DIA MUNDIAL DO DOENTE A NOVA EVANGELIZAÇÃO E A DIGNIDADE DA PESSOA QUE SOFRE Com o tema A nova evangelização e a dignidade da pessoa que sofre, João Paulo II enviou a todas as comunidades cristãs católicas do mundo uma mensagem por ocasião do IX Dia Mundial do Doente, a ser comemorado em 11 de fevereiro de 2001. Desde a sua instituição, em 1993, cada ano é escolhido um lugar significativo para o evento. Em 2001 foi escolhida a Catedral de Sidney, na Austrália, consagrada à Virgem Maria, sublinhando a dimensão mariana do evento que se renova há nove anos, no dia de Nossa Senhora de Lourdes. Segundo o Papa, o evento será ocasião única de oração e apoio às inúmeras instituições que se dedicam a cuidar do sofredores. Servirá também de encorajamento para os sacerdotes, religiosos(as) e leigos(as) que, em nome da comunidade eclesial, procuram responder às necessidades das pessoas doentes, privilegiando as mais frágeis, testemunhado a cultura da vida. A Igreja deseja, com o tema de 2001, “salientar a necessidade de evangelizar de maneira nova este campo da experiência humana direcionando-o para o bem-estar da pessoa e para o progresso dos povos em todo o mundo”. Destacamos, didaticamente, cinco pontos fundamentais da mensagem: 1) Tratamentos, pesquisas e mundo pobre: O tratamento eficaz de muitas doenças, o compromisso com a pesquisa e o investimento de recursos constituem objetivos louváveis, perseguidos com êxito em muitas áreas da planeta. Não obstante, não podemos ignorar o fato de que nem todos os seres humanos gozam das mesmas oportunidades. O Pontífice faz um premente apelo para que tudo seja feito a fim de favorecer o desenvolvimento dos serviços de saúde nos países mais pobres que estão longe de oferecer aos seus habitantes condições de vida digna e cuidados de saúde adequados. Faz votos de que as potencialidades da medicina moderna sejam colocadas a serviço do ser humano e realizadas de maneira a respeitar a sua dignidade. A Igreja ao longo da história, sempre procurou apoiar o progresso terapêutico em vista do aprimoramento da assistência aos doentes. Em várias circunstâncias interveio com os instrumentos de que dispunha para que se respeitasse os direitos da pessoa e se promovesse o autêntico bem-estar do ser humano. Hoje, a Igreja também propõe critérios morais para orientar os profissionais da medicina no aprofundamento da pesquisa, em aspectos que ainda não foram suficientemente clarificados, sem descuidar das exigências de um humanismo genuíno. 2) A presença de Cristo nos lugares de sofrimento: Diz o Papa que diariamente faz uma peregrinação espiritual aos hospitais e aos centros de tratamento onde vivem as pessoas de todas as idades e condições sociais. Detémse especialmente ao lado dos doentes, dos familiares e dos profissionais da saúde. Esses lugares são como santuários onde as pessoas participam do mistério pascal de Cristo. “Nestes lugares, até mesmo a pessoa mais distraída é levada a se interrogar sobre a própria existência, significado, sobre o por quê do mal, do sofrimento e da morte. Eis o por quê de em tais estruturas nunca faltar a presença qualificada e significativa de pessoas que têm fé”. Aos profissionais da medicina e da enfermagem faz-se um apelo para que aprendam de Cristo, médico das almas e dos corpos, a ser para os próprios irmãos “bons samaritanos”.
Aqueles que se dedicam à pesquisa, insta-se para que trabalhem sem cessar para identificar os meios idôneos para promoção da saúde integral do ser humano e a combater as conseqüências dos males. Aos que se dedicam diretamente ao cuidado dos doentes, que estejam sempre atentos às suas necessidades, unindo a competência e humanidade na prática profissional. Referindo-se aos hospitais e outras instituições de saúde, diz que estas se constituem em âmbito privilegiado da nova evangelização, que ali ressoe a mensagem do Evangelho, transmissor de esperança. Somente Jesus, o divino Samaritano, responde plenamente às mais profundas expectativas de cada ser humano que busca a paz e a salvação. Cristo é o Salvador de cada pessoa e da pessoa toda. Por isso, a Igreja não se cansa de o anunciar, a fim de que o mundo da doença e da esperança em saúde sejam vivificados pela sua luz. Portanto, diz o Papa, “é importante que no início do III milênio cristão seja dado um novo impulso à evangelização no mundo da saúde, como um lugar privilegiado para se tornar um precioso laboratório da civilização do amor”.
3) A pesquisa cientifica deve respeitar a dignidade humana: Observa-se um crescente interesse pela pesquisa científica no campo médico e pela modernização das estruturas sanitárias. Frente a esta realidade é necessário reafirmar que a pesquisa seja sempre orientada pela solicitude em oferecer um serviço efetivo ao doente, apoiando-se eficazmente na sua luta contra a doença. Nesta perspectiva, fala-se cada vez mais de “cuidados holísticos”, isto é, cuidados que atendem às necessidades biológicas, psicológicas, sociais e espirituais do doente e de quantos o circulam. Especialmente em questões de medicamentos, tratamentos e intervenções cirúrgicas para experimentação clínica, é necessário que sejam realizados com absoluto respeito pela pessoa, conhecimento claro dos riscos e consequentemente dos limites envolvidos. Os profissionais cristãos são chamados a testemunhar as suas convicções éticas iluminadas pela fé. A Igreja louva o esforço das pessoas que voluntariamente participam de pesquisas ou tratamentos com dedicação e profissionalismo, ajudando assim a elevar a qualidade do serviço a ser oferecido aos doentes. 4) Distribuição eqüitativa dos recursos: João Paulo II chama a atenção para a urgente distribuição eqüitativa dos bens no mundo da saúde. Deve acabar a injustiça que, sobretudo nos países pobres, priva boa parte da população dos cuidados indispensáveis da saúde. Trata-se de um escândalo diante do qual os governos devem se comprometer em envidar todos os esforços a fim de que, aos que vivem na pobreza de meios materiais, seja dada a possibilidade de acesso pelo menos aos cuidados básicos de saúde. Promover a “saúde para todos” é um dever de todos, mas especialmente para os cristãos, um compromisso ligada ao testemunho da própria fé. Eles devem proclamar o Evangelho da vida de maneira concreta, promovendo o seu respeito e rejeitando todas as formas de atentado contra ela, desde o aborto até a eutanásia. A reflexão sobre o uso de recursos disponíveis está ligado a este contexto. A escassez de recursos exige o estabelecimento de critérios morais claros para iluminar as decisões dos pacientes ou de seus tutores no que se refere a tratamentos extraordinários, dispendiosos e perigosos, evitando-se toda forma de obstinação terapêutica.
5) Destaques especiais: São lembradas com carinho pelo Papa, todas as pessoas e institutos religiosos que desempenham um serviço generoso neste setor respondendo com coragem às necessidades urgentes das pessoas e populações em regiões ou países pobres. Os membros das comunidades religiosas comprometidas na causa da saúde são alertados para que saibam enfrentar com audácia os desafios do terceiro milênio, seguindo as pegadas dos seus fundadores. Frente às novas tragédias e enfermidades é urgente a necessidade de “bons samaritanos” que proporcionem ao doente o tratamento necessário, sem descuidar do apoio espiritual que possibilita suportar as dificuldades com fé. São lembradas também os leigos(as), que estão escrevendo páginas maravilhosas de caridade evangélica, muitas vezes trabalhando em zonas de guerra, com risco da própria vida para salvar os irmãos, inclusive muitos infelizmente morreram no serviço do Evangelho da vida. As organizações não-governamentais que socorrem os menos favorecidos no campo da saúde, são também lembradas. Finalmente, ao dirigir-se aos doentes e profissionais da saúde, o Papa os convida para contemplar o rosto de Cristo que há dois mil anos se fez carne para salvar a humanidade. Além disso, convida para proclamar e testemunhar o Evangelho da Vida e da esperança e que Cristo é conforto para quantos vivem na angústia e na dificuldade, é força para quem vive momentos de cansaço e vulnerabilidade, é auxílio para aqueles que trabalham para assegurar melhores condições de vida e de saúde para todos. Que estas reflexões nos ajudem a sermos entusiastas anunciadores do evangelho da vida e da esperança no mundo da saúde.
ORAÇÃO Senhor, apesar da doença que faz sofrer o meu corpo, apesar do sofrimento que enche os meus dias, apesar da solidão que me tem distantes os amigos, apesar da incerteza que me compromete o futuro, apesar da angústia que não deixa entender o que acontece, apesar da secura do coração que nem me permite rezar como queria, eu quero ter esperança, eu quero acreditar na vida, quero amar toda gente, quero saber dizer-te: Obrigado! Tu és pai, és irmão e eu, na doença como na saúde, cada dia, quero saber viver com alegria.
O EMBRIÃO DESVALORIZADO ANTÔNIO PARDO O governo inglês aceitou o texto do chamado Relatório Donaldson, elaborado por um grupo de especialistas para aconselhar sobre o possível uso da técnica da clonagem que se costuma chamar “terapêutica”. Trata-se de produzir embriões geneticamente iguais às células do paciente, transferindo o núcleo de uma de suas células para um óculo maduro
doado por uma mulher, do qual se retirou previamente o núcleo. Após alguns dias de cultivo in vitro, os tecidos do embrião são dissecados para obter as chamadas stem cells, ou células-mãe. Essas células deveriam ser cultivadas e diferenciadas em laboratório até conseguir culturas de células que, transplantadas para o paciente, deveriam integrar-se aos tecidos doentes para curar as lesões. Além da obtenção de stem cells para curar doenças degenerativas, o relatório contempla a possibilidade de empregar o procedimento para permitir que nasçam crianças sem enfermidades derivadas de defeitos das mitocôndrias, organelas celulares que transmitem sua informação genética independentemente do genoma principal da célula. O relatório afirma que esta utilidade é apenas secundária e não implicaria na realização de uma clonagem propriamente dita. Argumentos do relatório Chama a atenção o modo como os autores do texto defendem suas posições. Inicialmente, admitem que há posições antagônicas sobre a manipulação de embriões: desde aquela que propõe o respeito ao embrião, como o ser humano em seus primeiros momentos de desenvolvimento, até aquela que afirma tratar-se de meras células, que podem ser usadas sem maiores preocupações. Entretanto, quando redigem suas recomendações, isto aparece apenas na afirmação de que a clonagem e a pesquisa só devem prosseguir se houver perspectivas sérias de benefício para os doentes. Ou, em outras palavras: não importa se uma entidade, o embrião, é ou não um ser humano. Conclui-se que ele pode ser sacrificado se existe um interesse importante de terceiros nos resultados de tal sacrifício. A boa lógica deveria ter levado os autores a adotar uma postura prudente de moratória, como nos Estados Unidos.
Carreira científica e rentabilidade econômica Quais os motivos dessa recomendação permissiva? A impressão é de que os autores do relatório querem que o Reino Unido lidere as pesquisas sobre células-mãe – o que, verdade seja dita, promete ser economicamente muito rentável se as contas que hoje são feitas se tornarem realidade. Por outro lado, é chocante que, antes de reunirem-se para elaborar o relatório, fosse público que onze dos catorze membros do comitê eram
partidários da permissão à clonagem “terapêutica”. Ora, por acaso não deveria ser nomeado um grupo mais imparcial, equilibrado, em que os defensores de outras posições tivessem um peso maior? Para a maioria dos médicos a questão fica muito distante. É de se supor que, em vez de apoiar a permissão para a destruição de embriões ( já tão desvalorizados pela prática de criá-los aos montes nas clínicas de fecundação artificial), prefeririam que as autoridades usassem os recursos com medidas sanitárias que pudessem salvar mais vidas com um esforço bem menor. Como exemplos, basta citar a luta contra a malária ou a lepra. Comparada a medidas de finalidade mais ampla, a clonagem “terapêutica” é um gasto para salvar apenas um doente. Por outro lado, o próprio relatório reconhece que as promessas de cultivos de células-mãe são agora, e ainda serão por muitos anos, apenas isso: promessas. Se atualmente ainda não é conhecido se a clonagem chegará a bom porto, muito menos se pode dizer da elaboração de cultivos e sua adequada integração aos tecidos do doente. Qualquer biólogo suspeita ser difícil que tal manipulação das células não as afete de forma séria. De fato, em alguns animais clonados já foram observados problemas de saúde, bem sérios em certos casos. Não seria mais adequado aprofundar os estudos com animais antes de passar para os homens? Não é a única alternativa Seria possível argumentar que esses obstáculos são uma autêntica crueldade para com os doentes que poderiam melhorar graças a essas técnicas e, por isso, a produção de embriões para essa finalidade deveria ser permitida. Mas este argumento só seria válido se a produção e o sacrifício de embriões clonados fosse a única alternativa para a produção de cultivos de células-mãe. O faro é que tais células também existem no corpo humano adulto e podem ser extraídas e manipuladas para se obter os mesmos resultados. O relatório prefere a utilização de embriões porque suspeita que assim será mais fácil obter todo tipo de tecidos. Uma conjectura científica, erigida em juiz, decide a sorte de seres humanos embrionários. O relatório inclui, entre suas recomendações, a proibição da reprodução por clonagem. Parece que deseja dissipar os medos despertados pelo Admirável Mundo Novo. Mas não percebe que o estrago já foi causado ao criar na sociedade uma indiferença em
relação ao embrião humano em seus primeiros dias de vida, como se a vida humana fosse um fenômeno meramente biológico, que se pode manipular quando é interessante para atingir outros fins. EU – O CUIDADOR Maria Júlia Paes da Silva e Olympia Maria Piedade V. Gimenes
Se você pudesse fazer um pedido, sendo um cuidador , o que pediria? Cuidar é servir; é oferecer ao outro, em forma de serviço, o resultado de nossos talentos, preparo e escolhas. Servir é, simultaneamente, ajudar ao outro e manifestar-se pelo que há de melhor em si. É expor-se ao mundo com habilidades, as quais, na direção do outro se transformam em ações que falam de nós. E é muito bom falar de nós mesmos quando estamos praticando cuidados, praticando gestos de amor. O vocabulários do amor é sempre simples, todos os verbetes aplicam-se tanto ao masculino quanto ao feminino, às crianças e aos idosos, aos tranqüilos, aos que sofrem... Por isso o cuidador precisa amar. O amor revela o substrato comum e o ponto de união entre todos os processos de cura bem-sucesidos. Sem ele não pode haver cura legítima, porque cura significa não apenas um corpo livre da enfermidade como também a presença de um sentido de perdão, de inclusão e de atenção. Cuidar é perceber o outro como ele se mostra, nos seus gestos e falas, em sua dor e limitação. Percebendo isso, cada plano de cuidado passa a ser um conjunto dinâmico de fatos, idéias e ações. Entendendo-se por fatos o que é observado e analisado no outro; idéias, os recursos do nosso conhecimento e da nossa criatividade; e ações, como a intervenção conjunta que desencadeia transformação. Vivemos um momento muito importante na área de saúde, com mudanças paradigmáticas importantes e expostas, resumidamente, a seguir . Nessa concepção atual (que talvez seja resgate de algo muito antigo), a doença atrai nossa consciência para a parte do corpo que está sofrendo, e ao focalizar o sofrimento contido nessa áreas, compreendemos o ensinamento maior advindo dessa experiência. Percebemos que mais do que explicadas, a vida pode ser testemunhada em toda a sua grandeza. É necessário compreender que os “cuidados com o corpo” são, na verdade, uma ação maior, capaz de integrar por meio da execução de cada procedimento, uma simultânea transformação – corpo e alma. Cuidar do corpo é cuidar do físico para atingir a representação do espiritual. Por trás de cada situação física de doença, há uma história de vida sendo escrita em muitos detalhes. O corpo físico é um tradutor de muitos códigos, revelando em cada detalhe informações sagradas dos sentimentos e emoções ali armazenadas. Nessa compreensão, voltamos a perceber que nosso corpo é o templo de nosso espírito, catedral viva de emoções e percepções; vitral multicolorido que registra nossa história de vida. O corpo físico é o nosso instrumento de estar na Terra, daí a importância de tratá-lo como a preciosa criação que é, da importância de aprendermos como e o que
comer, de estimulá-lo praticando exercícios... Gostando do nosso corpo fica mais fácil cuidar com respeito e atenção do corpo do outro. O cuidador tem de superar certos desafios para exercer com precisão seu papel. O primeiro deles, está contido na compreensão do binômio: identificação e missão. Preciso saber de mim, conhecer-me tanto quanto um autor sobre sua obra. Ao compreender minha identidade, mergulhando nos dados de minha história, perceber-me-ei como autor de minha própria obra, e que por meio dela manifesto minha personalidade. E se, sabedor de mim, escolher como missão o exercício da promoção da saúde, do equilíbrio e da harmonia, ajudando aos outros no restabelecimento e busca do bem-estar, encontrarei a estrada que devo percorrer. Para os que crêem, nenhuma explicação é necessária. E para os que não crêem, nenhuma explicação é possível. (Inácio de Loyola) O cuidador é que não menospreza a doença porque entende que ela é o botão de ajuste de Deus. É o que entende que um dos melhores motivos para permanecermos saudáveis é o de expressarmos, de desempenhar-mos fielmente a missão/ função para que viemos neste mundo e ajudara a clarificar, junto das pessoas, essa missão (desenvolvendo) uma auto-imagem mais autêntica e correta à sua natureza divina). Ele sabe que o corpo são é um aliado na trajetória em direção ao propósito de vida. Certamente entende de técnicas. E entende que as técnicas só fazem sentido se forem contextualizadas, porque cada pessoa pode precisar de uma técnica diferente, ditada pelas suas necessidades particulares. Sabe que o domínio das técnicas depende do cultivo da espontaneidade, da sensibilidade e da intuição. Aprende a reconhecer e a confiar na comunicação não-verbal para o resgate da sua própria intuição. Por que servir ao outro? Por que cuidar? Faça a si mesmo essas perguntas, de maneira clara e limpa. Tenha a paciência para escutar toda a resposta; tudo na vida é simples e paradoxalmente complexo... em todo homem há registro do eterno. Identidade e missão. Diz-se que um professor ou mentor conduz seus alunos só e até onde seu preparo alcança. Podemos considerar essa afirmação como ponto de partida para os cuidadores. Ao cuidar-se (equilibrando-se física, mental, emocional e espiritualmente), o cuidador presta grande serviço a si próprio; e ao torna-se praticante do autocuidado, mantendo elevados os indicadores de suas própria saúde e bem-estar, recebe como recompensa a capacidade de conduzir seus clientes/ pacientes/ consultes a níveis cada vez mais profundos de transformação e cura. Isso porque ao ampliarmos os recursos internos que sustentam nossa prática profissional, ampliamos não só os limites de nossa ação como cuidadores, mas a ação que sustenta nossa individualidade. O autoconhecimento, a princípio, pode gerar medo. Medo do desconhecido, do que não é visto em nós mesmos (gerado pelo amor condicional que recebemos a vida toda) e do que é visto mas não é aceito em determinada situação social ou época. Porém, quando o indivíduo não enfrenta seus medos: - transfere suas responsabilidades para outros; - sente-se perseguidos por todos; - coloca-se como rebelde, mas não realiza seus sonhos; - aceita situações tóxicas por absoluta falta de opção; - não respeita a si mesmo nem aos outros; - e repete, dia após dia, os mesmos atos de sua vida.
Por outro lado a tendência de ver coisas que não existem (o denotativo versus o conotativo de cada situação0 e de ficar cegos para as grandes lições que estão diante de nossos olhos. Os próprios pacientes, quando questionados, sabem nos dizer o que é cuidar. Tom O ‘Connor (1998), entrevistando pessoas do St. Joseph’s Hospice, em Londres, encontrou respostas assim, sobre o cuidar: ... é quando vejo que você é capaz de sorrir e sentir-se feliz no desempenho de seu trabalho; ... é quando você me faz sentir seguro em suas mãos; ... é o que me faz sentir que também serei capaz de me virar (espero!) quando chegar a minha vez; ... é quando você me faz sentir especial, embora eu seja como os outros pacientes também são; ... é quando você não me vê apenas como um moribundo, e assim me ajuda a viver; ... é quando ouço minha família falar bem de você e sentir-se confortada na sua presença. Quando nos dispomos a cuidar de alguém, num relacionamento verdadeiramente terapêutico, algo que nunca esteve presente ali (uma totalidade) começa a surgir. O relacionamento deve ser amplo e flexível o bastante para que essa totalidade emergente não seja restringida ou interpretada com demasiada rapidez em virtude de nossos preconceitos, estereótipos ou cegueira. A repetição é o nosso esforço maior para ter segurança, só que quando mais repetimos, menos percebemos e criamos distâncias; portanto, quanto maior a estabilidade, menor o grau de consci6encia das pessoas. Crescer é um processo orgânico e quando cada um cresce, todos experimentam, em algum nível, a mudança. Ao prestar o auto-serviço de “ cuidar-se e preparar-se” em sua área de competência, o cuidador prepara, com o apoio dos conhecimentos e técnicas que usar para seu crescimento, a base do trabalho que realizará com os outros. Não conseguimos dar o que não temos; todavia, não há pergunta cuja reposta não esteja já, ainda que inconscientemente, registrada em nós. Ao dedicar-se ao auto-conhecimento e busca da identidade, o cuidador acessa riquíssimo manancial que o sustentará no exercício de sua missão. Como cita Happé (1997), “é sempre por nós que chocamos”; ousamos concluir que ... é sempre de nós que cuidamos. O cuidador, para atuar com atenção e amor, sabendo ouvir e dizer, acolher e comandar, precisa harmonizar-se ou reafinar-se com sua nota musical de base, aquela que norteia sua vida desde um tom original. Daí a importância de o cuidador te consciência de seus talentos e também de suas fraquezas. Sabedor de seus talentos, colocará à disposição de seus pacientes o melhor de si. Consciente de sua fragilidade, preparar-se-á para superála, buscando nos recursos disponíveis respostas, equilibrando as próprias emoções, integrando experiências e expandindo sua consciência. Tendo consciência, da sua missão/ função, coloca atenção no seu papel e pode planejar sua ação (conhece sua intenção); tem humildade para reconhecer seus limites e aceitar diferenças coragem para reconhecer os próprios erros e para enfrentar novos e constantes desafios; sabedoria para continuar seu preparo sempre e continuar o desempenho de sua tarefa, mesmo quando os resultados obtidos não forem, aparentemente, os melhores. Consciência de que podemos ajudar as pessoas a entender por que agem da maneira que agem, mas não podemos modificá-las. Podemos dizer que ser cuidador é tomas cuidado com os próprios vícios. “Os vícios são meios que temos para ludibriar a nós mesmos. Na verdade, quanto maior a nossa
inteligência, maior é o poder de nos ludibriarmos. Se não fumamos, não ingerimos álcool ou drogas, ficamos achando que somos perfeitos por não termos vício algum. Contudo, podemos ter outros vícios, talvez até mais traiçoeiros. Normalmente, os piores vícios são os emocionais, como o vício da tristeza, do caos e do sentimento de que não somos bons o bastante”( Carlso e shield, 1997). Bach (1991), médico inglês que utilizou a energia das flores como substrato de cura emocional, afirmava que para ajudar alguém a superar a doença, duas coisas são necessárias: primeiro, encorajar a individualidade; segundo, ensinar a olhar para a rente. Assim, também o cuidador não se atém ao diagnóstico ou prognóstico , mas se ocupa de ajudar seus clientes/ pacientes a viverem a vida que eles Têm para viver. Da melhor maneira possível. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao olhar para a frente, contemplamos a perspectiva maravilhosa da evolução humana, sagrada experiência que a vida permite realizar. E assim, com individualidade fortalecida e olhos no futuro, passamos a atuar como liberal reflexo de nós mesmos, exemplo para o outro. Nós, cuidadores, precisamos começar a perceber que gestos nossos armazenam-se no coração daqueles de quem cuidamos. A assistência de Enfermagem deu um grande salto na qualidade do serviço oferecido quando os enfermeiros se perguntaram por que e como cuidar; perguntas que foram indiretamente respondidas e entendeu-se o paciente/cliente como o agente-chave do processo de cuidar. O histórico do paciente, quando busca sua identidade genuína, traz à tona por que cuidar e como fazê-lo. Sabemos ser herdeiros de aspirações e também de crenças das gerações que nos antecederam, e que as idéias germinam por uma geração antes de desabrochar plenamente. Precisamos, como agentes de transformação e intervenção, especificamente na área da saúde, iluminar nossos pensamentos de forma criativa manifestar em nossas palavras a comunicação clara do amor e da dedicação, ajudando a manter vivo para as gerações vindouras o sonho do mundo melhor que tanto desejamos. Quem é, então, o cuidador? É uma pessoa essencialmente humana, que mantém o equilíbrio entre eu interior – e vive em níveis profundos de auto-aceitação- e seu eu exterior – na medida em que se sintoniza com o outro em alto grau de empatia. É a pessoa plena que sabe, ao mesmo tempo, escutar os caminhos do coração e decidir, a cada momento, segui-los ou não. É uma pessoa madura que se permite sentir tudo o que é seu e também discriminar quais os sentimentos que devem ser transformados em ação (e quais devem ficar guardados “no lado esquerdo do peito”). É uma pessoa inteira, que reformula, a cada dia, sua própria direção. Sua bússola são seus sentimentos, e seus caminhos são os do coração. Que sabe, acima de tudo, que também ele pode crescer sempre! Se eu pudesse fazer um pedido como cuidador, na verdade talvez não fizesse um pedido, mas agradecesse por poder continuar cuidando... Maria Júlia é professora livre docente do Departamento de Enfermagem da USP Olympia é enfermeira mestranda da Escola de Enfermagem da USP
HUMANIZAR A ABORDAGEM PASTORAL O contributo que a Igreja pode oferecer às iniciativas de humanização dos ambientes da saúde é levado adiante por indivíduos ou grupos e exprime-se em abordagens específicas. Qual é a qualidade humana destas abordagens? Para ser humanizante a ação da comunidade cristã deve possuir um valor de humanidade autêntico. Caso contrário, as suas intervenções correm o risco de não passar de palavras vazias. Escolhendo um aspecto da ação da Igreja nas instituições da saúde – a abordagem pastoral propriamente dita –, é possível pôr em evidência os limites e ao mesmo tempo as veredas do progresso em toda a intervenção da comunidade eclesial. A ação pastoral nos ambientes da saúde que apresenta ainda muitas falhas é a dimensão humana da abordagem pastoral dos doentes e do pessoal. Sem se dar conta, o pastor tem a tendência a dissociar com facilidade a sua pessoa e a sua função, empobrecendo assim a natureza das suas intervenções. “Profissional da religião, não se age sempre como pessoa humana, tendo dificuldade em recordar que, embora evangelizador por ações, o seu dever não é nunca fazer vencidos, mas amar autenticamente, isto é, sem calculismo, sem cronometragem tática e inconfessada, própria daquele que arma uma emboscada e espera a presa”. Esta carência de humano no pastor, muitas vezes o resultado de uma identificação exagerada com a instituição e com o papel profissional, pode levar não apenas à distanciação existencial do paciente, mas também gerar uma inclinação para se aproveitar da situação que o doente está vivendo. Pode então acontecer que a doença seja considerada mais como uma condição que favorece a estratégia religiosa do que um fato humano vivido existencialmente pelo doente. Este tipo de aproximação, que Bonhoeffer criticou vivamente, revela no pastor a tendência a responder mais às próprias necessidades do que às do paciente. Em vez de serem considerados como mistério, a doença e o sofrimento ficam à margem do “problema”, e o “tu” da pessoa cai, para usar a terminologia de Martin Buber, na categoria do “isso”. Em muitos casos – como nota Giuseppe Colombero – os doentes pedem ao agente pastoral coisas muito diversas daquelas que ele pensa oferecer-lhes. A ele, que oferece a sua ação especificamente religiosa – oração e sacramentos –, os pacientes pedem: capacidade de compreensão, paciência infinita, convivência e contigüidade de relações centradas nas virtudes humanas, sentido do limite das próprias competências, respeito pelas competências dos outros, capacidade de guardar segredos, fidelidade à palavra dada, altruísmo, discrição, ajuda apropriada ao momento justo, sociabilidade, lealdade... . Isto significa que a especificidade da aproximação pastoral não se dá unicamente por gestos e ações tipicamente religiosos, como a oração e os sacramentos. Muitos outros elementos devem ser tidos em consideração: a imagem cheia de emotividade que o paciente projeta no pastor, a tradição que ele encarna, a perspectiva na qual se situam todas as suas intervenções, a própria pessoa do pastor. A especificidade da aproximação pastoral deve ser então procurada mais na qualidade do que na quantidade, mais nas atitudes subjetivas à atuação do pastor do que no número dos sacramentos que administra.
Nos Evangelhos a presença de Jesus junto dos doentes é constituída por um conjunto de gestos e de palavras que exprimem toda a sua pessoa. A mensagem de salvação que ele anuncia encontra realização nas atitudes que envolvem de amor e compaixão os doentes. “O acolhimento que Cristo reservou aos doentes permanece um fato fundamental para captar a importância do contexto humano e salvífico de toda a pastoral”. A exemplo de Cristo, o agente pastoral é chamado a comunicar o amor redentor de Deus às pessoas que sofrem, fazendo-o passar através das qualidades humanas da própria pessoa. Nesta perspectiva, por exemplo, o ouvir e a atenção à história narrada pelo doente são gestos eminentemente pastorais, ainda que não desemboquem na oração e nos sacramentos. O amor de Deus atinge a pessoa humana antes que ela se dê conta, é experimentado de maneira mais rica e profunda quando confirmado por gestos e atitudes humanas. A presença e ação do Senhor não estão limitadas aos momentos em que se pronuncia a sua palavra e se administram os seus sacramentos. Onde há amor Deus está presente. “Quando um paciente experimenta um atendimento sensível, uma preocupação autêntica e uma afirmação calorosa – seja da parte do capelão ou da pessoa encarregada da limpeza –, experimenta o amor de Deus. O amor humano tende a tornar mais real a realidade mais vasta do amor do Senhor”. Chegando, assim, a duas conclusões: - Na abordagem pastoral, como em qualquer relação terapêutica, é a pessoa do doente que deve ser alvo de atenção. Deve ser sempre considerada como “fim”, nunca como “meio”. - Os gestos explicitamente sacerdotais como os sacramentos, adquirem todo o seu significado se inscritos num contexto humano significativo. Alguns momentos da ação pastoral nos ambientes da saúde merecem ser muitos mais humanizados: o encontro e a celebração dos sacramentos. Ângelo Brusco é Superior Geral da Ordem dos Ministros dos Enfermos