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PECADO, PERDÃO E CURA PE. JÚLIO MUNARO No ser humano, contrariamente do que acontece com os demais seres vivos, o relacionamento se reveste de importância capital, pois é “por sua natureza íntima, um animal social. Sem relações com os outros, não pode nem viver nem desenvolver seus dotes”( GS 12). Infelizmente, o homem falha também neste ponto, apesar de todas as normas religiosas e sociais de bom relacionamento. Finalmente, a predileção e assistência especial de Deus ao homem, que culmina na Redenção, tem seu lugar. A promessa de Gn 3,5, constitui uma esperança animadora. Sempre alimentada e com orça vitalizante crescente, foi verbalizada com vigor pelo profeta Isaías e assumida por Cristo como sua missão específica (cf Is 611-2; Lc 4,18-19). E mais: “Ao entardecer, trouxeram-lhe muitos endemoninhados e ele, com sua palavra, expulsou os espíritos e curou todos os que estavam enfermos, a fim de cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: “Levou nossas enfermidades e carregou nossas doenças”( Mt 8, 16-17). A ação de Deus sobre o ser humano é unitária e coerente, como por vontade do próprio Deus é unitário o ser humano. As distinções demasiado nítidas e estanques entre Deus Criador e Redentor, entre corpo, psique e alma do homem não atendem à realidade téoantropológica. Rompem a unidade em Deus e no homem. A predileção de Deus pelo homem e a Redenção que disso decorre e enriquecem em seu todo. Embora não alterem as leis da natureza em que insere e com as quais e nas quais atua, o enriquecem com algo novo e diferente, que não é mero enfeite, mas força revitalizante que age em seu todo. O sofrimento, a doença e a morte são vistas no homem e pelo homem sob nova luz. Isso não implica nem ausência nem elimina de suas causas naturais e comportamentais do homem, como não implica que encontrem solução apenas a nível de Redenção. A solução vem do conjunto, isto é, da natureza biológica e espiritual, com todos os seus entrelaçamento e reciprocidade. A cura de doenças por intervenção direta de Deus é atestada repetida vezes no Velho Testamento. No Novo Testamento as curas ocupam amplo espaço na ação messiânica de Cristo. Marcam presença na missão dos apóstolos e aparecem na vida eclesial de todos os tempos. No novo Testamento fala-se também do “dom de curar”( 1 Cor 12,28). Cristo mandou que seus apóstolos e discípulos curassem os doentes (Lc 10,9). Significa isto que no cristianismo a cura dos doentes deve ser procurada no âmbito do religioso, através do especificamente religioso?


Pelo acima exposto não se pode, absolutamente, chegar a esta conclusão. Aliás, a realidade histórica, que nos ajuda a compreender a dinâmica global do ser humano e da ação de Deus e da própria redenção no tempo, demonstra que, mesmo em pessoas e comunidades de fé intensa , a doença foi uma constante e às vezes, até calamitosa, como nos casos de epidemias e pestes, quando nos mosteiros que, pelo menos teoricamente, deviam ser ambientes de é mais intensa, tanto a nível pessoal quanto a nível coletivo, a moléstia dizimava mais gente que nas comunidades abertas, o que se explica pela maior facilidade de contágio. Que a é e a oração tenham valor próprio não resta dúvida, inclusive em benefício de saúde, tanto assim que Alexis Carrel, médico e Prêmio Nobel em medicina, pôde constatar que as pessoas que rezam ficam menos doentes que as pessoas que não rezam e que o doente que reza tem mais probabilidade de sarar que o doente que não reza. Mas em que âmbito atuam a fé e a oração? Sem dúvida, não como substitutivas da medicina científica ou de outros meios para impedir a doença e promover a vida e a saúde, como saneamento básico, boa alimentação, vacinas etc. ou de terapias específicas como os antibióticos e as cirurgias. Neste campo, ou o homem controla a natureza ou a fé e a oração pouco resolvam. Um bom hospital, com médicos competentes e recursos adequados cura mais que mais famoso santuário ou o mais exímio taumaturgo. Hoje não passa pela cabeça de ninguém que a epidemia da AIDS, o problema do câncer, das moléstias circulatórias ou hepáticas, que são as mais em voga e mortíferas, passam ser debeladas pela é, como não passa pela cabeça de nenhuma pessoa sensata atribuir-lhes como causa direta do pecado pessoal ou coletivo. É difícil determinar as doenças provocadas diretamente pelo pecado. O médico dificilmente diagnostica o pecado como causa, muito embora haja doenças de proveniência comportamental, que poderia se identificada como pecado. Por outra parte, as curas pela fé são circunstancias e muito limitadas. Se a causa direta da doença fosse o pecado, uma vez eliminado ou perdoado o pecado, que é a causa, cessaria ipso facto a doença. As curas da medicina científica são específicas, seguras, indiscriminadas. Conhecida a moléstia e aplicada a terapia adequada, o resultado decorre normalmente. Também na prevenção as vacinas são eficazes, mas eficazes que o batismo, que elimina o pecado original, mas não imuniza contra as doenças. Que a é cure, não resta duvida. Basta ler a Bíblia, sobretudo o Novo Testamento para dar-se conta disso, como também a história do cristianismo.. Claro que nem todas curas atribuídas a milagre devem ser aceitas sem rigorosa avaliação crítica. As seitas proclamam milagres de cura a torto e a direito, até com hora marcada e contribuição financeira pré-estabelecida. Seriam


verdadeiros milagres? O bom senso manda que se duvide seriamente, sem que se exclua os benefícios da confiança intensa do paciente. Quando a fé cura, seria apenas a cura que conta ou a cura se revestiria também de um sentido de sinal de algo que vai além da cura? E que import6ancia teria este valor do sinal? Seria condicionante da cura? Cristo, os apóstolos, os santos, os santuários de cura só fariam milagres em função de sinal? Cristo apontou as curas que operava como sinal de que Ele era o Messias (cf Mt 11,50). O judeu-cristianismo, como todas as religiões, admite o pecado e admite que está presente em todos os seres humanos e que não vai livre de conseqüências para ninguém. Tanto o judaísmo, quanto o cristianismo admitem o perdão (1 Jo 1,8-9; Jo 6,16-17). Prescindindo da fé, todos reconhecem que o ser humano vai sujeito a erro, voluntário e involuntário, e que todo o erro acarreta conseqüências biológicas, psíquicas e sociais e também cósmicas. Corrigíveis umas, mas irreversíveis outras. O pecado propriamente dito supõe consciência e deliberação. Está sempre ligado direta ou indiretamente à transgressão da lei de Deus, revelada, natural ou positiva. O ser humano ao cometer o pecado se põe em conflito consciente com Deus, consigo mesmo, com seus semelhantes e com o cosmo. Entra em desordem de conseqüências variadas que podem atingi-lo em sua alma, em seu mundo psíquico, em seu corpo, no seu relacionamento com os outros e em seu modo de encarar a realidade toda. O pecado de Caim (Gn 4, 116) é bem significativo quanto às conseqüências do pecado, sem esquecer o ainda mais significativo pecado de Adão e Eva ( Gn 3, 2-15) ou, ainda, o pecado de Judas que culminou em suicídio (Mt 27, 3-10; At 1, 17-20) ou de Simão o Mago, que o deixou “em amargura de fel e nos laços da iniqüidade” (At 8,118-24). O perdão dos pecados por Deus percorre a Bíblia toda. Deus perdoa os pecados com uma largueza que ultrapassa o nosso entendimento: “Se o nosso coração nos acusa diante dele, tranqüilizemos o nosso coração, porque Deus é maior que o nosso coração” (1 Jo 4, 19-20). Os caminhos que levam ao perdão são muitos como bem o atesta a Bíblia. Todos eles porém, supõem uma atitude interior de fé, arrependimento e conversão. Cisto, segundo a interpretação mais corrente e a tradição mais antiga, plenamente endossada pela Igreja Católica, instituiu um sacramento específico para o perdão dos pecado, designado ao longo do tempo com vários nomes, como sacramento da penitência, sacramento da reconciliação, confissão, etc. Todo o pecado cria uma situação de ruptura com Deus, consigo, com os outros, com o cosmo. O perdão elimina esta situação de ruptura e restabelece


no pecador a harmonia perdida pelo pecado. Esta é a essência do perdão. Seus efeitos benéficos são enormes, como bem o atestam as vidas dos grandes convertidos as história, como Paulo de Tarso, Agostinho de Hipona e tantos outros. Pode-se dizer que o perdão dos pecados faz nascer uma nova criatura (cf 2Cor 5, 17) com um novo horizonte de vida. Adão para o homem novo em Cristo. O perdão é sanante e transformante. Neste ponto, convém reenvocar a conhecida definição de saúde da OMS: “Estado de completo bem estar físico, psíquico e social e não apenas doença”. E o Eclesiático afirma, quando trata da saúde, que “não existe...maios satisfação que a alegria do coração” (Eclo 30,16). Como também afirma: “O que peca contra o seu Criador, que caia nas mãos do médico”( 38-15). Adão e Eva, Caim. Jonas, Simão o Mago, Pedro após a negação de Cristo, são alguns exemplos bíblicos de como o pecado afeta a saúde da pessoa, como é concebida hoje. A isto poderíamos acrescentar as situações de pecado que, partindo da concepção da saúde da OMS, poderíamos ser consideradas como epidemias: as atitudes dos escribas e fariseus no tempo de Cristo, do irmão maior do filho pródigo (Lc 15), das lutas religiosas, da inquisição medieval, da caça às bruxas, do fundamentalismo religioso, do racismo, da escravidão, da injustiça social e tantas outras maneiras individuais e coletivas de proceder que engendram mal-estar e morte. O perdão, que decorre inseparavelmente da conversão, cria as condições básicas para a cura de tais males que, sem sombra de dúvidas, são portadores de profundo mal-estar individual e social, sofrimento indizíveis, doenças sem conta e mortes sem números. Bem disse a OMS que a saúde, como acima definida, “é fator determinante para a paz mundial”. Neste sentido, pecado e doença se associam, como que se interligam perdão, conversão e saúde, pois doença é bem mais que problema bio-orgânico e a saúde abrange mais que situações bio-corporais. Neste sentido, a confissão se reveste de “caráter terap6eutico ou medicinal (João Paulo II, Reconciliação e Penitência, 31, II). Ma existe alguma relação entre confissão, perdão e cura da doença como a entendemos corriqueiramente, isto é, uma afecção físico-orgânica, como no caso da hemorróisa ( Mc 5, 25-34), do paralítico de Betesda (Jo5,1-9) ou do aleijado do templo (At 3,1-8)? No Novo Testamento não encontramos nenhuma cura com esta conotação. Mesmo no caso do homem paralítico, a quem Cristo ante de curar perdoou os pecados (cf Mt 9, 1-7), perdão e cura não apresentam qualquer correlação. Também a recomendação que Cristo fez ao paralítico de Betesda após a cura (Jo 5,14) não tem nada a ver com a cura em si. A cura é gratuita.


Parte da fé e fortalece a fé. As curas no NT giram em torno desses dois elementos. Pecado e perdão estão intimamente ligados entre si. Pecado-perdão e cura são independentes. Ao longo da história do cristianismo, o sacramento do perdão nunca oi associado diretamente à cura, como, por exemplo, ocorre com o Sacramento da Unção dos Enfermos. A finalidade do sacramento da reconciliação é bem específica: o perdão dos pecados. Seu caráter medicinal ou terapêutico deve ser entendido no sentido amplo acima mencionado. A cura da doença no sentido estrito (c6ancer,cirrose, etc.) não está associada ao perdão. Nem Tg 5,16 pode ser interpretado neste sentido. Se de fato o pecado é causa da doença, não mera ocasião, eliminada a causa, - no caso, a conversão e o perdão do pecado – também deveria ser eliminado e efeito, isto é, a doença. Mas não é o que acontece.

Camilo de Lellis (1550-1614), apesar de uma chaga persistente na perna direita, que apareceu quando tinha 17 anos, foi um aventureiro incorrigível até os 25 anos, quando se converteu. A conversão mudou completamente seu modo de ser, pensar e agir, transformando-o em homem novo em Cristo, com um propósito tão firme de não pecar que, no final de sua vida, pôde dizer que, desde sua conversão, jamais havia cometido o menor pecado, voluntariamente. Mas nem por isso a chaga do pé deixou de molestá-lo e dificultar-lhe a vida em sua atividade criativa até a morte. Se a chaga fosse conseqüência de seus pecados pessoais ou de seus antepassados, a conversão deveria tê-lo libertado, Mas Não foi o que aconteceu. No entanto, desde a sua conversão, Camilo foi um homem que só viveu para Deus e para os doentes e pobres, com uma dedicação que não conhecia limites. Do ponto de vista psicológico, social e espiritual era um homem sadio, mas não do ponto de vista clínico, pois a chaga não desapareceu, antes se agravou constantemente, ao que se juntaram outras doenças não menos persistentes e penosas que o martirizaram durante anos. Doenças físicas associadas a uma personalidade espiritualmente sadia. Os exemplos neste sentido são sem conta. Conversão, fidelidade a Deus e à vida libertam de uma infinidade de situações patológicas, mas não eliminam as doenças biológicas, nem imunizam contra elas. Não se conclua com isso que o pecado não interfere na saúde física, nem que uma vida plenamente conforme à lei de Deus não contribui para a saúde física ou que a fé não tem poder de curar.


JESUS E A PASTORAL DA SAÚDE TADEU DOS REIS ÁVILA Ao ler o evangelho nos damos conta de que uma das preocupações que perpassam toda a vida pública de Jesus é a preocupação com os sofredores, com os doentes. Nos Evangelhos não encontramos em lugar nenhum Jesus mandando um enfermo voltar para casa sem primeiro ter-lhe restituído a saúde. Ele mesmo se apresenta como aquele que veio para que todos tenham vida em abundância. Mateus nos diz que “Jesus percorria a Galiléia, ensinando nas sinagogas, proclamando a Boa Nova do Reino e curando os enfermos de toda a espécie de doenças”( Mt 4,23). A saúde que chega aos doentes por meio dos gestos e palavras de Jesus é um sinal visível do amor de Deus. Quando João envia mensageiros para perguntar a Jesus por sua identidade, Jesus responde: “Ide e contai a João o que haveis visto e ouvido: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem e a Boa Nova é anunciada aos padres”(Lc 4,16-21). Jesus se aproximou dos doentes, dos pobres, das mulheres e de todos os excluídos e marginalizados das instituições religiosas de sua época, não para reforçar sua situação de exclusão, de marginalidade, de dor, mas para fazê-los se sentirem dignos. Jesus muda o sinal da enfermidade, da dor, do sofrimento e anuncia a esperança, fonte da vida. Para Jesus, os pobres, os esquecidos, os doentes não são simplesmente objeto de compaixão ou de cura, mas protagonistas do Reino, anunciantes do Evangelho. É nesta perspectiva que aparece Jesus crucificado como chave de leitura pascal e geradora de esperança, que nos ajuda a descobrir a alegria de viver. A pastoral da Saúde, parte viva da Igreja, que está a caminho do reino deseja comprometer-se com a mensagem de Jesus que ao enviar seus discípulos lhe disse: “Ide, anunciai que o Reino dos céus está próximo e curai os doentes...”. O agente da pastoral da saúde deve ter o espírito do bom samaritano que como mãe amorosa se aproxima dos doentes, dos feridos e de todos os que se encontram jogados pelo caminho, a fim de acolhê-los, cuidá-los, curá-los, infundir-lhes força e esperança. A pastoral da saúde, em sua missão profética, é chamada a anunciar o Reino aos doentes e a todos os que sofrem, bem como denunciar o pecado e suas raízes históricas, políticas e econômicas que produzem males, tais como a doença e a morte. Sem essa preocupação especial pelos pobres e marginalizados, a pastoral da saúde perde a sua identidade; sem uma aproximação bondosa,


serviçal e libertadora dos doentes e de todos os que sofrem, a pastoral da saúde perde a razão de ser. Que bom seria se todas as paróquias do Brasil valorizassem esta pastoral, que não se preocupa apenas com alguns aspectos da pessoa humana, mas se preocupa com o homem em sua totalidade, pois a pessoa que perde a sua saúde está impedida de viver plenamente na sua comunidade. Hoje, milhões de enfermos sofrem deformações físicas, males incuráveis, doenças crônicas. Esses irmãos aguardam da Igreja e da pastoral da saúde, uma palavra de esperança, um gesto fraterno. São muitas as dores do mundo: nos hospitais, hospícios, asilos de velhos, prisões, orfanatos. Há mendigos na rua, famílias que não têm onde morar, há mulheres ultrajadas. Outros, não sofrem enfermidade do corpo, mas sente-se desencorajados doente da vida, carentes de uma fraterna. Todos precisam de nós. Precisamos redescobrir maneiras criativas de sermos testemunhas da vida para todos, particularmente para quem já não sente amor pela vida. O sofrimento não deve ser encarado como fatalismo. O próprio Cristo não morreu para exaltar o sofrimento ou para afirmar sua validade maior ou menor de algum ideal ascético. Tampouco sofreu e morreu para denegrir o prazer e a alegria de viver, de comer ou beber, de sentir-se bem com a vida e com os irmãos. Ao contrário, Ele morreu crucificado para testemunhar a radicalidade do amor com que se deve amar a Deus e ao próximo. A cruz é sinal de contradição. É denúncia da desumanidade e injustiça. Ela afirma o poder de Deus sobre a maldade do mundo opressor. Aceitando a cruz, o Salvador aponta para a vida nova, para a humanização e para a redenção. Ele dá totalmente a vida, para que seus irmãos a tenham plenamente. VIVA SEU OTIMISMO! PE EVANGELISTA M. DE FIGUEIREDO Em nenhuma época da História as ciências humanas como a antropologia, a sociologia, a filosofia, a medicina, a psicologia, etc. avançaram tanto na busca do conhecimento do homem. No entanto, quanto mais o ser humano penetra no seu obscuro mundo interior menos o conhece. Cada vez mais nos convencemos de que usamos somente 10 das nossas capacidades humanas e intelectuais. O homem jamais se satisfará com aquilo que é, ou com aquilo que possui. É um ser que está sempre e busca do seu tesouro maior, do seu sentido de vida, da sua felicidade, exprimindo-a em sonhos.


O que nos enobrece é sabermos que somos capazes de construir um mundo, onde a dor e o sofrimento não serão eliminados, mas compartilhados. Onde não se produzirão armas, visando manter a paz. Onde os nossos semelhantes não serão vistos como inimigos em potencial. Onde a esperança do futuro não será obscurecida pelo medo da bomba atômica, e nem pela falta de sentido de vida. Onde as grandes UTIs dos Hospitais se transformarão em “Hospices”. Onde o amor se desvinculará das incertezas e do medo. Onde o aproximar-se da velhice será caracterizado pelo cumprimento de um prazeroso dever de viver em plenitude o que nos propomos a ser, e não pela angústia de não sermos mais úteis ao consumismo. Onde seremos valorizados pelo ser e não pelo ter. Onde as crianças não temerão os adultos, pois os verão como modelo de seu futuro... dê ao mundo a sua valiosa contribuição de humanidade. Deus que é amor e se fez homem o ajudará.

A VIRTUDE DA AMIZADE A amizade pode ser a fonte mais segura de satisfação num mundo instável, melhor do que o sexo, o dinheiro ou o poder. Os gregos valorizavamna acima do romance ou da reputação e davam-lhe um lugar de honra no panteão do amor. A amizade, philia, amor fraterno, a afeição que existe somente entre iguais, é ao mesmo tempo, o mais modesto e o mais vigoroso dos modos do amor. Calma como um papo ao cair da tarde, é suficientemente forte para sobreviver aos ácidos do tempo. E ao mesmo passo que nos arrasta para as nossas profundezas emocionais, não exige nenhum frenesi romântico. Nada de uivos à lua, nem explosões de sentimentos contraditórios. Nenhum ciúme. A amizade cria homens e mulheres gentis. Não depende de nada tão frágil quanto um rostinho bonito ou de números exorbitantes numa conta bancária, nem de nada tão irracional quanto a força do sangue e do parentesco. Baseiase no mais simples dos silogismos do coração: Eu gosto de você, você gosta de mim; portanto, somos amigos. E embora possamos imaginar uma vida satisfatória sem o picante transbordamento do amor sexual, ou sem os suaves encargos da família, sabemos intuitivamente que, sem amigo, a melhor das vidas seria tão solitária que não se poderia tolerar. Nos dias de hoje, entretanto, amizade é uma espécie em extinção. Não medra numa ecologia social que acentua a velocidade, a preocupação constante e a competição entre os homens. Requer vagas. Como o bom uísque, ela precisa ser envelhecida na madeira, macerada com paciência e longamente fermentada. Nada de intimidades instantâneas ou de encontros de uma noite


só. A cadência da amizade mede-se em ritmos que têm a extensão de décadas. Uma amizade duradoura leva anos de semeadura, tem de ser tratada em tempo de chuva e de seca e não pode ser arrancada pela raiz. A amizade não quer saber de eficiência nem de agendas. Toda ela consiste em estar juntos ao pé em uma cerveja gelada num bar, ou lançar iscas na correnteza de um rio. Consiste em estar lá para ouvir e ajudar quando a vida do amigo parece vir abaixo. Do livro de Sam Keen, O Homem na sua Plenitude, Editora Cultrix, São Paulo, 1993.


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