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ASSEMBLÉIA NACIONAL DA PASTORAL DA SAÚDE – CNBB 10 A 12 DE OUTUBRO DE 1995 – São Paulo, SP Estamos entregando nas mãos dos coordenadores diocesanos de Pastoral da Saúde (PS), agentes de pastoral e profissionais da saúde cristão entre outros, as conclusões da I Assembléia nacional da Pastoral da Saúde – CNBB, realizada em São Paulo de 10 a 12 de outubro de 1995. Registre-se o número significativo de participantes representado regiões e/ou dioceses. Treze regionais estavam representadas, na sua grande maioria coordenadores diocesanos de OS, atingindo em torno de 96 dioceses brasileiras. Pela convivência, troca de experi6encias, celebração das conquistas, esperança, busca inquieta de perspectiva novas, valeu a pena. Neste sentido este evento se constituiu num ponto marcante na caminhada da PS na Igreja do Brasil. É bem verdade que é ainda um começo tendo em vista os desafios gigantescos que a área da saúde apresenta hoje. Almejamos com este relatório: a) garantir o repasse do conteúdo às regionais, dioceses e paróquias para que se organizem as coordenações de PS; b) sintonia com as diretrizes gerais da PS em nível nacional; c) continuidade do processo de crescimento de articulação e parceria com as pastorais afins, organismos e instituições de saúde; d) partilha das realizações, desafios, problemas, perspectivas, esperanças e anseios. Gostaria d expressar o muito obrigado à Estelita Reckziegel pelo trabalho de secretariar o evento como memória histórica. Dentre as decisões da Assembléia vale destacar: 1)Carta ao Ministro da Saúde e Conselho Nacional da Saúde e propósito da caótica situação atual da saúde, revisão constitucional, imposto saúde, etc. 2)Recomendação para todas as dioceses e agentes de PS da Cartilha dos direitos do paciente , elaborada pela Diocese de Osasco e fórum permanente das patologias clínicas, como um instrumento de exercício da cidadania (publicada na edição de novembro/95 do Boletim ICAPS). 3)Definição clara do que se entende por PS (identidade) bem como no objetivo geral e específico à luz dos clamores da realidade. Neste particular ficou clara a necessidade de um aprofundamento e implementação da visão global da PS nas três dimensões fundamentais, que são interdependentes, complementares e mutuamente imbricadas, a saber: comunitária, solidária e política – institucional. Para que isso aconteça faz-se necessário levar a sério a capacitação e formação integral e permanente dos agentes priorizando as urgências, bem como a necessidade de fazer parcerias com todas as organizações que se comprometem com a vida. Trabalho na promoção e educação para a saúde, é algo indispensável (“eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância”), mas não se pode esquecer os doentes e sofredores caídos por terra (“estive enfermo”). 4)Nova equipe de coordenação nacional da PS (período 1995-1998), com representantes das regionais e uma equipe multidisciplinar de assessoria técnico-científica. Na área da saúde não basta apenas ter boa vontade e disposição, é preciso conhecer em profundidade os desafios que a realidade apresenta para que aconteça a Boa Notícia da saúde. Não podemos mais ficar somente no empirismo, seria trair o espírito do Evangelho da Vida. A ternura da fé tem que necessariamente andar junto com o conhecimento e competência técnico-científica. Neste sentido é que são indicadas algumas revistas da áreas de saúde para leitura e aprofundamento de questões ligadas à bioética, política de saúde, saúde coletiva e Pastoral da Saúde. 5)Participação e realização em 1996 do Congresso de PS à luz do tema da campanha da fraternidade e política. Lema: Justiça e paz se abraçarão. Ficou acertado as


datas de 5 a 9 de setembro de 1996 em São Paulo, ocasião em que a equipe ampliada da PS se reunirá. Cabe por fim realçar a parceria constante entre CNBB – CRB na questão saúde ao longo desses anos, na realização de seminários, encontros e congressos, que tem suscitado esperança e alimentado a mística da missão no mundo da saúde. Juntos faremos acontecer a vida digna, da qual a saúde é um sinal por excelência e a autêntica infra-estrutura da felicidade. Na teimosia rebelde da fé, cremos que “Deus enxugará toda lágrima dos olhos e não haverá mais morte, nem luto, nem grito, nem dor”(Apoc.21,3-4). Léo Pessini – Coordenador Nacional da Pastoral da Saúde – CNBB. UMA HISTÓRIA EXEMPLAR WILSON LUIZ SANVITO Em 1964,Norman Cousins, redator-chefe do Saturdy Review, cai gravemente enfermo após regressar de uma viagem à União Soviética, onde tivera uma série de aborrecimentos. Ele é hospitalizado e os médicos diagnosticados uma espondiloartrite anquilosante, forma progressiva e incurável. O paciente permaneceu imóvel no leito por dor e rigidez das articulações. À época, no seu dramático depoimento, o paciente reeria: “Minha coluna vertebral e cada junta do meu corpo me faziam sofrer como se eu tivesse sido esmagado por um caminhão”. Após discutir com o seu médico (um famoso reumatologista americano) as suas chances de cura e recuperação, e ouvindo deste que nunca tinha visto em sua vida profissional e cura de uma forma de espondilite tão grave como a sua, o paciente toma uma decisão surpreendente: decide abandonar o hospital e conduzir o seu próprio tratamento, com a assessoria distante de seu médico. Ele se instala num hotel, onde assiste diariamente a filmes cômicos, recebe seus amigos e onde sua enfermeira faz a leitura de livros amenos e humorísticos. Ele descobre, assim, a terapia do riso, com a qual obtinha certo alívio e podia dormir melhor. Deixou de tomar as doses industriais de antiinflamatórios que recebia no hospital e passou a tomar apenas doses de vitamina C. Após algumas semanas desse novo tipo de tratamento o paciente começa a melhorar e alguns movimentos articulares começam a se recuperados. Após alguns anos o paciente estava totalmente recuperado e testemunhou o “milagre” de sua cura no New England Journal of Medicine, o mais importante periódico médico dos Estados Unidos. Vamos ao cerne do seu depoimento : “Minha primeira conclusão é que a vontade de viver não é uma abstração teórica, mas uma realidade fisiológica com potencialidades terapêuticas. A segunda é que eu tive a ventura de ter como médico-assistente um homem que tinha em mente que sua principal tarefa consiste em encorajar plenamente seu paciente na vontade de viver e de mobilizar todos os recursos naturais de seu corpo e de seu espírito para combater a doença, abrindo mão do uso de drogas potentes e não insenta de efeitos colaterais importante”. A repercussão de seu depoimento, através de vários artigos na imprensa, leiga e médica, foi de tal ordem que foi oferecida a ele, não médico, uma cadeira na Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia. Que valor tem o registro desse caso? Para os médicos tem apensa valor anedótico ou de depoimento como de caso único, sem amparo na metodologia científica da pesquisa médica. Mas esse caso é exemplar para as considerações que se seguem. A consideração inicial é que todo doente deve assumir uma parte da responsabilidade de sua própria cura.


Isto significa que os pacientes devem ser co-responsáveis pelo seu tratamento. O nosso organismo, independente da nossa vontade, tem sua sabedoria no sentido de restaurar o seu equilíbrio perturbado pela doença. Os médicos antigos conheciam bem a capacidade natural do organismo de domina a doença, bem sintetizada na expressão vis medicatrix naturae. Sempre que um agente nocivo atua sobre o organismo e provoca um equilíbrio em seu funcionamento, ele é capaz de mobilizar recursos para recapturar o seu equilíbrio. São os mecanismos homeopáticos que permanentemente estão corrigindo os desvios do sistema biológico. Entretanto, o poder curativo da natureza é bem mais complexo que a simples homeostase do organismo. A cura de uma doença infecciosa, por exemplo, acompanha-se habitualmente de modificações orgânicas persistentes que induzem a uma imunidade durável contra esta infecção específica. A reação do organismo não é puramente homeostática, mas correspondente a uma adaptação criativa adquirida graças a uma modificação permanente do corpo, É de observação corrente que um grande número de doentes obtém cura espontânea, o que permite concluir que uma grande parte dos cuidados médicos é inútil. Isso não significa que o médico seja dispensável; é preciso, entretanto , que este tenha a sabedoria para respeitar a vis medicatrix naturae. Uma avalanche de trabalhos científicos recentes mostra que o cérebro e o sistema imunológico, áreas fundamentais para nossa saúde, entretêm para o melhor, e às vezes para o pior, um diálogo constante. Em outros termos, os neurobiologista e os imunologistas começam a descobrir os mecanismos que, partindo de stress, agridem o cérebro, podendo, às vezes, obrigar o sistema imunitários a baixar imprudentemente a sua guarda. O organismo, nessas condições, ficaria à mercê dos vírus, dos micróbios e mesmo do desenvolvimento de células cancerosas. Em outros casos, o stress consegue, sempre permeado pelo cérebro, “desorientar” o sistema imunitário, que se volte então contra seu próprio organismo. Assim, certo “fatos de cotidiano” podem estar na origem de determinadas alergias e de doenças como urticária, asma, lúpus eritematoso disseminado, psoríase e até esclerose múltipla. Há aproximadamente dois mil anos Galeno observou maior propensão de câncer em mulheres deprimidas. Nos períodos difíceis da vida – quer se trate de dificuldades conjugais, viuvez, desemprego, ruína financeira – pode ser observado um mau funcionamento do sistema imunológico. Nesta década, uma ciência nova, fundamentalmente interdisciplinar, se constitui: a psiconeuroimulogia. Isto signiica o que o sistema nervoso e o sistema imunológico estão “acumpliciados” e trabalham dentro de um esquema de permanente diálogo, que nem sempre é pacífico e pode até mesmo ser conflituoso. Há ligações efetivas entre o cérebro e os linfáticos T e B (células fundamentais para a defesa do organismo), de tal sorte que o homem, quando submetido a um stress importante, pode se tornar mais vulnerável a determinadas doenças. Rabelais jé estimava que as pessoas alegres curam-se sempre (o que nem sempre é verdade). Sem descambar para uma psicologização da doença, é preciso considerar que um humor positivo e uma forma otimista de encarar o mundo podem contribuir para fortalecer o organismo em face da doença. Penso que, se a psiconeuroimunologia evoluir muito nesta década de 90, ela vai acabar descobrindo o que a sabedoria popular já descobriu há muito tempo; “A gente adoece mesmo é de nome feio recolhido”. Wilson Luiz Sanvito é Professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.


CARTA AOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE Chegada até nós, num momento extremamente oportuno, de intenso despertar e interesse ético, pela Paulinas, a Carta aos Profissionais da saúde elaborada pelo Pontifício Conselho da Pastoral para os Profissionais da saúde. Tem como objetivo: “oferecer uma síntese orgânica e exaustiva da posição da Igreja a respeito de tudo aquilo que está ligado à afirmação, no campo da saúde, do valor primário e absoluto da vida: de toda a vida e da vida de cada ser humano’( Card. Angelini). A tradução brasileira traz as atualizações sugeridas pelo próprio Conselho Pontifício a partir da Carta encíclica Evangelium Vitae (25 de março de 1995) de João Paulo II. O documento no seu todo apresenta uma preciosa síntese, com farta documentação bibliográfica dos principais posicionamentos do magistério da Igreja, relacionados com questões éticas polêmicas do nascer, viver e morre. Será sem sombra de dúvida, um instrumento de grande valia a todos os profissionais da saúde, em especial aos cristãos-católicos, que buscam aprofundar, conhecer e alimentar sua convicção éticas da Igreja. Não podemos esquecer e desconhecer que estamos hoje longe de um regime de cristandade em que os princípios e valores cristãos são aceitos docilmente. Situamo-nos numa situação extremamente conflitiva de valores, num contexto sempre mais secularizado e pluralista em que a missão do profissional da saúde, humano e cristão(ã), vai muito além da simples tentativa de aplicar os princípios éticos à realidade... Como anunciar verdades eternas e universais num Universo que se organiza sempre mais a partir de verdades provisórias e precárias? Neste contexto, as respostas éticas normatizadas em relação aos novos dilemas humanos trazidos pela tecnociência, são sempre mais resultados precários das contradições e conflitos da sociedade “democrática”, que é propriamente produto consensual das diversas forças sociais, e além disso, sempre menos inspiradas numa visão religiosa de um determinado grupo hegemônico. Como nos posicionarmos ética e pastoralmente respeitando os outros? A humanidade enfrenta hoje uma verdadeira explosão de conhecimentos em todos os âmbitos da vida. Em relação à vida humana, a tecnociência interfere no mais proundo de si mesma com possibilidade de mudanças radicais, desde antes de nascer até o morrer. O que antes era facilmente identificado como sendo “a mão de Deus” ou um determinismo caprichoso da natureza, hoje tem a marca da intervenção humana. Isto traz como conseqüência o aumento das possibilidades de escolha nada sáveis, geradoras de incertezas e novas angústias, Até intervir? Quais seriam os valores inegociáveis nesse processo? Surge a necessidade da discussão ética, ou mais precisamente bioética, ou seja, ética da vida. A Encíclica Evanglelium Vitae a saúda como um sinal de esperança da “cultura as vida” em meio à “cultura da morte”, em que facilmente as pessoas são coisificadas e as coisas sacralizadas. ‘A aparição e o desenvolvimento cada vez maior da bioética favorece a reflexão e o diálogo entre crentes e não-crentes de diversas religiões, obre temas éticos fundamentais, que dizem respeito à vida do homem”(n.27). Ao pensarmos em levar adiante uma nova Evangelização na área da saúde, que se constitui hoje num novo “areópago”, aos nos engajarmos numa Pastoral da Saúde verdadeiramente libertadora, temos de nutrir uma mística e ação a partir de uma visão cristã de saúde integral que contemple três dimensões fundamentais que são complementares, a saber: a) comunitária – lida com saúde pública em nível de prevenção de educação. Lutar para que as pessoas não adoençam; b)solidárias – vivência da solidariedade junto aos doentes saídos por terra. É o testemunho da ternura samaritana e c) institucional – que lida


com a política da saúde, órgãos e instituições públicas e privadas que prestam serviço na área da saúde e formam os profissionais da saúde (universidades, faculdades etc.). Que a leitura criativa desta carta aos profissionais da Saúde nos ajude a sintonizar esta perspectiva de gerarmos mais qualidade de vida e respeito pela dignidade do ser humano. Não seria simplesmente tragicômico a humanidade ter o domínio do mais íntimo da matéria (átomo), do Universo (cosmos) e de sua própria herança biológica (gens) e se perder num projeto de morte? Sem se entender e organizar uma perspectiva global de gerar mais qualidade de vida e felicidade, com tantos conhecimentos e instrumentos técnicocientíficos a sua disposição? Utopia? Sonho? Delírio? Ingenuidade? Não, acreditamos que seja a teimosia da esperança ética! Léo Pessini – Coordenados Nacional da Pastoral as Saúde – CNBB. Este artigo foi publicado como prólogo à edição Brasileira do livro “Carta aos Profissionais da Saúde” publicado pela Paulinas.


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