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Ano XII – n.º 118 – dezembro de 1994. Primeira Coríntios 1,3 HOJE Se eu aprender inglês, francês, espanhol, Alemão e chinês e dezenas de outros idiomas, Mas não souber me comunicar como pessoa, De nasa valem todas as minhas palavras. Se eu concluir um curso superior, andar de anel no dedo E requentar cursos e mais cursos de atualização, Mas viver distante dos problemas do povo, Minha cultura não passa de uma erudição. Se eu morar numa cidade do interior Mas desconhecer os sofrimento da minha região, E fugir para as féria na América ou na Europa E nada fizer pela promoção do homem, não sou cristão. Se eu possuir a melhor casa da minha rua, A roupa mais avançada do momento e o sapato da onde, E não me lembrar que sou o responsável por aqueles Que moram na minha cidade, Andam de p’r no chão e se cobrem de sujos e de molambos, Sou apenas um manequim colorido. Se eu passar os fins de semana em festas, boates, farras e programas, Sem ver a fome, o desemprego, o analfabetismo e a doença, Sem escutar o grito abafado do povo que se arrasta A margem da história, não sirvo para nada. O Cristão não foge dos desafios de sua época. Não fica de braços cruzados, de boca fechada, de cabeça vazia. Não tolera a injustiça nem as desigualdades gritantes do nosso mundo. Luta pela verdade e pela justiça com as armas do amor. O cristão não desanima, nem desespera Diante das derrotas e das dificuldades, Porque sabe que a única coisa que vai sobrar de tudo isso é o AMOR. (autor desconhecido) Encontro Nacional da Coordenação e Representantes da Pastoral da Saúde – CNBB No dia 9-10 de outubro, reuniu-se em São Paulo no seminário São Camilo (Ipiranga) a coordenação nacional da Pastoral da Saúde e representantes de 10 regionais da CNBB. Participantes: a) representando as regionais: Ir. Oldina Baraecki ( Norte – diocese de Jiparaná); Karin Gionvanella (Regiona; Sul 4); Maria Denise de Assis ( Regional NE V):


Maria Ambrozina Maia (Babi) e Lourdes Magalhães ( N|Brasília – DF); Maria da Penha do Sacrário ( Vitória – ES); Sérgio Menezes Helmuth ( Santa Maria – Regional Sul 3); Maria José Silva ( Belo Horizonte); Ir. Lúcia Hertz ( Dourados – MT); Maria Zuleide e Silva ( Campo Grande – MS). b) Da equipe de articulação: Pe. Christian de Paul de Barchifountaine; Ir. Maria Scheidel; Pe.Leocir Pessini; Ir. Catarina Pereira de Figueiredo (CRB); Ir. Cacilda Hammes e Pe. Luiz Basségio ( CNBB – Pastoral Social). Entre os OBJETIVOS PROPORSTOS procurou-se partilhar, celebrar a refletir sobre a caminhada; dar continuidade à articulação nacional da Pastoral da Saúde e programar as atividades para 1995. O encontro foi assessorado pelo Pe. Luiz Bassegio, assessor da Pastoral Social, que fez uma análise de conjuntura e a missão da Igreja neste contexto levando em conta as conclusões da II Semana Social Brasileira para a área da saúde. Foi eleita uma NOVA COORDENAÇÃO NACIONAL tendo a frente o Pe. Léo Pessini, camiliano coadjuvado pelas seguintes pessoas: 1) Pe. Christian de Paul de Brachifountaine (São Paulo); 2) Maria Denise de Assis (NE 5); 3) Ir. Oldina Barechi (Rondônia – Norte); 4) Maria Ambrozina Maia (BABI) – Brasília (DF); 5) Lúcia Hetz (Centro-Oeste); 6) Karin Giovanella (Regional Sul 4 – Paraná); 7) Ir. Maria Scheibel (Rio Grande do Sul); 8) Maria da Penha do Sacrário (Espírito Santo); 9) Ir. Catarina de Figueired (CRB – Nacional). A equipe de coordenação marcou três ENCONTROS PARA 1995, em São Paulo, nas seguintes datas: a) 5 de março, b) 18-19 de junho c) 11-12 de outubro - encontro ampliado com representantes das regionais. Entre os EVENTOS PROGRAMADOS PARA 1995: 1) Encontro de capelães Hospitalares. Tema: A pastoral hospitalar e o diálogo multidisciplinar (7-8 de março S. Paulo); 2) seminário nacional de saúde (10-15 de maio – salvador (BA) em conjunto com CRB – nacional; 3) congresso de bioética e saúde. Tema: Bioética e biologia (15-17 de junho – São Paulo); 4) Encontro dos coordenadores de Pastoral da Saúde dos países do cone sul ( 4-6 de setembro – São Paulo); 5) Congresso de Pastoral da Saúde – Tema: A saúde e os excluídos (7-9 de setembro – São Paulo). RESULTADO DOS TRABALHOS de grupo, a partir das experiências e práticas na área da saúde, foram assinaladas as conquistas e os desafios. Entre as conquistas ressalte-se: a) Descoberta de um novo jeito de ser Pastoral: passagem de uma visão e prática assistencialista (“ótica do doente na cama”) para uma visão e prática libertadora de promoção e defesa da vida e saúde. Para tanto, cursos, seminários, assembléias, congressos e encontros, foram um instrumental valioso; b) Crescimento da consciência crítica (reivindicação), mobilização e organização popular que trouxeram importantes conquistas para o povo; c) Participação nas instâncias decisórias na área da saúde, por exemplo, nos conselhos de Saúde (municipal e estadual); d) Expansão, organização e articulação da Pastoral da Saúde em muitas dioceses; e) Integração com outras pastorais sociais, sobressaindo-se uma certa articulação com a Pastoral da criança. Muitos coordenadores de pastoral da saúde coordenam também a pastoral da criança;


Participação de leigos nos seminários promovidos pela CRB – CNBB; Crescimento da medicina alternativa popular, com o reconhecimento de profissionais que atuam nesta área, inclusive com a formação de grupos infanto-juvenis; h) Descoberta e valorização da mística feminina; i) Comemoração de datas significativas, por exemplo, dia mundial da saúde (7 de abril), dia mundial do doente (11 e fevereiro), dia mundial da AIDS (1 de dezembro); j) Integração das três dimensões da pastoral da saúde, ou seja, a dimensão comunitária (preventiva e educativa), dos enfermos (soldaria) e institucional (política e profissionais da saúde). k) Existência de uma coordenação central da Pastoral da Saúde. Entre os DESAFIOS APONTADOS: a) Falta de infraestrutura básica recursos humanos e financeiros para a coordenação da Pastoral da Saúde. b) Visão de conjuntura e participação ativa e critica nos Conselhos de saúde; c) Motivar a Igreja hierárquica (Padres, bispos) para aceitar e dinamizar a Pastoral da Saúde. d) Formação de liderança na área da saúde – leigos, padres, profissionais da saúde – numa visão tranformadora; e) Articulação da Pastoral da Saúde, sobretudo com pastorais afins, a nível nacional bem como regional. f) g)

Pastoral da Saúde de Brasília CAMINHADA HISTÓRICA A Arquidiocese de Brasília sempre se preocupa com os enfermos. Nas diversas paróquias e movimentos existiam visitas aos enfermos tanto a domicílio como hospitalar e se restringiam em sua maioria aos Ministros da Eucaristia ou Legião de Maria que trabalhavam isolados, com pouca organização e não se encontravam pra troca de experiência. Estava faltando a estruturação da Pastoral da Saúde. Em 1988, um grupo preocupado com a necessidade de se promover uma Pastoral de Saúde integrada e com uma espiritualidade voltada para a área da saúde, procurou Pe. Jorge Davanzo, coordenador desta Pastoral e estas idéias foram acolhidas plenamente. Ao indicarmos esta caminhada buscamos referências bibliográficas que pudessem nos orientar no desenvolvimento do nosso objetivo. Encontramos no livro Pastoral da Saúde do Pe. Léo Pessini instrumentos que ampliaram nossos horizontes e direcionaram os nosso trabalhos. Em 1989 foi elaborado por nós o primeiro Estatuto da Pastoral da Saúde, que criou uma assessoria de apoio, para o desenvolvimento das atividades, dividiu a Arquidiocese em 15 setores: Asa Norte, Asa Sul, Brazlândia, Candangolândia, Ceilândia Norte, Ceilândia Sul, Gama, Guará I e II, Núcleo Bandeirante, Planaltina, Cruzeiro, Sobradinho, Taguatinga Norte, Taguetinga Sul, formando então a estrutura da Pastoral da Saúde, conforme organograma. Após diversos encontros da Assembléia com Pe. Jorge foi organizada a I Assembléia da Pastoral da Saúde que contou com a presença dos agentes da Pastoral e teve o apoio e participação do Pe. Léo, que até hoje continua orientando e dando-nos assistência.


Já realizamos 12 assembléias contando com a participação média de 200 agentes por assembléia. Nestas assembléias procuramos trazer tema que ajudam no crescimento dos agentes. Durante a 1ª Assembléia foram escolhidos os representantes de setores responsáveis pela dinamização dos trabalhos e elo de ligação entre os setores e a assessoria. Em seguida participamos do Congresso da Pastoral da Saúde em São Paulo, oportunidade que enriqueceu ainda mais nossos conhecimentos. Em 1990 organizamos cursos da Pastoral da saúde, que foram realizados nos próprios setores. Atualmente estes cursos, tanto para os iniciantes como para os veteranos acontecem na Paróquia São Camilo de Léllis. No ano seguinte realizamos visitas aos setores para avaliação da caminhada, busca de novos subsídios pra o aprimoramento das nossas atividades e implantação da Pastoral nas paróquias que ainda não tinham. Essas visitas aos setores acontecem e é um ponto alto, lê se descobre as verdadeiras necessidades da comunidade e pistas para solucionar as dificuldades. O nosso sonho é continuarmos nossa caminhada, lutando “para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jô 10,10), o que provavelmente se realizará se buscarmos a organização e a união cada vez mais. REALIZAÇÕES DA PASTORAL DA SAÚDE 12 assembléias: ocorrem semestralmente e estabelecem o mais alto momento de contato entre todos os grupos de Pastoral da saúde para crescimento, troca de experiências e aprofundamento de temas diversos. Cursos: aperfeiçoam o trabalho dos agentes na dimensão solidária e desperta a atenção para as dimensões comunitária e institucional, informando sobre os recursos bibliográficos mais atualizados, eslaides etc. Estatuto: elaboração de um estatuto criando funções indispensáveis à Pastoral como: assessoria e representantes de setor. Deste estatuto originou-se o organograma ideal para a Pastoral e a delimitação geográfica das áreas de atuação. No início deste ano foi feita uma revisão deste estatuto adaptando-o a realidade da nossa Pastoral. Programa de rádio: semanalmente na Rádio Nova aliança com duração de 30 minutos. Devido à aceitação do programa deverá passar em breve para 60 minutos. Vaga no Conselho de Saúde do Distrito Federal: grande conquista na área da dimensão institucional, onde temos 1 titular e 1 suplente com vaga permanente e com direito a voto. Definição da sede da Pastoral da Saúde: A Paróquia São Camilo de Léllis tornou-se a sede da Pastoral para todo o DF. Participação de membros em eventos ora das fronteiras do DF em congressos, como de São Paulo. Confecção de camisetas: uniforme ideal aceito pelos funcionários dos hospitais de Brasília e pelas famílias dos enfermos, com logotipo de fácil reconhecimento. DESAFIOS E PERSPECTIVAS Apesar de toda as realizações, a nossa Pastoral tem muito ainda para crescer e se desenvolver: - na dimensão solidária, ainda temos dificuldades para a realização das visitas em alguns hospitais, por causa de outros grupos religiosos devido ao modo como estes realizam seus trabalhos com os enfermos. Sentimos a necessidade de maior entrosamento para trocas de experiências e confraternização entre os grupos (do mesmo setor). Maior compromisso dos agentes de pastoral em sua formação na área da saúde.


Conseguir maior adesão e participação de jovens na Pastoral da Saúde. Maior entendimento dos representantes de setores do seu papel, trabalho e limites no setor de sua atuação. Falta de incentivos de alguns vigários, para a criação da Pastoral da Saúde, bem como pouca animação da mesma em suas paróquias. - Na dimensão comunitária, temos nosso grande desafio pois o nosso trabalho, durante muitos anos tornou-se prioridade a pastoral com os enfermos. Sentimos ser urgente a necessário trabalhar a dimensão comunitária como processo educativo em uma nova realidade de justiça social. Resgatar e divulgar valores esquecidos como os remédios caseiros e a alimentação alternativa, não se esquecendo de trabalhar a parte sanitária, ou mesmo desenvolver um trabalho conjunto com a Pastoral da Criança. Outro grande desafio para a Pastoral da Saúde está na dimensão institucional: mesmo conquistando uma vaga no Conselho de Saúde do DF ainda não conseguimos oficializar essa participação.Ainda não nos oi possível maior apoio da Arquidiocese de Brasília e de instituições como CNBB ou de outros grupos organizados da área de saúde. Perspectivas: as grandes perspectivas da Pastoral da Saúde são: 1) o aperfeiçoamento do que já existe na dimensão solidária; 2) implementação da dimensão comunitária e institucional nos setores, conscientizando-os da necessidade de maior compromisso nestas dimensões; 3) incentivar a participação de jovens, que muito tem a contribuir a enriquecer a nossa Pastoral. Equipe participante: Antero, Babi, Cortês, Djalma, José Ricardo, Jucineide, Lourdes, Luiz Carlos, Magda, Milton, Nely, Neuza e Rosangela. Especial: Regina Trabalho apresentado no XV Congresso de Pastoral da Saúde – São Paulo 4-7 de setemrbo de 1994. Pluralismo Religioso no Hospital É sabido de todos que o mundo dos doentes e de todo o ambiente hospitalar é uma cópia da grande sociedade. As pessoas que vivem o seu dia a dia na vida social são as que ficam doentes e se internam no hospital. Os profissionais de saúde atuam na área hospitalar, mas moram na metrópole e respiram a vida dos bairros. E\É neste ambiente cultural e humano que fazemos nosso serviço religioso de evangelização. Poderíamos, em linhas gerais, assim caracteriza-lo: 22% evangélicos; 8% espíritas; 45% católicos não praticantes; 20% católicos praticantes; 5% outros credos. A Igreja católica, sobretudo através do Concílio Vaticano Segundo, adotou um trabalho de evangelização ecumênica. A realidade do mundo e a necessidade de uma convivência humana harmoniosa também exigem esse modo de viver e agir. O pluralismo humano-religioso é um fato incontestável já em âmbito mundial. A lida proselitista, além de ser sectarista, tem um comportamento anti-democrático e pretensioso de quem aspira ser o único dono da verdade. O ponto de partida para um trabalho ecumênico é o respeito pela dignidade humana e da própria crença religiosa. Isto significa que os outros não tenham obrigatoriamente a mesma fé religiosa que eu possuo, mas que o outro também precisa ser respeitado como pessoa humana seguidor de uma determinada crença religiosa divergente. No respeito


mútuo entre as pessoas é que se realiza o diálogo com amor, estima e veneração. O espírito sectarista e de dominação estraga todo o relacionamento humano-evangálico. O que deve ser mais apreciado, testemunhado e valorizado na tarefa evangelizadora? Aquilo que conduz as pessoas humanas a viverem uma vida mais humana e perfeita, mais feliz e conforme ao projeto de Deus sobre o mundo criado. Essas novas relações fraternas, assim são expressas no COMLA 5, Texto Base, página 18: “Jesus afirma que o segundo mandamento – ama o próximo como a ti mesmo” tem valor semelhante ao primeiro (Mt 22,34-40; Mc 12,28-34). O próximo não é apenas aquele que nos é ligado pelos laços de parentesco, amizade, vizinhança ou religião. De todo ser humano, eu posso tornar-me próximo (cf. Lc 6,27-35), mesmo do desconhecido ou seja cuja humanidade parece perdida ou destruída. Eu posso me aproximar de toda pessoa, vencendo as barreiras de ódio, da inimizade, da sede de vingança (cf. Lc 6,27-35). Assim pratico a atitude de Deus Pai, que é bom também para os maus e os ingratos (cf. Lc 6,35), que manda sol e chuva tanto para os justos quanto para os injustos (cf. Mt. 5,43-48).” Num contexto inter-religioso, para que o diálogo seja proveitoso para todos e aproxime as pessoas mais da comunhão é necessária uma disposição interior básica: à busca da verdade, pela qual o cristão, sem negar sua identidade, está disposto a aprender e a receber dos outros os valores positivos de suas tradições, pois à plenitude da verdade recebida em Jesus Cristo não dá aos cristãos, individualmente, a garantia de terem assimilado de modo pleno essa verdade. Em última análise, a verdade não é algo que possuímos, mas uma pessoa por quem nos devemos deixar possuir”9D A 49) idem, página 64.) Os valores fundamentais do Reino: Fidelidade à consciência, o Amor a Deus, o amor ao próximo são pontos de encontro entre todas as pessoas de boa vontade que querem crescer espiritualmente através do diálogo respeitoso. Pe. Fermino W. Pasqual, Capelão da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo Medicina Alternativa a experiência da diocese de Ji-Paraná A diocese de Ji-Paraná abrande o centro-leste do Estado de Rondônia e o extremo oeste de Mato Grosso, perfazendo uma área de 250.000 Km. É uma região de ocupação recente, cuja população é formada na sua grande maioria,d e migrantes vindos das mais diversas regiões do país. Foram atraídos por propagandas dos governos e incentivados por planos econômicos criados para, entre outras razões, desafogar as tensões sociais no sul do Brasil. A década em que mais chegaram migrantes foi a de 80, cerca de 938 mil, porém as cidades tiveram sua maior taxa de crescimento na década de 70. Mato Grosso e Rondônia são Estado periféricos num país doente. As cidades se enchem de pessoas expulsas do campo, forçadas pela concentração de terras nas mãos de um pequeno grupo de latifundiários, pela falta de infra-estrutura rural, escolas, postos de saúde, estradas, preços no produtos, abandonam os lugares onde moravam ou a posse que mantinham, trabalhando como meeiros, posseiros ou assalariados, quando não em regime de escravidão, em condições de miséria. Vêm para a cidade, em busca de vida melhor. Chegando às cidades, nem sempre encontram lugar e teto, passando a viver em locais subhumanos, sofrendo com a falta de saneamento básico, desemprego, alto custo de vida, fornecimento precário de energia, taxas exorbitantes de luz e água, IPTU, transporte coletivo. Aí, não são mais lavradores, tampouco, operários. Muitas famílias mantêm seus filhos na cidade e os pais vivem num constante vai e vem entre as zonas rural e urbana, à


procura de trabalho. Nessas condições de vida, saúde é muito mais que assistência médica, é luta pela conquista de vida digna. Desta situação vivida pela população originam-se diversas doenças hanseníase, sarampo, meningite, febre amarela, cólera e malária. Fica evidenciado o sucateamento da Saúde Pública, constatado na ausência de médicos e outros profissionais da saúde, na falta de medicamentos básicos nos postos e centros de saúde, na falta de profissionalismo de médicos e outros trabalhadores da saúde e no descaso dos órgãos governamentais para com os profissionais e agentes, provocando paralisações e até fechamento de hospitais, posto e centros de saúde. DOENÇAS MAIS COMUNS Um levantamento eito pela Diocese de Ji-Paraná revelou que a malária vem em primeiro lugar, com 95% dos casos. Verminose, diarréia, desidratação, pneumonia, leischmaniose, tuberculose, infecções respiratórias e hanseníase também estão presentes em números assustadores de casos. Falta de vontade política para o combate da malária. Não se investe no tratamento, principalmente na região de Mato Grosso. São muitos os casos que levam à morte. As outras doenças são causadas pela falta de saneamento básico e falta de higiene. O levantamento, que acontece em 1992, veio confirmar o que de há muito já se sabia e foi decisivo, em nível diocesano, para a implementação de um trabalho alternativo na área da saúde. DENÚNCIA COMO SERVIÇO O trabalho feito pela Pastoral da Saúde da Diocese de Ji-paraná é um sinal muito concreto de que, com boa vontade, é possível melhorar a saúde do povo. Quando se percebeu que a população estava sendo destratada na saúde, decidiu-se que era o momento de ações concretas para minimizar o problema. A Pastoral da Saúde, junto com seu trabalho curativo e preventivo, realiza um serviço político de denúncia sobre os sistemas políticos, comercialização da saúde e da doença, a ação das empresas farmacêuticas, os desvios de verbas públicas que deveriam reverte à saúde, o não funcionamento dos Conselhos Municipais de Saúde e a não participação dos grupos organizados nos mesmos, a omissão dos serviços de saúde sobre as doenças endêmicas e epidêmicas e a esterilização em massa d mulheres em plena idade fértil com fins eleitoreiros. AÇÕES Os agentes de saúde não fazem apenas “consultas”. Há uma proposta de ação e reflexão incentivando a apropriação do processo de produção de saúde pelo povo, a organização em grupos para a discussão e encaminhamento dos problemas das comunidades e, apropriação dos direitos garantidos pela Constituição, mas que não são cumpridos. São mais de 1100 agentes de saúde voluntários e quatro agentes de saúde remunerados. O número de agentes voluntários se multiplica à medida das necessidades de cada comunidade local. De 1988 ate 1993 haviam participado de Cursos de formação oferecidos pelo Projeto Pe. Ezequiel 1124 agentes de saúde comunitários voluntários. Para ser agente de saúde é necessário ter boa vontade, espírito de solidariedade, bom senso e ser alfabetizado. O último critério nem sempre é levado em conta. As pessoas, primeiro tornam-se agentes de saúde, em seguida vão aos cursos de alfabetização de adultos devido à necessidade que sentem. Mais uma ação concreta da Pastoral da Saúde! Os agentes recebem formação constante em cursos diocesanos ou paróquias, são treinados e


prestam serviços à comunidade voluntariamente. Tanto nos cursos de formação e treinamento como no trabalho diário dos agentes, três preocupações constituem foco permanente de atenção: a orientação geral em saúde; política de saúde e o cuidado com os doentes. Onze agentes estudaram Homeopatia no IPESP (Instituto Pastoral em Saúde Popular), em Cuiabá/MT. Há Farmacêuticos Homeopáticos responsáveis pela manipulação de medicamentos, atendimento e assessoria aos agentes comunitários. Na diocese existem cerca de 100 farmácias comunitárias de medicina alternativa e homeopatia. As “farmacinhas” funcionam também como Centros de Treinamento para os Agentes de Saúde. Ali eles se encontram para estudar, matrizes homeopáticas. Em cada local de treinamento há um agente que acompanha e orienta os trabalhos dos demais. São realizadas diversas manifestações públicas reivindicando a melhoria no atendimento na Saúde Pública onde a palavra é aberta à população e também ao poder público. Ao agentes de saúde, ao realizar seu trabalho, retomam uma prática há muito abandonada pelos profissionais da saúde: a escuta. As pessoas, ao se dirigir às “farmacinhas”, chegam movidas pela necessidade causada pela doença e, precisam, acima de tudo, de serem ouvidas. Ouvidas não apenas pela sua falta de saúde, mas, principalmente, pelas causas que fazem a doença surgir. Aí entra a dimensão política do serviço: a tomada de consciência dessas causas e da responsabilidade da própria população em reverter a situação através da apropriação do direito à cidadania de cada pessoa. A pessoa com problemas de saúde, ao ser atendida, é aconselhada em relação à alimentação, com ênfase na utilização da cozinha alternativa e em agrotóxicos, e incentivadas ao cultivo das ervas medicinais. É orientada sobre os cuidados com a horta medicinal, o preparo das ervas e dos chás. A orientação estende-se, ainda, dos alimentos e da casa e ao saneamento básico. Um número significativo de agentes comunitários da saúde oferece serviço de massagens. Todos os agentes são treinados para o conhecimento do corpo humano e das funções específicas de seus órgãos e aparelhos. Os agentes realizam, igualmente, diversas atividades envolvendo a população, como gincanas da saúde em escolas, exposição de ervas, troca de experiências e o resgate do saber popular relacionado às plantas medicinais. Uma grande ação conjunta é a participação ativa nos Conselhos Municipais de Saúde, embora haja grande dificuldade em se aceitos e ter a voz ativa devida às exigências que fazem para a melhoria do atendimento à saúde da população. O atendimento à população é gratuito, sendo que os medicamentos manipulados pelos responsáveis legais são cobrados a preços acessíveis para o ressarcimento da vidraria e matrizes utilizadas. Isto, mais a falta de Assistência da saúde Pública e os ótimos resultados curativos e preventivos obtidos, ocasionam grande filas para o atendimento. Há uma preocupação muito grande para que as “farmacinhas” não se tornem um substituto dos órgãos responsáveis pela Saúde Pública. A Pastoral da Saúde faz o trabalho para evitar maiores conseqüências à população. O seu objetivo maior é o trabalho de devolver ao povo a sua cidadania e incentiva-lo à cobrança de seus direitos. REPERCUSSÃO POPULAR O serviço prestado pelos agentes repercute favoravelmente na população, não só naquela mais atingida pela falta de atendimento à saúde mas por pessoas que têm acesso aos serviços não gratuitos da medicina. O atendimento é franqueado a todos, as pessoas conseguem adquirir os medicamentos de que necessitam, são atendidas dignamente,


adquirem conhecimento sobre plantas medicinais e os bons efeitos curativos acontecem. Na necessidade, sabem aconselhar a procura da medicina alopática. Os agentes de saúde são enfáticos nesse ponto: a medicina alopática, em certos casos, é necessária, não podendo ser substituída, falta-lhe, entretanto, a revisão de certos conceitos e a valorização da pessoa humana. A população deixa de ser explorada pelos farmacêuticos e hospitais privados. O envolvimento das comunidades e das escolas está se tornando cada vez maior, principalmente com relação ao plantio das ervas medicinais, o reconhecimento da mesma e o estudo sobre elas. A eficácia do tratamento nas doenças mentais, nervosas e psíquicas também se faz notar. Após o tratamento a pessoa sente-se integralmente recuperada. DIFICULDADES Apesar de tudo, as dificuldades se fazem presente, como são voluntários, os agentes dispõem de pouco tempo para o atendimento. Precisam, também, exercer serviços que lhes garantam a sobrevivência. A dificuldade em conciliar o trabalho particular ou o doméstico com o de agente de saúde é grande. Nem sempre é possível escolher a hora de ser atendido pelo agente. Algumas comunidades estão reivindicando junto às autoridades competentes, a contratação legal dos agentes para prestarem serviços junto aos Postos de Saúde na zona rural. É um longo e burocrático caminho, mesmo porque há o impedimento do exercício da medicina por leigos, embora possuam formação técnica e não manipulem medicamentos. As autoridades criticam ferozmente a prática da medicina alternativa, chegando, em alguns casos, às ameaças de represálias. O material tem custo elevado e é de difícil aquisição. O número de agentes é muito pequeno, comparado com a necessidade. Deseja-se evitar, a todo custo, as filas, o chegar de madrugada para ser atendido, o acúmulo de pessoas doentes para um só agentes, o que se tornaria uma cópia dos problemas verificados nos postos e hospitais públicos. Ao se prestar o atendimento, percebe-se que, na maioria das vezes, não é suficientes o chá, o medicamento homeopático, as orientações básicas para higiene e alimentação. Precisa-se, com urgência, de meios para a aquisição de alimento, de meios para o saneamento básico nas residências. Urge o saneamento básico nas cidades. É imprescindível que haja empregos com remuneração digna, que haja terra pra os agricultores e uma política agrícola justa, estrada e condições de transporte. As dificuldades são muitas, mas os resultados são altamente satisfatórios e animadores, principalmente pela retomada de consciência da população de seus direitos como cidadãos. Os agentes sabem que, no momento, este trabalho representa a saída possível na questão da saúde, para o povo. Mari Solange Cella é coordenadora das Pastorais Sociais na Diocese de Ji-Paraná, integrante do CEPAMI (Centro de Estudos e de Pastoral dos Migrantes) e Prof. Licenciada em Química e Matemática. Travessia / Setem. Dezem../94. Como construir a (Bio) Ética? Um conjunto de cristãos franceses interessados, pela profissão, a trajetória pessoal ou o interesse, na parte da bioética que trata das fecundações medicamente assistidas, compôs em 1990 um questionário bastante detalhado acerca dos prós e contras das diversas operações envolvidas. Neste questionário foi amplamente difundido entre os cristãos dos meios supostamente competentes ou implicados, entre os bispos e outras personalidades responsáveis, especialmente dos movimentos da pastoral católica após três anos de intercâmbio, revisões, matrizes, saiu o livro que propicia a síntese do resultado mais ou


menos consensual; em apêndice, a listagem das centenas de pessoas e entidades católicas ou especialistas protestantes que consentiram assinar a versão final. (Désirer um enfant. Enjeux éthiques desprocreations médicalement assistées. Des chrtétirn s’expriment. Paris, Centurion, dezembro de 1993). Na sua Postface, o Pe. Oliveira de Dinachin, S.J., delegado do episcopado rances para as questões de bioética, tenta um balanço sereno dos pontos onde a opinião destes cristão coincide substancialmente com os Documentos de Santa Sé e dos pontos onde os participantes da reflexão manifestam uma posição mais branda, sem nunca cair num irresponsável laxismo. Não vamos elencar aqui os resultados desta confrontação para evitar que o leito imagine que responsáveis católicos, entre os quais eminentes responsáveis da pastoral e do ensino superior católico, acharam repentinamente normal divorciar a conjunção sexual dentro do matrimônio e a fecundade do casal. Neste contexto as matizes e as condições postas importam sumamente. Aqui, chamamos apenas a atenção sobre a diversidade das abordagens, que o Pe. Dinechin citado, assim retrata: “Donum vitae fundamenta seu raciocínio sobre uma visão frontal do ser humano, corpo e mente, e das relações fundadoras da humanidade, união sexual e procriação. Esta visão antropológica é herdada da tradição clássica, que interpretou o dado da Revelação cristã nas categorias do pensamento greco-latino, mais preocupado com a contemplação do eterno e do imutável do que com a história e o mutável. Pôs em evidência articulações fundamentais e permanentes, que a lei moral proíbe dissociar: entre espírito e corpo, entre união e procriação. Na instrução romana, a lei moral é explicitada no começo e em cada passo do processo lógico de um raciocínio quase geométrico que exclui todo desvio”. Ao passo que os cristãos mencionados partiram dos dados vivenciados em sua experi6encia profissional, sociológica, familiar ou pessoal,s em nunca excluir, é óbvio, a inspiração evangélica e cristã com a qual pretendem viver. São duas perspectivas, duas luzes, duas lógicas, ambas orientadas para decidir a questão da compatibilidade intuída entre determinado processo e a “dignidade da pessoa humana” que todos os cristãos entender respeitar. Afinal, como construir a ética? Basicamente (sem entrarmos em subdivisões), enxergamos de um lado uma construção dedutiva a partir do conceito que se tem (a partir de que?) da natureza e de suas leis, com o risco de simplificar e tirar obrigações desnecessária de simples dados factuais. Do outro lado, uma avaliação intuitiva, por vezes dolorosa, que brota do conjunto de determinadas situações concretas e cambiantes, orientadas para valores humanos, com o risco de errar na hierarquização dos valores em jogo na situação. A absolutização de uma norma é uma qualificação que sempre vem de cima, por assim dizer, da cabeça, da convicção, eventualmente da fé; nunca é uma evidência científica. Isso decorre da própria noção de sagrado ou de transcendência. Se não, não teríamos de discutir este assunto, mesmo entre pessoas inspiradas pela mesma fé cristã. O Pe. Dinechin declara que o diálogo assim esboçado (ou será realmente esboçado?) não é contrário às exigência do Direito canônico de “aderir com uma rever6encia religiosa da mente” (can. 753) aos ensinamentos do magistério eclesial. Tentamos entender, afinal, para melhor aderir. Hubert Lepargneur


Debate sobre bioética deve abranger efeito da miséria Nas últimas três décadas o conjunto de idéias que constitui a bioética está imprimindo mudanças em diversos setores da sociedade de Primeiro Mundo. Ainda que não seja oportuno, neste artigo, buscar entender as origens da bioética e seu estabelecimento nesta segundo metade do século 20 torna-se quase impossível não relembrar que a história da humanidade é marcada por buscas de princípios que preservem os direitos da pessoa, que enalteçam a sua dignidade e que façam com que cada um seja respeitado nos verdadeiros limites e sua cidadania, pelo fato de ser uma pessoa. Essa busca nasce não apenas de inspiração religiosa, mas também de lutas e movimentos organizados em defesa dos direitos humanos. Com exceção de um pequeno percentual (3% de todos os nascidos viços), a grande maioria das pessoas nasce com todo o potencial genético para desenvolver-se plenamente do ponto de vista físico e mental. Todavia, o potencial genético perde a capacidade de atuação se não encontra a contribuição de seu parceiro, o ambiente, no processo de desenvolvimento das pessoas. Para que a programação genética de qualquer um se manifeste em sua plenitude, é necessário que o ambiente viabilize essa manifestação. Por exemplo, os genes que coordenam um desenvolvimento normal e sábio de qualquer criança jamais poderão oferecer a essa criança uma vida sadia se o ambiente no qual ela se desenvolve a agride pela desnutrição, pela exposição a infecções, pela insalubridade geral dos ambientes de pobreza intolerável pelo organismo humano. Faz parte da dignidade da pessoa administrar a sua vida na saúde, na doença e mesmo na morte, e a intervenção do médico tem seus limites no limite da integridade no ser humano. A parceria genética-ambiente no desenvolvimento das pessoas é semelhante a parceira genético-ambiental observada nas sementes. A informação genética,que dará origem à planta, está presente na semente, mas, se a semente é lançada em terreno insalubre, sem nutrientes e sem irrigação, torna-se impedida de cumprir sua missão biológica, isso é, não consegue diferenciar-se e desenvolver-se, ficando aquém da planta que deveria ser. Exatamente o mesmo ocorre com as pessoas e seus ecossistemas. A criança que nasce em condições de pobreza, que enfrenta a desnutrição desde o início da vida, que é continuamente exposta a infecções devidas às más condições do ambiente, perde a capacidade de desenvolvimento do potencial genético que traz consigo. E à semelhança da semente em terreno insalubre, essa criança, se não more durante a infância, desenvolve-se com as marcas indeléveis da pobreza que a subnutriu, prejudicando sua vida para sempre. Do ponto de vista físico, terá pouco peso, infecções freqüentes, diarréias freqüentes etc. do ponto de vista mental, a subalimentação dos dois primeiros anos de vida impedirá o pleno desenvolvimento das células do cérebro e um certo grau de limitação mental também será sua marca. Do ponto de vista social, a falta de oportunidade para escolaridade faz com que o analfabetismo seja parte de sua identidade. Do ponto de vista psicológico, o sentir-se excluída do sistema social competitivo será uma constante em sua vida. A criança cuja vida é assim quase não tem identidade de pessoa, nem na sua autoimagem nem na imagem que os outros azem dela mesmo depois de adulta. O seu potencial genético foi inibido pelo ambiente e a sua pessoa ficou a meio caminho do próprio eu.


Como podem os princípios fundamentais da bioética em saúde serem aplicados a pessoas assim? A elegante elaboração teórica desses princípios no Primeiro Mundo ecoa distante da realidade daqueles que nem sequer têm noção de mundo. Não questionamos a grandeza do princípio da autonomia, da integridade, da beneficência e a justiça. O que inquieta é como dizer a essas pessoas que a época do autoritarismo médico já passou e, atualmente, o que é respeitado acima de tudo e a autonomia do paciente. Faz patê da dignidade das pessoas administrar a sua vida na saúde, na doença e mesmo na morte, e a intervenção do médico tem seis limites no limite da integridade do ser humano. Qualquer pessoa em pleno conhecimento de sua doença, das conseqüências da mesma, do tipo de tratamento imposto e das conseqüências do mesmo decide se aceita ou não se esse ou aquele tratamento apresentado. Como levar a idéia de autonomia e de integridade a quem nunca teve a oportunidade de sentir-se um ser com autonomia para administrar sequer sua própria fome? Qualquer pessoa cujo corpo não conseguiu desenvolver-se para até mesmo saber qual o potencial genético que trouxe consigo já deve ter violentado o que deveria existir de mais fundamental em bioética, ou seja, direito de vir a ser. É constrangedor falar em integridade de um corpo a uma corpo cuja desnutrição e doença da pobreza já desrespeitaram sua dignidade ao extremo de impedir-lhes ser o seu ser. Terá sentido o discurso do princípio da beneficência de nada? É, de certa forma, confortante saber que todo ato médico deve resultar em alguma forma de benefício para o paciente. Mas, se o paciente nem sequer consegue ver um médico, como trazer para o dia a dia dele a proteção pelo princípio da beneficência? Qualquer país que respeita seu próprio povo o faz através do princípio de justiça: todos devem ter igual aceso aos benefícios da medicina. Os recursos para a saúde devem se distribuídos pelo critério da justiça a fim de que uns não sejam mais beneficiados que outros. No Brasil, e na própria América Latina, não seria o clamor por justiça presente na vida de milhões de injustiçados sociais mais convincente que as formulações teóricas da bioética? Finalmente, que o 2º Congresso Mundial de Bioética que ocorrerá em Buenos Aires, Argentina, nos dias 24 a 26 de outubro próximo também contemple uma bioética da pobreza em suas discussões. ELAINE S. AZEVÊDO, médica é doutora em genética, pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Teológico) e ex-reitora da UBA (Universidade Federal da Bahia). Especial par a folha (Ciência), 16 de outubro de 1994. Carta da Saúde: Por uma reforma sanitária contra a exclusão social e a dignidade da vida humana O Centro brasileiro de Estudos de saúde apresenta a seus associados, aos participantes do IV Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, a todos os trabalhadores da saúde e à sociedade, a seguinte carta, com vistas à discussão com os candidatos aos cargos executivos e legislativos das discussões com os candidatos aos cargos executivos e legislativos das propostas de governo. (Versão resumida) O relatório do desenvolvimento Humano da ONU de 1994, recém-publicado, revela que o Brasil ocupa o 63º lugar dentre os 173 países pesquisados em relação aos indicadores


sociais (índices de desenvolvimento humano). O Brasil apresenta a maior disparidade interna de renda, sendo o Nordeste a região das maiores desigualdades sociais. Esses dados não constituem novidade: a sociedade brasileira em nenhum momento de sua história enfrentou diretamente a questão da presença de grupos de pessoas miseráveis. Todas as políticas econômicas, desde o golpe militar de 64 até os dias de hoje, promoveram a ampliação do grau de pobreza e miséria desses grupos. Mesmo findo o regime autoritário-militar há quase uma década, até hoje a dívida social não foi resgatada e, em muitos aspectos foi mesmo aprofundada. Nesses dez anos, o salário perdeu progressivamente seu poder de compra e a concentração de riquezas aumentou significativamente. A miséria torna o limite entre a vida e a morte muito frágil e instável. Manter-se vivo, conseguir cotidianamente sobreviver, passa a ser a principal atividade de grande parte da humanidade, não existe dignidade alguma nessas condições de vida. A situação de extrema desigualdade social a que estão submetidos milhões de brasileiros tem sua expressão mais sensível nas condições de saúde. O setor saúde que, juntamente como setor da assistência social, constitui o ponto de contato entre as políticas públicas e a população sem condições dignas de vida, sofre todas as conseqüências do descaso governamental e das frágeis gestões ministeriais, principalmente após a eleição de Collor. A Constituição de 1988 reflete de forma abrangente a proposta de Reforma Sanitária elaborada num processo histórico-social e expressa no relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1989). A definição constitucional do direito universal à saúde, previdência e assistência social, com uma natureza pública, de caráter democrático, universal, equânime, integral e descentralizado, significou um enorme avanço legal. E até mesmo considerando-se o conjunto das políticas públicas, o setor saúde é o que apresentou, e apresenta, a maior progressão em direção aos direitos de cidadania seja em termos da abrang6encia da legislação e democratização, aí compreendido o processo de controle social direto, particularmente representada pelos Conselhos de Saúde me todos os níveis. Nesse processo histórico-social as propostas de privatização da Previdência Social, de privatização dos seguros-acidentes de trabalho e da privatização da assistência básica de saúde para os trabalhadores (projeto Genésio Bernardino) constitui-se uma estratégia de restringir o SUS par ao atendimento da parcela mais pauperizada da população. No jogo das pressões e contrapressões, o SUS que está e, operação não corresponde, em nível nacional, nem aos dispositivos legais, e nem ao Relatório da 8ª Confer6encia Nacional de Saúde. Isso não é totalmente verdade quando são analisadas algumas experi6enciad municipais: neste nível existem muitos exemplos de implementações criativas, resolutivas e de qualidade dos princípios da Reforma Sanitária e do SUS. Existem, no entanto, numerosos obstáculos para que essas experiências municipais exerçam influência concreta na direcionalidade das políticas de saúde e dentre estes, a (des)organização do nível federal, assim como a quase ausência e omissão da esfera estadual, t6em uma participação significativa, o que pode ser verificado pela base legal por fazer, pela não descentralização e pelo desfinanciamento setorial. Mesmo que os maiores avanços da reforma Sanitária estejam em sua base legal, está ainda por ser consolidada. Para tal, é fundamental que seja aprovado um conjunto de leis que completem a regulamentação da Constituição como a legislação referente aos genéricos, à saúde mental, aos hemoderivados, aos direitos dos pacientes, às populações indígenas, à regulamentação dos seguros-saúde, aos Conselhos Profissionais.


Há 10 anos não há recursos significativos para investimento em serviços de saúde que deveriam estar sendo expandidos, redimensionados e se qualificando tecnologicamente para atender às exig6encias da universalização com eqüidade. O que começou a ser feito no governo passado teve o mal-cheiro da corrupção e do clientelismo e, hoje, numerosas obras encontram-se paralisadas. O gasto público federal de US$ 40,00/cidadão/ano em 1993 e a previsão de US$ 70,00 para 1994 é irrisório para enfrentar os problemas mais comuns que acometem uma família brasileira de padrão de classe média razoavelmente bem alimentada e não significa quase nada em termos do financiamento necessário para realizar o conjunto das ações fundamentais frente à extensão e gravidade dos problemas de saúde da população em geral, e menos ainda se considerarmos as práticas sanitária necessárias à prevenção das doenças, e, principalmente, de promoção da saúde. Dentro da lógica do desfinanciamento do setor, a modalidade de compra e venda dos serviços tem tido papel perpetuar o quadro perverso existente. A assistência médica adquire os contornos impostos pelos mecanismo de financiamento que perpetuam a sua total separação das atividades preventivas obstaculizando o princípio da integridade da saúde. As gestões do Ministério da Saúde têm sido loquazes em suas declarações de intenção de implementar o SUS, tal qual determinada legalmente. A reforma administrativa do Ministério da Saúde para desempenhar suas novas funções o SUS não aconteceu; O Ministério da Saúde não se reestruturou para coordenar um sistema descentralizado de saúde e os Estados e municípios, salvos raras exceções, não assumiram suas novas atribuições. Até mesmo alguns hospitais descentralizados para os Estados foram devolvidos ao MS. O processo de sucateamento e deteriorização no setor público tem a correspondência no florescimento das várias modalidades privadas de proteção social. Os seguros-saúde promovidos pelas empresas ou individualmente, os acordos coletivos, a iniciativa individual e a restituição dos gastos com assistência médica no Imposto de Renda, asseguram cada vez mais a demanda dos serviços privados de saúde pelas classes trabalhadoras e médias com capacidade de vocalização e formação da opinião pública. Essa demanda canalizada para o setor privado é perpetuada pela baixa qualidade, pequena resolutividade e desrespeito oferecido pelo setor público. Para a efetiva implantação da Reforma Sanitária necessitamos de uma profunda reforma do Estado brasileiro, acabando definitivamente com sua privatização. Isto é, que prevaleça o interesse público, acima do particular, como critério para o desenvolvimento das políticas governamentais, quaisquer que sejam os seus agentes: estatais ou privados. É necessário que a saúde, expressão última das formas de organização social, ocupe posição central na definição dessas políticas, oferecendo pautas para convergência e consistência das mesmas, e não apenas sofrendo os seus efeitos. O compromisso público e a ética da responsabilidade estão vinculadas à compreensão da saúde como função pública, como um bem pública acessível independente do prestador. Os profissionais envolvidos nas diversas ações de saúde estão colocando em prática um direito de cidadania e assegurando uma necessidades básica, vital do ser humano, apesar das reconhecidamente péssimas condições de trabalho a que estão submetidos. Essas condições de trabalho têm d\levado, em conjunto com vários outros fatores, a diversas situações de conflito entre os profissionais e usuários.


Nesse momento, se faz fundamental uma aliança solidária entre profissionais e usuários pautada numa ética da saúde como função pública. Isso significa não operacionalizar a lógica da exclusão social que penaliza os mais penalizados, retira o acesso à assistência aos que a Lea mesmos têm acesso e distribui assist6encia de baixa qualidade e paliativa aos que apresentam as piores condições de saúde e de vida. PROPOSTAS Face a esse quando, cujas principais expressões são a Desigualdade e a exclusão Social, apresentamos para debate as seguintes idéias e proposições: 1. A doutrina da Reforma Sanitária, conforme concebida ela 8ª conferência nacional de Saúde e incorporada pela Constituição, contêm os elementos conceituais e estratégicos essenciais para indicar os caminhos na busca da democratização da saúde do povo brasileiro. 2. O SUS dispõe de suficiente base legal para sua operacionalização, padecendo de real decisão política em todas as esferas de governo, para sua implantação e desenvolvimento. 3. Nada obstante, a doutrina da reforma Sanitária e o Projeto do Sistema Único de Saúde supõem a sua permanente avaliação e atualização, com vistas a não perder de vista seus objetivos principais. Assim, face ao dramático diagnóstico da desigualdade e da exclusão social refletidas na saúde da população, mas também agravadas pelas próprias ações de saúde, é necessário que se discutam prioridades e exercitem estratégias e mecanismos que assegurem ações diferenciadas para os desiguais, a partir de decisões baseadas na autonomia do nível local e da legitimação dos seus atores. 4. No momento o elemento crítico para o processo de implantação do SUS é a descentralização, que deve ser enfrentada com radicalidade, o que implica entre outros: - a celebração de um novo pacto federativo na saúde, com redefinição dos papéis e perfis institucionais dos órgãos gestores nos níveis federal, estadual e municipal, com ênfase nos dois primeiros, cuja conformação atual impede e inviabiliza uma nova função municipal; - a adoção da distritalização na saúde como estratégia de exercitação concreta dos princípios e diretrizes do SUS, em nível local, pela reorganização das práticas sanitárias; - ousadias na experimentação de novas estratégias de gestão pública descentralizada e atonomizada, tanto em distritos Sanitários como em unidades de saúde complexas, como forma de lhes conferir qualidade, resolutividade e eficiência; - Estabelecimento de fluxos regulares e automáticos de repasse financeiro de uma esfera de governo a outra, a partir de critérios técnicos. 5. O Estado não pode abrir mão de sua função reguladora na saúde, tanto em relação ao setor de assist6encia pública (estatal e privado contratado) e privado, em relação ao conjunto de serviços e ações compreendidos no campo da promoção e proteção à saúde; particularmente, devem ser objeto dessa regulamentação (medicina de grupo, seguros etc.).


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Revisão urgente e radical, a partir de estudos e experi6encias, do sistema de remuneração e repasse financeiro por produção, tanto em relação ao setor privado, como ao público estatal (AIH e UCA). reforço da função política do Conselho de Saúde, para evitar a tendência de se afogarem em ações burocrático-administrativas, assim como busca de estratégias polítco-administrativas para assegurar sua autonomia de ação e decisão; necessidade de mecanismo de comunicação entre os mesmos, no sentido da ampliação e intercâmbio de experiências e tornar os Conselhos uma ampla realidade nacional. Discussão, sem preconceitos e dogmas, de modelos e mecanismos de financiamento público que venham, efetivamente, assegurar autonomia, regularidade e montante de recursos para implantação do SUS, numa perspectiva de curto, médio e longo prazos. O Decreto dos nomes genéricos dos medicamentos deve ser implantado com decisão, como elemento estratégico para a transformação exigida na assistência farmacêutica. Adoção de uma Política Nacional de Recursos Humanos e estímulos à sua gestão descentralizada que contemple, entre outros, a progressão adequada na carreira e desenvolvimento profissional, subordinando-a ao controle social, particularmente aos Conselhos de Saúde correspondentes, e construindo no processo de negociação coletiva o Contrato Coletivo de trabalho no SUS.

Vida consagrada e serviço aos doentes e aos que sofrem Intervenção de Pe. Ângelo Brusco, Superior dos Camilianos, no Sínodo dos Bispos sobre “A vida consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo”. Se, como afirma João Paulo II na Dolentium hominum (n.1), o serviço dos doentes e dos que sofrem é uma parte integrante da missão da Igreja, qual é o papel específico que as pessoas consagradas, empenhadas num tal serviço, são chamadas a realizar? A resposta a esta pergunta exprime-se através da indicação de tr6es tarefas, que pertencem aos consagrados, envolvidos no mundo da saúde e do sofrimento. 1. A priemira tarefa consiste em recordar à comunidade eclesial – através da novidade de vida, surgida da experiência de Cristo misericordioso – as palavras de Isaias, aplicadas pelo evangelho (Mt 8,17) a Cristo: “Ele tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas dores... Fomos curados nas suas chagas”(Is 53,5). Não tem , a Igreja, necessidade de desenvolver ainda mais a dimensão Mariana, feita de “silenciosa proximidade na dor”, de grandeza que se torna hospitalidade e serviço aos pobres, aos débeis, às vítimas da doença e da morte? 2. A segunda tarefa realiza-se através da promoção de uma comunhão sadia e saneadora que, chegando a todas as categorias do povo de Deus, favoreça e torne críveis os laços de solidárias fraternidade estabelecidos com todos aqueles que vivem o difícil período do sofrimento. Na construção de uma comunidade diaconal, é grande o papel da mulher consagrada, à qual foi confiada o homem de modo muito particular e à qual toca assegurar “a sensibilidade pelo homem em toda as circunstâncias” pelo fato de ser homem! (Mulieris dinitatem, 30).


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A terceira tarefa, enfim, atua-se dando o exemplo de uma apropriada conjugação do evangelho da caridade (proclamado através da proximidade ao doente) com o evangelho do sofrimento (que seria melhor chamar evangelho dos que sofrem, e que consiste em evidenciar o valor da dor humana, quando se transforma num dom de amor). Para que os doentes possam acolher o evangelho do sofrimento – chegando a ser eles mesmos sujeitos da evangelização (Christifideles laici, 54) – é necessário que sejam lançados antes do evangelho da caridade. Ao proclamar, quer o evangelho da caridade quer o evangelho do sofrimento (C. Salvifici doloris, 18,26), as pessoas consagradas são chamadas a utilizar o fogo profético ínsito à sua vocação e consagração, escolhendo, por um lado, desempenhar o seu serviço nas zonas fronteiriças e, por outro lado, envolvendo-se na elaboração de uma cultura, na qual as maneiras de viver, sofrer e morrer, sejam salvaguardadas pelos evangélicos. As pessoas consagradas pedem aos Pastores das Igrejas particulares: serem ajudadas a viverem autenticamente a sua vocação de serviço aos doentes e aos que sofrem; serem mais envolvidos naqueles setores da pastoral diocesana, que melhor correspondem ao seu carisma particular, valorizar o “gênio” da mulher consagrada no mundo da saúde; estimula-las a ser mais proféticas nas suas decisões; criar e apoiar estruturas especializadas de animação e formação; lembrar-lhe que o fim último de cada serviço é a salvação. Apelo de um paciente aos médicos Doutores: por favor escutem o meu apelo! Quando me levarem para uma sala de cirurgia, por favor, não me deixem sozinho e sem qualquer informação sobre o que irá acontecer em seguida. Para os senhores, o Bloco Cirúrgico é bastante conhecido e tudo nele é familiar. Afinal, os senhores passam nele metade de seu dia. Mas, para mim, mesmo que não seja minha primeira cirurgia, tudo é novidade, tudo é assustador. Porém, se alguém conhecido, especialmente o cirurgião em quem confiei minha vida e minha saúde, ou alguém de sua equipe que eu já conheça, estiver junto de mim, estarei seguro e me será mais fácil enfrentar tudo aquilo que virá em seguida. Quando me passarem para a mesa de cirurgia, por favor, me cubram com algo para que aquecer. A sala de cirurgia é sempre muito fria mesmo no verão. Mais ainda, quando o ar condicionado está funcionando, como os senhores estão completamente vestidos, muitos já com o capote cirúrgico, gorro, máscara e luvas, certamente não imaginam o frio que se sente quando se usa uma simples camisola. Especialmente quando, além de tudo, se é aquele que vai ser operado. Se possivelmente arrumar os equipamentos e instrumentos cirúrgicos enquanto eu estiver acordado e na sala de cirurgia. É extremamente estressante ver todos aqueles instrumentos e aparelhos que deverão ser usados em mim. Sei que tudo será em meu benefício, mas, nem por isto, os ruídos de instrumentos sendo colocados sobre a mesa deixam de ser causa de temor e angústia para mim. Se possível, façam-no antes de minha chegada à sala de cirurgia, evitando-me mais este sofrimento.


Não comentem defeitos de equipamentos ou reclamem da falta de medicamento na sala de cirurgia, depois que eu já estiver ali dentro e escutando tudo. É terrível saber que determinado material está faltando ou que se apresenta defeituoso, tendo-se consciência de que ele deverá ou deveria ser utilizado em meu tratamento. Certamente minha angústia diante de tal fato irá contribuir, sensivelmente, para complicações posteriores. Quando forem me prepara, respeitem o meu pudor. É extremamente desagradável ver-se despido diante de tantas pessoas, mesmo sabendo que os profissionais estão habituados a tais situações. Mas, por favor, lembre-se de que eu não estou acostumado a me despir diante de estranhos. Respeitem também o meu medo. Mesmo os maiores heróis, diante de uma situação de cirurgia iminente em si próprios, certamente irão tremer. Afinal, tudo é estranho, tudo é ameaçador! Se eu pedir para esperarem um pouco, não percam a paciência comigo. Afinal a profissão dos senhores é esta e eu espero que a exerçam com muito amor. Se me explicarem, em linguagem compreensível para um leigo, o que vai se feito, certamente vou entender – eu não sou “burro”! – e então poderei cooperar com todos. Mas, lembrem-se: cada pessoa tem o seu próprio tempo para se acalmar. Respeitem, pois o meu tempo. Se eu não estiver cooperando como os senhores gostariam, desculpem-me e ajudem a me tranqüilizar para melhor ajudar. Não me tratem com impaciência nem me agridam com reprimendas ríspidas. Afinal eu nada sei de cirurgia e se me movimento ou coloco as mãos onde não devia, não o faço por mal. São atos instintivos de defesa que realizo por desconhecer as regras e as necessidades técnicas, e por medo de algo que me ameaça. E os senhores, já pensaram que podem ser a ameaça de que eu tenho tanto medo? Se a anestesia a ser utilizada não for a geral, certamente estarei acordado e muito atento a tudo que se passar em redor de mim. Portanto, evitem conversas que podem demonstrar desinteresse pelo meu tratamento. Os senhores poderão estar tão descontraídos que falarão de futebol programas de televisão ou de política, com a maior naturalidade. Mas isto irá me parecer um enorme desinteresse pelo que estarão fazendo comigo, e eu sofrerei muito mais com isto. Se surgirem complicações após a cirurgia, com certeza irei atribuí-las a este aparente desinteresse. Se a anestesia for geral, por favor, façam todo o silêncio possível durante sua indução. Naquele momento de passagem da consciência para a inconsciência, tudo o que acontecer na sala será de extrema importância para mim. Poderei então dormir com segurança e tranqüilidade, ou então inteiramente transtornado por tudo aquilo que ouvi sem compreender que acontecia. E, depois de anestesiado lembre-se de que, mesmo inconsciente continuo merecendo respeito como quando acordado. Zombar de mim, do meu modo de ser ou de falar será uma enorme falta de ética e de caráter, coisa que jamais se pode aceitar de pessoas que cuidam da saúde e da vida humana. É bom lembrar também que, por ainda desconhecidas. Algumas pessoas escutam e se recordam de tudo o que se passou, mesmo enquanto estavam anestesiadas... Finalmente, quero lhes pedir que respeitem minha condição de “ser humano”, independentemente de ser um paciente particular rico, ou um anônimo indigente recolhido pelas ruas. Afinal, sou alguém exatamente igual aos senhores,


filho do mesmo Pai, criatura do mesmo Criador. E só por isto mereço o mesmo respeito que os senhores dedicam às suas mães, a seus irmãos e a vocês mesmos. Mas, ainda que não acreditem no Deus Criador de tudo, e de todos, façam por mim o mesmo que gostariam que lhes fizessem. Muito obrigado!


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