MENSAGEM DO PAPA AOS CAMILIANOS Todos o Camiliano seja um verdadeiro contemplativo no exercício do seu ministério junto dos doente
1. A alegria que acompanha a celebração do Grande Jubileu da Encarnação adquire uma particular tonalidade para a Família Camiliana, que se prepara para recordar os 450º anos do nascimento de São Camilo de Lelis, ocorrido em Bucchianico a 25 de Maio de 1550. Uno-me de bom grado à ação de graças dessa Ordem, por ele fundada, assim como à das Congregações da Ministras dos Enfermos de São Camilo e das Filhas de São Camilo, dos Institutos seculares das Missionárias dos Enfermos, Cristo Esperança e Kamillianische Schwestern, assim como à da Família Camiliana leiga, que sucessivamente nasceram do carisma e da espiritualidade do grande Santo da Região dos Abruzos. A comemoração adquire um particular relevo no mundo da saúde e do sofrimento, não só pelo generoso empenho dos filhos de São Camilo em favor dos doentes, mas sobretudo porque em 1886 o Papa Leão XIII proclamou o vosso Fundador Padroeiro dos doentes e dos hospitais; em 1939 a Papa Pio XI o aclamou Padroeira dos agentes no campo da saúde; e em 1974 Paulo VI o proclamou Padroeiro da saúde militar italiana. A coincidência dessa celebração com o Ano jubilar assume, além disso, um significado muito particular, porque o inteiro itinerário humano e espiritual de São Camilo se inseriu no contexto das grandes datas jubilares, das quais ele hauriu um profundo desejo de conversão e de generosos propósitos de servir Cristo nos irmãos doentes. Com efeito, nasceu no Ano Santo de 1550, converteuse em 1575 e durante o Jubileu do ano 1600, aperfeiçoou as orientações para a atuação do carisma da caridade misericordiosa para com os doentes. Essas coincidências constituem para essa Ordem e para as Família religiosas a ela ligadas um especial convite a acolher as graças do Grande Jubileu e do aniversário do nascimento do Fundador, como ocasião de renovada fidelidade ao Senhor e ao carisma camiliano. 2 . São Camilo de Lelis viveu num período particularmente complexo, no qual dominavam profundos anseios à santidade, mas também tenazes resistências a uma vida evangelicamente inspirada. Com a sua rica personalidade e o seu testemunho de caridade, ofereceu à sociedade do seu tempo preciosos estímulos de renovação espiritual, contribuindo de maneira original para o projeto de reforma da Igreja, promovida pelo Concílio de Trento. A sua vida, sob a influência do Espírito, mostrou-se como que uma narração maravilhosa do amor de Deus criador e redentor, que manifesta de modo especial a sua ternura misericordiosa de médico das almas e dos corpos. A sua obra ao serviço dos que sofrem apresenta-se como uma autêntica escola, da qual o Papa Bento XIV reconhecerá a novidade no serviço prestado
com amor e competência, isto é, unindo aos conhecimentos científicos e técnicos os ricos gestos e atitudes da humanidade atenta e partícipe, que tem as suas raízes no Evangelho. Nas Disposições e modos que se devem seguir nos hospitais para servir os doentes pobres, por ele redigidos em 1584, propôs instituições e diretrizes que foram retomadas em grande parte pela ciência de enfermagem dos nossos dias. Ele afirma a importância de considerar com atenção e respeito todas as dimensões do doente, da física à emotiva, da social à espiritual. Num conhecimento trecho das Regras, convida a pedir ao Senhor a graça “de um afeto materno para com o seu próximo”, de maneira a “poder servilo com toda a caridade, tanto na alma como no corpo. De fato, com a graça de Deus desejamos servir os enfermos com aquele afeto que uma mão amorosa costuma ter para com o seu único filho doente”. Contudo, São Camilo com o seu exemplo ensina sobretudo a fazer do serviço aos enfermos uma intensa experiência de Deus, que leva a procurar constantemente o Senhor na oração e nos sacramentos. A sua vida parece ressaltar o gesto da mulher a que se refere o Evangelho de São João (Cf. 12, 3). Também ele unge os pés de Jesus, presente naqueles que sofrem, com o ungüento precioso da caridade misericordiosa, inundando toda a Igreja e a sociedade com o perfume do seu ardor apostólico e da sua espiritualidade. O seu testemunho ainda hoje constitui um forte apelo a amar Cristo, presente nos irmãos que carregam o fardo da enfermidade. 3. No decurso dos séculos, esse apelo, acolhido por tantas almas generosas manifestou amplamente a fecundidade do carisma de Camilo de Lelis. Assim essa Ordem, realizando os ardentes desejos do amor sem limites do seu santo Fundador, estendeu os seus ramos nos cinco Continentes, difundindo-se nestes últimos cinqüenta anos em vinte novos países, cuja maior parte está em vias de desenvolvimento. Recentemente, obedecendo ao desejo do Sucessor de Pedro, fez brilhar a cruz de São Camilo também na Armênia e na Geórgia, proclamando o Evangelho da caridade para com os doentes entre aqueles povos, durante muitos anos oprimidos por regimes contrários à religião cristã. Que dizer, depois, daqueles que, abraçando os ideais e o modelo de vida de São Camilo, alcançaram o cumes da santidade? Nesta circunstância, desejo recordar em particular os membros eleitos da grande Família Camiliana, que eu mesmo tive a alegria elevar à honra dos altares: Henrique Rebuschini, religioso dessa Ordem; Josefina Vannini, Fundadora das Filhas de São Camilo, Maria Domingas Brun Barbantini, Fundadora das Ministras dos Enfermos de São Camilo. Mas não posso esquecer, ao mesmo tempo, os religiosos camilianos que, ao longo dos séculos, “sacrificaram a sua vida no serviço às vítimas de doenças contagiosa, mostrando que a dedicação até ao heroísmo pertence à índole profética da vida consagrada” (Vita consecrata, 87). Como não ver neste
florescimento de santidade uma confirmação da validade do carisma camiliano, como caminho para a perfeição da caridade? 4. A celebração de 450º aniversário do nascimento de São Camilo constitui para os seus Filhos um importante convite a enfrentar, com fidelidade e criatividade, os desafios do mundo contemporâneo, e a demostrar com renovado empenho a atualidade dos seus ensinamentos e do seu carisma. No início do terceiro milênio cristão, os Camilianos são chamados, de modo especial, a testemunhar fielmente Cristo, divino Samaritano, através duma vida santa e fervorosa, sustentada pela oração constante e por uma experiência alegre da misericórdia divina. Eles contribuirão assim para ajudar a comunidade eclesial a procurar descobrir o rosto do Senhor crucificado, em toda a pessoa que sofre. Será necessário, portanto, cultivar uma sólida espiritualidade para superar os fáceis riscos de um pragmatismo sem alma, esquecido da verdade fundamental, segundo a qual a salvação de quem sofre e morre é obra da graça de Deus. Seguindo o exemplo do santo Fundador, todo o Camiliano seja um verdadeiro contemplativo em ação, conjugando constantemente consagração e missão. 5. Tal opção tornará esta Ordem capaz de infundir nas estruturas sanitárias uma forte inspiração evangélica, hoje particularmente necessária no mundo sanitário e da saúde, insidiado por enormes conflitos éticos, provocados por um preocupante afastamento da ciência e da tecnologia do autêntico respeito pelos direitos da pessoa humana nas diversas fases do seu desenvolvimento. Nesses contextos difíceis, os Religiosos Camilianos são chamados a empenhar-se com generosa dedicação, para que nas instituições de saúde os doentes sejam sempre considerados como “senhores e patrões”, segundo a feliz expressão de São Camilo. Eles, além disso, dedicarão particular cuidado para que o doente se torne consciente de poder ser sujeito ativo de evangelização, através da oferenda do próprio sofrimento, em comunhão com Cristo crucificado e glorificado (cf. Christifideles laici, 53-54; Vita consecrata, 83). A sua atenção seja dirigida, além disso, para a promoção de uma cultura respeitosa dos direitos e da dignidade da pessoa humana através dos Institutos acadêmicos, em particular o “Camillianum”, dos Centros de pastoral e das estruturas sanitárias, já presentes em várias nações. 6. Os filhos de São Camilo sabem que são chamados a privilegiar “os doentes mais pobres e abandonados, bem como os idosos, os inválidos, os marginalizados, os doentes em fase terminal, as vítimas da droga das novas doenças contagiosas” (Vita consecrata, 83). A opção de estar ao lado dos pobres, promovendo a saúde comunitária e testemunhando o amor da Igreja pelos homens, resulta particularmente urgente nos países em vias de desenvolvimento, onde a situação de indigência agrava as condições de saúde da população, favorecendo a difusão das nossa doenças sociais, em particular da toxicomania e
da AIDS, expressões de degradação moral da civilização e de injustiças sociais, que levantam numerosos problemas humanos e éticos. Conheço o notável empenho do Instituto na assistência às vítimas destas doenças e na relativa obra de formação e de prevenção. Ao congratular-me convosco pelos notáveis resultados alcançados, sobretudo nos últimos anos, formulo votos por que os filhos de São Camilo tenham sempre mais a peito essas dramáticas situações, dedicando-se-lhes de maneira generosa, competente e sistemática. 7. Também no vosso Instituto foi aberto recentemente um capítulo rico de esperanças, por causa do enorme grupo de leigas e leigos que optaram por viver a sua vida cristã à luz do carisma e da espiritualidade camiliana. Ao exprimir o meu encorajamento a essas colaborações promissoras, faço votos por que o empenho de formação e a participação na vida da Ordem possam trazer “inesperados e fecundados aprofundamentos de alguns aspectos do carisma, reavivando uma interpretação mais espiritual do mesmo e levando a tirar daí indicações para novos dinamismos apostólicos” (Vita consecrata, 55). À Família Camiliana leiga, novo fruto da árvore frondosa que nasceu da fé e do amor do Santo de Bucchianico, dirigem-se a minha saudação particular e o convite a aprofundar a própria adesão a Cristo, através da prática dum serviço generoso aos doentes, sobretudo aos mais pobres. De coração formulo à inteira Ordem os votos por que viva o 450º aniversário do nascimento de São Camilo na alegria e no compromisso apostólico e, enquanto confio esperanças e projeto à Virgem Imaculada, Rainha dos Ministros dos Enfermos e Saúde dos doentes, desejo que, assim como o foi para o Fundador, também para todo o Camiliano o Ano jubilar seja ocasião de fervor, de santidade e de graça. Com estes votos, concedo-lhe com afeto, a Bênção Apostólica, aos Padres, Irmãos, Religiosos e a quantos compõem a grande Família Camiliana, e também a todos aqueles que beneficiam do seu serviço caritativo e competente. Vaticano, 15 de Maio de 2000.
ESPIRITUALIDADE DE S. CAMILO
A espiritualidade cristã consiste em viver como Jesus viveu, em comunhão profunda com Deus, deixando-se guiar pelo seu Espírito, no amor e no serviço do nosso próximo. Esta espiritualidade, comum a todos os cristãos, diversifica-se e especifica-se de acordo com os dotes naturais, os dons da graça de cada um. O primeiro dom comum a todos os cristãos, que é fontal e engloba todos os outros dons, é o Espírito Santo, que é o Espírito de Jesus, chamado também de Espírito da verdade, Espírito do Pai, Espírito do amor. Na variedade de dons e carismas é sempre este único e
mesmo Espírito que opera tudo em todos. O Espírito Santo é como a água viva, que jorra da mesma fonte, que rega todas as plantas do jardim mas é absorvida e se torna seiva de cada uma e assume a cor diversa de cada flor: vermelha na rosa, branca no lírio, purpúrea na violeta. O dom que mais se destacou em Camilo, que moldou e marcou profundamente sua espiritualidade, foi seu extremado amor para com os doentes e para com todos os sofredores. Esse amor tornou-se a verdadeira paixão da sua vida, absorveu todo o seu tempo, unificou toda sua atividade. A partir do dia da sua conversão, quando chegou ao verdadeiro conhecimento de Deus-Amor, ele não viveu mais para si mesmo, não suportou mais ser prisioneiro do pequeno mundo de seus interesses pessoais: livre de tudo e de todos e também de si mesmo, entregou-se única e inteiramente a Cristo que ele via e servia nos doentes. Guiado pelo amor e iluminado pelo Espírito Santo, ele revolucionou a assistência hospitalar do seu tempo e transformou o serviço aos doentes em autêntico culto a Deus. Em qualquer lugar onde houvesse um doente, aí era para Camilo lugar de culto. O leito do hospital, o catre do casebre ou o chão frio da rua, onde jazia um doente, eram o altar em torno do qual Camilo celebrava a liturgia do seu ministério. Assim Camilo reabilitou a espiritualidade do engajamento efetivo no serviço ao próximo necessitado e acabou com a idéia de uma santidade intimista que fecha a pessoa em si mesma, a deixa extasiada com seus sentimentos e a incapacita para a ação. "Não acredito naquela piedade que corta as asas à caridade", costumava ele dizer. Para Camilo o doente era o seu Senhor. As necessidades dele eram ordens de Deus e tinham precedência absoluta, como o demonstram, estes dois simples fatos entre muitos outros: Certa vez o porteiro foi avisar a Camilo que havia chegado ao hospital um monsenhor querendo falar com ele. Camilo estava servindo um doente, e respondeu: "Diga ao monsenhor que eu estou ocupado com Nosso Senhor Jesus Cristo; assim que terminar estarei à sua disposição". Uma noite, de volta para casa exausto do intenso trabalho no hospital e apenas deitado, lembrou-se que tinha esquecido de servir um ovo prescrito pelo médico a um doente. Levantou-se imediatamente e voltou ao hospital, para o servir: ele era seu Senhor. Se de um lado Camilo via Cristo no doente, por outro lado ele mesmo se sentia identificado com o Cristo misericordioso, como seu seguidor e continuador da sua missão, como instrumento do seu amor. Na parábola em que se apresenta a si próprio como o bom samaritano, Jesus exorta seus seguidores a serem eles também bons samaritanos: "Vai e faze tu o mesmo". Camilo foi realmente o bom samaritano que deixava qualquer outro projeto ou ação para atender prontamente, com toda dedicação e inteligência, a pessoa humana enferma, fosse quem fosse, no momento em que ela mais necessitava de ajuda. A partir desta visão de fé, podemos entender outros aspetos da espiritualidade deste gigante da caridade, como quando ele exorta seus religiosos a terem mais coração em suas mãos; a servirem os doentes com todo amor e diligência; a pedirem a Deus um coração de mãe para servirem os doentes com o carinho que tem uma mãe para com seu único filho enfermo. Testemunhas oculares atestaram que ele atendia indistintamente a todos os doentes, com tal afeto e ternura que se algum desconhecido visse Camilo assistindo a um doente daquela maneira, pensaria que ele estava socorrendo o seu mais querido amigo ou parente. Hoje parece que os fiéis estão redescobrindo o Espírito Santo! Pois S. Camilo já no seu tempo, em que se exigia mais doutrina e disciplina do que palavra de |Deus e amor, tinha a experiência, mais prática e efetiva do que teórica e festiva, da presença e ação do divino Espírito. Era fundamental para ele que o servidor dos doentes tivesse um coração materno e se deixasse guiar pelo Espírito Santo norma que ele deu aos seus seguidores, e que ainda hoje
consta na nova constituição da Ordem dos Ministros dos Enfermos (Camilianos) por ele fundada em 1582. Pe. Calisto Vendrame
LENDO A BÍBLIA: A VISÃO CAMILIANA DA SAÚDE. ÂNGELO BRUSCO Lendo a Bíblia, quais são as linhas de orientação oferecidas pela visão cristã do homem e da vida para responder aos desafios do mundo contemporâneo diante da problemática do mundo da Saúde? Procurarei responder, ao menos parcialmente, a estas questões ilustrando tudo o que o Instituto Camiliano fez e é chamado a cumprir ao promover a cultura da Saúde. a - A promoção do Reino de Deus Em primeiro lugar, é de se notar que o empenho do Camiliano no mundo da Saúde situa-se no projeto de promoção do Reino de Deus. O artigo 43 da Constituição afirma claramente que os Camilianos estejam dispostos a assumirem o serviço no mundo da Saúde para a edificação do Reino de Deus e a promoção do Homem (C. 43). O mesmo documento frisa no número 45 que com a promoção da Saúde, a cura das doenças e o aliviamento da dor, cooperamos com a obra do Deus criador. A criação é um processo permanente. O Senhor, que veio entre os homens para que todos tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10,10), age em nós e por nós para que tal plenitude seja alcançada. Se o percurso rumo a tal plenitude de vida é empolgante, não deixa de ser, porém, marcado pelo sofrimento, como afirma São Paulo: “Sabemos bem que toda a criação geme e sofre até hoje as dores de parto...” .Estes gemidos provêm não só da pessoa atingida pela doença, mas também dos indivíduos que não podem realizar-se por falta de instrução, de recursos médicos e 4 de prevenção. Empenhando-se na cura das feridas e na promoção da Saúde, os Religiosos Camilianos e os colaboradores que com eles trabalham, cooperam no aqui e agora da história, a realizar, mesmo que parcialmente, os novos céus e nova terra, que são o objeto da esperança cristã. De tudo isso, concluímos que a promoção da Saúde se insere no processo de salvação. É nesta filosofia que se radica o empenho dos Camilianos para a promoção da Saúde e as iniciativas dessa realização ao longo da história. De tal empenho indicarei apenas alguns aspectos mais relevantes: b - Saúde integral A Saúde agoniada pelos Camilianos é a Saúde integral. São Camilo foi claro a este respeito quando, em palavras e ações, proclamou a necessidade de uma assistência que atinja a globalidade do enfermo: o corpo e a alma são inseparáveis no ser humano e suas necessidades espirituais e corporais são sempre consideradas numa visão unitária da pessoa. Ele exortava a todos que serviam os enfermos a usarem a caridade na assistência
do corpo, estimulando-os com palavras apropriadas a se alimentarem, favorecendo a melhor posição física, mantendo a higiene das roupas, mudando-os de posição delicadamente, evitando que fossem expostos ao frio quando transferidos de um lugar para outro.... A cura do corpo deveria ser concomitante ao bem-estar do espírito do enfermo. A visão global da Saúde do homem, exigida por São Camilo, leva-nos a ir além da simples eliminação do sofrimento, e a desenvolver maneiras de ser e de comportamento, fonte de gratificação humana e espiritual. A este respeito, Jesus nos oferece um exemplo significativo. Na sua ação salvadora, ele visava não só superar a indigência do homem, vítima dos seus limites, mas também a manter a sua busca rumo à plenitude. A experiência sadia e salutar de que ele é a fonte e que prepara a acolhida da salvação, é múltipla...: Ele dá consistência à vida, dinamiza a existência, potenciando o melhor de cada um, restitui a dignidade perdida, ajuda cada um a viver com o próprio corpo e governá-lo com equilíbrio; luta contra os comportamentos patológicos de origem religiosa, sana as relações interpessoais procurando criar uma convivência mais solidária e fraterna, oferece uma visão positiva da vida e indica, na solidariedade e no amor, o caminho para a plenitude humana. “Uma visão completa da Saúde humana supõe a melhor harmonia possível entre as forças e as energias do homem, a espiritualização mais avançada do aspecto físico da pessoa e a expressão corporal mais bonita possível do espiritual. A verdadeira Saúde se manifesta como auto-realização da pessoa mobiliza todas as energias para cumprir a sua vocação humana integral”. c - A resposta ao desafio do sofrimento. A promoção de uma justa cultura da Saúde não se consegue adequadamente se não se assume um comportamento justo em relação ao sofrimento. Tudo o que leva o homem a sofrer, certamente será combatido, mas é também importante que isso seja devidamente interpretado. O sofrimento, de fato, é um sinal, uma mensagem em código, um grito que irrompe de um ser ferido no corpo e no espírito. Este grito não é entendido numa sociedade que tende a tratar o sofrimento de maneira puramente técnica, isto é, que procura suprimi-lo antes de compreendê-lo. O que o sofrimento nos diz? Qual mensagem expressa no verdadeiro sentido do sofrimento? Ela revela a distância que existe entre o que o homem é - ser vulnerável e mortal - e o que ele ambiciona ser - criatura invulnerável e imortal. Desta consciência pode nascer a invocação. d) - A luta contra o sofrimento A luta contra o sofrimento faz parte da missão do Camiliano. O primeiro 6 objetivo que São Camilo se propôs no seu programa de assistência aos enfermos consistia na luta contra a dor. Meritoriamente ele é considerado um reformador dos métodos assistenciais que vigoravam na sua época. Na elaboração das novas técnicas de enfermagem, tinha como objetivo aliviar o sofrimento dos pacientes. Este particular do ministério Camiliano teve uma longa expansão depois da segunda metade deste século, quando na maioria dos países em que os Camilianos operavam começou a construção de Hospitais, Casas de Saúde, Casas de Repouso para Idosos, abrigos e outros. Até o presente as Instituições hospitalares e de assistência à Saúde administradas pelos Camilianos ultrapassam uma centena. Nelas, quer sejam catedrais da ciência e
tecnologia modernas, quer Instituições de porte mais modesto, está bem à vista e em pleno andamento o projeto de colaborar na recuperação da Saúde. São muitos os desafios que os Camilianos têm pela frente se quiserem fazer de seus Institutos de assistência instrumentos realmente sólidos para a promoção da Saúde, através do empenho contra a moléstia. Proclamação e defesa da dignidade da pessoa humana Uma visão positiva da pessoa e da sacralidade da vida humana, característica do homem de fé, “não se deixa abater à vista da pessoa doente, vítima da desgraça, relegada à marginalidade, na iminência da morte” A proclamação da sacralidade da vida e da dignidade da pessoa humana não ocorre apenas quando as definições doutrinais do magistério, mas também – e talvez com mais impacto – mediante as atitudes de carinho e amor para com aqueles cuja vida está fragilizada e cujo valor não pode enfrentar o paralelo aos padrões da cultura vigente: os doentes de HIV, os doentes na fase terminal, certos grupos de deficientes, doentes crônicos, idosos dependentes. Como afirma Jean Vanier, estas pessoas tão maltratadas pela vida “... não só devem ser objeto da caridade e amor, e por motivo algum devem ser considerados uns inúteis, indivíduos a serem esquecidos, considerados um peso ou problema. Ao contrário, eles constituem uma oportunidade de vida para nós. Ao nos achegarmos a eles, por não sei qual modo misterioso, eles nos confrontam com o obstáculo e nos interpelam à verdade, à competência, à compaixão, à capacidade de nos centrarmos na pessoa.” Na história da Ordem, o heróico testemunho de bem mais de 300 religiosos sacrificados no serviço dos empestados e outras modalidades de moléstias contagiosas é o 9 Evangelium Vitae, 83. 7 endosso da proclamação da dignidade da pessoa humana. Harmonizar a lógica técnica e a lógica ética, a lógica econômica e a lógica ética. A ciência ocupa-se dos fenômenos e problemas, pondo a operar as conquistas através da técnica; a ética aclara os critérios, o percurso a seguir, quando se trata da prática das conquistas da ciência e da técnica. Técnica e ética são exigências recíprocas. Se a ciência e a técnica não abrem o caminho, torna-se impossível o socorro ao necessitado; se a ética não balizar a estrada, o percurso científico e tecnológico podem ter conseqüências anômalas, com a possibilidade de atuar negativamente nas pessoas vítimas das doenças. A crônica destes últimos anos nos informa de quanto é difícil associar harmoniosamente estas duas lógicas em virtude de um freqüente “divórcio arbitrário entre a verdade e a liberdade.” A desproporção entre as conquistas técnico-científica e o respeito à ordem dos fins e dos valores, entre a ênfase das especializações e a atenção ao homem global; entre a atenção aos problemas físicos, naturais, somáticos e as perguntas transcendentes, a formação da espiritualidade humana levaram a um empobrecimento do homem global e ao relaxamento de sua dimensão espiritual. Transposto o versante da tecnologia para o da economia, é fácil dar de frente com idênticos conflitos do ponto de vista ético. 10
Martini CM, oc, pag. 95
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A humanização da assistência ao doente A exigência e premência de aproximar o mais possível o modo atual da assistência à Saúde, em todas as suas expressões – desde aquela profissional até a voluntária – ao que ela efetivamente deve ser, não é problema apenas do nosso tempo. Ela já foi detectada no correr da história. Nos tempos de hoje sua premência se faz sentir com mais peso. O discurso sobre a humanização do serviço aos doentes também nos remete ao valor da dignidade humana. Humanizar uma realidade significa efetivamente adequá-la à dignidade do homem, respeitosa, ou seja, coerente com os valores que ela percebe como pessoais e inalienáveis. É do consenso de todos que a assistência aos doentes – para ser realmente de valia – não se plenifica através de serviços, não obstante sua alta qualificação tecnológica, mas também – e principalmente – por pessoas dispostas a romper seu isolamento narcisista, para se abrir a um encontro de vida com vida, cara a cara, em ordem a um crescimento comum. Trata-se daquele coenvolver-se amoroso de que falava São Camilo na famosa regra: “Mais que tudo, cada um peça ao Senhor a graça de um afeto materno para com o próximo, assim que possamos servi-lo com toda a caridade, quer espiritualmente, quer corporalmente. Afinal, com a ajuda de Deus, queremos servir a todos os enfermos com aquele afeto que uma mãe amorosa costuma ter para com seu único filho enfermo.” Justo equilíbrio entre medicina hospitalar e medicina comunitária. Muito se questionou por que o caminho percorrido pela Ordem Camiliana tenha avançado tão pouco na promoção da medicina preventiva e das medidas primárias da Saúde. A tradição nos fornece a resposta. De fato, um correr de olhos sobre o passado revela-nos claramente que o empenho do nosso Instituto na assistência à Saúde desenvolve-se principalmente dentro das Instituições: Hospitais, Casa de Saúde, Casas de Repouso para Idosos, abrigos. É fácil compreender que “instituição sanitária” significa eficiência, segurança, poder, gratificação, estabilidade. É o que explica, ao menos em parte, a resistência de muitos Religiosos em compreender a importância dos programas de Saúde comunitária e de neles se envolver. Um projeto de impulsionar a medicina comunitária não significa em subestimar o 11 Quantoassistencial ao tema da eHumanização cfr.seBrusco A., Humanizaciòn del servício al enfermo, Sal em terrae, 9 serviço sanitário que ministra nas Instituições. O que se quer é pôr Santander, 1998. paralelo às Instituições de Saúde válidos programas de medicina comunitária, como transparece muito bem um documento que a Província Brasileira publicou anos atrás. Assim se lê: “Partindo de uma visão de longo alcance quanto ao papel do Hospital e principalmente da responsabilidade com que se defrontam o povo da inteira nação, os Camilianos estenderam um programa de assistência primária para mais de 300 Comunidade de Base espalhadas pelo território nacional. Um serviço adequado e eficiente exige a prevenção da moléstia, a orientação da Comunidade quanto ao tratamento, a luta contra as moléstias comuns e endêmicas, o uso correto dos recursos ao alcance de todos e principalmente o trabalho de conscientização de todo o cidadão para que assuma sua própria responsabilidade.” Criar solidariedade. Uma ícone bíblica tirada do Cântico dos Cânticos (5,2-6) contribui para esclarecer este conceito. Trata-se da mulher amada, protagonista do Livro Sagrado. Ela já
está na cama, depois de ter lavado os pés e ter trocado de roupa. Às tantas, ouve bater à porta. Quem será? E começa a pensar: já troquei de roupa, lavei os pés, já estou na cama; não tenho vontade de levantar, sujar novamente os pés. Hesita. Mas afinal decide levantar, abre a porta. Não há ninguém. O amado foi embora; ela vai à sua procura pela cidade. A expressão que caracteriza o episódio é esta: eu durmo mas meu coração vigia. Estas poucas palavras não expressam de maneira eloqüente a duplicidade tão típica da pessoa humana, e que é também uma característica do mundo moderno em todos os seus aspectos? Eu durmo: de um lado, em nós há a propensão à indiferença; mas meu coração vigia: há o pulsar rápido do coração, a vontade de levantar e abrir a porta, de se envolver na ajuda e no serviço do outro. Na tradição Camiliana, este empenho de sensibilizar a pessoa ao amor para com os pobres e doentes, - presente mas às vezes latente, na dormência – remonta ao tempo de São Camilo. Ultimamente despertou para uma maior intensidade, arregimentando fileiras10 de 12voluntários, muitos dos quais querem viver seu compromisso de vida cristã, à luz do Citado em H. Volken, La valutazione al servizio dei poveri, in “Camilliani- Documenti”, 8 (1989), p. 111 carisma e da espiritualidade de São Camilo. Assistência espiritual aos pacientes O empenho da Ordem pela promoção integral da Saúde da pessoa manifesta uma das suas modalidades mais expressivas no acompanhamento espiritual aos pacientes e aos servidores sanitários, seja no ambiente hospitalar, seja em qualquer outro contexto. Conforme recentes estatísticas, o ministério de caminhar junto dos enfermos conta com a mais alta percentagem dos religiosos Camilianos. O atendimento espiritual é uma realidade em todos os países onde nossa Ordem está instalada. Estes dados nos revelam que embora não seja a única modalidade de prestação do nosso ministério, o serviço religioso que se desempenha nas Instituições hospitalares assume grande importância. Nestes últimos decênios criaram-se condições para um aprimoramento da assistência religiosa nos hospitais. A uma maior atenção por parte da Igreja quanto a este ministério – pois a pessoa do Capelão Hospitalar adquiriu cidadania no novo Código de Direito Canônico – corresponde uma maior sensibilidade por parte da legislação civil de muitos países, com a garantia da assistência religiosa aos pacientes. A reflexão eclesiológica e pastoral facilitou ver o ministério do Capelão sob nova luz, alargando seu campo de ação e indicando com mais precisão sua modalidade de ministério. A contribuição das ciências humanas do comportamento provou ser muito válida em oferecer aos Agentes da Pastoral novos recursos capazes de tornar mais eficaz a comunicação da mensagem evangélica. Cresceram os organismos consagrados a animação e a formação pastoral especializadas. O acompanhamento espiritual ao doente é de valia não apenas no campo da pastoral, mas também na ação terapêutica, contribuindo para dar uma resposta a questão do sentido da dor, percebida com tanta agudeza por aquele que vive uma experiência de crise, tal como a doença, que rompendo a unidade subjetiva do paciente provoca nele um desequilíbrio que o leva a constatar com extremo realismo a medida de sua limitação humana e da sua finitude. Como dissemos acima, a tendência a encarar o sofrimento com uma visão 11 exclusivamente técnica, já não divulgada no mundo da Saúde, dificulta a atenção à ressonância existencial que a doença provoca no espírito da pessoa. O nº47 da Constituição da Ordem Camiliana põe em muita evidência os conceitos expressos acima: À luz do Evangelho e segundo modalidades adequadas ao nosso tempo, ajudamos os
pacientes a encontrar uma resposta para os persistentes questionamentos sobre o sentido desta vida, da vida futura, seu mútuo embricamento, bem como o sentido da dor, do mal e da morte. Estamos ao seu lado sobretudo nos momentos de incerteza e de vulnerabilidade e nos tornamos sinal de esperança. Em nosso ministério de evangelização, procuramos estabelecer um diálogo de salvação, humano, fraterno, aberto a todos e que atenda às necessidades e às disposições dos doentes. Tal diálogo, conduzido com clareza, prudência e bondade, leva em conta os dados da psicologia e do contexto cultural e religioso. Ângelo Brusco é padre camiliano superior geral da Ordem dos Ministros do Enfermos