Pastoral da Saúde na América Latina e Caribe De 14-18 de setembro de 1994, realizou-se em Quito – Equador, o II Encontro Latino Americano e do Caribe de Pastoral da Saúde, promovido pelo DEPAS (Departamento de Pastoral Social do CELAM) Conselho Episcopal Latino-Americano. O primeiro encontro Latino Americano de Pastoral da Saúde aconteceu em Bogotá (Colômbia), de 2-16 de outubro de 1989, promoção da Federação Internacional de Associações Médicas Católica FIAMC e pelo DEPAS – CELAM. Deste encontro participaram representantes de 10 conferências episcopais. Tinha como objetivo: “examinar, num diálogo aberto à luz do Magistério da Igreja, os problemas éticos e de humanização do setor da saúde na América Latina e assumir os compromissos em harmonia com a competência e missão da Igreja neste campo”. As memórias deste encontro foram publicadas na coleção documentos CELAM (n. 125 – junho de 1993), sob o título Evangelización de la salud. O ENCONTRO DE QUITO Objetivo geral deste evento foi assim descrito: “Formular, com a colaboração de todos os países linhas comuns que orientem a ação da pastoral da saúde na América Latina e Caribe”. Em nível de objetivos específicos se propôs de: a) Estudar e analisar a situação da Pastoral da Saúde na América Latina e Caribe. b) Intercâmbio de experiências pastorais significativas dos diversos países em torno da saúde, incorporando novos fenômenos como a medicina e a alimentação alternativas, a saúde comunitária... d) Aprofundar os fundamentos teológicos-pastorais da Pastoral da Saúde. e) Identificar as funções e o perfil dos agentes da Pastoral da Saúde. f) Estudar o papel que desenvolvem os centros de comunhão e participação na caminhada da Pastoral da Saúde. g) Definir algumas políticas e estratégias a nível latino americano que sirvam de guia para a elaboração de planos nacionais de Pastoral da Saúde. PARTICIPANTES Marcaram presenças representantes de conferências Episcopais de 13 países da América Latina e Caribe, no total 38 pessoas. Registrou-se a participação expressiva de profissionais da saúde, entre eles 11 médicos(as). Dentre as autoridades da Igreja: Dom Mario Enrique Rios, Bispo Auxiliar da Guatemala; Dom Augusto Aristizabal Ospina, Presidente da Comissão Episcopal de Pastoral da Saúde da Colômbia e o Cardeal Luiz Aponte Martinez, de Porto Rico. Como convidados especiais: Pontifício Conselho para a Pastoral dos Operadores Sanitários. Caritas Internacional, Organização Panamericana da Saúde (OPAS) e UNICEF. O encontro foi solenemente inaugurado com a eucaristia presidida pelo Núncio Apostólico no Equador, Dom Francisco Canalini. O Cardeal Fiorenzo Angelini, Presidente do Pontifício Conselho de Pastoral dos Agentes sanitários, enviou uma longa carta, lida na sessão de abertura, na qual fala basicamente da “necessidade e urgência de uma idônea formação humana, cristã e profissional e ministerial dos agentes de pastoral da saúde” frente aos grandes desafios que a área da saúde apresenta hoje. O encontro foi coordenado pelo secretário executivo do CELAM, Pe. Leônidas Ortiz Lozada. Como peritos para apresentar a situação de saúde na América Latina e Caribe, representante da OMS/OPAS, Dr. Ítalo Barragén Arenas e UNICEF, Dr. José Carlos Cuentas. Para a fundamentação
bíblico-teológica, Pe. Júlio S. Munaro do Brasil. A CNBB esteve representada pelo Pe. Léo Pessini. DOCUMENTOS DO ENCONTRO Partiu-se de m documento de trabalho, elaborado por um grupo de assessores do DEPAS-CELAM. Como um instrumento de reflexão buscava “apresentar alguns elementos teológico-pastorais que possam ser úteis para a elaboração de um breve diretório da Pastoral da Saúde”. São apontadas as seguintes Razões para oferecer à comunidade cristã orientações e pistas a respeito da pastoral d\no mundo da saúde: a) Mudanças profundas no setor saúde. b) Conquistas científicas e avanços tecnológicos e suas implicações éticas, mudanças sócio-econômicas e políticas. c) Situações de injustiça, violência, assassinatos, desrespeito para com o meio ambiente, desnutrição, fome, enfermidades endêmicas que atingem os mais pobres, interpelam a Igreja a oferecer sua colaboração específica e a se comprometer lutando pela dignidade humana. d) Necessidade de um projeto unitário de Pastoral da Saúde: Se a problemática do mundo da saúde se apresenta cada vez mais vasta e complexa, as respostas parciais e isoladas são insuficientes. “É necessário delinear um projeto unitário de pastoral de saúde com a colaboração de toda comunidade cristã” (João Paulo II, 29. XI – 1981) com atitude de abertura e valorização das contribuições provenientes das ciências psicossociais e pesquisas médicas. e) A nível de organização e estruturação própria: “Urge, recuperar a nível latino americano, nacional e diocesano o específico desta pastoral, com uma fundamentação teológico-bíblica séria e uma estrutura e organização própria, para que chegue a ocupar o lugar que lhe corresponde numa pastoral orgânica de conjunto, se quisermos que os enfermos, como no tempo de Jesus, sejam também para a Igreja atual “porção escolhida, os prediletos do Senhor” ( João Paulo II)”. O documento final do encontro está sendo revisado e proximamente será levado a público para reflexão, estudo e aprofundamento e certamente se constituirá num ponto central de referência para toda e qualquer atividade de Igreja na área da Saúde América Latina e Caribe. Consta de três partes fundamentais: 1) Situação de saúde na América Latina e Caribe; 2) Discernimento bíblico-teológico; 3) Pastoral da saúde: conceitos e objetivos; 3.1. Centros de comunhão e participação; 3.2. estrutura da Pastoral da Saúde. Apresentamos na página seguinte um quadro com o núcleo sobre o conceito e objetivos da Pastoral da Saúde. O SURGIMENTO Em nível de estratégias e coordenação e seguimento, foi formada uma equipe de coordenação de Pastoral da Saúde a nível continental que teria basicamente o trabalho de animação organização e acompanhamento do desenvolvimento das atividades de Pastoral da Saúde nos diferentes países. Os nomes indicados foram: Coordenador Latino Americano e do Caribe: Pe. Júlio S. Munaro (Brasil). Coordenadores regionais: Cone Sul (Brasil,
Argentina, Paraguay, Uruguay e Chile): Pe. Mateo Bautista (Argentina); Países Bolivarianos (Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela) – Ir. Maria Van Der (Peru); América Central – Dom Mario Enrique Rios (Guatemala); Caribe – Dom Príamo (Bispomédico da República Dominicana). Ficou também definido que o terceiro encontro Latino americano e do Caribe de Pastoral da Saúde acontecerá em 1997 (cada três anos), provavelmente no Peru ou Bolívia em data ainda a ser acertada. As regionais começam a se organizar e marcar seus eventos. Os países do Cone Sul se encontrarão em São Paulo (Brasil) nos dias (4-6 de setembro) que antecedem a realização do Congresso de Pastoral da Saúde. Pela convivência, troca de experiências, partilha de subsídios, busca de pistas comuns de atuação na área da saúde, este evento foi profundamente enriquecedor e reanimador na esperança de uma melhor articulação e organização da atuação da Igreja na área da saúde na América Latina e Caribe.
Pastoral da Saúde: definição e objetivo Conceito Por Pastoral de Saúde entendemos a ação orgânica de todo o povo de Deus, comprometendo-se a defender e celebrar a vida, tornando presente na sociedade de hoje a missão libertadora de Cristo no mundo da saúde. Esta ação abarca três dimensões: a) comunitária: processo educativo, participativo e transformador; b) dos enfermos: vivência da solidariedade com os que sofrem a nível hospitalar, domiciliar e comunitário; c) institucional : atuando nos e com os organismos e instituições da saúde. Objetivo Geral: Evangelizar com renovado espírito missionário, testemunhando Jesus Cristo em comunhão fraterna, na opção preferencial pelos pobres e enfermos, participando na construção de uma sociedade justa e solidária a serviço da vida, respeitando as diferentes culturas. Objetivos específicos: 1) Colaborar na prevenção e promoção da saúde apoiando programas, projetos e organizações comprometidas neste trabalho 2) Conscientizar sobre os direitos à vida e deveres de lutar por condições mais humanas de vida: terra, trabalho, salário justo, habitação, alimentação, recreação, transporte, educação, saneamento básico e participar no processo de tomada de decisões. 3) Incentivar o povo a ser sujeito de sua própria saúde e conscientizar que a saúde é uma tarefa pessoal, familiar e coletiva. 4) Participar ativa e criticamente nas instituições oficiais que decidem as políticas de saúde na nação, estado e município. 5) Resgatar e valorizar a sabedoria popular relacionada com a utilização de dons que a mãe natureza oferece a preservação do meio ambiente. 6) Defender a saúde e a ecologia e denunciar tudo o que atenta contra a vida e dignidade humana.
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Visualizar a luz da fé e da pessoa de Jesus, a realidade da saúde e da enfermidade, bem como as implicações da ciência e da tecnologia no mundo da saúde. Sensibilizar a sociedade e também a própria Igreja em torno do sofrimento, o valor da vida e da saúde, denunciando a marginalização dos enfermos, anciãos e de maneira especial ante as novas formas de sofrimento e enfermidades (HIV, enfermos terminais, etc). Contribuir para a humanização das estruturas, instituições e profissionais da saúde. Promover a capacitação e formação integral e permanente dos agentes de saúde. Promover e animar a formação de grupos, movimentos e organismos comprometidos com o mundo de saúde. Ajudar os enfermos, seus familiares e a todos os que os assistem, a descobrir o verdadeiro sentido da dimensão celebrativa e sacramental da fé e especialmente dos sacramentos da penitência, eucaristia e unção dos enfermos, com uma adequada catequese. Acompanhar os profissionais da saúde no processo de formação e atuar, cultivando os valores, humanos, éticos e cristãos.
O Cairo: Demografia e Ética A Conferência do Cairo sobre Demografia (set. de 1994) trouxe resultados importantes e, no fundo, satisfatórios, sobre os quais achamos útil refletirmos. Ela confirmou de alguma maneira o que publicamos no decênio anterior (Demografia, Ética e Igreja, Ática). Tentamos um balanço objetivo. Pela primeira vez uma Assembléia Internacional de primeira grandeza, patrocinada pela ONU, reuniu políticos representantes de 182 nações, sobre assuntos até agora reservados a congressos de sociólogos ou de médicos, não apenas demografia, mas sexualidade e aborto. As duas conclusões de maior peso não são banalidades facilmente obtidas: 1) Existe um sério problema demográfico na escala mundial (reconhecido até pela Pontifícia Academia das Ciências, do Vaticano, mas livre em seus pareceres). 2) O encaminhamento primordial do desafio reside na educação, inclusive no capítulo da sexualidade, especialmente das mulheres. 1. Com exceção do Vaticano, apoiando sobre alguns peritos, houve praticamente unanimidade para reconhecer a existência de um grave problema demográfico que pesa sobre um futuro não muito longínquo da humanidade. A “Instrumentação laboris” publicada pelo Pontifício Conselho para a Família (Evoluções demográficas. Dimensões éticas e pastorais, trad. Ed. Loyola) deixa clara a posição de recusa do problema de fundo que motivou a Assembléia o Cairo. Concedendo que várias nações têm uma população que não conseguem nutrir, acentua muito mais o “inverno demográfico” “cada vez mais rigoroso” que pesaria sobre países avançados, deixando a impressão que, com um pouco de boa vontade, tudo se equilibra, o excesso populacional de algumas regiões compensando a falta de outras, havendo apenas a temer a falta futura. Era fazer pouco caso da China. Como esta questão fatual depende das ciências humanas e não da fé, não vamos injetar aqui uma infalibilidade carismática Dora de seu lugar. A grande maioria dos responsáveis pelas nações exprimiu inequivocadamente sua posição.
Às pessoas que sinceramente receiam uma falta populacional (de nenhuma importância para a fé religiosa, porque para completar o número dos eleitos, Deus pode prolongar a história um pouco mais do que o previsto), perguntamos qual seria seu plano de desenvolvimento humano global, caso a China se convertesse repentinamente ao catolicismo? Em muitos países, inclusive no Brasil, a taxa de crescimento populacional diminuiu, mas isto não significa estagnação numérica da população, nem para um futuro próximo. Segundo o censo brasileiro recentemente divulgado, o país cresceu oito vezes em relação ao início do século. As críticas a Malthus caem geralmente em anacronismo: os problemas atuais se colocam em termos imprevisíveis no século XIX, mas o fundo do problema permanece, não tanto de produção agrícola global, mas de fundo do problema permanece, não tanto de produção agrícola global, mas de recursos em água (potável notadamente), em materiais não renováveis, em agressividade já decretada devida à densidade populacional das megalópoles, em falta de financiamento para criar os milhões de novos postos de trabalho que exige anualmente o aumento populacional. Decretar o banimento do progresso tecnológico que aumenta a produtividade e as exigências de competência, mas não os postos de trabalho, não passam de uma utopia pouco aproveitável. 2.A recomendação máxima versa sobre a educação das populações, especialmente das mulheres. A Santa Sé contribuiu para evitar que o abortamento seja facilitado, banalizado. Mantém-se banido, como antes, como meio de limitação da natalidade. Para descartar o aborto e favorecer a família assentada sobre o casamento, Santa Sé teve o apoio de vários países muçulmanos. Mas esta aliança não valeu para o uso de contraceptivos e planejamentos restritivos da natalidade aos quais aderiu até o Irã (após reviravolta nos últimos anos) e que a Santa Sé rejeita: nem muito menos para a promoção da mulher, desta vez favorecido pela Santa Sé mas obstaculizada pelo machismo dos países islamíticos. 3.Lembramos aqui uma distinção que nem sempre fica clara, para tais assuntos delicados, em todas as mentes: a distinção entre a moral ( que condiciona a conduta de cada um, inclusive dos políticos) e o direito da sociedade civil (as leis). Mesmo fora da especificação religiosa, a ética é o terreno em que se movem o discurso da Santa Sé e a diplomacia do Vaticano. Entretanto uma Confer6encia da ONU é uma operação que se desenrola no plano da lei humana, que é o plano da política, isto é, do possível, do realizável em determinada situação histórica. Temos que perceber que não há nem contradição nem identificação entre as duas perspectivas, sempre chamadas a se articular, isto é, a dialogar. Desde a Idade Média, Santo Tomás de Aquino reconheceu que não é cabível e oportuno proibir por lei ou ordenar por lei civil tudo o que a ética proíbe ou ordena; o resultado seria pior que a não-intervenção. Numa obra recente de bioética, redigida por católicos europeus, encontramos uma expressão moderna que a explicita de maneira feliz e realista a mesma recomendação: “A lei civil deve sempre situar-se entre os princípios éticos da tradição, que fundam a sociedade, e o consenso social contempor6aneo. Diante de problemas novos deve defender uma certa aquisição ética, sabendo, entretanto, que se faz oportuno tolerar ou limitar práticas contestáveis que nenhuma repressão consegue eliminar. Simultaneamente, ao levar em conta as mentalidades, a lei civil contribui para formá-las (ou deformá-las), ainda que seja certo que o ‘legal’ não coincide com o ‘moral’.” Ilustramos. A muitos, parece farisaico deixar morre, anualmente dezenas de milhares de mulheres decididas a abortar e carentes dos meios adequados para minimizar os efeitos nefastos que ninguém nega. Sem aprova-las, nem um pouco, será que o Evangelho nos pede ignora-las pura e simplesmente, uma vez que temos repetido as condenações que
sabemos? Uma vez mais, constatamos a insuficiência radical duma moral da intenção que lava as mãos sobre as decorrências previsíveis de suas ações ou omissões. 4.Dói ler, sobre opções alheias às nossas, tantos comentários que atribuem aos “outros” intenções perversas que apenas raramente têm. Se a humanidade quer diminuir a aceleração de sua demografia, não está movida por um gosto mórbido da morte, mas em vista de assegurar, não em teoria, em discurso utópico, mas realmente, condições mais condignas aos seres humanos que não existem ainda (quais são os direitos à existência de quem não existe?) e que nós vamos chamar (sem impossível consentimento prévio dos interessados) à luz desta pequena terra. Por que não conceder aos nossos contestadores uma benevolência que lhes pedimos para a interpretação de nossas próprias posições? Fica claro que o Documento final do Cairo assinado até pelos países mulçumanos presentes na Conferência e pelo Estado do Vaticano (menos o cap. 7, sobre os “direitos da sexualidade”, de fato ambíguos, e o cap. 8, sobre “saúde”, insuficientemente proibitivo no tocante aos meios contraceptivos e abortivos) não faz a apologia do aborto; pelo contrário exige respeito das liberdades individuais e dos casais, como não entende violar em nada a soberania de cada nação, que agora é responsável de sua própria política populacional. Se conhecermos abusos (existem, infelizmente), eles têm que ser denunciados como conflitantes com aquilo que foi internacionalmente consentido. Resta que a questão demográfica interessa ao Bem Comum, nacional e internacional. Nem a Santa Sé contesta que o governo nacional tem de se preocupar com este aspecto do Bem Comum, de que ele é o primeiro responsável. Já se disse: Se não estabilizarmos a população com justiça, humanidade e compaixão, a própria natureza o fará. Hubert Lepargneur
Assasinatos Permitidos Não quero continuar sendo cidadão de um país de assassinatos permitidos. Convivo diariamente com recém-nascidos escolhidos para morrer, para dar lugar a outros que têm mais chance, nas UTIs dos berçários com insuficiência de leitos. O descanso com o qual se tem tratado a saúde de 70% da população,q eu não tem recursos para pagar pela saúde, tem raízes na cultura do nosso país. Assistência médica, para quem não paga diretamente por ela, é considerada um favor e não um direito. Agradece-se quando se recebe e não se reclama quando não se tem. Esse erro conceitual – no fundo, todos pagam pela saúde – tem permitido que os governos, por incompetência e desconsideração, causem centenas de mortes (leiam-se assassinatos) evitáveis sem responderem penalmente por isso. Além da razão mais óbvia, que foi a diminuição do orçamento da saúde pelo governo federal de US$ 80 por habitante/ano em 87 para US$ 29 em 93, desrespeitou-se a Constituição quando se recentralizou o sistema no final de 90 e início de 91, destruindo a municipalização que apresentava excelentes resultados em São Paulo. Os trabalhadores de saúde voltaram a ser miseravelmente remunerados; os dirigentes da saúde têm sido escolhidos sem critérios e trocados como se troca de camisa desconfiando qualquer projeto sério. O resultado é o caos, alardeado pelos abutres que querem utiliza-lo para justificar um bom negócio para as companhias de seguros dentro do modismo neoliberal, que é a
privatização da saúde. Enganam-se totalmente os cidadãos e os médicos que imaginam ser beneficiados com esta solução. A crise tende a se agravar com o programa de estabilização econômica, monetarista, sem qualquer componente de desenvolvimento partilhado ou de políticas compensatórias competentes da área social. Rouba-se o povo, assassinam-se cidadãos, desrespeita-se a Constituição. Engana-se a todos com planos econômicos cujo objetivo maior é manutenção de privilégios das elites. E nada acontece porque sempre se escolhem os pobres e desamparados para o sacrifício, sabendo do seu fraco poder de reação. Não quero continuar sendo cidadão de um país de assassinos permitidos. Desculpem-me a indignação, mas convivo diariamente com mulheres morrendo de câncer pó falta de papanicolau nos postos de saúde; com recém-nascidos escolhidos para morrer, para dar lugar a outros que têm mais chance, nas UTIs dos berçários com insuficiência de leitos. Meu silêncio seria a cumplicidade porque sei que isto pode ser evitado, bastando para tanto aliar vontade política competência técnica e compromisso com as necessidades de 70% da população, e não com interesse dos 10% de privilegiados. José Aristodemo Pinotti, 56, é professor titular de ginecologia da Faculdade de Medicina da USP. Foi secretário da Saúde (governo Quércia), da Educação (governo Montoro) e reitor da Unicamp (1982-86). Folha de S. Paulo – 20 de maio de 1994.
Os Nossos Destinatários Seus problemas institucional e sócio familiares Sinto-me muito a gosto na área dos destinatários, dos beneficiários. Ë como se eu fosse uma parte dessa imensa multidão que vai passando pelas instituições por onde também eu tenho passado, residindo aqui ou ali, com os destinatários do carisma Hospitaleiro: doentes e/ou deficientes mentais. Esta vivência tão próxima à realidade dos pacientes deu para ver muitas coisas e sobre tudo para perceber que, embora a doença ou a deficiência sejam uma realidade, existe sempre uma grande quota social no contexto desse processo de se tornar ou ser diferente. Uma pessoa dita normal, psiquicamente afetada, tem componentes no seu processo patologizante que são, em grande parte, provenientes da forma como os outros vão reagindo à sua diferença, ou seja, são agravados pela deterioração das relações familiares, ausência de um acompanhamento adequado e pela marginalização e rejeição da sociedade em geral. A congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, fundada há 113 anos para atender este tipo de pacientes, trabalha em vários Países e, podemos verificar que, apesar dos avanços científicos e técnicos, o paciente ou deficiente mental continua sofrendo, em todas as sociedades, de um fenômeno que se prende com a projeção sobre ele dos medos das pessoas que se dizem normais. Assim, continua, em quase todas as culturas, socialmente desintegrado, mais do que isso agüenta a pesada carga da marginalização social que vai degradando a sua já frágil imagem de pessoa. Estou aqui exatamente para apresentar algumas de nossas preocupações Congregacionais sobe o assunto, o nosso estilo de assistência e alguns programas que nos
propomos realizar, ajustados em projetos adaptados à realidade onde a vida Hospitaleira se desenvolve, concretamente aqui, no Brasil. Nosso estilo ou modelo de intervenção em saúde mental, tem sido testado ao longo de mais de um século de experiência e aos poucos vai sendo avaliado e reajustado à luz dos sinais de cada tempo novo que vai chegando. Antes, porém, de apresentar o nosso projeto de resposta às necessidades atuais, vou apresentar, em breves pinceladas a problemática geral dos pacientes, que suscita essa resposta libertadora. 1.O PACIENTE E SEUS PROBLEMAS INSTITUCIONAIS Não vou falar dos problemas relativos às patologias; desses falaram os psiquiatras, mas da realidade humana que vive uma pessoa afetada por uma patologia mental. Entra num circuito de tratamento, que muitas vezes se limita ao ciclo; consulta- internaçãofamília- sociedade e começa a encontrar problemas em cada uma destas etapas do seu viver. A rede de atenção à Saúde Mental, teoricamente dispõe de atendimento especializado desde o centro de saúde, ambulatório, PS, enfermaria psiquiátrica em hospitais geral e, como último recurso, o hospital psiquiátrico. Eu disse teoricamente, porque o que vemos na prática, não coincide com as boas intenções e dos documentos bonitos que se vão elaborando. As boas intenções isoladas de uma prática comprometida, não vão reverter este quadro de abandono na área da saúde. Pela desinformação, precariedade dos recursos alternativos à disposição, a dificuldade que traz consigo o lidar com esses pacientes na família e na comunidade, muitas vezes o que seria o último recurso – o hospital psiquiátrico – torna-se o primeiro e o único. De uma maneira geral, os hospitais tornaram-se lugares desumanizados; a burocracia excessiva traz consigo a despersonalização: o indivíduo transforma-se em cobaia e o hospital está-se tornando uma linha de montagem. O hospital quando é desumanizado e desumanizante tem um duplo destino: torna-se um cárcere ou uma empresa, por moderna que seja. Diz um slogan: “de modernidade podese morrer”. Eu quero afirmar, a partir da minha experiência, que de humanidade vive-se, esperava-se, cura-se. O hospital psiquiátrico não foge à regra: pelo contrário, o lidar com pessoas a quem a doença limita na capacidade de fazer opções, as escolhas nem sempre são tomadas a seu favor. Se no hospital geral o doente perde o nome para assumir o “leitor ou o caso tal”, no hospital psiquiátrico corre o risco de ser um objeto, sem voz e sem vez, porque é louco”. Em muitos hospitais, a equipe médica e técnica até existe para compor o quadro de pessoal exigido pela Secretaria ou Ministério da Saúde, mas muitas vezes o doente continua sendo o grande esquecido, distante da possibilidade de ser sujeitos participativo da sua própria recuperação. 2. O PACIENTE E SEUS PROBLEMAS FAMILIARES O ciclo quase sempre começa e acaba na família. Adoecendo também com o paciente, a família vai tentar afastar para longe do seu seio o elemento que provocava a perturbação, segundo a avaliação da maioria. Se a pessoa doente é casada, na primeira e segunda internação o esposo ainda pode ser chamado a apoiar o processo de reabilitação e ressocialização, a garantir o tratamento ambulatorial, os medicamentos etc. A maior parte das vezes verifica-se que suas visitas vão sendo mais raras e que a sua vida vai ter um rumo diferente pela orça das circunstâncias e a família vai-se diluindo, as cadeias afetivas vão quebrando e a paciente vai ficar com uma
problemática acrescida. Também os deficientes adultos quando seus pais já não podem mais cuida-los, porque a idade os impede é o momento de os irmãos muitas vezes abandonarem “aquela parte da herança” afetiva que não querem ou não podem suportar. A paciente fica entregue a uma instituição ou ao abandono. Sendo, como são, os familiares co-participantes da doença, nem sempre cumprem o seu papel de acompanhante como apoio ao processo de cura e reabilitação. Têm dificuldade em aproveitar da “educação para a prevenção” de novos surtos que lhe é oferecida durante o tempo de permanência do paciente no Hospital. O importante, para uma grande maioria das famílias, frente à deterioração dos pacientes, às dificuldades de manutenção do tratamento pela escass6ez de recursos, é manter o doente afastado da família e da sociedade. É neste trabalho de apoio às famílias que desempenham um papel importante a equipe de Pastoral da Saúde nas Comunidades. 3. O PACIENTE E SEUS PROBLEMAS NA SOCIEDADE Quando pretendemos fazer qualquer análise neste campo, precisamos estudar a realidade à luz da história. Ou seja, o estado atual das instituições com características manicômias, é fruto de “erros históricos” que a ignorância e a desumanidade permitiu. Ainda hoje, o imaginário social não parece favorável a pôr de Aldo as suas idéias sobre o adoecer mental e a reestruturar, à luz de novas concepções de doença, os sistemas de atendimento às pessoas com perturbações mentais, tornando o tratamento mais conforme à realidade do destinatário. A sociedade não tem espaços nem tempo para admitir, paciente e amorosamente em seu seio, as pessoas com ritmos psicológicos lentificados, pessoas com graus inferior de produção e muito menos as totalmente improdutivas. O ritmo de vida moderna vai deixando, “a beira do caminho... Porém convém lembrar que este é também dessas pessoas. Compete-nos, como agentes da saúde, apóia-los com critérios humanizantes, com programas e projetos onde, a par da ciência e da técnica, a História da Salvação penetre o seu próprio mistério de pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus. Disse o Prof. Adib Jatene: “Todos aplaudimos os avanços da ciência e da tecnologia. O que esperamos é que a eficiência não destrua o afeto, a técnica não elimine o raciocínio e, no mundo materializado e egoísta, o Amor não morra no coração dos homens”. Toca-nos, como Hospitaleiras, por exigência do nosso carisma, contribuir para reverter o processo de marginalização desses doentes, dentro do âmbito técnico-pastoral. 4. A NOSSA RESPOSTA Assim, perante a situação difícil de um paciente, o nosso objetivo é: revelar a pessoa, a si mesma – humanizar - de forma que, construída como pessoa humana possa aceder à revelação no sentido curador/ salvífico da fé. Porém, revelar Jesus Cristo aos homens que se encontram em situação de marginalização, é aceitar uma relação de “companheirismo” de proximidade. Estar ao lado destes doentes, para nós Hospitaleiras e para os nosso colaboradores implicam em: Dizer e fazer sentir a toda a gente que as pessoas doentes ou deficientes mentais são cidadãos com direitos e deveres, que também eles fazem parte da História e constroem a História. Lutar para criar espaços adequados e adaptados e um atendimento cada vez mais humanizado e personalizado.
Criar estruturas dinâmicas e participativas, sem cargas massificadoras, onde os direitos de cada um sejam respeitados, onde o doente seja o centro, o verdadeiro dono. Constituir verdadeiras comunidades Hospitaleiras compostas pelos doentes, seus familiares, os colaboradores, os voluntários, os estagiários e as Irmãs, como núcleo animador dessa comunidade. Oferecer um atendimento qualificado e humanizado, que promova a saúde de forma integral; física, psicológica, social e espiritual, incluindo a prevenção e reabilitação. Colaborar na formação de profissionais da saúde mental, cedendo espaço nos nossos hospitais para estágios nas áreas médicas e técnicas. Considerar a contribuição de pacientes e familiares como protagonistas da comunidade hospitaleira, criando canais e estruturas para incorpora-los nas opiniões e decisões dentro do projeto terapêutico oferecido pelos nossos hospitais. Fazer dos nossos hospitais lugares da experiência e do exercício da misericórdia de Deus, através de atitudes acolhedoras e libertadoras à pessoa que sofre (paciente ou familiar). Isto é o que procuramos viver nos vários hospitais da Congregação no mundo e, aqui no Brasil, onde estamos presentes há 30 anos, nas três casas de saúde mantidas em São Paulo e Minas Gerais. 5. CONCLUSÕES O Evangelho de Lc 6,6-8 relata a cura de um homem que tinha a mão seca. Os fariseus observam Jesus para ver se Ele curaria em dia de sábado. Jesus dirige-se ao homem e diz-lhe “Levante-te e põe-se em pé aqui no meio”. É sintomático que, dentro das preocupações pastorais da Igreja, este congresso tenha tomado o tema da Saúde Mental como centro da nossa reflexão, Nestes dias ouvimos as colocações e experiências de vários profissionais de saúde que, no dia a dia do exercício da sua profissão, tenham “colocar em pé” e tirar da “periferia” da marginalização e da manipulação, as pessoas que são afetadas por algum distúrbio mental. Hoje assistimos no Brasil a uma reforma psiquiátrica, que se faz necessária e urgente, mas que corre o risco de condenar à morte centenas de pacientes cronificados pela doença ou pelo mau atendimento. As estruturas alternativas são escassas e elitistas. A realidade de pobreza do nosso povo agrava mais ainda este quadro. Não nos deixemos seduzir pelo “canto da sereia” acreditando que todas as propostas que estão aí, em termos de legislação para essa reforma visam devolver a dignidade e a cidadania ao doente mental. O resultado é patente nas ruas e praças das grandes cidades da Europa e dos Estado Unidos e também aqui em São Paulo e em outras cidades. Eliminar pura e simplesmente o hospital psiquiátrico como o lugar de recuperação de milhares de pacientes, é condená-los precocemente à cronificação e a morte. Admitiremos como normal, que pessoas limitadas pela doença, na sua capacidade de fazer escolhas, porque todas as portas e corações se fecham, tenham como “casa” ou hospitais a própria rua? A nossa omissão neste momento em que a proibição de curar no sábado” foi substituída por “curar em hospital psiquiátrico” pode ser também uma atitude farisaica. Uma vez que me dirijo sobre tudo aos agentes da pastoral da Saúde, ao concluir estas minhas palavras quero deixar uma inquietação e um questionamento:
Nas nossas preocupações pastorais, (mesmo da PS) que espaço ocupam os doentes mentais? Numa Igreja que faz opção preferencial pelos pobres, eles não foram e são mais uma vez esquecidos ou excluídos da nossa ação humanitária e pastoral? O grande apelo que sentimos, como Hospitaleiras, seguindo as pegadas de São João de Deus e do Beato Menni, grandes samaritanos do amor, é o de não passar ao largo destas pessoas, da sua solidão e sofrimento. É este o apelo que eu faço a todos: Não passemos ao largo. Ir. Cecília da Encarnação Rocha, palestra do XV Congresso Pastoral da Saúde, tema: Saúde Mental, 4 - 6 de setembro de 1994.
BRASIL: Alternativas e Protagonistas Este artigo quer ser um pequeno resgate do que foi o processo da Segunda Semana Social Brasileira. Pretendendo repassar brevemente os sus objetivos, como se deu o processo, a metodologia e as novidades que ela trouxe e constatar as aquisições que foram feitas a partir do eixo central da ética e da subjetividade. Dentro dos quatro temas principais, procurarei resgatar o que de novo o processo trouxe em cada um deles. Finalmente, procurarei indicar alguns desafios e as novas perspectivas que se abriram a partir da realização deste importante evento. Tudo isto tendo em vista o que será possível e viável projetar para frente. 1.O QUE FOI A SEGUNDA SEMANA SOCIAL BRASIELIRA? Num momento difícil da vida nacional, após uma década de recessão econômica, de crescente pobreza, fragmentação e dispersão de forças sociais e políticas, desagregação dos serviços públicos e do próprio estado, sem uma análise precisa da realidade possíveis soluções da crise, a Primeira Semana Social Brasileira surgiu como uma iniciativa pioneira de um amplo fórum nacional aberta para o debate e busca de saídas. Na ocasião, participaram os mais diversos segmentos da sociedade. A segunda Semana Social Brasileira dá continuidade a este projeto, tanto na busca de um tema crucial e relevante para a sociedade brasileira, quanto na manutenção e ampliação de seu caráter de fórum amplo e aberto, e de sei intento de buscar saídas para a crise. Assim como a Primeira Semana Social tomou como ponto de partida o trabalho, mesmo quando o tema abordado foi o capital, a tecnologia ou o mercado. Assim também, nesta II Semana Social, foi proposto que as alternativas para a crise e a identificação dos nossos protagonistas na construção do “Brasil que queremos”, fosse levantados, a partir dos excluídos. Estiveram presentes 378 pessoas, representando todos os estados do Brasil. Em todos os momentos, os presentes puderam sentir-se os protagonistas do evento, percebendo que todos devem ser os sujeitos da construção da cidadania. Os objetivos: ser um laboratório de idéias e possibilidades, pesquisas, propostas e sugestões, sempre tendo como propósito a busca de saídas viáveis para o país. Buscou-se a construção de um país democrático, justo, solidário, alegre, igualitário e feliz, Para isto, denunciou o atual quadro de exclusão social e apontou novos caminhos, possibilidades e alternativas.
Enfim, a ética esteve presente em todas as relações, em todos os momentos. Ela deve permear sempre as relações políticas, econômicas, sociais e culturais. 2. O PROCESSO A Segunda Semana Social Brasileira não oi um projeto que caiu do céu pronto e acabado. Ela foi sendo construída de baixo para cima. Houveram poucas exposições e palestras. Tudo foi sendo construído a partir de experiências locais, vivenciadas no micro e no cotidiano; discutidas e analisadas nas regiões, nos pequenos grupos e nos plenários. O princípio que norteou todo o processo, foi o de que o povo, a partir de sua experiência pode ser protagonista de uma nova história; história de igualdade, solidariedade e justiça. Mostrou que ele é capaz de buscar e construir saídas viáveis para o país. Não estava bem claro para todos aonde o processo poderia nos levar. Era uma construção coletiva e como tal deveria, no caminho, apontar para os rumos que os seus protagonistas indicassem. Oi unânime a avaliação de que o novo método permitiu um protagonismo dos sujeitos emergentes e dos caminhos por eles encontrados, trazendo ânimo, esperança e ata mesmo entusiasmo, desde o início dos trabalhos. Podemos afirmar que o projeto voltou a empolgar a militância cristã, que estava dando sinais de cansaço e desânimo. 3. A METODOLOGIA Um dos pontos que merece destaque, é sem dúvida, a metodologia adotada. A preparação consistiu na realização das semanas sociais diocesanas, mais de cem, e 16 semanas regionais. O resultado das mesmas foi recolhido num Seminário Nacional e sistematizado no “Instrumento de Trabalho: Brasil, Alternativas e protagonistas”. Na Semana Nacional, houve apenas dois momentos de palestras: na abertura e no profundamento do eixo central: ética e subjetividade. Todos os demais trabalhos consistiram no envolvimento dos participantes em sua globalidade; no diálogo com respeito à pluralidade, em plenários nos quatro módulos temáticos, pequenos grupos, encontros por regiões, momentos de criatividade e plenária geral. Houve, também, “troca” entre os grupos e dos assessores com os grupos. Segundo os participantes, esta metodologia foi algo de novo na semana, permitiu que todos se sentissem os verdadeiros protagonistas da mesma. Esta metodologia fez emergir algumas novidades que passo a Alencar. 3.1. A preparação mais demorada, desdobrando-se ao longo de quase dois anos, levada a cabo por todo o país e que resultou numa centena de semanas diocesanas e 16 regionais. 3.2. A confecção do “Instrumento de Trabalho”, extremamente rico e pertinente e que relançou o debate, a partir de um plataforma aberta mais consistente. 3.3. A escolha do duplo eixo: o regional atento à caminhada local e à diversidade do país e dos problemas e o temático, permitindo ascender, de baixo para cima e na perspectiva do movimento popular, às grandes questões nacionais. 3.4. O método utilizado: partindo-se do relato das experiências, do aprofundamento das mesmas, do cruzamento com novas dimensões e questões suscitadas nos outros plenários temáticos, repensar o todo, a partir das regiões e do horizonte das exigências éticas. 3.5.A partilha da riqueza cultural, pela incorporação dos artistas nos grupos e plenários, na noite cultural e na animação permanente, além do teatro. 3.6. A atenção ao momento nacional, concretizada em dois eventos: no debate com os presidenciáveis e na oração pelo Brasil, na Praça dos Três Poderes. Nestes dois
momentos, por meio do rádio e da TV, grande parte da opinião pública, esteve parte da opinião pública, esteve sintonizada com a semana. Pro meio das perguntas os presidenciáveis, os participantes puderam fazer chegar até eles as nossas grandes preocupações sobretudo a partir da preocupação e do enfoque ético. 3.7.a participação ecumênica. Percebeu-se que há muitas outras igrejas e pastores preocupados com a cauda da justiça, da cidadania, da Ática bem como com a busca de saídas para o país. 4. O EIXO CENTRA ÉTICA E SUBJETIVIDADE Em todo o processo, a Ática, eixo, central, perspassou os quatro temas, as semanas sociais regionais e a realização do evento final. Como pano de fundo, ela apareceu traduzida não apenas como indignação, mas em crítica ao sistema vigente, em nova maneira de elaborar as propostas de saída para a crise e de lidar com a definição dos meios na consecução dos fins. O Ensino Social da Igreja norteou a discussão em torno da ética. Foram destacados os seguintes princípios: a) A dignidade da pessoa humana como exigência fundamental na elaboração de um projeto estratégico alternativo; b) O Bem Comum buscado, no respeito tanto dos espaços privados como dos públicos. Neste sentido, todos são chamados a definir e implementar organizações que compõem a vida em sociedade. É o que expressa o princípio da subsidiariedade; c) O valor do trabalho e de quem produz como centralidade em qualquer sociedade que assuma a dignidade da pessoa humana; d) Os pobres são os juízes da vida democrática de ma nação, isto é, a situação que vivem os pobres é o critério para medir a bondade, a justiça, a moralidade da organização sócio-econômico-político de uma sociedade; e) A organização econômica não pode ser um fim em si mesma. Ela é subordinada ao atendimento das necessidades básicas dos cidadãos. Pois a pessoa humana é o princípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais; f)a primazia do trabalho sobre o capital, o que significa que o econômico deve ser subordinado ao social; g)A subordinação da propriedade privada à realização do fim que é a destinação universal dos bens. Isto é, a propriedade privada só se justifica e é legítima se contribuir para que a destinação universal dos bens seja alcançada; h)A relação da pessoa humana e a natureza tem que ser definida na busca da qualidade de vida das pessoas no presente e das gerações futuras; i)A pessoa humana é vocacionada à liberdade. A experiência da liberdade é sempre de novo a experiência de ser chamado contra todo tipo de coisificação; j)A realidade sócio-econômico-cultural nunca é algo natural, mas sempre um desafio à audácia da pessoa em ordem à construção de um mundo livre e solidário. A Semana mostrou que os Novos Sujeitos emergentes são portadores de valores éticos, que vão dando um novo rosto à sociedade. O centro de sua prática está na pessoa, sujeito de muitas relações. As ações das pessoas têm como objetivo central o respeito e a promoção da vida plena para todos. Esta vida tem dimensões de integridade, alcançando a subjetividade, a espiritualidade, a convivência democrática, a cultura do reconhecimento diferente, a cultura da alegria e da festa, a convivência com a natureza, a vivência da relação com a terra como a mãe da vida e como casa e meio ambiente de todos os seres vivos.
5. OS TEMAS CENTRAIS Os quatro temas principais foram: o desenvolvimento econômico, a cidadania X a dominação política e cultural, o estado democrático e os sujeitos populares e os valores emergentes. Estes foram tratados cada um em seu módulo temático. 5.1.O desenvolvimento econômico Foi unânime a constatação de que não podemos continuar seguindo pelo mesmo caminho. A economia não pode ser um fim. A finalidade da economia é a felicidade humana. Ela é um meio para satisfazer as necessidades sociais. Em vista disso, é urgente que se faça uma inversão nas prioridades, colocando a economia a serviço da vida, realizando para tanto as mudanças estruturais que sejam necessárias. O modelo que rege esta economia, decide tudo de cima para baixo. Trata-se de resgatar a construção do novo, de uma alternativa, de uma economia onde os sujeitos populares é que tenham a iniciativa e dedicam a sua vida e a sua história, autonomamente, a partir das bases, num novo projeto de desenvolvimento. Uma sociedade que tenha como centro a pessoa humana, não pode aceitar este modelo de desenvolvimento que relega à exclusão e à apartação sócia e econômica a grande maioria da população. O atual modelo apresenta grandes distorções tais como a concentração de propriedades, economia informal, distorções na tributação, não atendimento ao mercado interno, tecnologias defasadas. O novo modelo deve se basear na solidariedade e na justiça social e numa mudança nos padrões de consumo. 5.2. O Estado democrático Um estado que seja democrático, não deve pairar acima da sociedade, mas enraízase nela e refletir o maior ou menor grau de democratização existente na própria sociedade. A democratização efetiva de regulação da justa distribuição dos bens e serviços. É necessário acabar com a submissão do Estado aos interesses privados; combater as práticas de corrupção; controle externo dos Poderes Constitucionais; criar uma verdadeira cidadania ativa pela participação nos conselhos, elaboração dos orçamentos, partidos políticos, fóruns, comitês e parcerias. É preciso construir espaços solidários ou espaços públicos não estatais por meio de redes de movimento, parceria, campanhas de solidariedade. É preciso combater a ofensiva ideológica e política neo-liberal mostrando que uma integração meramente econômica é sempre empobrecedora. Te consciência de que a democracia é uma construção sempre inacabada, é preciso construí-la continuamente. Enfim, trata-se de superar a “concentração política”, pela publicização e descentralização do aparelho estatal. 5.3. Cidadania X Dominação Política e Cultural Apostar na construção da cidadania significa afirmar a urgência de se concretizar, e para todos os cidadãos, o acesso à terra, à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao conjunto de direitos sócias garantidos pela Constituição Brasileira. Percebeu-se claramente que o respeito à dignidade humana e a luta por melhores condições de vida para todos os excluídos, passa necessariamente pelas questões culturais, pela aceitação das diferenças e pelo resgate dos conflitos como um elemento positivo. Por outro lado o processo de democratização impõe novas posturas e ações que buscam interferir nas relações cotidianas. É necessário ressaltar no processo de constituição da cidadania o resgate da espiritualidade, da mística como elemento importante da condição humana.
Além disto, na nova metodologia de educação popular é preciso resgatar o corpo, o lúdico e a emoção, sem abandonar o racional. Um ponto fundamental é a democratização dos meios de comunicação social. 5.4. Sujeitos e valores emergentes Os Sujeitos Emergentes, tem ousadia e são teimosos. São testemunhos vivos de esperança. São eles que vão construindo um Projeto alternativo diferente, solidário e justo. São os pobres que estão se organizando. É o rosto do povo. Os conflitos sócias dão visibilidade aos sujeitos. Falam de si e de seus problemas. Seus valores são abertos a todos e sem interesse corporativista. Estes valores, na Semana Social, perpassam todos os demais módulos temáticos. São abertos ao diálogo e desejosos do novo. Nas relações e conflitos se fazem construtores de sua história, na busca incansável de superação dos limites que impedem a plenitude da vida. Afastam-se de valores tradicionais como o coronelismo, o clientelismo, o corporativismo e a “política familiar”; aproximam-se de novos valores como a solidariedade, a justiça, a pluralidade e buscam trabalham em parceria com outros segmentos da sociedade. Com sua prática podem superar a racionalidade instrumental ou econômica baseada nos princípios de propriedade, liberdade e respeito aos contatos e criar uma nova racionalidade ética. Esta, aponta para outros princípios como a igualdade, solidariedade e a justiça. Vê as pessoas como seres humanos carentes e não apenas como consumidores que provocam demandas às quais o mercado deve responder. 6. PERSPECTIVAS Diante de todo o processo realizado e que continua em aberto, surgem várias perspectivas, seja para a Igreja, seja para o Setor Pastoral Social da CNBB. Tanto para a Igreja como para o Setor Pastoral Social ficou evidente que todo trabalho, para que tenha algum tipo de incidência, deve-se dar cada vez mais de forma articulada. O trabalho isolado das pastorais, das dioceses e igrejas particulares, não leva a lugar nenhum. Ficou evidente, também, a necessidade do respeito à pluralidade e à diversidade. Não importa a crença, ou o credo político. O importante é que, a partir das características de cada grupo, é necessário somar forças em torno de um projeto comum. Para isto é necessário saber trabalhar em parceria, tendo sempre, como objetivo principal, a defesa e promoção da vida. Mais do que nunca é necessário ter uma postura propositiva. Isto não quer dizer que deva abandonar a denúncia. Ela deve continuar a ser feita. Não deve, porém, estar sozinha. Deve vir acompanhada de proposta em vista da construção de um novo projeto de sociedade que supere o atual quadro de exclusão e de apartação social. Finalmente, ficou claro que o Brasil que queremos, economicamente justo, politicamente democrático, socialmente eqüitativo e solidário e culturalmente plural, será um novo projeto fruto de uma construção coletiva e solidária. Todos os segmentos da sociedade devem contribuir para construção do mesmo. Pe. Luiz Bassegio: Assessor do Setor Pastoral Social – CNBB – Presidente do Seviço Pastoral dos Migrantes. Palestra proferida no XV Congresso de Pastoral da Saúde, 4-7 de setembro de 1994.
Uma Conversa Com Agentes de Saúde Sobre a Saúde Mental Arquidiocese de Vitória / ES – Pastoral da Saúde – Grupo de Trabalho do Movimento da Luta Antimonicomial Nesta pequena apostila, tenho a intenção de relacionar alguns itens importantes sobre um trabalho na área de Saúde mental orientado principalmente à possível contribuição do agente de saúde. Teremos de pensar o que é saúde em si, para estendermos essa noção para a saúde mental. Isso para situar como é importante o trabalho de promoção e prevenção da saúde, pois tendemos a achar que só trata da saúde quando adoecemos, ou precisamos da assistência mais especializada. Portanto, voc6es têm um papel fundamental! CONCEITO DE SAÚDE A saúde envolve fatores biológicos, sociais, econômicos, psíquicos e culturais, como nos exemplos: Biológicos – A resistência ou imunidade do meu organismo. A genética em si – posso ter uma doença do coração congênita, já nasci com ela. Sociais – Posso morar em uma cada de “pau a pique”, estuque, e isso ter facilitado pegar a “doença-de-chagas”, porque o Barbeiro, que é transmissor, gosta desse tipo de parede para fazer casa. Econômicos – Se não tenho dinheiro para me alimentar corretamente, vou certamente adoecer por falta de nutrientes – Escorbuto por falta de vitaminas C etc. Psíquicos – Se na infância não tive apoio e afeto daqueles que me “cuidaram”, provavelmente terei problemas para me relacionar comigo e com meu meio social. Culturais – Preciso de Hábitos de higiene que sejam ensinados e cultivados pelo meio social. O lavar as mãos antes de preparar os alimentos, após o uso do banheiro, pode evitar uma série de doenças. Bom, podemos pensar que esses fatores às vezes são tão próximos que se confundem. Um menino que não teve apoio emocional na infância, porque pensava que “o homem tem de ser forte”, “não pode chorar” ou “se tiver muito carinho pode içar efeminado”( é uma crença cultural), determinou-lhe um “adoecer psíquico”, que depois provocou um “adoecer físico”, pois esse menino, que ao longo dos anos nunca pôde expressar suas emoções, acabou tendo problemas do coração (enfarte), porque só sobrou essa “saída” para duas emoções... Por aí, vemos como a saúde em si é uma coisa global que depende de todos esses fatores. A Saúde Mental é a mesma coisa. Temos de considerar esses mesmos fatores. São as condições de vida de um modo geral que contribuem para o bem-estar e manutenção da saúde. Mas vamos falar de como atuar para abranger a saúde mental, levando em conta todos esses fatores. SAÚDE MENTAL O campo da saúde mental poderá ser dividido nas seguintes áreas de atuação: prevenção, promoção, assistência, pesquisa, formação. 1. PREVENÇÃO Prevenir é evitar. Como? Observando as condições de saúde. Informando sobre atitudes adequadas, por exemplo: se explicarmos ao tentar esclarecer o que queremos em
vez de impor nossa atitude, podemos obter a colaboração dos demais, assim evitando também uma situação de conflito desnecessária. Esse evitar não é fugir da situação, mas observa-la. Uma educação correta e equilibrada aos filhos também é forma de prevenção (digo de educação social e não a escolar). São atitudes que visam à manutenção da saúde mental, evitando criar condições que a deteriorem. Por exemplo: ao educar meu filho, tenho de dosar a permissão e a negação. Não posso deixar que faça tudo o que quer, mas também algo devo lhe permitir. Isso tem de ter uma lógica e não pode ser por puro capricho do tipo “você vai fazer porque eu quero e acabou”. Por outro lado, tenho de tentar passar o porquê dos deveres ou negações. Se deixo fazer tudo que ele quer porque sinto pena de privar a criança, na realidade estou irando-lhe a chance de aprender a suportar as privações, que na vida são muitas. Depois, quando a mãe faltar, ninguém vai querer “passar a mão” na cabeça desse filho, e aí ele vai sofrer muito mais, podendo até adoecer, psicologicamente falando. Então educação correta e diálogo são formas de prevenção, entre outras. 2. PROMOÇÃO A promoção quase se confunde com a prevenção, mas seriam atitudes em que explicitamente se quer melhorar o estado de saúde, como as atividades de lazer que são até conhecidas como “higiene mental” ( não é à toa). O esporte serve como válvula de escape de tensões. Centros de convivência, com atividades de integração social também promovem a saúde como um todo. 3. ASSISTÊNCIA Esta área seria a mais conhecida popularmente e nos faz até esquecer que ‘”tratar” da Saúde Mental envolve as demais áreas. É onde o atendimento é prestado diretamente ao indivíduo que solicita uma ajuda específica (do psicólogo, do psiquiatra, do enfermeiro etc.). Envolve o tratamento medicamentoso, psicoterápico, orientações diversas e todo tipo de assessoramento aos problematizados mentais e sua família. 4. PESQUISA Aqui entrariam o estudo científico dos problemas e fatores envolvidos, o desenvolvimento de técnicas, modelos de intervenção, medicamentos e efeitos na população, suas condições de vida e correlação com o adoecer psíquico, entre outros. 5. FORMAÇÃO É a capacitação técnica para lidar com a área de Saúde Mental (é o que vocês fazer ao iniciar este curso). O técnico/profissional será um reprodutor do modelo de ideologia vinculado ao seu aprendizado. Se pensamos que Saúde Mental trata do “doente mental” apenas, e não da população como um todo, vamos pensar que somente psicólogos ou psiquiatras podem atuar nessa área. Saúde Mental tem de tratar da saúde, e ao o papel importante dos agentes de saúde. Bom, entrando na capacitação técnica, a seguir vamos abordar algumas “ferramentas” para o trabalho: a) Noção de Psicopatologia O que torna a nação de “doença”nesta área um assunto difícil é o fato de que os limites entre o que é ou não normal são muito relativos. Ou seja, dependendo da situação, o meio cultural ou da pessoa em questão, determinada atitude pode parecer ou não normal para mim. Agravado pelo fato de que o parecer “normal” para mim pode parecer “não normal” para você. E então, como saber se há ou não algo de “doença” no caso que vamos ajudar?
Por isso é que na saúde mental é famosa a frase: “... cada caso é um caso...”E para o agente de saúde como se referenciar em parâmetros para os eu trabalho? A princípio, para evitar confusões e cenas desagradáveis, é importante refletirmos que o essencial no tipo de trabalho que vocês desenvolvem é poder discernir se há um sofrimento psíquico ou relacional (dificuldades extremas de relações entre as pessoas) em questão. Se a pessoa, família, grupo ou comunidade está sofrendo, já é o bastante para você oferecer sua ajuda. Se a pessoa é “louca”, se “parece mas não é”, não é necessário que você dê sua opinião ou veredicto. Pois nestes casos uma má opinião pode ser fator de agravo do quadro em questão. No capítulo Regras de Comunicação Terapêutica, falaremos um pouco mais sobre como acolher alguém que visivelmente está passando por um sofrimento psíquico. Como acolher para poder encaminhar às unidades de Saúde responsáveis por prestar a devida assistência. Pois você vai só ajudar a encaminhar, e não resolver o problema. Neste campo, geralmente nossos medos e preconceitos entram em cena ao observarmos um sofrimento psíquico. Às vezes até duvidamos se a pessoa está sofrendo ou fingindo. Em outros casos nossa própria segurança física ou psíquica é ameaçada (agressões, viol6encia). Há também os extremos: quando alguém é levado a tirar a vida de outro. No mais comum, há toda sorte de tristezas, desilusões, frustrações, perdas, decepção, golpes duros da vida. Dificuldades afetivas, no trabalho, no reconhecimento social, nas dependências, na conquista de uma vida pacífica e digna que em maior ou menor grau vão desestruturar o ser humano: tudo dependerá de como ele vai receber e passar por tais situações. Como podem ir vendo, são muitos os fatores e complexas as relações que nos garantem a saúde ou a doença: física ou psíquica. No caso de vocês, é imprescindível a disponibilidade para ouvir o outro, a segurança própria ao praticar qualquer tipo de ajuda. Sabendo o que e por que estão fazendo; e quais os efeitos disso sobre vocês e suas famílias. b) Regras para comunicação terapêutica Depois de termos um breve panorama dos quadros existentes no leque dos “problemas mentais”, vamos falar um pouco de como comunicar-se com alguém que passa por algum transtorno dessa natureza. 1.Primeiramente, como já dissemos anteriormente, é fundamental escutar mais do que falar ou querer “reconfortar”. Mas para que essa escuta? Ou melhor, escutar o quê? Vamos pensar que cada pessoa é um universo isolado ou que fale uma língua que nós não conhecemos. Para entende-lo temos de aprender o seu próprio vocabulário e aos poucos passar o nosso. É um aprendizado, e através dele a própria pessoa nos dará as dicas de como poder ajuda-la, ou mesmo se necessita de ajuda. Refreando nosso impulso de querer “ensinar”com fazer e aprender com o outro, podemos descobrir que se tivéssemos começado a conversa, o assunto que iríamos tocar seria a gota d’água para que a pessoa se revoltasse com a atual situação, e assim por diante. Evitamos “gafes”, além de poder ganhar a confiança da pessoa, por ela sentir que lhe damos espaço para que se expresse sem atropelá-la com nossas expectativas. Aí entramos no segundo ponto. 2.estabelecimento de Vínculo: A criação do vínculo é o elo de confiança que se estabelece entre aquele que sofre determinada situação e o que se propõe a ajudar. Nasce do respeito e não da imposição de uma hierarquia. Posso ser médico e meu paciente não seguir o tratamento indicado por que não confiou em mim, não fez um vínculo favorável.
Através do vínculo, podemos fazer com que alguém não abandone um tratamento ou que realize tarefas não tão agradáveis, porém necessárias para o restabelecimento do equilíbrio interno. 3.Honestidade: A manutenção do vínculo vai depender da honestidade e respeito com que tratamos os indivíduos. Se alguém sentir que foi “traído” ou enganado pela pessoa em que depositou confiança, ficará mais difícil uma abordagem posterior. Com isso temos de tomar cuidado com as “alianças” que fizemos com a família de algum psicótico que necessita um procedimento de urgência e otimismos que o estamos levando a uma Unidade de Saúde ou tentamos chantageá-lo para que “facilite” nosso trabalho. 4.Atenção e mímica facial: Tente observar a pessoa como um todo, sua fala pode dizer algo mas seu rosto ou corpo dizem o oposto. Às vezes leva-se um tempo para entender qual a real vontade ou intenção da pessoa e qual o lado que está funcionando como uma defesa. Observar a mímica fácil pode nos alertar para algum conflito vivenciado internamente e que pode desencadear em alguma “agressão”, que nada mais é do que uma defesa a essa vivência (lembrando que alguém que experimenta um processo alucinativo e delirante responderá à lógica dessa viv6encia, e não talvez ao dado que nós temos da realidade). Essa observação permite que não sejamos nós os “agressores” e saibamos acatar ou controlar com antecedência esse tipo de situação. 5.Relaxamento e tranqüilidade: Apesar da atenção, não temos de demonstrar tensão. Num diálogo também somos observados quando à coer6encia entre nossa fala e nossos gestos e ações. Se demonstro medo ao estar diante de alguém, esta pessoa poderá perceber e utilizar isso como arma e nos ameaçar. Temos de ser honestos conosco para podermos transmitir isso aos demais. 6.Preconceito: Novamente vamos chamar a atenção sobre nossa postura diante de quem vamos ajudar. Temos de deixar de lado nosso preconceito para podermos aceitar o conteúdo e vivências que estas pessoas podem nos apresentar. Poderão ser pessoas iguais a nós ou totalmente o oposto. Estamos abertos para acatar o que vier? Por isso jamais devemos julgar as atitudes. C) TRABALHO COM A FAMÍLIA Algumas informações sobre a “dinâmica” familiar: 1.Se existe alguém com algum problema mental, provavelmente toda a sua família vai merecer apoio e atenção. Apesar de o problema parecer ser “do fulano”, ele por fazer parte de um grupo familiar tem a função de “manutenção” deste grupo. Muitas vezes ele serve de “bode expiatório” ou “válvula de escape’ para todas as tensões internas do grupo familiar, como sendo a ‘única coisa que não funciona bem”. Mas na realidade, além do próprio problema, são despejadas sobre a cabeça deste indivíduo todas as falhas dos demais membros. Por isso se vamos tratar de um, este um vai mexer no “equilíbrio” de todo o resto. Ele não vai ficar mais como a “lata de lixo’ de sua família, e cada um vai ter de assumir suas próprias falhas. É por isso que a atenção é para toda a família. 2.Além desse fator de “remanejo” no equilíbrio do grupo, há o fato de que a família também será o elo de manutenção do tratamento. Ela deve ser orientada sobre a importância do tratamento e dos meios necessários (profissionais, locais e atendimento, efeitos de medicações e seu controle etc.) para o seu sucesso. E é por causa do item 1 (do “equilíbrio familiar”) que muitas vezes a própria família “boicota” o tratamento, ou então
porque passa a ter um ganho financeiro com a situação de doença. (Por exemplo: manter internado um paciente em Hospital Psiquiátrico, quando poderia ser cuidado em casa, tirando o “benefício doença” deste paciente = seu salário pago pela Previdência, sem ter gasto algum com ele). Por aí vemos que uma cuidadosa abordagem tem de ser feita com a família. Temos de distinguir o que a família quer e o que a pessoa com problema mental quer/ necessita. Às vezes são opostos, porém devemos tentar a colaboração da família, mas ter cuidado com as “alianças”. Devemos deixar claro os objetivos e priorizar o paciente (lembrando dos itens de vínculo e honestidade necessários à manutenção do tratamento). 3.Como vimos acima, uma família pode estar se beneficiando economicamente do problema mental de algum membro. Sabemos também da realidade de miséria da maioria das famílias brasileiras e do trabalho e atenção que qualquer pessoa com dificuldades mentais requer de sua família, sendo por vezes improdutivo e diminuindo o poder produtivo dos seus membros, ao terem de se voltar para este indivíduo. Por isso não passa por condenar exclusivamente a atitude da família citada anteriormente. Os problemas mentais envolvem problemas sociais, porém é com toda a estrutura social envolvida em uma mudança que eles serão superados. A família e, por extensão, as comunidades são responsáveis pela mudança. Aí está o foco de atenção para um trabalho mais profundo. É vital a reinserção social desse indivíduo com problema e o apoio à sua família, bem como a valorização de sua capacidade produtiva. Como abordar tudo isso? Falaremos no próximo tópico. d)AGENTE DE SAÚDE Vamos tentar focalizar aqui o papel do agente de saúde em meio a todos esses “problemas” levantados: Em primeiro lugar temos de tomar consciência de que seremos uma “ponte” entre os que necessitam de apoio e uma rede mais especializada de ajuda. Porém a ponte também faz parte do caminho, e provavelmente o primeiro contato com situações críticas será feito por voc6es. Ainda ninguém deu um “diagnóstico”, e vocês serão chamados a ajudar por serem os “mais próximos” e por acharem que vocês saibam como tentar resolver ou procurar a ajuda certa para o problema. Mas além disso vocês podem ser um fator de Mudança Cultural. Se vocês sabem que há formas diferentes de tratar uma questão, podem passar essa nova, realidade para sua comunidade. Podem conscientiza-la de que apenas “internar” alguém não resolverá o problema, mas que uma abordagem mais ampla tem de ser feita, incluindo família, comunidade e sistema de saúde. O agente de saúde tem de estar sempre alerta e denunciando situações de desrespeito ao problematizado mental. Por exemplo, em um Hospital Geral é comum pacientes internados com um problema clínico qualquer (cardíaco, suponhamos) que, se passam por uma “crise”mental, são “abandonados” pela equipe, como que não tendo mais o quadro clínico por agora apresentar fatores psiquiátricos. Aí o agente de saúde pode tentar alertar a equipe e exigir o tratamento clínico merecido pelo paciente. Outra forma eficaz de auxílio é através de informações. Informe-se sobre: tipo de tratamento existente, locais, endereços, telefones, profissionais, se da rede pública ou não, sistema de vagas, e até mesmo sobre o tipo de tratamento que deveria existir. Vocês continua sendo a ponte. E pode juntamente com a comunidade ajudar a construir o “local de chegada” exigindo os serviços de saúde necessários. Atualize sempre sua agenda com essas
informações e mantenha também um vínculo com essa rede de atenção. Assim você poderá indicar eficientemente uma solução. Nesse “informar-se” também incluímos cursos com este, em que vocês possam ser aprofundar nos conhecimentos para melhor auxiliar, sem no entanto passar a “medicar-se por conta própria”. Saibam que vocês também podem requerer auxílio ao abordar um problema e não se espera que vocês resolvam tudo sozinhos. É um “elo” da corrente, necessário e importante,mas que está na corrente. O agente de saúde, dando “supervisão” à família, pode alertar quando à importância de não abandonar o tratamento ou conscientiza-la de sua participação no processo. (Verificar se a medicação está sendo seguida, datas de retorno à consulta, duração dos remédios, a situação de graves nos postos e alternativas possíveis etc.). Outro ponto importantíssimo de atuação: repensar junto à comunidade a possibilidade de oferta de atividades nos centros comunitários para a promoção da integração social, como atividades manuais e oficinas que poderiam ser ministradas por membros da comunidade. Com isso, além da integração social pode surgir uma forma de manutenção econômica alternativa, valorizando a capacidade e potencialidade de todos os membros da comunidade. e)APOIO TÉCNICO Diante da tarefa a ser realizada, alertamos que pode ser necessário recorrer a especialistas para dar suporte ao trabalho do próprio agente de saúde. Esse “suporte” pode ser dado através de “grupos de estudos de casos”, onde podem ser relatados casos em acompanhamento com discussão sobre procedimentos a ser adotados, textos que auxiliem nessa particularidade, reciclando o aprendizado na experiência. Sempre alertando sobre a dinâmica do “Singular X Generalizado”, outra forma seria uma supervisão solicitada pelo próprio agente de saúde, em que poderá discutir suas dificuldades diante dos problemas que enfrentam, clareando seus “ponto cegos”, ou seja, aprendendo a separar quando a dificuldade está no problema em si ou na forma como me posiciono diante dele. (Por exemplo: se pessoalmente condeno o uso de drogas, posso ter dificuldades em dar apoio a um drogaticto, assumindo uma atitude moralista e autoritária e não permitindo a aproximação e formação de vínculo necessário para o início de um tratamento. Aos olhos do dependente de droga, eu representaria mais um que não está disposto a um diálogo, demonstrando rejeição – (como ele confiaria em alguém que já lhe diz que não o aprova?...). O primeiro passo será sempre tomar consciência das próprias limitações e trabalhar sobre elas. A solicitação deste “apoio técnico “deve ser pensada a fundo, na medida em que o grupo sinta necessidade. O movimento da Luta Antimaniconial tem interesse em prestar esse tipo de apoio, por entender que a saúde mental será efetiva quando houver uma rede de multiplicação de ações em todos os níveis, e que todos temos algo a contribuir: CONCLUSÕES Esperamos que esta apostila possa auxiliar na tarefa do agente de saúde e que este se torne um agente de mudança cultural, sendo o porto-voz de uma possibilidade de atenção integral à saúde e aos cidadãos. CONSCIÊNCIA, CORPO E MENTE
O presente estudo comporta quatro partes. A primeira almeja esclarecer pela sua trajetória história a questão do monismo substancial do ser humano em relação ao dualismo (platônico e cartesiano), hoje sumamente depreciado, e à trilogia que não carece de atrativo corpo-espírito, sabendo que o vocabulário das antropologias é dos mais diversos, flutuantes e variáveis. A segunda parte almeja relacionar o conjunto do ser humano com suas operações conscientes e inconscientes, com seus estados sadios ou mórbidos, e com a panóplia tão ampla das terapias pela fé do crente ou pelo saber dos entendidos. A terceira parte relaciona psicologia e religião, psiquiatria e ética, e, de modo geral, abre sobre os vários tipos de orientação da mente alheia. Com a quarta parte chegamos às fronteiras críticas das articulações do corpo e da mente, não sem percebermos ameaças de divórcio, de uma maneira ou de outra. Após dois milênios de discussão acerca do relacionamento do corpo e da alma, seria insensato pretender trazer a solução desse enigma. As explicações mais complicadas e abstrusas sem sempre trazem sequer uma modesta luz; algumas, entretanto, nos permitem agora avançar um pouco. Quem lida com problemas de saúde em relação com o conjuntos da pessoa precisa de uma informação orientadora com vista a situar os problemas envolvidos. Se o relacionamento corpo-espírito fosse um problema simples já estaria resolvido; se fosse secundário, não constituiria ainda um debate recorrente, de fundo, das ciências psico-humanas. “A natureza inventa coisas muito mais complicadas do que tudo quanto podemos imaginar. Devemos considera-la com recato”, sugeriu Pierre-Gilles de Gennes, Nobel de Física em 1991. Na realidade, na definição da alma e do espírito defrontam-se até hoje as correntes filosóficas e religiosas as mais diversas, garantia de nãosolução definitiva desse “nó antropológico”. Quem tem um interesse não apenas especulativo, mas também prático para si ou para os outros, não pode desprezar a funcionalidade das conceituações: a priori serve aquela que gere melhores resultados empíricos, sem chocar-se com os princípios que achamos não-negociáveis. Sem mais ter de salientar a oportunidade desse tipo de ensaio, passamos a indicar o caminho que empreenderemos. I. Como se concebeu a constituição do ser humano? Nossa indagação deve ser situada na trajetória histórica que a permitiu: 1) história das concepções do ser humano; 2) evolução biológica do corpo no decorrer dos milênios; 3) dialética entre unidade e dualismo; 4) abertura numa terceira dimensão. II.Após ter delineado a estrutura físico-espiritual do ser humano, convém observar como funciona a articulação orgânica-mental: 1) a consciência desperta e evolui num condicionamento físico-orgânico; 2) a saúde apresenta a mesma dupla vulnerabilidade (questão da psicossomática); 3) mas a terapia pode também operar a partir dos dois pólos – orgânico e mental; 4) o que ilustramos com exemplo de terapias do Oriente e do Ocidente. III.Psicologia e religião; 1) é o ser humano global que, geralmente, está à procura de um sentido para ele e para o mundo; 2) a psiquiatria levanta alguns problemas para a antropologia teórica e a pastoral prática; 3) outro encontro fecundo é o da psicanálise com os valores morais; 4) deixando a cada um a faculdade de se fazer orientar por rum guru de sua escolha no amplo leque em que se situa. IV.Resta tentar ir até os limites da movimentada união entre espírito e corpo: 1) doenças mentais e psicoterapias; 2) o que admitir, o que entender das curas paranormais? 3) com a morte, tudo desaparece ou a pessoa prossegue, de oura maneira? Com ou sem corpo com grupo de que modo, de que mundo? 4) encerraremos com algumas observações finais. Hubert Lepargneur – Papirus Editora – 1994 – São Paulo, SP.