icaps-142

Page 1

O VALOR DO SOFRIMENTO HUMANO PE EVANGELISTA MOISÉS DE FIGUEIREDO INTRODUÇÃO O que me levou a escrever esse artigo sobre o valor do sofrimento humano foram as repetidas perguntas e dúvidas sobre esse tema, ouvidas durante os Cursos de Pastoral da Saúde. Por muito tempo na história da humanidade, principalmente por influência religiosas, valorizou-se o sofrimento como meio eficaz de purificação da pessoa humana. Hoje se nega que o sofrimento tenha algo de positivo para o ser humano . Vivemos num mundo onde se rejeita e se foge do sofrimento. A maioria das pessoas teme mais o sofrimento que a própria morte. Qual o valor do sofrimento humano? A ORIGEM DO SOFRIMENTO Durante séculos se aceitou que o sofrimento humano é conseqüência do pecado original. Hoje se admite que o pecado social causado pelo poderio dos chefes de grupos ou de nações seja gerador de sofrimento . Portanto neste sentido o pecado origina sofrimento. Porém, coloca toda a culpa da origem do sofrimento humano no pecado original é fugir da própria responsabilidade. Quando falamos de sofrimento precisamos pensar em algo profundo enraizado na própria humanidade. O sofrimento é muito mais amplo e mais complexo que a dor, a doença ou abandono social. Existem várias categorias de sofrimentos: o sofrimento físico causado pela dor, o emocional causado pela perda de entes queridos, a perda do doce lar que é o útero da mãe, a perda da adolescência, da mocidade a aproximação da velhice, a distância da pessoa amada, a convivência com pessoas a nós antipáticas, as mudanças, a discriminação, a falsidade de sentido de vida... enfim, a vida do homem é marcada pelo sofrimento. Cada pessoa, no decorrer de sua vida, trilhou de um modo ou de outro o caminho do sofrimento. Ele é tão profundo e tão presente na vida de cada um de nós, que parece fazer parte de nossa própria identidade. Se cada um se propuser a escrever um livro sobre a sua autobiografia, fatalmente o sofrimento terá o seu espaço reservado nesta história. O sofrimento não discrimina as pessoas por religião, raça, cor, beleza, poder econômico, ou classes sociais: atinge a todos. Pesquisas comprovam que a maioria dos suicídios provêm das classes mais privilegiadas economicamente. Podemos refletir também sobre o sofrimento a nível de mundo. Basta pensar nas calamidades naturais, nas enchentes, nas epidemias, catástrofes e


cataclismos, nos flegelos sociais, nas guerras mundiais, nos campos de concentração de Hitler que levou Albert Camus a se perguntar em seu livro A Peste: “Se Deus é bom e misericordioso como pode permitir tanto sofrimento aos seus filhos?” As barbaridades narradas no livro “Brasil Nunca Mais”! Sem alar da ameaça terrível da guerra nuclear que não podemos imaginar senão em termos de acumulação incomparável de sofrimento. Segundo Victo Frank, o mundo está caminhando como um trem em um túnel escuro sem saber o que o espera no final: “a maior doença da época moderna é a falta de sentido de vida”. Uma coisa é falar dos sofrimento , outra bem diferente é senti-lo na própria pele. Muitos falam do valor do sofrimento humano como chamado à conversão, como momento de solidariedade, como um momento propício para que possamos parar e fazer uma revisão de vida. É interessante notar que historicamente do sofrimento nasceram ocorrências positivas: a Igreja germinou do sofrimento da cruz e Cristo. Os países que foram derrotados na II Guerra Mundial atualmente são os mais desenvolvidos. Foi na época de maiores calamidades mundiais que surgiram as maiores instituições de caridades e congregações religiosas. O sofrimento foi um fator de conversão importante na vida de muitos santos. Foi pela falta de fé de um monge que ocorreu o reconhecido milagre de Lanciano (Itália). Devemos permanecer no pecado para que haja abundância da Graça, pergunta São Paulo? (Rm 6, 1-3). Afinal, qual o valor do sofrimento humano? O ANTIGO TESTAMENTO As perguntas sobre a origem, o por quê e o valor do sofrimento são tão profundas que podem ser dirigidas ao próprio Deus, Senhor do universo. Na história do Antigo Testamento encontramos Jó e o profeta Jeremias que ousaram fazer tal questionamento a Deus. Percorrendo o terreno dessa pergunta chega-se a múltiplas frustações e conflitos . Corre-se o risco de ofuscar e até negar a existência de um Deus misericórdia e bondade que se preocupa com os seus filhos. O Antigo Testamento não valoriza o sofrimento. Ao contrário, apresenta-o como castigo infligido por Deus pelos pecados dos homens. Deus no Antigo Testamento, em termos de Justiça, é apresentado num plano tão elevado que nenhuma criatura o pode alcançar. Deus é um justo juiz, que premeia o bem e castiga o mal. E num plano puramente humano o sofrimento deve ser totalmente rejeitado. “É melhor a morte do que viver com amargura e o descanso eterno vale mais do que a doença adquirida” Eclo 30,17. Refletindo sobre a justiça divina, Jó e o profeta Jeremias colocam em cheque essas visão de um Deus que premeia os bons e castiga os maus e


negam que o sofrimento seja conseqüência da culpa e tenha caracter de castigo, apresentando o problema do sofrimento dos inocentes. O prólogo do livro de Jó nos apresenta um Deus que, se não foi o responsável direto pelo seu sofrimento, ao menos, condescendeu com a provocação de satanás (c. 1,9,11), apesar de que no fim tenha feito justiça ao transtornado Jó. Jeremias, no cap. 12 e em várias outras passagens, também questiona duramente a justiça divina, uma vez que os malvados e perversos prosperam e os profetas e os que procuram fazer o bem são desprezados, zombados e humilhados, a ponto de amaldiçoarem o dia do nascimento (cf. Jr 15,10s). JESUS CRISTO Somente com a encarnação e ressurreição de Cristo o sofrimento adquire caráter redentor. Jesus, segundo os quatro C6anticos do Servo de Javé narrados em Isaías (Is 42,1-9; 49, 1-9; 50, 4-11; 52, 13-53,12) é apresentado como o servo soredor e inocente que assumiu sobre si as nossas dores. Da missão de Jesus podemos concluir que o amor e o sofrimento caminham juntos. Somente o amor incondicional vence e dá valor ao sofrimento humano. Esse é um nível de espiritualidade alcançado por poucas pessoas. “Se o grão de trigo não morrer”... (Jo 12,24). Cristo não foi um masoquista que escolheu o sofrimento por gostar de sofrer! Jesus veio ao mundo para realizar a ação salvífica de Deus aos homens. “Deus amou tanto o mundo que deu o seu único Filho, para que todo aquele que crê nele, não pereça (= sofrimento máximo), mas tenha a vida eterna” (Jo3,16). Jesus veio para os que eram seus, e os seus o rejeitaram infligindolhe sofrimento e dor. Jesus, obediente a Deus, não fraquejou recuando, mas cumpriu a missão que lhe ora confiada pelo Pai, vencendo o sofrimento e a morte e transformando-os em momentos de redenção. Jesus é o inocente que assumiu os pecados da humanidade para que os homens pudessem alcançar a salvação. É o Cordeiro do Apocalipse, que apesar de ser imolado continua de pé. ( Ap. 5,6-7). Se Cristo não tivesse ressuscitado, a sua vida de luta e sofrimento teria sido uma desilusão e nós seríamos dignos de pena, os mais miseráveis entre todos os seres criados ( Cf. 1Cor 15, 16-20). São Paulo compara o padecimento da vida com as dores de parto, onde a felicidade futura do nascimento de uma nova vida faz com que o sofrimento seja suportado com alegria. “A criação abriga a esperança, pois ela também será liberta da escravidão da corrupção, para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus... Sabemos que a criação toda geme e sofre dores de


parto até agora. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gememos no íntimo, esperando a adoção, a libertação para o nosso corpo” (Rm 8,20s). O sofrimento adquire valor em vista de algo que o supera. CONCLUSÃO Dentro da Igreja há duas correntes de avaliação do sofrimento humano: De um lado alguns negam completamente seu valor em nome do Cristo ressuscitado, Senhor da vida em abundância e saúde para todos. ( Jo 10, 10). Por outro lado alguns pregam o valor do sofrimento humano como indispensável e válido para a purificação da pessoa ( cf. Gal 6,14). O sofrimento faz parte da própria condição do ser humano e até a supera. A origem do sofrimento é um mistério que o homem não está em condições de entender com a sua inteligência. Diante do sofrimento prefiro seguir os conselhos de São Paulo: “Vistam a armadura de Deus, para que, no dia maus, vocês possam resistir e permanecer firmes, superando todas as provas.... Coloquem o capacete da salvação e peguem a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus”(Ef 6, 13-17); 2Tim 2, 3-7). O sofrimento em si mesmo é um mal com características absolutamente negativas. Somente adquire sentido em função de algo que o supera. Em função do amor, em função de Deus, em função da vida em plenitude. Somente quem ama e em fé pode olhar em frente, e em nome da esperança suportar a realidade do sofrimento. Quem não ama não consegue entender tal dedicação e acaba desistindo de lutar, preferindo o convívio dos medíocres. É esse amor que levou Jó a afirmar: “Sei de fato que meu Redentor vive e que no último dia... verei o meu Deus,...” Jó 19, 25-26. Nos Cristãos temos a esperança na vida nova em Cristo, o qual conviveu com o sofrimento e a morte vencendo-os pela sua ressurreição, transformando-os em momentos de redenção. Acreditamos com São Paulo que o sofrimento desta vida presente não se compara coma glória futura que deverá ser revelada em nós (Rm 8,18). Essa esperança, através da fé de que seremos semelhantes ao Cristo ressuscitado, nos dá forças para seguir em rente. Mas as perguntas sobre a origem, o porquê e o valor do sofrimento continuam um mistério para a razão humana. Pe. Evangelista Moisés de Figueiredo é Capelão do Hospital das Clínicas da FMUSP.


PECADO, PERDÃO E CURA PE. JÚLIO MUNARO “Mestre , quem pecou ele ou seus pais para que nascesse cego?” Jesus respondeu: “Nem ele nem seus pais, mas é para que nele se manifestem as obras de Deus” (Jo 9, 2-3). “A doença, ainda que intimamente ligada à condição do homem pecador; quase nunca poderá ser considerada como um castigo que lhe seja infligido por seus próprios pecados” (Rito da Unção, n.2) Por que Deus permite a morte inocente? A esta indagação, Bartolomeu Spina, Mestre do Vaticano, responde: “Deus age com justiça. Se não morrem por causa de pecados que cometeram pessoalmente, morrem sempre com a culpa do pecado original”. O pecado, segundo Spina, é a raiz de todos os males, a morte incluída. Quando não existe o pecado pessoa, sobre o pecado original. Dele ninguém escapa. Nele, o Deus que castiga é sempre justificado. E os animais, que não têm pecado, por que sofrem? A resposta é lógica: “Não sofrem; fingem que sofrem” ( M. Malebrancha). O pecado pessoal e o pecado original explicam todos os males da humanidade. Como o ser humano é o único capaz de pecado, é sua a responsabilidade por todos os males que acontecem. Sua maldade contaminou e desarranjou o universo e toda a criação se volta contra ele! Esta concepção do pecado original pouco influenciou a mentalidade judaica, mesmo no tempo de Cristo, que não menciona uma só vez esta realidade nefasta. Com São Paulo em Rm 5,12 e as interpretações que oram feitas do versículo, sobretudo por Santo Agostinho, o teólogo que maior influência exerceu na Igreja Latina até nossos dias, o pecado original passou a constituir a causa de todos ao males, tanto no ser humano como no universo. Adão e Eva figuram como os vilões da história da humanidade. Foram a sua ruína. Será realmente correta esta explicação? Hoje, esta maneira de pensar está em crise. A ciência obriga a repensar o conceito tradicional de criação, saída das mãos de Deus acabada e perfeita, incluindo o ser humano. O paraíso terrestre, como foi interpretado, não passa de fantasia. O ser humano perfeito ou com a perfeição que lhe foi atribuída por muitos pensadores cristãos em seu momento inicial, nunca existiu. Se não podemos negar a perfeição do universo e do ser humano, obras de Deus, devemos admitir que nossa idéia de perfeição foi equívoca.


Precisamos refazê-la se não quisermos perseverar no engano e continuar carregando suas conseqüências negativas. Albert Einstein, em sua experiência de pesquisador científico, concluiu que “Deus é subtil, mas não trapaceiro”. Estaria a humanidade atenta à subtileza de Deus para compreender a perfeição do universo e da pessoa humana? Teilhard de Chardin intuiu que “existe uma dupla e grave dificuldade para manter a velha representação do pecado original. Esta dificuldade podemos expressá-la da seguinte forma: Quando mais escavamos cientificamente o passado, tanto menos sobra espaço para Adão e para o paraíso terrestre”. Os estudos bíblicos e os progressos científicos apontam para outros horizontes. A idéia da evolução do universo, dos seres vivos em geral e do homem em particular, já se firmou. Trata-se de uma idéia fecunda, mal explorada em suas conseqüências, sobretudo no que se refere aos conflitos cósmicos em geral e, em particular, à doença e à morte dos seres vivos, sem excluir o homens, enquanto ser biológico plena e virtualmente inserido no cosmo e, como tal, sujeito a todas as leis e contingências. Neste contexto de criação evolutiva, os antes e os depois são mais numerosos e complexos do que se pode imaginar. A ciência deu-se conta disso. Os conflitos e os choques entre as partes, parcialmente negativos e destruidores, revelam-se positivos e fecundos para o conjunto. A vida, vista como circunstância da criação, como ser humano no seu topo, é o resultado de longo e subtil processo, marcando pelo conflito, pela doença e pela morte bem antes que o ser humano entrasse em cena e pecasse. Ele enfrenta seus enfeitos, sem ser a sua causa. Mas, se de um lado, a humanidade se insere no universo e se enquadra na sua dinâmica, de outro, se caracteriza por prerrogativas que lhe garantem sua posição única entre os seres vivos e lhe conferem uma capacidade de ação ímpar sobre o criado e sobre si mesmo. A Bíblia reconhece isto sem rodeios: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança. Crescei, multiplicai-vos, submetei a terra” (Gn 1,26-28). “O fizeste pouco menos sob que um deus... para que domine as obras de tuas mãos, sob os seus pés tudo colocaste”(Sl 8,6-7). “Deus insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente, misteriosamente diferente de todos os demais: inteligente, livre, criativo, capaz de se autodeterminar, de conhecer o bem e o mal, o que condiz e o que não condiz com ele, com seus semelhantes, com o cosmo com o Criador. É um ser de responsabilidade e, portanto, imputável. É nesse contexto que o ser humano é sujeito de pecado e sujeito às conseqüências de seu pecado.


A pessoa humana, excepcionalmente dotada, vai-se explicitando pessoal e coletivamente no tempo e com o tempo, em meio toda a carga que herdou da natureza cósmica e que lhe é intrínseca. Ao mesmo tempo goza de especialíssima predileção e assistência de Deus que “amou tanto o mundo que lhe entregou seu filho único” (Jo 3,16). Tudo culmina na redenção, por obra e graça do próprio filho de Deus, que não veio ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele (Jo 3,16). O ser humano, portanto, não está vinculado apenas ao cosmo e aos seus mecanismos, nem age apenas em força deles, mas sobrepõe-se e impõe-se, compreende e manipula, acerta e erra, realiza e destrói. Deus, com sua assistência, luz e graça, lhe conferiu um estado especialíssimo. O adotou como filho e herdeiro. O adotou como filho e herdeiro (cf. Rom 8,170, o orienta e castiga, o cura e refaz. Aqui entra em jogo o tema; Pecado, confissão e cura. Para ser bem compreendido deve levar em conta os três elemento fundamentais do ser humano: a) sua integração cósmica; b) seu status privilegiado na natureza; c) a especial atenção que merece de Deus. Enquanto ser integrado no cosmo, vai sujeito a todos os seus mecanismos, inclusive à doença e à morte. Iguala-se, com as devidas variações, aos demais seres vivos. Deus respeita sua obra e deixa que siga o curso que lhe estabeleceu, sem fazer exceções para o homem. Mas o ser humano, graças aos seus dotes específicos, age sobre a natureza, a domina e organiza em seu próprio interesse, controlando e eliminando os inconvenientes que o afetam. Impõe-se à doença, diminui o sofrimento, retarda a morte, melhora as condições e a qualidade de vida. Infelizmente, nem sempre trabalha em plena luz. Os contratempos também acompanham sua caminhada e atividades. É o homem entregue às suas limitadas forças no seio da natureza. Apesar de tudo, sua caminhada foi espetacular, sobretudo se comparada com a dos demais seres vivos. Para Santo Agostinho, quanto mais o ser humano se afasta de sua origem, tanto mais evidencia as suas debilidade. Perde em orça física e biológica, em vigor mental e espiritual, como conseqüência do pecado original. Felizmente, a história prova o contrário e desmente o Doutor de Hipona. O ser humano cresce e se aperfeiçoa, apesar de todos os percalços. Por outra parte, o ser humano, dotado de psique espiritual, dispõe de uma força diferente, que atua sobre ele própria com efeitos positivos e negativos e negativos, com repercussões sobre a saúde. Já Hipócrates observava que a disposição psicológica para viver, retarda a doença e favorece a cura. A psicologia moderna intensificou as pesquisas neste campo e deu-se conta dos inúmeros mecanismos de relacionamento psicossomático


que atuam no ser humano, com poder sanante e com orça patogênica. Também aqui deparamos com o ser humano entregue a si mesmo, manejando mecanismos de vida e de morte que lhe são próprios e dos quais nem sempre é consciente ou consegue controlar. Tudo depende do uso que deles faz, consciente ou inconscientemente, com o agravamento do medo alimentado, da angústia cultivada, do desânimo não controlado, da interpretação incorreta dos fatos, etc., além de relacionamentos incorretos com seus semelhantes. Este artigo continua no próximo número

ÉTICA E CIÊNCIA LÉO PESSINI Em nenhum outro momento da história humana, a ciência e a técnica levantam tantos desafios para ser humano quanto hoje. Os progressos das chamadas novas tecnologias reprodutivas, da biologia, da genética, da medicina, que vão do simples transplante de órgãos até o controle do código genético, são uma evidência de novos tempos. Esse último episódio da clonagem de ovelhas na Escócia (Instituto Roslin – Edimburgo) é a ponta do iceberg de uma revolução silenciosa em curso cujas conseqüência somente agora começamos a perceber. Jean Benard, médico humanista francês, diz que a medicina, mudou mais nos últimos 50 anos que nos 50 século precedentes. O século que ora finda foi marcado basicamente por três mega projetos. O primeiro foi o Projeto Manhatan, que descobriu e utilizou a energia nuclear bem como produziu a Bomba Atômica que destruiu Hiroshima e Nagasaki (1945) pondo sim à 2ª Guerra Mundial. Descobre-se o “coração” da matéria, o átomo e dele se extrai energia. O segundo grande projeto foi o Projeto Apollo que levou o ser humano até a lua (1969). O ser humano começa a se instrumentar para navegar interplanetariamente. Descobrimo-nos como um grãozinho de areia na imensidão do universo. Começa se a falar de vida em outros planetas! O terceiro e mais recente é o Projeto Genoma Humano (iniciado oficialmente em 1990) e que objetiva mapear e sequenciar todos os genes humanos. Leva o ser humano ao mais profundo de si mesmo a nível de conhecimento de sua herança biológica, numa verdadeira caça aos genes Ele tem suas raízes na chamada “descoberta do século”, o DNA (Watson e Crick – 1954). Tem ai início a terceira revolução industrial, a revolução biológica. Tudo indica que o fio consultor da economia no século XXI será a Engenharia Genética tendo como locomotiva o Projeto Genoma Humano. Entreabre-se um cenário fantástico em que realidade e ficção científica se dão as mãos. A


possibilidade de um “admirável mundo novo”(Aldous Huxley) ou de Frankensteins nos inquietam... Que benefícios esses avanços da tecnociência trarão para a humanidade? O novo paraíso prometido pelas descobertas científicas na área da biologia que inauguram o “oitavo dia da criação”, geram perplexidades e inquietações pelas possibilidades de novas formas de discriminações, escravidões e manipulações. Se esse conhecimento científico, cair nas mãos de um Hitler por exemplo, que futuro nos espera? Obviamente que não se trata pura e simplesmente de temer os perigos, mas de perceber também os proveitos e novas esperanças que surgem. Sem dúvida os conhecimentos podem ser utilizados para a prevenção e cura de doenças incuráveis que infernizam hoje a vida dos seres humanos. Mas é bom lembrar que nem tudo o que é cientificamente possível, logo seria eticamente admissível. Surge com urgência a necessidade da bioética, como novo rosto da ética científica neste contexto, em que a ciências apresenta-se hoje como uma grande ameaça e ao mesmo tempo como uma grande esperança para humanidade. Ciência e ética não precisam e não devem ser consideradas como antagônicas, pelo contrário necessitam-se e se iluminam reciprocamente. É esta a perspectiva que garante o respeito pela dignidade humana e qualidade de vida. Precisamos passar de uma ciência sem ética para uma ciência eticamente responsável. O uso dos resultados científicos não é fazer ciência, mas constitui o comportamento ético do ser humano. Para orientar esse comportamento, o ser humano deve crescer na sabedoria ética que respeita os valores da vida. Normalmente estas escolhas-respostas são dadas através da regulamentação do Estado que cria leis. Neste sentido, antes que seja tarde, o Brasil precisa urgentemente ter sua comissão nacional de bioética que assessore o governo e legisladores e, relação a assuntos tão complexo. A criação da CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, no Ministério da Saúde já é um indício positivo nesta direção. No Brasil, embora ainda em completo desconhecimento pela maioria da população, temos a lei 8.974 de 5 de janeiro d e1995, a chamada lei da biossegurança que considera como possível de pena de prisão a manipulação genética de células geminais humanas, a intervenção em material genético humano “in vitro”, exceto para tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se os princípios éticos e com aprovação prévia da comissão Nacional de Biossegurança. É preciso salvaguardar de manipulações o ser humano, este universo que traz em seus genes a história da humanidade. Não seria simplesmente tragicômico a humanidade ter o domínio do mais íntimo da matéria (átomo), do universo (cosmo) e de si próprio (gens) e


se perder num projeto de morte, sem se entender e organizar num proejto global de gerar mais qualidade de vida e felicidade, utilizando-se dos conhecimentos e instrumentos da tecnociência à sua disposição? Utopia? Sonho? Não, acreditamos que seja a teimosia da esperança ética!

NÃO PODEMOS ABRIR MÃO DO NOSSO PRIVILÉGIO DE AMAR MARTIN LITHER KING JR Há em grego três palavras para designar amor. Uma é a palavra eros. Eros expressa uma espécie de amos estético, romântico. Platão fala muito nele, nem seus diálogos, no desejo da alma em penetrar no reino do divino. E em Eros existe e pode sempre existir muito de belo, nas suas expressões românticas. Alguns dos mais belos exemplos de amor no mundo foram expressos dessa maneira. Depois, a língua grega tem a palavra philos, que designa uma espécie de amor que a gente sente pelas pessoas com quem nos damos bem e que também sentem esse mesmo amor por nós. Por fim o idioma grego tem outra palavra para designar o amor: Ágape. Ágape é mais do que o amor romântico e é mais do que amizade. Ágape é compreensão, boa vontade ativa e redentora para com todos os homens. Ágape é um amor espontâneo, que nada espera em troca. Os teólogos diriam que é amor de Deus agindo no coração humano. Quando a gente ama a este nível, ama todos os seres humanos não porquê, se gosta deles, não porquê o seu modo de ser nos agrada, mas porquê amamos. Foi isso que Jesus quis dizer quando pregou: “Amai os vossos inimigos” e dou graças por ele não ter dito “gostai dos vossos inimigos”, porque há pessoas de quem eu não consigo gostar. Gostar é uma emoção afetiva e eu não posso gostar de quem lança uma bomba em minha casa. Não posso gostar de quem quer me explorar. Não posso gostar de quem ameaça me matar. Mas amar é mais do que gostar. O amor é compreensão, boa vontade ativa e redentora para com todos os homens. A nossa luta em prol da justiça racial é baseada nessa espécie de amor. Não podemos jamais desistir. Temos de trabalhar apaixonada e infatigavelmente pela cidadania de primeira classe. Não podemos nunca contemporizar na nossa determinação de remover todos os vestígios de segregação e discriminação do nosso país, nem tampouco podemos abrir mão do nosso privilégio de amar. Tenho visto demasiado ódio para querer odiar... Cada vez que o vejo, digo para mim mesmo que o ódio é um fardo demasiado


grande para se suportar. Temos que poder dizer aos nossos mais fanáticos opositores: “Igualaremos a vossa capacidade de infligir sofrimento com a nossa capacidade de suportá-lo. Enfrentaremos a vossa força física com a nossa orça moral. Fazei o que quiserdes e continuaremos a amar-vos. Não podemos, em boa consciência, obedecer às vossas leis injustas e acatar o vosso sistema injusto, porque a não-cooperação com o mal é tanto uma obrigação moral quanto a cooperação com o bem: jogai-nos, numa boa prisão que nós ainda vos amaremos. Lançai bombas em nossas casas, ameaçai os nosso filhos e, embora seja difícil, nós ainda vos amaremos. Mandai os vossos embuçados criminosos buscar-nos à meia noite, arrastar-nos para uma estrada deserta e espancar-nos até deixar-nos semi-mortos e ainda assim vos amaremos. Espalhai os vossos agentes de propaganda por todo o país; e fazer parecer que não estamos culturalmente preparados para a integração e ainda vos amaremos. Mas ficai certos que a nossa capacidade de sofrer triunfará e um dia conquistaremos a liberdade para nós, mas apelaremos de tal maneira ao vosso coração e à vossa consciência que também vos conquistaremos e a nossa vitória será dupla”. Extraído do Jornal “Coragem”. Página 3, junho de 1989.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.