aperfeiçoamento das técnicas de diagnóstico e de engenharia genética, bem como de concepção assistida. Inspira o conceito de patologia molecular que governa hoje em dia, toa a medicina. Foi ilustrada pela descoberta do código genético, das leis simples que presidem a formação da vida. A revolução biológica começa a dar ao ser humano domínio sobre três áreas: reprodução, hereditariedade e sistema nervoso. Interfere no ser humano no mais profundo de si próprio, não se refere apenas aos doentes, mas diz respeito à toda a sociedade. Quanto ao domínio da reprodução, (p. 67-68) trata-se dos contraceptivos, vacinas contra a gravidez, moléculas antiprogesteronas (RU-486, Étienne Baulieu, 1982). Inseminação artificial, fecundação in vitro entre outras novidades. Entre as inúmeras questões éticas delicadas que surgem na área da reprodução assistida, particularmente delicada é a questão dos embriões supranumerários. O que fazer com eles? Preserva-los para outra gravidez do mesmo casal? Doa-los a outro casal estéril? Utiliza-los para pesquisa? Efetivar a “redução embrionária (destruição)? A própria definição de embrião varia de país para país. Na França o termo se aplica a todas as fases do desenvolvimento do ovo ou zigoto, desde a fecundação do óvulo até o estado fetal que é atingindo na oitava semana de gravidez. A palavra feto utiliza-se depois, quando os principais órgãos estão formados. É importante frizar que a produção supranumerária de embriões é a conseqüência de uma ignorância. Diz Jean Bernard que ainda “não sabemos congelar óvulos. Em um futuro mais ou menos afastado, mas talvez bastante próximo, o congelamento dos óvulos será possível. A partir daí guardaremos, por um lado, os
espermas congelados, por outro lado do óvulos congelados. Os embriões serão produzidos um por um em função das necessidades. Não haverá mais embriões suprenumerários”( p. 68). No que concerne ao domínio da hereditariedade (p. 91-108) temos as questões em torno do diagnóstico pré-natal, previsão das doenças e o sistema HLA – Human Leucocite Antigen - descoberto por Jean Dausset. Acrescente-se o projeto genoma (DNA descoberto por Watson e Crick em 1954), a engenharia genética (isto é, os métodos que modificam o patrimônio genético de um ser vivo) e terapia gênica entre outras. As previsões de ficção científica da famosa obra de Aldous Huxley escrita em 1927, denominada O admirável mundo novo, surpreendentemente ganham sabor de realidade. A terceira área de controle, trata-se do domínio do sistema nervoso (p. 111-121). É pelo cérebro que o homem se distingue do animal. É pelo cérebro que o homem vivo se distingue do homem morto. A morte do homem neste final de século XX é a morte do cérebro. Dos três domínios mencionados, o domínio do sistema nervoso é o mais importante e o menos garantido. Somente agora começam a ser conhecidas a física e a química do cérebro, originando, ao mesmo tempo, novos perigos conseqüentemente maior vigil6ancia ética. As ciências que tem o sistema nervoso como objeto, as neurociências, estão em pleno progresso. São inspiradas hoje pelo rigor da fisiologia, herdade de Claude Bernard, pela linguagem, pelo espírito, pelas técnicas da biológica molecular e pela genética. Pode-se corrigir e modificar o cérebro, seja através da cirurgia, da química ou por métodos ditos psicológicos. Temos a psicocirurgia. Surge aqui a figura de egas Moniz, cirurgião de Lisboa, prêmio Nobel em 1949, que em 1935, começou a tratar de certas psicoses por incisão do lobo frontal do cérebro. Acrescente-se a psicofarmacologia. Durante muito tempo a química do cérebro era ignorada. Nestes últimos 30 anos duas correntes de pesquisa transformaram a situação: a corrente inspirada pelos ensaios de tratamento químico das doenças do espírito e a corrente da psicofarmacologia por um lado, e, por outro, a corrente dos transmissores químicos da informação nervosa. Poder-se-ia perguntar se o amor, o ódio, o ciúme a hipocrisia, por exemplo, num futuro próximo não dependeriam de um especialista em farmacologia? Para tornar mais complexa ainda a situação surge a chamada psicossociologia. Os progressos do conhecimento das doenças do espírito, partindo da sua prevenção e do seu tratamento, dependem, em grande parte, dos progressos da neurobiologia mas também das pesquisas psicosociológicas e psicológicas. A história de Édipo será no futuro examinada com a ajuda dos métodos da neuroquímica por um lado e, por outro, com o estudo das relações de Édipo e os diversos membros da família. Em meio a todos esses encadeamentos de nossos conhecimentos científicos e instrumentais técnicos (ser científico nem sempre ipso facto e ético) que começam a interferir profundamente na vida humana surge a necessidade da reflexão bioética, como uma instância que procura salvaguardar a dignidade humana. Neste empreendimento, cientistas, pesquisadores, filósofos, teólogos, profissionais da saúde precisam dialogar e aprender uns dos outros, na busca da verdade enaltecedora da dignidade humana. Daí a urgência e necessidade da Bioética. O surgimento de comitês institucionais (em hospitais, universidades, centros de pesquisa) e nacionais de bioética são uma evid6encia disso. Jean Bernard é ex-presidente da Comissão Francesa para a Ética das Ci6encias e da Academia Francesa das Ciências. Grande médico e humanista propõe-nos nesta obra uma meditação profunda sobre estes temas: o rigor glacial da ciência e as esperanças de limitar o sofrimento que esta permite.
GERAÇÃO: ÉTICA E LEI Hubert Lepargneur A refletir sobre a geração não saímos da pastoral da família da bioética. Apesar dos milhões de crianças divagadores nas ruas das cidades brasileiras, o País vai devagarzinho adotando métodos de procriação medicalmente assistida, cujo interesse ético ultrapassa o número ainda reduzido de processos concluídos. Obviamente o problema das esterilizações femininas e dos abortamentos são mais alarmantes ente nós, mas eles sofrem também menos hesitações de avaliação. Havendo na rança mais instituições de procriação assistida, é normal que seu episcopado tenha tomado a dianteira na reflexão moral desta prática, como o fez por Declaração de 30 de outubro d 1992, em harmonia com as diretrizes de Santa Sé. Trata-se do respeito pelas relações humanas que devem presidir à concepção e ao nascimento do ser humano. Mais recentemente, o Conselho Permanente da mesma Conferência Episcopal voltou ao assunto, com precisões de nosso interesse, na medida em que são discutidos no Brasil eventuais conteúdos legislativos relativos à procriação. Cito; “A lei civil é uma realidade distinta da lei moral; ela não tem de impor todas suas exigências. Seus termos devem ser enunciados em vista de realizar o bem comum sob todos os seus aspectos, inclusive o respeito da ordem pública e a promoção dos valores morais... Se a lei civil tolera certas atividades a respeito das quais tentativas de repressão produziriam males piores, não deve chegar a legitimá-las. As normas sobre as quais uma sociedade deve concordar publicamente através de suas leis, devem respeitar os direitos humanos fundamentais e as significações primeiras das relações humanas. “O casal casado, comprometido à fidelidade diante da sociedade e, se, crente, diante de Deus, é o lugar moralmente exigido para a concepção e o acolhimento de um nascimento. A lei deveria respeitar e favorecer esta exigência. “A união dos cônjuges é o gesto a partir do qual uma concepção pode moralmente ser obtida. O apelo para a medicina a fim de facilitar uma concepção é moralmente aceitável quando não leva a burlar a união conjugal. A cessão ou a recepção de gametas, fora do casal, a recepção de embriões alheios não são conformes à moral. A lei não pode justamente encorajar tais práticas nem aceita-las em nível de igualdade com a procriação natural. Ela deve circunscreve-las num campo cuidadosamente delimitado se o legislador esperar impedir abusos ainda mais graves. “O ser humano deve ser respeitado como uma pessoa desde sua concepção. Não conformes a este respeito a congelação de embrião, nem a intervenções experimentais efetuadas ao preço de sua sobrevivência ou integridade. A lei deve proscrever toda prática que, mesmo em nome da eficácia médica ou da pesquisa científica, contradiz a exigência do respeito à pessoa humana devido ao nascituro. “Uma lei civil não dispensa ninguém de assumir em consciência todas suas responsabilidades morais”. Esse texto demonstra realismo ao distinguir lei civil e norma moral, o que raramente fazem os pronunciamentos da Santa Sé. Somos cristãos responsáveis, mas também cidadãos de uma sociedade democraticamente pluralista. Não é um falso problema, o das fronteiras entre a coerência ética pessoal e o cultivo da paz social, que exige certa tolerância. O magistério costuma lembrar uma lei moral universalmente válida para todas as conjunturas, ao passo que a lei civil é promulgada para determinar país, com seus condicionantes da época; isto é, não é admissível que o legislador civil ou o executivo do
país passe por cima da norma prática: entre dois males, cabe escolher o menor, ainda que concorde com o poder religioso sobre um ideal mais exigente que suprimiria o mal. Isso é que não entendem os fundamentalistas. Mesmo se ela não atingiu ainda o Brasil, a expansão mundial do fundamentalismo mulçumano, em nome do rigorismo duma Lei Divina (Sharia) que não tolera concessões, há de que assustar. A Igreja pode e deve exprimir os princípios que regem a vida cristã do crente, evitando dar a impressão de que não se importa com o resto, notadamente a expansão da Aids, as dificuldades estratégicas de sua contenção,o alto custo clínico, financeiro e humano de seu tratamento. O AMOR ESTÁ NA RAIZ DOS MILAGRES PAULO COELHO (Colunista da Folha) Li certa vez no jornal sobre uma criança, em Brasília,que foi brutalmente espancada pelos pais. Como resultado, perdeu os movimento do corpo e ficou sem fala. Internada no Hospital de Base, a criança foi cuidada por uma enfermeira que lhe dizia diariamente: “eu te amo”. Embora os médicos garantissem que a criança não conseguia escutá-la e que seus esforços era inúteis, a enfermeira continuava a repetir: “Eu te amo, não se esqueça”. Três semanas depois, a criança havia recuperado os movimentos. Quatro semanas depois, voltava a falar e sorrir. Não devemos esquecer nunca: o amor cura. LUGAR DE MORRER É EM CASA “O doente deve ter respeitado o seu direito de falecer cercado pela família” No momento em que se discutem os direitos do cidadão e que se avança na direção do respeito aos direitos do paciente, precisamos pensar num assunto que poucos gostam de discutir, mas que é fundamental, pois um dia acaba atingindo a todos nós. Estou falando do direito de morrer em casa. Hoje em dia, existe uma regra não escrita de que não se pode mais morrer em casa. Salvo as exceções que confirmaram essa regra, os nascimentos somente ocorrem em maternidades e as mortes, em hospitais. Antigamente, as pessoas nasciam e morriam em suas casas não havia maternidades e os hospitais não passavam de asilos onde se internavam os pobres e loucos. -Quando aos nascimentos, nada a obstar. Foi justamente o advento das maternidades modernas e da neonatologia que permitiu a extraordinária redução da morbidade e mortalidade materna e dos recém nascidos. Mas no caso da morte a situação e inteiramente outra. No passado, a morte cercava-se de rituais que lhe eram próprios. Morria-se família, ao redor dos entes queridos e às vezes acompanhado de um sacerdote. A partir do início deste século, a morte passo a ser negada, escondida e, sobretudo, “hospitalizada”. Hoje em dia, salvos os casos de morte inesperada, more-se quase que obrigatoriamente em hospitais e de preferência em unidades de terapia intensiva, as conhecidas UTIs. -Um aspecto irracional e preocupante dessa postura é que, não poucas vezes, se internam ou se mantêm pacientes terminais em hospitais mesmo quando todos têm plena consciência de que de nada adianta aquela internação. O que se pretende não é salvar o doente ou lhe atenuar o sofrimento. O objetivo principal, não declarado, é evitar aos familiares o dissabor e o transtorno de tê-lo morrendo em casa. É, também, um meio de salvaguardas e diluir a “responsabilidade” do médico em face do desfecho inevitável. Há ainda outro aspecto, não menos preocupante, a considerar: os custos decorrentes da internação de uma pessoa que está morrendo e a possibilidade de que, em alguns hospitais,s e vejam tais situações como fonte potencial e generosa de lucro fácil.
Com essa conduta, priva-se a pessoa daquilo que, com toda a certeza, ela mais desejaria no momento crucial da morte: a presença e o carinho dos seus familiares e o reconfortante aconchego da sua cama, do seu quarto e de sua casa. Nos hospitais, o moribundos fica cercado de pessoas que lhe são estranhas, as quais, até por um dever profissional, se comportam com a precisão e a eficiência das máquinas, mas, também, com a mesma impessoalidade. -No passado, os estudiosos do assunto falavam sobre a “clericalização” da morte. Era o sacerdote, pajé ou o curandeiro que comandava o ritual da morte. Hoje, a morte “medicalizou-se”. Quem a “preside” é o médico. É ele quem tudo decide, até mesmo o momento de decretar que o doente morreu. Este, coitado, não é, como regra, levado em, consideração. Se tentar reagir manifestar o seu desejo de receber alta, de exercer o seu direito de morrer em casa ou de não ter prolongado, em vão, o seu sofrimento, o paciente é sedado e posto a dormir, mesmo contra a vontade. Na minha experiência como médico, não foram poucas as vezes em que presenciei casos de pacientes terminais pedirem para receber alta e ir morrer em casa e verem negados, por mim, pela equipe de saúde e pela família a satisfação desse último e fundamental pedido. Estou plenamente consciente das dificuldades de ordem prática, e até legal, do óbito em domicílio. Mas creio ser chegado o momento de discutir uma nova postura. De olhar de frente, e sem subterfúgios, o fenômeno da morte. De conversar franca e abertamente com o doente terminal sobre o seu fim iminente, o que de resto, na maioria das vezes, ele já pressente. E principalmente, de que nós, médicos e familiares, tenhamos a coragem e a generosidade de deixa-lo morrer em paz em sua casa, se esse for seu desejo. Fonte: revista Veja, 1º de junho, 94. SER JOVEM Juventude não é um período da vida; é um estado de espírito da vontade, uma qualidade de imaginação, uma intensidade emotiva uma vitória da coragem sobre a timidez, do gosto da aventura sobre o amor ao conforto. Não é por termos vivido um certo número de anos que envelhecemos; envelhecemos porque abandonamos o nosso ideal. Os anos enrugam o rosto; renunciar ao ideal enruga a alma. As preocupações, as dúvidas, os temores e os desesperos são os inimigos que lentamente nos inclinam para a terra e nos tornam pó antes da morte. Jovem é aquele que se admira, que se maravilha e pergunta, como a criança insaciável: E depois? ... que desafia os acontecimentos e encontra alegria no jogo da vida. És tão jovem quanto a tua fé. Tão velho quanto a tua descrença. Tão jovem quanto a tua confiança em ti e a tua esperança. Tão velho quanto o teu desânimo. Serás jovem enquanto te conservares receptivo ao que é belo, bom, grande. Receptivo às mensagens da natureza, do homem, do infinito. E se um dia teu coração for atacado pelo pessimismo e corroído pelo cinismo, que Deus então se compadeça de tua alma de velho. GENERAL MAC-ARTHUR