A Questão Ética Central É preciso voltar ao tema da 3º Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento, marcada para setembro no Cairo. O projeto do documento elaborado em Nova York refere-se a algumas expressões novas e aparentemente inócuas, mas que, de fato, colocam na alça de mira o problema do aborto provocado ou da eliminação direta da vida do nascituro. O texto trata, com efeito, da saúde e “direitos reprodutivos”, “sexo seguro”e “planejamento familiar”, entendendo nesta afirmação como lícito o recurso ao aborto. Isto contraria frontalmente a recomendação 18 da conferência precedente, realizada no México, em 1984, que excluía o aborto como método de planejamento familiar. Que intenções viciam o Documento de Cairo? Há uma forte pressão para que se impeça o aumento da população. A palavra de ordem é a de controlar e reduzir os nascimentos. Difundem métodos contraceptivos, insistindo na esterilização feminina e masculina. Havendo gravidez indesejada, recorre-se, sem escrúpulo, ao aborto provocado. Alguns fatores convergem para a brutalidade desse pronunciamento. 1) Desvirtua-se compreensão da liberdade, identificando-a, arbitrariamente, com a capacidade de seguir qualquer inclinação como expressão de autonomia do sujeito que atua. Não se coloca a questão que atua. Não se coloca a questão ética da moralidade do ato pela sua referência à verdade objetiva. 2) Propaga-se o direito à “qualidade de vida”com padrões de saúde e bem-estar material que precisam ser defendidos a todo custo. Os países desenvolvidos sentem-se ameaças pelas superpopulação dos países pobres. Nega-se até o direito de sobreviver aos nascituros portadores de deficiência. 3) Alardeiam-se estatísticas exageradas sobre o aumento de população tentando justificar o uso de métodos reducionistas eticamente inaceitáveis. 4)alega-se, em apoio à legalização do aborto, o fato da mortalidade materna, principalmente de mulheres pobres, como conseqüência de abortos clandestinos. Todos, sem dúvida, devemos nos empenhar em garantir a saúde e a vida da mulher, mas sem lesar o direito que o filho tem de nascer. A questão ética central está no valor e na defesa da vida inocente e indefesa do filho no sei materno. Desde o início da fecundação, surge uma nova pessoa humana, com direito a viver e se desenvolver plenamente. Interromper diretamente a gravidez é eliminar a vida da nova pessoa humana, com a malícia adicional de agredir quem se encontra no total desamparado, sem poder se defender. O aborto provocado é, em si mesmo, ofensa grave ao criador da vida humana. Há casos em que a mãe pressionada pelo medo ou indução de outros pode-se encontrar em condições subjetivas em que fale o pleno conhecimento e advertência à malícia doa to. Mais uma razão para esclarecê-la, com amor, e ajuda-la. A sociedade que desrespeita a vida indefesa e inocente introduz ao seu inconsciente coletivo o princípio que acaba autorizando todo tipo de viol6encia. Afinal, que vale a vida humana? Em Brasília, a Câmara dos Deputados, lamentavelmente, acaba de apoiar, por voto simbólico, proposta de esterilização. Aonde vamos? Essa precipitação em questão ética tão graves obedece ou não ao imperialismo contraceptivo? Luciano Mendes de Almeida. Folha de S. Paulo, 2 de julho de 1994.
Bem-Aventurada Josefina Vannini Depois de São Camilo, uma Camiliana é elevada à honra dos altares. A Fundadora da Congregação das Filhas de São Camilo, Madre Josefina Vannini, será proclamada Bem-Aventurada pelo Santo Padre João Paulo II, em Roma, na Basílica de São Pedro, no dia 16 de outubro do ano em curso (1994). Nascida em Roma, no dia 7 de julho de 1859, foi batizada com o Nome de Judite. Órfã de pai e mãe aos 7 anos, foi acolhida no Orfanato Torlônia, em Roma. Aos 21 anos pediu para ingressar no Instituto das Filhas de Caridade, suas educadoras, mas foi demitida como noviça por falta de saúde. Como São Camilo, também Madre Vannini experimentou o sofrimento quase toda sua vida, o que a fez madura e preparou-a para a missão de Fundadora. Nem por isso se extingue o ardor místico que a anima. A providência Divina abre-lhe maiores horizontes. Em 1897, durante um retiro espiritual, encontra-se com o Servo de Deus Padre Luís Rezza, Camiliani, que havia tempo alimentava a idéia de construir um grupo feminino consagrado a Deus para o serviço aos doentes, segundo o espírito e o carisma de São Camilo de Lellis. Iluminado por Deus, propõe o seu projeto à Judite, convidando-a para fundar uma nova, reza, pede conselho; depois, com breves palavras responde com um “sim” decidido. Com Judite e duas companheira, no dia 2 de fevereiro de 1892, nasce o primeiro núcleo das Filhas de São Camilo. Filha da cruz, não obstante sua pouca saúde, foi a mulher forte da Escritura, perseverante na dificuldade, mesmo quando o co-fundado, Padre Luis Tezza, foi afastado da direção do Instituto. Madre Josefina Vannini faleceu em Roma, no dia 23 de fevereiro de 1911. Na escola de São Camilo de Lellis ela compreendeu, há mais de um século, o modo pelo qual o cristão deve colocar-se diante do mundo do sofrimento. Madre Vannini soube responder, não somente em nível pessol, à interrogação sobre o sentido do sofrimento, mas também soube inspirar os outros uma resposta cristã ao grande problema da dor. No seguimento de Jesus, madre Vannini nos ensina que o “sofrimento é vencido pelo amor”. O cristão “participa dos sofrimentos de Cristo”. Ser “bom Samaritano” é encarnar o “Evangelho do sofrimento”. Ë “bom Samaritano”, como Madre Vannni, quem fica ai lado de quem sofre. Exatamente por esta intuição é que a Igreja a eleva à honra dos altares. Madre Josefina soube elevar, para além dos limites, a dignidade da mulher dos limites, a dignidade da mulher chamada a “amar”e “servir” Cristo e sua Igreja pelo amor e serviço prestado à parte mais sofredora da humanidade”os doentes. AMAR e SERVIR: heroicidade das virtudes de uma mulher elevada às honras dos altares para que a humanidade aprenda a amar e servir. Sua filhas se esforçam, cada dia, para encarnar este ideal. Encontram-se em quatro continentes: Europa, Ásia, África e América, servindo aos doentes em hospitais, ambulatórios, dispensários, casas para anciãos, escola de enfermagem, assistência a domicílio, mas missões, preferindo os mais pobres. No Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia e Mato Grosso. CASA PROVINCIAL: Rua Adelino Bortoli, 139 – CEP 02241-120 – São Paulo – SP – Tel. 11-298.0813 e 299.2124
Internação de Pacientes Terminais O objetivo básico do Hospital é internação para receber tratamento que seriam inadequadamente administrados domiciliarmente. E, procura-se com isso, conseguir o alívio ou a cura das doenças, proporcionando aos pacientes sua volta à casa ou ao trabalho e outras atividades sociais, o mais rápido e eficientemente possível. Mais recentemente os hospitais passaram a abrigar outro tipo de paciente: os impropriamente chamados “terminais”, para ali passarem seus últimos dias. Tal fato se prende a uma mudança de hábitos da sociedade ocidental, que antes conservavam os moribundos em suas casa, para ali viverem seus derradeiros momentos, cercados por seus familiares e quase sempre com seu médico à cabeceira. Hoje, a morte atinge elevado índice de rejeição, os “terminais”, sendo levados para os hospitais e ali colocados no isolamento dos CTIs, segregados de seus familiares e tendo o seu médico apenas por alguns instantes ao seu lado, já que cabe à equipe de plantão no CTI o atendimento continuado – ainda que restrito à carga horária do plantão – destes pacientes. Para discutirmos alguns aspectos importantes da internação destes “terminais”, devemos dividir o tema em partes: 1)Internamento para tratamento rotineiro: Assim dizemos dos pacientes que são internados em unidades comuns, enfermaria ou apartamentos, objetivando tratamento que não se caracteriza por “intensivo”. O paciente, nesta situação, poderá ocupar um leito de enfermaria, e então seus familiares não lhe acompanharão, ou em apartamento, gozando da presença de familiares, o que nem sempre tem sido gratificante para o paciente. Quando em enfermaria, o paciente terminal já vive um problema inicial: sua insuficiência financeira que lhe impede a privacidade de um quarto próprio. Soma-se a isto a presença de companheiros nem sempre agradáveis ou que sejam empáticos. Às vezes, não vizinhos cujas doenças trazem consigo situações incômodas, tais como tosse contínua, gemidos ou odores desagradáveis. Para não falar dos riscos de agravamento de sua própria doença, por contaminação cruzadas. As visitas de amigos e familiares são regulamentados em quantidade e tempo, provocando sensações de abandono e solidão, agravando com isto sua moléstia, causando depressão. A enfermagem, quase sempre insuficiente para tantos pacientes, raramente pode dar a atenção necessária a esses “terminais”e, freqüentemente, por desconhecer as fases tão bem discutidas por KuBler-Ross, para os pacientes terminais, rejeitam-nos especialmente no período da negação e da raiva, aproximando-se às vezes interesseiramente, no período da barganha. O médico assistente, em visitas apressadas, nem sempre proporciona ao paciente o conforto de que ele necessita. Evitando o horário de visitas de amigos e familiares, para não ser perturbado em seus exames, acaba por se omitir nas explicações e orientações detalhada à família, criando situações de insegurança e insatisfação por parte destes. Já aqueles que se internam em apartamentos, geralmente o fazem por possuir melhor situação econômica, mas, na maioria dos casos, não deixam de se preocupar com elevados custos da internação hospitalar. Exceto quando isto ocorre às custas de convênio. Em apartamentos, o problema de doentes visinhos não existe, porém surge uma situação nova, representada pelo acompanhante “desagradável”, com o qual o paciente tem
de conviver por longo tempo. São aqueles que, desconhecendo as mesmas fases de KublerRoss, não respeitam o período de interiorização, quando o paciente precisa de recolhimento e isolamento, ainda que com a presença realmente disponível de um acompanhante. E então falam sem parar, trazem problemas exteriores, criticam o tratamento hospitalar, coisas que nada interessam ou ajudam ao paciente. A enfermagem, confiante de que existe um acompanhante para defender ao doente, dele descuida especialmente se este se encontra na fase da raiva, na qual agressividade e a hostilidade podem predominar. Acrescenta-se a isto o fato de que também a família vivência as fases e pode estar nomomento da raiva! O médico é geralmente mais solicitado por esses pacientes e seus familiares do que pelos pacientes de enfermaria e, se não atende a todos os chamados, é criticado e até mesmo rejeitado principalmente por pressão do acompanhante que não se preocupa em compreender as limitações do médico e a desnecessidade e impossibilidade de sua presença contínua ao lado do paciente. 2) Internamento para tratamento intensivo – Consideramos aqui aqueles pacientes terminais que se encontram em uma fase crítica de sua doença, necessitando cuidados intensivos. A sua colocação em um CTI se faz pela justificativa de que somente ali irá receber uma atenção continuada e com recursos especiais. Muitos se tem discutido a respeito da validade ou não dos CTIs tal e qual existem hoje. Talvez sua existência se deva a uma filosofia nitidamente cartesiana que, em seu dualismo corpo-esprírito, centraliza suas atenções sobre o corpo, mais especificamente sobre a patologia que atinge o corpo, deixando de lado o emocional do paciente e de seus familiares. É como se a lógica racional determinasse – e ela o faz! – a preocupação com a neutralização do quadro patológico, independente, das más conseqüências que tal conduta possa trazer em outra área. Mas também não se pode negar outras vantagens do CTI, tais como a centralização de equipamentos – o que representa economia para o hospital e, sobretudo, a proteção do médico assistente que, nestas circunstâncias, se vê desobrigado de uma assistência continuada, especialmente se ocorre a fase agônica, em momento de outros compromissos. Tudo isso cria um problema a mais, representado pela agressividade de familiares que, incapazes de entender tal isolamento, querem a todo custo visitar seu doente sem as restrições tão rigorosas dos CTIs. Geralmente são os enfermeiros e os funcionários burocráticos os que mais sofrem em tais situações. E isso acaba por criar um clima hostil ao hospital, à equipe de saúde e ao próprio médico, que passa a ser responsabilizado pelas dificuldades de visitas e outras restrições e limitações; o quadro se agrava em detrimento do próprio conforto do paciente e dos demais internados no CTI. Avaliando friamente a situação, acabaremos por concluir que o CTI pode perfeitamente ser modificado, criando unidades para tratamento intensivo sem necessariamente haver o isolamento do paciente que, tanto para ele como para a família, se torna nocivo e cruel, sem vantagens reais, desde que regulamentadas as visitas, muitas delas importunas e inconvenientes. A presença de um familiar desejado pelo paciente, e bem orientado pelo médico, poderá valer mais que uma medicação e muitos aparelhos sofisticados, para sua recuperação. 3)Internamento para a passagem final _ Alguns pacientes vão para o hospital para morrer. Especialmente nos grandes centros, já não se morre em casa. Quando alguém tem
seu quadro clínico agravado, é levado para um hospital e geralmente para o CTI onde, sob alegação de necessidade de tratamento intensivo, é ligado a aparelhos sofisticados que, no dizer de Kubler-Ross “não prolongam a vida, mas a morte”. Sabe-se hoje que uma pessoa em estado de coma, é capaz de “ouvir” aqueles que com ele conversam. Há casos de pessoas que se recuperaram de como profundo, graças à atuação de pessoas dedicadas que ficaram a seu lado, estimulando-as a superar o quadro comatoso. Se alguém é levado agonizante para o CTI, receberá sem dúvida uma alta tecnologia terapêutica é porém estará totalmente carente de calor humano, da presença física de entes queridos que lhe serão importantes, seja para uma eventual recuperação, seja para acompanha-lo nos momentos finais. Freqüentemente as tentativas heróicas de recuperar um moribundo dizendo mais respeito ao orgulho e prepotência do médico, que vê na morte um fracasso, do que o simples bem estar do paciente. E, quando a impossibilidade técnica de recuperação se apresenta inexorável, muitos defendem a eutanásia, como uma maneira sutil de se antecipar à morte, propiciando ao médico exercer uma vez mais o seu controle e a sua prepotência: ele mata para que a morte não lhe tome o direito à vida de “seu” paciente. Direito que realmente ele não tem, já que da vida ele não é o criador! Diante destas reflexões, como encarar um internamento hospitalar do paciente terminal? Quando tal acontece para um tratamento de rotina, deve a internação ocorrer em unidades, seja de enfermaria, seja de apartamento, onde todo o pessoal que irá dar algum tipo de assistência ao paciente esteja preparado para lidar com pacientes terminais. Pessoal treinado especificamente por tanatólogos que possam lhes mostrar as peculiaridades desses pacientes, desenvolvendo um paradigma hospitalar diferente e apropriado a essa situação. Escolher unidades coletivas onde estejam pacientes em melhores condições para não agravar o quadro clínico e psicológico do paciente. E, se possível, criar situações nas quais, independentemente das condições financeiras do paciente, este possa permanecer com um familiar de sua escolha, durante o tempo que desejar. Procurar situações nas quais o hospital e os profissionais de saúde estejam realmente a serviço do paciente e não do faturamento e da vaidade prepotente, que submete o paciente como objeto e não como gente. Para os pacientes realmente na fase terminal, um modelo que deve ser levado em conta foi recentemente implantado em um Hospital Universitário de Paris, onde está em funcionamento a “Unidade de terapia Paliativa”. Nesta unidade, dentro de um hospital geral, foram instalados apartamentos em que o paciente é internado juntamente com seus familiares ou pessoas queridas que fazer companhia continuamente. Toda medicação administrativa visa aliviar as dores e os sofrimentos, se possível sem inconscientizar o paciente. Aos familiares é permitido utilizar uma cozinha separada, na qual alimentos ao gosto do paciente são feitos pela pessoa que melhor sabe faze-lo, de acordo com seu desejo. A assistência médica é acompanhada por psicólogos, assistentes sociais, religiosos, que cuidam de cada parte específica, visando propiciar ao paciente e a seus familiares todo conforto e tranqüilidade nestes momentos finais. E a morte destes pacientes ocorre entre seus familiares e amigos, sem traumas e sem dores além da saudade natural pela perda de um ente querido.
Este é um exemplo de primazia do humanismo sobre a tecnologia, que pode e deve ser seguido por todos os hospitais que se compõem a receber doentes terminais. Dr. Evaldo Alves D “Assunção, cirurgião plástico, tanatólogo, membro da Academia Mineira de Medicina. Tecnologia Médica: Progresso com Ética A modernidade apresenta um aspecto de progresso tecnológico que não é o menos contestado. Essa modernização tecnológica é particularmente brilhante no mundo da saúde onde contribui, de um lado para o aumento da esperança de vida e de outro para a elevação do custo da saúde. Curiosamente, o melhoramento do padrão de vida de uma nação não é rigorosamente, proporcional aos gastos sanitários, deixando margem para a compet6encia administrativa, sem falar de sua honestidade e dos hábitos culturais. A sofisticação dos equipamentos explica que, nestes últimos dez anos, a produção da alta tecnologia médica sofreu notável concentração mundial, mas pouco se revela no Brasil, que mesmo os grandes do ramo podem sofrer desastres, ilustrados pelos casos da C.G.R. francesa e do E.M.I. inglês (inventor do escanógrafo ou scanner). Em compensação, pequenas empresas se formam, por vezes em torno de uma só tecnologia inovadora (como a Technomed, construtora francesa de litotriptores, ou a Sopha Medical, especializada na imaginária nuclear). Entretanto esse setor está sofrendo das restrições que o mundo deve impor a suas despesas de saúde. Mesmo se não tão negativas quando as supõem os adversários da modernidade, as decorrências do progresso tecnomédico nem sempre são evidentes. Para suas análises e perspectivas, o Parlamento norte-americano é assistido pelo Office o Technology Assessment; perto de um terço de suas avaliações dizem respeito ao setor saúde. este OTA define a avaliação como “um processo específico cujo objeto é examinar a curto e longo prazo, as conseqüências de uma tecnologia particular sobre os indivíduos e sobre a sociedade no seu conjunto e isso sobre seus diversos aspectos . “Nos outros setores, o progresso tecnológico significa não apenas aumento de qualidade e produtividade 9ainda que, por vezes, de desemprego), mas também de diminuição dos custos ; como se vê, o último item não está se verificando em nosso campo. É curioso verificar que o realismo norte-americano levou o governo a institucionalizar uma entidade encarregada da vigilância sobre os custos, quando diante da mesma criatividade tecnológica, o governo francês reagiu diferentemente pela criação de outro tipo de entidade, igual e felizmente apolítica, encarregada de analisar e avaliar as implicações éticas do progresso e processos biomédicos. Ambas as auditorias parecem oportunas. O governo de Bill Clinton não manifesta especial inclinação a reforçar o rigor bioético, notadamente no tocante ao aborto e às alternativas sexuais, ao passo que as necessidades orçamentárias da Previdência Social obrigam o governo francês a moderar sua generosidade sanitário-populista. O evitar as fraudes não é considerado como uma economia inesperada, mas como o desempenho normal do estrito dever do governo. Um médico de Angers, Dr. Remi Landais, chegou a observar: “Uma idéia ganha terreno a cada dia (na Europa): a medicina não pertence mais unicamente aos médicos, deve ser compartilhada com economistas. O médico deve hoje levar em consideração o impacto econômico de suas prescriçòes, procurando determinar o custo que convém...” Ele lembra que um ano de tratamento de Interferon Alpha para um aleucemia mieloíde custa 26.000 dólares, uma ampola de anticorpo para choque séptico com gram-negativo custa mais de 4.000 dólares (Médicine de I’homme, abril de 1993).
Essa preocupação, porém, não vale para um país generoso o suficiente para declarar que a saúde é um direito de todo o cidadão, às custas da nação, e rico o suficiente para oferecer a seus parlamentares 16.000 dólares anuais como ajuda para suas despesas odontológicas e sanitárias. Além dessas preocupações fundamentais, conhece-se o excelente trabalho de entidades norte-americanas privadas na avaliação d bioética de conferir as implicações e repercussões das novas tecnologias médicas (Comissão de homologação da direção dos hospitais; Centro nacional de equipamento hospitalar; Comitê de avaliação da difusão nacional para o desenvolvimento da auditoria médica, criada em 1990). Como se vê, a união do progresso tecnológico e do controle ético se revela difícil, delicada, mas exeqüível e necessárias. Não deve depender totalmente da iniciativa governamental nem da iniciativa privada. As entidades engajadas em tais tarefas devem ser totalmente livres das ambigüidades personalistas, clientelsitas, como das manobras políticas, eleitoreiras ou simplesmente demagógicas. Ocorre, entretanto,q eu tal inserção paga-se por vezes com uma pobreza que pode paralisar os meios de investigação e ação. Avaliar é comparar estratégias para escolher a mais oportuna, tanto econômica,quanto eticamente. Hubert Lepargneur é um autor que investiga temas relacionados com diversas disciplinas, mas mantém-se afastado de ideologias particulares e nos incita à reflexão sobre os problemas bióticos de nossos dias.