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A ESCUTA Dra. M. Dominique Fouqueray – Psiquiatra. Artigo estraído de Aumôneries des hôpitaux. Nº 152, Out/96 p. 22-27 – E traduzimo pr Pe. Geraldo Bogoni. 1. O QUE É ESCUTAR? Escutar vem da palavra latino auscultare, apurar o ouvido para entender. Como os estudantes de medicina percebem os batimentos normais do coração e os ruídos patológicos ou “parasitas”, nós também devemos aprender a escutar. Isso não é inato, aprende-se. Uma das primeiras condições para escutar é saber calar. Mas calar quer dizer calar também as próprias inquietações, as próprias preocupações, as próprias dificuldades... Isto já é todo um programa... Uma segunda condição, é saber reconhecer na escuta “os batimentos normais do coração” e os ruídos patológicos. Então, para vocês na capelania, trata-se de discernir as coisas secundárias e as coisas mais profundas... ousar dizer coisas que nunca foram ditas a ninguém. Saber escutar é o que é essencial. Porque é uma necessidade fundamental. Temos necessidade de ser escutados, reconhecidos, acolhidos como ser humano e não como um objeto ou como uma doença a cuidar; essa é uma necessidade essencial depois das necessidade vitais – beber, comer e dormir. O homem está sempre em busca de identidade, uma identidade abalada pela doença. Em nosso mundo cada vez mais técnico, racionalizado, em ritmo de vida estressante e embrutecedor, dar o próprio tempo, a presença, é re-aprender a ser humano, e isto brota do ordinário de nossa sociedade contemporânea. Mas escutar não é tão fácil assim e esta dificuldade não é de ontem. Já na Bíblia, o povo de Deus tinha muita dificuldade em escutar, e numerosas vezes repete-se o “Escutar, Israel”, “shema Israel”. Então, escutar mão acontece por si mesmo. Nosso mundo técnico tem muita dificuldade para escutar porque isto não é muito rentável. É raro encontrar nas ruas de nossas cidades pessoas que vos cumprimentam e cos dizem “bom dia”... Um sorriso não constrange ninguém, mas pode mudar muito as coisas! Voltemos à nossa primeira questão: que é escutar? É. Em primeiro lugar, acolher o outro como uma pessoa humana. Existe em cada um de nós esta necessidade de ser compreendido, acolhido,


amado tal como somos, com nossa história, nosso meio cultural, nossa educação, nosso sofrimento, nosso nível de fé. Escutar o outro é saber levar em conta a pessoa e seu ambiente. Em Lourdes, enquanto Bernardete falava da aparições da dama branca, ele dizia: “ela me olhava como uma pessoa”. Ser escutado como pessoa é uma necessidade essencial para encontrar um equilíbrio humano, isto é, físico, psicológico e espiritual. A dimensão espiritual não pode ser desenvolver corretamente sem que primeiro as necessidades vitais estejam satisfeitas, e se articula com as estruturas do psiquismo. Por mais desfigurada que esteja a pessoa doente pelo medo, pelo sofrimento, pela doença, saibamos acolhê-las como um ser humano; dizer-lhe bom sai, sorrir para ela; saibamos colocar o outro tão à vontade quanto possível. Muitas palavras, muita alegria, ou silêncio demais, abordando uma pessoa doente, podem incomodar. Sejamos criativos e peçamos ao Espírito Santo para nos ajudar a acolher nosso irmão doente. Não esqueçamos que a experiência da doença é uma tempo de prova, de vulnerabilidade, de questionamento, de re-leitura da própria vida, de fragilidade, de volta ao essencial, de revolta, de sensibilidade aos gestos fraternos, de ruptura, no desenrolar da vida de um ser humano. É uma experiência que machuca. Descobre-se o peso da dependência no que tange ao tratamento, aos cuidados. É um tempo de parada, de colocar-se à parte da vida social.. “Temos tempo para pensar, para nos questionar sobre o sentido que se dá à própria vida...” As questões religiosas, ocultas por muito tempo, voltam, às vezes, à tona: “Qual foi a vantagem de ter vivido até hoje para chegar a isso? Sofrer por que? “Muitas vezes, é quando se está em depressão que as coisas profundas e verdadeiras são ditas. Saibamos ser discretos e atentos ao que nos é dito neste momento. Estar doente, é estar disponível para a visita da família, dos amigos, sem muitas defesas, mesmo nos dias de grande cansaço. Saibamos então perceber se o doente está cansado depois de algum tempo. Não fiquemos muito tempo junto aos doentes que visitamos. Aprendemos a sentir o que o outro espera. Porque muitas vezes a pessoa doente espera poucas coisas. A visita de alguns minutos pode iluminar o resto de seu dia. Escutar é entrar numa aventura, é um caminho onde aprendo primeiro a fazer silêncio em mim mesmo, tornar-se disponível, atento, acolhedor... para quem não é escutado. 2. CONDIÇÕES PARA UAM BOA ESCUTA


Vejamos agora as condições para uma boa escuta. Já comecei a abordar alguns ponto. Atenção com o doente – Saber estar atento ao estado de fadiga do doente, cuidar para que ele esteja bem instalado no leito ou na poltrona, saber recolocar um travesseiro... melhorar o ambiente quando é possível, pedir para abaixar, ou levantar a televisão, sem se impor. Se o doente gosta muito de flores e se as há em seu jardim, estejamos atentos... Não me alongarei muito sobre as condições de parte do doente, porque muitas coisas não dependem de nós: horários de atendimentos, visitas... procuremos ver a que hora o doente está mais disponível para ser visitado. De parte do ouvinte – Primeiro saber encontrar a distância conveniente, nem muito próximo, nem muito longe, cada um deve perceber. Eu evito ficar plantado no meio do quarto porque isto não ajuda a criar um clima de confiança. Evito me assentar na borda de seu leito: junto aos doentes operados, isto estremece o leito e pode doer o campo operatório, ou perturba a pessoa por exagerada intimidade. Se houver uma cadeira, posso me assentar perto do leito. Compete a mim sentir onde estou melhor e onde a pessoa doente está à vontade. Depois de me apresentar com algumas palavras, quais são minha atitudes interiores escutando meu irmão enfermo? É importante saber que a atitude de quem escuta é muitas vezes determinante. - Evitei falar para quebrar o silêncio se a pessoa doente sofre para se exprimir? - Tenho medo que me sejam confiadas coisas pesadas com as quais não saberia o que fazer? De outro modo tenho alguma coisa a fazer? - Devo me calar sem dizer nada, mesmo que a pessoa doente me peça uma ajuda, uma palavra? - Devo fazer uma lembrete com tal frase, se me dizer tal coisa sobre a morte ou outro assunto angustiante para mim. É válido agir assim? Pode ser que vocês tenham outras atitudes a acrescentar, não tenho a pretensão de elencar todas. O que quero sublinhar, é que quando começamos a escutar uma pessoa doente, assumimos o risco de ser perturbados. De imediato, o que nosso irmão doente nos diz, se volta contra nossa própria vida, a nossa própria experiência diante do sofrimento, da morte e se nós mesmos não fizemos a experiência de ter de ser escutado por alguém, seremos rapidamente desestabilizados. Também é importante estar atentos ao que se passa em mim mesmo, quando escuto um irmão doente. Deixo-me perturbar por minhas emoções? Posso ficar quieto porque sei que vou depois poder partilhar com minha


equipe? Tenho a tentação de projetar minhas experiências pessoais sobre o que a pessoa doente me diz? ORA ESCUTAR O OUTRO, ANTES DE TUDO É: Calar, isto é, calar em mim medos, preocupações, inquietações, para estar disponível a viver um encontro e me preparar para atender o desatendido, sem ter esquemas feitos, e ficar, tanto quanto posso, desimpedido de tudo o que a priori me impediria de acolher a pessoa tal como ela é. Ter feito a experiência de tr sido escutado por alguém. É importante haver um lugar onde você pode regularmente partilhar o que lhe é pesado, descarregar as emoções que o invadiram, que você conteve para não constranger ou perturbar a pessoa doente que necessitava ser escutada... Certamente é importante que nesse grupo haja uma regra fundamental: o que é trocado no grupo não deve ser repetido fora e deve ficar no interior do grupo. Escutar é aprende a receber o outro, não é automaticamente dar palavras de retorno; um sorriso, uma simples presença, um gesto de acolhimento podem ser suficientes. Escutar é exigência porque isto pode ser aberto, disponível, sem nenhuma palavra de julgamento durante todo o tempo da escuta. A pessoa doente é muitas vezes hiper-sensível por causa do sofrimento que experimenta. Sem nos dar conta, uma palavra tão secundária como “está bem” “está mal” pode ser sentida pelo doente como um julgamento de valor. Então se devemos falar, aprendemos a fazê-lo com conhecimento de causa, depois de uma instante de reflexão. Escutar, não é entrar em discussão, uma conversação, ou fazer uma entrevista, nem fazer um discurso, nem contar sua vida, nem dar lições morais ou conselhos, ou interpretar o que é dito... Escutar, é estar atentos à pessoa do doente, estando bem presente, e com conhecimento de causa, ter uma palavra, um gesto, uma oração, se perceber que a pessoa a deseja. Escutar pede então muita flexibilidade. Sim, é uma arte como a medicina é também uma arte. Com bom senso, experiência formação sabedoria e prudência , e enfim com o Espírito Santo, podemos progredir na escuta. Ser verdadeiro, autêntico em minha escuta, isto é, procurar compreender o outro, ver o que é importante para ele, hoje, que está doente. Aprendo a acolher o que o outro precisa dizer. Se me sinto acabrunhado pelo que a pessoa doente me diz, tenho a simplicidade de referi-lo à equipe em vez de levar esta dificuldade sozinho? Ser verdadeiro na escuta, supõe que conheça também os meus limites neste assunto.


O TEMPO Visito os doente sem ficar muito tempo, a fim de não os cansar; porque estão fracos. É melhor visitar com freqüência e rapidamente, do que visitar rara e longamente. De fato, escutar uma pessoa por muito tempo, é também fazê-la correr o risco de se perder no que conta. Certas pessoas tem prazer em se lamentar, então sejamos prudentes e ouçamos bem. 3. OBASTÁCULOS À ESCUTA De parte do doente: Há certamente os surdos e os que não compreendem. Com a idade, certas pessoas apresentam distúrbios de audição compreendem mal, se bem que quando se exprimem falam forte e se há outros doentes no quarto isto pode perturbar. *Obstáculos à escuta: quando a pessoa doente sofre muito, pode estar revoltada, mais vulnerável e menos disponível. Devemos respeitar a não disponibilidade do doente, caso recuse a visita, se ele já teve visita ou se está muito cansado. *A pessoa doente está muitas vezes ansiosa, cheia de medo e de culpa; pode fugir disso assistindo televisão, que funciona como um ruído de fundo, mascarando assim seus próprios medos. É importante para a pessoa que visita decodificar o que a pessoa doente quer significar: o medo de ser confrontada consigo mesma, o medo de descobrir o vazio de sua vida... DEPARTE DO OUVINTE *Venho com a atitude de quem sabe o que impede acolher a pessoa doente tal como ela é ? *Será que me deixo contaminar por minhas idéias prontas que, de fato, me tornam indisponível? *Tenho tendência de entrar em pânico, de endoidar quando me confiam coisas pesadas, de tal maneira que o nível de minha atenção enfraquece? *Acontece de me identificar com aquele que fala, tenho a tendência de dizer: eu também vivi isto, e sou eu que falo no lugar de escutar o outro? *Se eu mesmo sou inquieto, na minha escuta, vou levar minha própria inquietude e a pessoa doente vai perceber isso. Como me preparar na paz para este serviço junto às pessoas doentes? Todo encontro com uma pessoa doente é um mistério. Gasto tempo para me preparar para estar mais disponível? A oração, a meditação da palavra de Deus pode me ajudar. Mas, em toda relação entre dois seres humanos, os liames podem se estreitar e uma transferência pode se manifestar. A pessoa doente, fragilizada e vulnerável


transfere para o ouvinte sentimentos que experimentou com pessoas com as quais manteve ligação quando mais jovem (ex.: transferência paternal, tomame por seu pai)... ë importante saber para melhor controlar. *Existem pessoas doentes que falam por alusão ou que só falam por subentendidos o que está nelas; ali também, sejamos prudentes e respeitosos. Estabeleçamos a confiança na relação e pouco a pouso o doente se abrirá numa atitude de acolhimento sem julgamento. Aprendemos a perceber intonações de voz, expressões visuais, atitudes que nos dizem como vai o doente. AS ARMADILHAS NA ESCUTA: Sem pretender lhes dizer o que é preciso fazer, às vezes, nos deixamos enredar em nossa escuta pelas perguntas de certos doentes. Porque vou freqüentemente ver M.X. e ainda não vi M.Y? Devemos prestar atenção para não privilegiar certos doentes simpáticos e deixar de lado outros mais revoltados. *Devemos ficar em nosso lugar e encaminhar o doente para o pessoal de enfermagem ou para o médico se ele tenta obter de nós informações sobre sua doença ou sobre outras pessoas hospitalizadas no serviço. Sejamos humildes e prudentes, sobretudo com pessoas inteligentes que podem ser manipuladas e podem procurar as falas daquele que escuta. Não devemos responder a estas questões mas estar lá para escutar. *Diante de pessoas que se lamentam sempre, coloco a questão: como a posso ajudar a ter um olhar diferente sobre a vida? *Até onde escutar? Há doentes que desejariam falar durante horas. Atenção. Perigo! Porque: 1. Vão se esgotar, e o ouvinte também. 2. É freqüentemente para atrair a atenção e confrontar o próprio narcisismo; isto o infantiliza muito, os impede de serem adultos, responsáveis e maduros. Uma qualidade importante do ouvinte é a autenticidade. Quando mais se é verdadeiro e claro, menos damos chance ao doente para desvios deste gênero. QUE FAZER COM O QUE ENTENDI? Isto pode me ter perturbado e posso confiá-lo a Deus na oração. Mas muitas vezes, escutar um doente me orienta para minha própria imagem da doença, do sofrimento, da morte; emoções e lembranças podem ter sido reativadas e sou eu, então, que preciso ser escutado. Nas condições de uma boa escuta, é importante fazer a própria experiência de ser escutado e de


se reunir em equipe para orar e partilhar. É uma boa formação e preparação para o serviço da Igreja. O HOSPICE PE JÚLIO MUNARO Eliminar a dor para viver a vida e encarar a morte continuação do número anterior HOSPICE E EUTANÁSIA Para muitos, a medicina paliativa do Hospice não passa de disfarce de eutanásia passiva. Na realidade, sua filosofia é o oposto da eutanásia. A eutanásia tira a vida para acabar com o sofrimento; a medicina paliativa controla o sofrimento para melhorar a vida. Também se opõe à obstinação terapêutica que busca prolongar a vida, sem levar em conta a sua qualidade, como se a morte fosse um mal a ser combatido com todas as armas possíveis. A filosofia do Hospice encara a morte como uma decorrência natural. A luta contra ela tem limites e uma vez atingidos tais limites só resta abaixar as armas e acolhê-la de coração tranqüilo como um acontecimento que coroa a vida. Se os tratamentos paliativos podem incidentemente abreviar a vida, isto deve ser aceito com naturalidade. Se o médico é competente em administrar os cuidados paliativos, estes dificilmente abreviam a vida. Antes, os tratamentos paliativos demonstram que é possível eliminar a dor sem tirar a vida, derrubando a justificativa básica dos defensores da eutanásia. O Hospice opõe-se em teoria e na prática à eutanásia. Não admite qualquer pressão implícita para que o doente ponha fim à sua vida. O direito de morrer correria o risco de se transformar em dever de morrer. A experiência do hospice mostra que o moribundo convenientemente assistido não pede que lhe abreviem a vida. QAULIDADES DOS AGENTES DO HOSPICE Para prestar aos doentes terminais a assistência idealizada pelo Hospice, não basta competência técnica, mesmo que de alto nível. Requer pessoas sensíveis ao sofrimento humano, capazes de se compadecer, dispostas ao dialogo, respeitadores da liberdade, isenta em seu ponto de vista, reconhecedora da dignidade e do potencial de crescimento do ser humano, mesmo nas circunstâncias mais adversas. Pessoas transparentes, em paz consigo e com a vida para dar o melhor de si e reconhecer-se “servos inúteis”.


O humanismo integral é a única atitude à altura para dar assistência à pessoa que caminha para a morte. Só assim o Hospice alcança seu ideal de humanizar a fase da vida, restituindo à morte o seu papel de coroamento da vida. O trabalho do Hospice é um trabalho essencialmente de equipe. Considera os ser humano como unidade indivisível que deve ser servido na globalidade do seu ser, medicamente a ação multidisciplinar, que tem como objetivo servir o moribundo, livre de interesses pessoais, sociais ou religiosos. Na equipe do Hospice não há lugar para vedetismos. “Trabalhamos juntos em vista de algo que está acima das blasfêmias e das preces”(A.Camus -A Peste). HOSPICE E EVANGELIZAÇÃO O Hospice é uma instituição aberta ao ser humano em sua etapa final de vida, pronto a colaborar com a pessoa partindo dos valores humanos e espirituais que traz em si. “Não temos a preocupação de evangelizar o moribundo, nem nos esforçamos para que endosse nossas idéias”, diz Cicely. Mas o Hospice é uma lugar de enriquecimento interior, atento ao crescimento espiritual de cada paciente, pronto a colaborar para que consiga o máximo a seu alcance. Não se trata de impor convicções de última hora ao moribundo, mas de ajudá-lo a explicitar e vivenciar as que traz no seu íntimo, certos de que um coração sincero será bem acolhido por Deus. Há circunst6ancias em que as atitudes autenticamente evangélicas tocam e transformam mais que as próprias palavras do Evangelho. Vale repetir o anseio de Tasma: “Eu só quero o que está sem eu coração e em sua alma”. Quem vive o Evangelho e ama o próximo descobre o momento oportuno para transmitir com delicadeza e amor a mensagem de vida. UMA PRESENÇA AMIGA PE JOÃO ANÁCIO MILDNER Este relato partilha uma das experiências pastorais que procura responder ao desafio da AIDS. É a experiência vivida pela Capelania Católica do Instituto de Infectologia do Hospital Emílio Ribas (São Paulo). Este hospital, embora visto pela sociedade como uma Instituição benemérita e heróica, é visto ao mesmo tempo com preconceito, pois abriga doentes “perigosos, acometidos pela doença mais aterrorizadora dos últimos séculos. A capelania do Hospital Emílio Ribas trabalha dentro desse contexto, com pacientes que possuem poucas ou nenhuma experiência do sagrado, pois são excluídos social e religiosamente. As vidas desses portadores do vírus HIV na sua maioria são marcadas pela “imoralidade”( droga, prostituição,


homossexualismo, infidelidade conjugal, etc.). Talvez por isso sofrem tanta discriminação, pois confrontam os valores da sociedade e da religião. Os pacientes na maioria dos casos enfrentam um longo período de internação, o que provoca um processo natural de revisão da própria vida. Neste processo, uma visão de pecado ressurge, gerando auto-censura, autoexclusão, convicção de que a experiência que vivem é fruto de um “castigo de Deus”. É muito difícil para essas pessoas acreditarem num Deus misericordioso; acreditam, sim, num Deus vingador. É comum pensarem que precisam “pagar” pelos seus pecados, pelos seus erros, enfrentando a doença, e, quem sabe, um dia, Deus tenha misericórdia para com eles. Diante da realidade de uma prognóstico fechado, ou seja, na fase terminal, quando não há mais chance de cura e a realidade de morte é próxima; a única esperança é um milagre. Nesta fase, surge uma busca desenfreada por Deus, o único que pode ajudar. Manifestam sua religiosidade por meio de orações, leitura da Bíblia, livros e revistas religiosas, santinhos, novenas, etc. Os que têm condições de sair do leito, fazem questões de freqüentar a Igreja para agradecer as pequenas melhora e pedem mais auxílio e proteção. Buscam redescobrir valores antes esquecidos. Aqueles que conseguem temporariamente sair do hospital, buscam viver de uma maneira nova, mesmo contrariando o grupo social a que pertenciam. Muitos até colaboram no trabalho de prevenção ou tornam-se voluntários da capelania hospitalar. Quando o milagre que esperam não acontece, várias são as reações: a mais comum é entrarem em profunda depressão. A morte passa a ser desejada pois, de castigo, pode transformar-se em libertação. É o momento mais difícil e derradeiro da vida dessas pessoa. Precisam aprender a conviver com a morte como realidade. Muitos nessa fase revoltam-se contra Deus. Outros se tornam apáticos e indiferente a tudo, como se Deus, as pessoas e o mundo não existissem. Nesta situação resta à capelania ser apenas uma presença amiga, continuando a amar aquelas pessoas como irmãos e jamais abandoná-las naquele momento. Em muitos casos, é a única presença amiga que lhe resta. Quanto aos que não crêem em nada, o momento da morte é algo terrível e consequentemente de revolta. A morte é a volta ao nada, ao não existir. É o aniquilamento total. Junto a estas pessoas pouco ou nada se pode fazer, apenas se presença. Como é um princípio básico da capelania não transformar o hospital num campo missionário para conversões, busca-se como trabalho, vincular o paciente à sua comunidade eclesial, católica ou não. Para que se mantenha o respeito à religião do paciente (a capelania hospitalar não está a serviço da religião, mas do paciente), procura-se reavivar a sua crença, incentivar a


família a que chame o ministro religioso respectivo. Quando isto não é possível, a própria capelania chama o ministro, orientando-o e dando-lhe as informações necessárias, prestando-lhe toda assessoria para que possa desempenhar o seu ministério. Esse trabalho muitas vezes não é compreendido pois o paciente de AIDS é rejeitado pelo social e motivo de vergonha para a própria família. Falta ainda espírito ecumênico e uma profundaconversão para se enxergar e pregar o Deus misericordioso. Pe. João Inácio Mildner, Capelão do Hospital Emílio Ribas A ESPERANÇA O QUE FARÍAMOS NA VIDA SEM ELA? Tudo que se fez neste mundo foi feito pela esperança, disse Martinho Lutero. A esperança é talvez a principal felicidade a que este mundo pode se permitir, afirmou Samuel Johnson. Uma coisa é certa: nem o indivíduo nem a sociedade podem sobreviver sem ela. A esperança é o mecanismo que mantém a raça humana tenazmente viva e sonhando, planejando e construindo. A esperança não é antônimo de realismo; é antônimo de cinismo e de desespero. A maior parte da humanidade sempre deve esperança quando parecia já haver solução; suportou o insuportável e conseguiu construir quando não havia com que construir. Esta é a atitude natural e sadia dos seres vivos. Um coração feliz faz também como um medicamento, diz a Bíblia, nos Provérbios. Esta velha sabedoria ganhou nova confirmação no nosso tempo. Por exemplo, depois da Segunda guerra Mundial descobriu-se que os prisioneiros de guerra que tinham se convencido de que sobreviveriam, aqueles cuja mente pesava na vida em termos de futuro, deixaram as prisões muito menos traumatizados do que os que já haviam desesperado de voltar para casa. O psiquiatra landes Dunbar certa vez referiu-se a dois pacientes com iguais complicações cardiovasculares. Um dizia: “Agora é por sua conta, doutor”; o outo afirmava: “Tenho de fazer alguma coisa para recuperar”. O primeiro morreu, mas o segundo sobreviveu. O Dr. Martin E. P. Seligman, da Universidade da Pensilvânia, realizou experiências sobre as causas da depressão, doença que afeta milhões de pessoas hoje em dia. Descobriu que o indivíduo deprimido encara o menor obstáculo como uma barreira intransponível. As pessoas assim acham inútil reagir, porque “não se pode fazer nada”. A terapia certa, segundo me contou, começa quando passamos acreditar que podemos ser entes humanos efetivos e capazes de controlar nossas vidas.


Da mesma forma, o que esperamos de nós próprios afeta o nosso comportamento em relação aos outros. Todos nós já encontramos aquele tipo de pessoa a que aludia o poeta. A. E. Housman, quando se referiu à “doença mortal de uma mente infeliz de mais para ser gentil”. O homem que tem esperança vê os outros seres humanos como eles poderiam ser e, então, tenta ajudá-los. Um conhecido nosso era casado com uma alcoólatra. Ela dava vexames, mas ele nunca perdia a esperança. Certa noite, ela o envergonhou na presença de amidos. Logo em seguida, irrompeu em lágrimas. “Por que não me deixa”? gritava ela. Ele respondeu-lhe: “Porque ainda me lembro de uma alma muito bela que vivia em você e ainda acredito que viva”. Tempos depois, ela se recuperou. No entanto, será que a esperança não nos desaponta todos os dias? Não será uma coisa de gente boba? Responder a tais perguntas é apenas repetir o que sempre soubemos. A esperança desafia as piores desvantagens. O escritor Damom Runyon disse: “A vida é uma aposta em que nossas chances são cinco contra seis”. Sempre foi assim. A vida inteira é uma luta da luz contra as trevas, da alegria contra o desespero; no entanto, muitos de nós continuamos quase sempre esperançosos e, alguma coisa. Por que? Talvez porque a esperança seja natural no homem. Somos novas pessoas todas as manhãs, porque, de alguma forma, quando a noite terminar, brotamos das trevas dos sonhos dispostos a começar tudo outra vez. Lembro-me de um homem que ficara tão desesperado com seus problemas (a mulher tinha fugido com outro, o filho estava no reformatório para delinqüentes juvenis, ele próprio sofrerá um aleijão terrível e, como se tudo isso não bastasse, um incêndio quase destruiu sua casa), que tentou cometer suicídio. No entanto na manhã seguinte à tentação, acordou e disse a um amigo que estava à sua cabeceira: “Que dia lindo este hoje! Acho que vou reconstruir minha casa’. E algum tempo depois, acabou recuperando a própria vida. Renovamos nossa esperança assim como as flores brotam do chão e o Sol renasce no horizonte e talvez até pelas mesmas razões. A assinatura da esperança parece estar escrita na terra, no céu, no mar e nas nossas vida. As células se dividem, as flores crescem, as árvores dão folhas, os animais dão crias e as protegem tudo numa espécie de orquestração cósmica, de apelo ao futuro. Contudo, embora a esperança pareça tão natural e indispensável, podemos perdê-la. Como acontece conosco quando nos casamos, também a esperança parece se cansar. Poderemos aprender a esperar ou a recuperar a esperança?


Claro que sim. Simplesmente porque, como a esperança é o fluxo natural da vida, ela se libertará com facilidade assim que eliminarmos o obstáculo que a impede. Eis alguma sugestões. Espere o momento exato. Há época em que é difícil acreditar no futuro se nos falta temporariamente a coragem. Quando isto acontece, concentra-se no presente. Assim como os alcoólatras devem aprender a esperar por um dia de graças uma vez por outra. Cultive le petit bonheur “( a pequena felicidade)” até que a coragem volte. Anseie pela beleza do próximo momento, da próxima hora, pela promessa de uma boa refeição, por um sono ou um livro, por um filme, pela certeza de que esta noite as estrelas brilharão e amanhã o Sol nascerá. Firme raízes no presente até que voltem as forças para pensar. Faça alguma coisa. “Quando estou muito na fossa”, escreveu-me um estranho há alguns anos, procuro fazer alguma coisa”. Este é um bom conselho para as pessoas paralisadas pelo desespero; ajuda-se a sair do ponto morto. “O único pecado verdadeiro, escreve Charles McCabe em sua coluna, no San Francisco Chronicle, é o de não lutar, não concretizar todas as possibilidades da natureza”. Se tudo o mais for imutável, lembre-se, ainda poderemos mudar a nós mesmos. Acredite na esperança. Não se deixe convencer de que os pessimistas detêm a verdade. Essas pessoas prefeririam viver numa Bruna de ceticismo, em vez de se arriscarem a qualquer fracasso. Além disso, no momento em que alguém disser que não há esperança, é porque não se pode fazer nada; este é o melhor álibi do mundo contra a ação. É o adulto em nós, e não a criança, que nocauteado, se levanta de novo e diz, contra todas as possibilidades: “Amanhã será melhor”. A esperança não é mentira, e sim a própria verdade. É uma verdade a que o homem aspira e que transforma sua esperança em instituições que continuarão progredindo, mesmo quando ele desespera. Os Alberts Schweitzers deste mundo são tão reais como os Hitlers. As pessoas comuns, reforçadas pela fé, realizam feitos quase santificado e perfeitamente heróicos. Assim, adote a esperança. Ela é tão infalível como o sol da primavera, mas, mesmo que não fosse, sua mágica ainda seria útil, pois a esperança é um fim em si. É um exercício de galantearia, um estado de espírito, um estilo de vida, um clima de bonança no coração. Mesmo que não consigamos vencer, mesmo que o fracasso e a morte acabem nos encontrando, vale a pena ter esperança, porque nos permite sorver a última gota de alegria do tempo que ainda nos resta. Se a alegria espera por nós é porque tivemos razão em esperar; se o fracasso nos espreitar, haverá sempre motivo para acreditar em que a esperança nos tornará fortes para enfrentá-lo


Ardis Whitman; in Seleções Tomo VIII, n.45, Fev. 1975.


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