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O MUNDO DA SAÚDE 20 ANOS DE VIDA! LÉO PESSINI Comemorar 20 anos de existência é um motivo de alegria e uma oportunidade impar de repensarmos e fortalecermos nossa filosofia e identidade no mundo da saúde. Constatamos que em nossa realidade são pouquíssimas as publicações técnico-científicas na área da saúde que conseguem celebrar vinte anos de existência! Queremos nesta edição comemorar sem falsos ufanismo, esta caminhada juntamente com os nossos leitores, simpatizantes, colaboradores e anunciantes, que acreditaram e apostam no idealismo camiliano. Idealismo este, presente em terras brasileiras, há 73 anos, mas que já completou uma história de serviços à humanidade na área da saúde de 4 séculos, nos mais diferentes recantos do mundo. Revivendo um pouco de nossa história, isto é, voltando às raízes do projeto inicial, notamos que em março de 1977, com 34 páginas, periodicidade trimestral surgia o primeiro número de “o mundo as Saúde”. O editorial do primeiro número da revista definia como público alvo: “todas as pessoas e entidades vinculadas de uma maneira ou de outra ao mundo da saúde, por motivos profissionais especialmente, mas também pelo interesse humano: médicos e cirurgiões, humanistas, psiquiatras e psicólogos, enfermeiros (...); mas também incumbidos da pastoral num ou noutro setor, nas Igrejas que acompanham o desenvolvimento moderno do mundo e se preocupam com a salvação do homem todo. A parte informativa fará desta revista um instrumento impar nas mãos dos administradores de hospitais e casas de saúde”. A nível de conteúdo programático dos quatro números anuais “pelo menos um será mais centrado em torno de um determinado tema da atualidade médico-sanitária. Todos comportarão artigos de fundo, transcrição de informação profissionais, crônicas refletindo a atualidade do mundo da saúde, com seus congressos e acontecimentos, assim como resenhas que escolherão alguns livros ou outras publicações para apresentação e livre apreciação dos temas que evocam”. A nota editorial assim concluía “não negligenciaremos a dimensão espiritual dos problemas da saúde do ser humano. Um mundo doente precisa de um suplemento de alma”. Nestes últimos 20 anos a humanidade passou por transformações inimagináveis em todas as suas esferas componentes, quer no nível político, geográfico, cultural, social, econômico, religioso, mencionando algumas áreas mais em evidência. Mudou profundamente a situação da saúde, mudamos nós, mudou a vista...”O mundo da saúde” passou por várias fases e transformações significativas ao longo destas duas décadas. Entre as mais importantes 1) A partir d e1986, quando completou 10 anos de vida, mudou de nome e passou a


se chamar “Hospital: administração e saúde”, ainda com periodicidade trimestral. 2) A partir de 1991 passou a se bimensal. 3) A partir de 1995 volta novamente a assumir seu título e filosofia original: “O mundo da saúde”, título com que fora publicada de 1977-1985, mas agora com periodicidade mensal. Não se trata pura e simplesmente de troca de nome e roupagem, mas é um sinal claro de mudança de perspectiva, caracterizada por uma fidelidade criativa ao Carisma Camiliano e não simples mimetismo saudosista... Trata-se de uma retomada convicta e consciente deste ideal voltando às suas raízes e em sintonia com os “sinais dos tempos” cultivar uma visão global da saúde, superando visão míope do “hospitalismo” deletério. Para sermos fiéis à intuição de Camilo há 4 séculos e sermos os mesmos, precisamos mudar. Sob a égide da Sociedade Beneficente São Camilo e União Social Camiliana, sob a responsabilidade das Faculdades Integradas São Camilo, a revista hoje enfoca nas suas várias seções e saúde integral do ser humano e do mundo. Reporta experiências e assuntos de atualidade. Oferece subsídios para a melhoria de qualidade da vida e gerência dos serviços de saúde. Quer contribuir na educação para a saúde e formação técnico-científica e ética dos profissionais da saúde. Ao celebrarmos os 20 anos desta publicação e ao olharmos retrospectiva e prospectivamente vale lembrar o que disse Henfil: “Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente. JESUS E A SAMARITANA: LIÇÕES PARA OS AGENTES DE PASTORAL DA SAÚDE ANÍSIO BALDESSIN “Tinha que atravessar a Samarita”. Esta se dá início a um grande acontecimento que está no Evangelho de São João, (cf. 4,5-30). Em se tratando de linguagem simbólica muito usada no Evangelho de João, poderíamos elaborar inúmeras interpretações. Neste artigo procurarei fazer uma leitura paralela do capítulo, enfatizando os aspectos da Pastoral da Saúde e relação de ajuda. Analisando a frase “tinha que atravessar a Samaria”, percebemos que Jesus poderia ter ido à Galiléia por vários caminhos, passando pela Samaria à margem do Jordão, por exemplo. Mas o objetivo de Jesus seguindo o plano de Deus, era oferecer seu amor espírito também à pecadora (visão que os judeus tinham dos samaritanos) que o aceita.


Passando pela Samaria, Jesus sabia que estava atravessando uma terra carregada de história que remontava à divisão entre judeus e samaritanos. No entanto, obediente à vontade do pai, dispõe-se a enfrentar os obstáculos. Nós vivenciamos situações semelhantes. Podemos viver, ou simplesmente passar pela vida: vivermos para nós mesmos ou nos doarmos. Sairmos do nosso comodismo, ou nos omitirmos frente aos acontecimento diários. Também nós trilhamos por caminhos onde existem dificuldades, preconceitos, divisões e críticas. A exemplo de Jesus, também devemos estabelecer objetivos, como pontos de referências, para sabermos o que oferecer e onde queremos chegar. As dúvidas e dificuldades são constantes. Porém, podem ser superadas quando saímos ao encontro das pessoas fazendo do obstáculo, não um desestímulo, mas um desafio a ser vencido, na trilha do objetivo. ENCONTROS E ENCONTROS... O encontro de Jesus com a samaritana acontece nas imediações de um poço. Neste contexto tínhamos presente o poço como sinônimo da lei. Jesus sentou-se ao poço. Cansaço é o resultado do trabalho árduo da missão. Sentado, ele pede à Samaritana: “dá-me de beber”. Era senhor da situação, mas se coloca na condição de necessitado. Jesus é homem, e por ser homem sente necessidade e é assim, solidário com as necessidades de todos. Atuando como agentes de pastoral da saúde, o nosso encontro com o doente acontece em casa ou no hospital, e em geral começa com uma saudação. Embora tenhamos algo a oferecer, também somos pessoas necessitadas. Porém, somos solidários, e solidariedade une os homens acima das culturas e das barreiras políticas e religiosas. Colocar-se como necessitado, é oferecer-se como pessoa, eliminando preconceitos e a superioridade que pode existir do agente sobre o doente. O agente, a exemplo de Jesus, tem algo para oferecer que ajuda o doente. Mas, ao mesmo tempo, deve tomar consciência de que é necessitado. Por isso, aprende de Jesus que a única relação saudável é a relação interpessoal no dar e no receber gratuitamente. Quando oferecemos algo diferente, muitos podem desconfiar. Existe o velho ditado que diz: “quando a esmola é demais o santo desconfia”. A samaritana não conhece outro poço lei a não ser aquele de Jacó. Daí dizer a Jesus: “você não tem balde e o poço é fundo” (cf. Jo 4,11). Conhece bem a lei dos Patriarcas e a de Moisés, o legislador, mas desconhece o dom gratuito de Deus. O doente e as pessoas que o cercam, muitas vezes, , desconhecem o trabalho do agente. Muitos estão mergulhados numa fé infantil, achando que com a doença tudo acabou. Neste encontro, agindo como facilitadores, o agente resgatará o aspecto espiritual, muitas vezes abalado pelo sofrimento,


bem como junto com o doente, visualizar novas possibilidades de tratamento, ou caminhos que podem levá-lo a uma vida melhor. Por isso, se até o presente momento o agente fez apenas o papel de necessitado, a partir deste momento ele se colocará como alguém que efetivamente ajuda. INVERSÀO DE PAPÉIS Jesus, que era necessitado no início do diálogo com a samaritana, agora se oferece como água viva que mata a sede. Agora, a mulher começa a descobrir a gratuidade de Deus. Percebe que a atitude de Jesus é uma atitude de amor. A gratuidade de Jesus é tão acentuada que a mulher se declara disposta a abandonar para sempre o poço “lei” e a tradição. O agente de pastoral se aproxima como pessoa, por isso, é necessitado. Aproximar-se de alguém que não nos conhece é despertar a curiosidade desta pessoa. Curiosidade não pelo muito falar, e sim pelo ouvir, pois é raro, em nossos dias, alguém parar e escutar o outro gratuitamente. Desperta a curiosidade também pela maneira de ser e de agir. É alguém diferente. A samaritana sentia-se cansada de ir ao poço e não ter sua sede saciada. O doente muitas vezes está cansado de receber apenas tratamento terapêutico e atendimento corporal. Pode se sentir cansado também quando não respeitamos seus valores querendo impor nossas crenças e valores religiosos a qualquer custo, fazendo um “assalto espiritual”. Acompanhar humana e cristãmente para que, através do nosso testemunho possamos revelar a presença de Deus, é o grande desafio. A REVELAÇÃO No versículo 19, a mulher samaritana diz: “vejo que és um profeta”. Que bela revelação! Revelação vinda da convicção pessoal, pois ela experimentou o amor gratuito de Deus presente na pessoa de Jesus. Sentiu um pouco de dificuldade em reconhecer qual era a proposta de Jesus, como os doentes por vezes custam em nos reconhecer. Dificuldades que as vezes temos de reconhecer a presença de Jesus na pessoa do doente. Eras tu, Senhor? Porém, quando descobriu que aquele com quem conversava era o próprio Cristo, a mulher quis saber tudo dobre esta novidade que ele trazia, e principalmente, qual é o culto verdadeiro. Para alguns fundamentalistas, esta seria uma oportunidade única para chamar um doente à conversão. A exemplo de Jesus, o agente de pastoral deve mostrar primeiramente que, aqui não se trata de escolher esta ou aquela religião, mas revelar o amor gratuito de Deus (solidariedade), pois o amor a Deus e ao próximo e a prática da justiça, são o novo santuário proposto por Jesus, proposta esta que pega até os discípulos de surpresa. Eles também não tinham superado ainda a mentalidade judaica.


A AVERSÃO O versículo 27 traz outros personagens que são os discípulos. A primeira impressão é que Jesus está discutindo com a mulher. Neles, ainda é muito forte o apelo discriminatório. O desafio de ir ao encontro do doente, rompendo barreiras, é algo que precisamos vencer no trabalho pastoral. Principalmente aqueles que ainda não superaram a mentalidade materialista, fundamentalista, e principalmente sacramentalista. Não são poucos os que estranham a presença do padre, ou dos agentes. Muitos pensam, ainda hoje, que o agente de pastoral deve estar somente com aqueles que pedem uma visita, ou praticam a mesma religião. A exemplo dos discípulos, que estranharam a atitude de Jesus, muitos estranham a presença do padre, achando que ele só deve aparecer quando o paciente corre perigo de vida, em geral quando a equipe médica não tem mais nada a fazer. Mas, se conseguirmos superar esta mentalidade, através de nossa presença e testemunho, muitas pessoas vão aderir à nova proposta. A ADESÃO Nos versículos 28, 29 e 30, vemos o fruto do trabalho de Jesus. “A mulher deixou seu cantaro”. Deixar o balde é romper com a lei. É compreender a novidade. Novidade que ela não guarda somente para si. Aqui ela apresenta Jesus não mais como um judeu e sim como homem, pois ele acabou com a discriminação. Nossa missão como agentes de pastoral também é espalhar a novidade de vida e saúde que Jesus prometeu a todos nós. “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”. (C. Jo 10,10) Essa adesão por parte da Samaritana aconteceu porque Jesus primeiro ofereceu amparo, “água viva”; só depois de ter despertado o anseio é que denunciou suas maldades. A partir da “água material” ofereceu-lhe água “espiritual”. Em outros trechos no Evangelho, (cf. Mt. 14,28-31), então Pedro disse: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”. Jesus respondeu: “venha”. Pedro desceu da barca, e começou a andar sobre a água, em direção a Jesus. Mas, ficou com medo quando sentiu o vento e, começando a afundar, gritou: “senhor, salva-me”. Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro e disse: “homem fraco na fé, por que você duvidou”? Este gesto de Jesus nos ensina que devemos respeitar as convicções e valores dos doentes, não nos preocupando com discursos moralizantes principalmente se a pessoa não estiver amparada. Aprendemos de Jesus que, primeiro segurou a mão de Pedro, e só depois dele estar seguro o confrontou. Se soubermos amparar e respeitar, principalmente nos momentos difíceis, as


pessoas se sentirão amadas, acolhidas, compreendidas, e responderão positivamente. UMA RESPOSTA IMEDIATA Saíram da aldeia e se dirigiam aonde ele estava. É uma resposta unanime e imediata. Como a mulher, eles também estão conscientes de que lhes falta algo. Mas, sabendo da novidade trazida por Jesus, os samaritanos vão ao seu encontro e aceitam sua mensagem. No trabalho pastoral, é muito freqüente encontrarmos as pessoas apenas uma ou duas vezes. Isso não deve ser obstáculo. Primeiramente porque não esquecemos visitas que recebemos, principalmente quando estamos doentes. Se agirmos com amor e competência, poderemos atender às expectativas dos doentes, e a exemplo da samaritana que descobriu a novidade trazida por Jesus, foi anunciá-la aos outros. Os doentes também, de evangelizados poderão se tornar evangelizadores. A frase, “a mulher deixou seu balde”, pode dar margem para interpretações inoportunas. Ninguém quer que os doentes mudem de vida e muito menos de religião. Não é esse nosso papel. O trabalho do agente é fazer com que o doente perceba que a doença provoca coisas negativas tirando o ritmo normal de nossa vida. O agente deve ajudar os doentes a sair dum contexto de sofrimento em que se encontram, achando que tudo está acabado por causa de sua doença. PARA DISCUTIR EM GRUPO 1) Quais são as razões que motivam minha ação pastoral? 2) Quais são os maiores desafios para ir ao encontro das pessoas? 3) O que podemos fazer para que os doentes, de evangelizados se tornem evangelizadores? XII ENCONTRO NACIONAL DO MOVIMENTO FAMILIAR CRISTÃO (MFC) Realizado em Maceió (AL) nos dias 23 e 28 de julho de 1995 que refletiu sobre: ÉTICA E FAMÍLIA PARA UMA SOCIEDADE RENOVADA FREI LUIZ AUGUSTO DE MATTOS 10 EIXOS DO ENCONTRO A produção reflexiva no XII ENA convergiu para um aprofundamento dos desafios éticos que emergem para o(a) cristão(ã) e para a família dentro da Sociedade contemporânea. Neste sentido, procurou-se compreender em que o MFC está sendo provocado, à luz da Palavra e das transformações sócio-


culturais a continuar aprofundando, re-assumindo seus compromissos ético no que diz respeito à defesa da vida. Partindo duma metodologia participativa – que contribuiu para ensaiar a própria experiência ética que deverá reconstruir a Realidade – os participantes do Encontro pouco-a-pouco foram delineando, a partir do diálogo nos grupos, das ricas celebrações, da convivência fraterna e alegre, da integração da realidade plural de etnias, gêneros, idades, profissões, ideologia, os traços da Ética que deverão atravessar a ação Evangelizadora. O método contribui para que o início dos trabalhos tivesse como ponto de partida o CONTEXTO social, político, econômico, religioso/eclesial e familiar. E ainda: a reflexão contextualizada possibilitou compreender a Ética como uma decisão/ opção dentro das condições duma realidade de pobreza, exclusão para a grande maioria e, por outro lado, apresentando um desenvolvimento crescente para uma minoria. Situação que permite encontrar nas práticas das pessoas, das famílias, dificuldades e/ou alternativas na biodiversidade de experiências, conforme foram relatadas durante o Encontro. Pensando a experiência ética nessa conjuntura, através de uma ação responsável pelo destino de si, do(a) outro(a), da natureza, da dinâmica social, se elencaram alguns Critérios (solidariedade, liberdade, relações recíprocas, vida, justiça, fraternidade, etc.) que devem orientar os compromissos para uma Adesão ao Bem (=Projeto de Deus). Na trilha dessa visão ficou claro que os critérios (valores) são compreendidos, vivenciados desde a perspectiva, o lugar e os interesses do POBRE, do(a) OUTRO(A) e do EXCLUIDO – que se apresentam como CRITÉRIOS FUNDAMENTAL, (Mt 25,35-36; Lc 4,18-19) para o testemunho do imperativo ineludível e claro da ética cristã: libertar a Vida de tudo que a oprime e a empobrece. Seguindo essa orientação de fundo, o Encontro caminhou despontando alguns eixos que são como linhas-força de uma Ética cristã para a Renovação da Sociedade. Veja a seguir uma tentativa de síntese de alguns eixos que aparecem durante o Encontro. I - A ÉTICA É INTEGRADORA DA VIDA Já não se pode pensar a ética dentro do regime do separado, do desintegrado. Daí que a Ética é vivenciada na tensão articuladora entre: privado e público, corpo e espírito, história e eternidade, pessoa e comunitário/social, objetivo e subjetivo, particular e universal, real e utópico, sagrado e profano, mulher e homem, mística e política, ético e legal, micro macro... Ou seja, a ética deve/ pode ser vivenciada na globalidade da vida, vale dizer, onde a vida é realidade.


II – A ÉTICA SE OPÕE A TODO MORALISMO A Ética não pode ser esvaziada da sua capacidade crítica transformadora, o que levaria a um moralismo. Por isso, ela (ética) não deve ser identificada com as duas características básicas, moralismo que, às vezes, atravessam as instituições (família, Igreja, etc.), organizações, entidades. Uma característica se identifica com a prática que despreza o sujeito com sua história e suas significações. O que conta e o código de normas – o que concorre para o rigorismo, legalismo, casuísmo. Outras características se reflete no liberalismo: nega-se qualquer questionamento e a regra é “deixar cada um decidir segundo o que acha”. Neste caso não existiriam referências, a não ser o Eu absolutizado como referência das opções, práticas e projetos. III – A ÉTICA EXIGE UMA DISTINÇÃO DOS NIVEIS DE VALORES A apreciação ética dos comportamentos, atitudes, em vista duma dinâmica libertadora, exige saber distinguir níveis, como: a) ÔNTICO - o ser humano é determinado por alguns fatores (psíquico, biológico) que independem da vontade do sujeito, e que condicionam comportamentos, tendências (=inclinações), atos do indivíduo; b) SOCIOCULTURAL< ECONÔMICO – essa realidade influencia o sujeito nas suas atitudes, atividades. Todo ser humano é fruto (também) de uma cultura, de uma vivência social. Na Sociedade capitalista, o Econômico é determinante da vida – ele é que qualifica a vida das pessoas, das famílias. (Quem tem, tem vida boa é considerado sujeito-cidadão). O pobre é não- pessoa nessa lógica econômica; c) ÉTICO – este nível, através de uma articulação crítica com o ético e o cultural, procura “analisar o que se passa, discernir valores pelos quais se guiar e se encaminhar na vida”. Esta distinção e articulação dos níveis só é possível numa ética alicerçada numa perspectiva: interdisciplinar (diálogo com várias ciências: psicologia, sociologia, filosofia, teologia, antropologia, etc.); sistêmica (ética que não fica no ato em si mas que vê os fatores que o condicionam); situacional (não despreza as circunstâncias onde se encontra o sujeito); dialogal. Esta maneira de construir um juízo ético mergulha nas motivações do sujeito e possíveis conseqüência. IV – A ÉTICA É TESTEMUNHADA A PARTIR DE ALGUNS REFERÊNCIAIS A viabilização do testemunho ético faz-se realidade (também) pela experiência de referenciais que são importantes. Entre esses podem-se


destacar: coerência entre teorias e práticas, consciência crítica diante dos acontecimentos; informações e contexto; reciprocidade no relacionamento humano em oposição a toda coisificação, discriminação, gratuidade, luta contra tudo que ameaça a vida; liberdade profética; convicção diante do que assume; criatividade nas atividades; coragem diante dos riscos,... Esses referenciais arrancam o ser humano: do idealismo, da omissão, da “moral” da boa vontade e da ingenuidade; da cumplicidade com a cultura do cinismo e da violência, da irresponsabilidade diante da exclusão da grande maioria. V – A ÉTICA APRESENTA UMA DIMENSÃO COMUNITÁRIA Diante de mecanismos ideológicos, organizações sociais, instituições e políticas que expropriam a vida do povo e/ou destroem a natureza, a Ética tem que ser vivenciada num nível comunitário, coletivo. Isto é possível por uma ação conjunta que integra as várias frentes e luta em favor da vida: pastorais, organizações populares, movimentos populares alternativos, práticas políticas em algumas campos (p. ex. sindicatos, partidos políticos, prefeituras). VI – A ÉTICA É DESAFIADA A ENFRENTAR A ÉTICA DO MERCADO A vivência da ética na Sociedade do Capitalismo moderno é dificultada pela ética sintonizada com a lógica do Mercado. O que conta é o INTERESSE PRÓPRIO que contribui para o lucrar cada vez mais. Daí o surgimento do individualismo, consumismo, hedonismo, da competitividade e eficacidade. Acaba-se sacralizando o TER, o PODER, o SABER, o VENCER, em detrimento do SER ético – o que acarreta um conflito entre os valores promovidos pela Sociedade capitalista. VII – A ÉTICA É CONSTRUÍDA DENTRO DE UM TEMPO E DE UMA HISTÓRIA Para entender o conflito das gerações, as divergências no campo da ética, a inversão de valores, torna-se fundamental entender duas coordenadas sociais que determinam a ética. A primeira é quanto ao modelo de vida que se vive. O modelo, por exemplo, do operário é diferente do modelo empresarial, e o modelo determina o estilo de vida que condicionará o modo de ver a vida, a história, as práticas, as lutas, os acontecimentos. Consequentemente, a postura ética vai estar determinada pelo estilo de vida. A visão, por exemplo, da greve dos trabalhadores é diferente entre o empresário e o operário. Outras coordenada é o tempo histórico. O momento histórico do hoje é traçado pelas características da Modernidade (autonomia, pluralidade, secularização, razão, democracia) e da Pós-modernidade (subjetividade,


retorno ao sagrado, etc.), o que determina novos padrões culturais. Esta realidade necessariamente leva a uma nova maneira de ver, interpretar os valores (por exemplo, solidariedade, justiça, dignidade, fraternidade), o que contribui para novas posturas éticas. Por isso, a realidade que se dá a alguns valores que ontem eram prescrições, como: casar virgem, ser sensível ao semelhante; ser honesto no comércio. VIII - A ÉTICA ORIENTA PARA A RECONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE O compromisso ético, ao ter como meta a promoção da vida, a libertação dos pobres e oprimidos, a integração dos excluídos, implica numa conscientização- organização-mobilização que defenda e garanta as necessidades básicas da vida (saúde, educação, moradia, liberdade, reforma agrária, etc.). Sendo assim, a ética hoje passa pela conquista da cidadania, da democracia, que construirão o poder popular- solidário com a causa do povo. Poder que dará oportunidade para reconstruir a Sociedade em todos os níveis – privilegiada iniciativa para garantir uma “Sociedade renovada”. IX – A ÉTICA É A ALTERNATIVA DIANTE DA “FALTA E ALTERNATIVAS Com a mundialização de Direita que atravessa a humanidade, e que se faz conhecida como NEOLIBEALISMO, FUNDAMENTALISMO, NEOCONSRVADORISMO, as saídas para uma sociedade renovada (=eticamente solidária e justa) se tornam complicadas e difíceis. É aqui que nasce o protagonismo da ática com iniciativas que criam práticas alternativas. Caso contrário, estaremos caminhando para um “suicídio coletivo da humanidade”. No Brasil, o trabalho do Betinho contra a fome, a luto dos movimentos ligados às Organizações Não Governamentais – ONGs ( por exemplo, ecológico) sinalizam essa caminhada que todo ser humano, comunidade deverá assumir dentro da sociedade civil. No fundo é o bloco dos compromissados com a vida, construindo uma mundialização a partir dos últimos da história. X – A ÉTICA SE DEFRONTA COM NOVAS QUESTÕES O MFC está desafiando a continuar aprofundando as novas questões que emergem hoje dentro da Sociedade, se quiser prosseguir no compromisso ético que ajude a edificar a Sociedade renovada. Veja alguma dessas questões durante o Encontro: 1.Como enfrentar a “ética do pós-dever”? - Ética que “desvaloriza o ideal da abnegação, liquida os valores sacrificiais e estimula os desejos imediatos, a paixão do ego, a felicidade intimista e materialista”.


2. Como enfrentar a crise de paradigmas (= o conjunto de pressupostos, critérios com os quais a ética se estabelece)? - hoje corre-se o risco de um dogmatismo, uma intolerância quando se fecha num paradigma ultrapassado. Em que responde, no presente, um paradigma polarizado na Ordem natural? Quais os riscos de uma polarização na Razão? O que ajudaria um paradigma a partir de uma visão holística? Parece que alguns conflitos com a instituição eclesiástica passam (também) por essa questão do paradigma; 3.Como enfrentar ma medicina construída pelos seguintes modelos: a) técnico-científico ( o que importa é o fazer); b) empresarial comercial (o que vale é mercadocentrismo – vive-se pela ética do rendimento); c) aliança com a corrupção/expropriação. A luta contra uma medicina que se identifica com estes modelos é a forma que se tem para se opor a práticas como: pagamento de laqueaduras para conseguir votos; cesáreas que se justificam para ganhar com a cirurgia; controle de natalidade através de uma política imperialista, dominadora, do Primeiro Mundo; o ser humano como cobaia das novas técnicas; clínicas clandestinas para o aborto, a esterelização, etc.; 4. Como assumir uma Ética que tem as seguintes características: inculturada; ecológica/ cósmica; pluricultural; holística; utópica; popular; 5. Necessidade de viabilizar para os agentes: a formação política; a formação técnico-científica, dependendo do campo profissional; e o desenvolvimento de uma consciência crítica do contexto, o que contribuirá para superar uma visão ingênua da realidade e uma falta de credibilidade das práticas diante de alguns setores da sociedade; 6. Como resgatar as dimensões do belo, da corporeidade, do lúdico, do brincar – contra uma experiência pelo racional, mecânico.


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