COMO INFUNDIR ESPERANÇA Desde que li o testemunho de um enfermo, citado pelo autor Colombero em seu livro Enfermidade: uma estação para a valentia, repetido-o em muitas palestras como convite a uma autenticidade da esperança. Assim disse o enfermo: “Diga-me você. Que razões tenho para esperar? Você que me conhece, diga-me, o que posso esperar? Mas por favor, não me venha com essa conversa que todos usam. Fique tranqüilo que as coisas irão melhorar. Para mim, o que significa melhorar? Nem posso imaginar o que passa pela minha cabeça. Já não tenho nada para fazer. Não posso ficar sentado, nem ler. Mesmo assim tenho que esperar. Preocupo-me com o que os outros pensam. Além de estar desesperado, tenho que aparentar que não estou. Diga-me o que eu faço com este mal? Às vezes, já não posso mais nada. Tenho medo, porém, desejo morrer de uma vez. Diga- me você: o que tenho que fazer, o que tenho que esperar?
TER ESPERANÇA As palavras do doente que assim se expressava soam como provocação. Essas palavras convidam-me a abandonar os palavreados que costumava dizer para quem está sofrendo e a refletir sobre como infundir esperança sem cair nos erros de sempre. Por isso, tenho me perguntado com freqüência: “O que significa infundir esperança” ? Recordo-me uma experiência pessoal que me aconteceu há alguns anos. Uma enfermeira me ligou, muito angustiada com a situação de uma paciente que estava na fase terminal. Dizia-me repetidamente: “Ajuda-me! Necessito de muita ajuda”. Sinto-me impotente. Não sei o que dizer. Você pode ir vê-la? “A paciente tinha razões de sobra para se sentir assim. Tinha 42 anos, era professora, estava doente desde os 14 anos e tivera sucessivas internações e intervenções cirúrgicas, cada vez mais difíceis e menos esperançosas”. Fui vê-la! Quando cheguei, sua mãe estava no quarto do hospital, mas logo deixounos sozinho. Recordo de seu aspecto, próprio de quem está vivendo os últimos dias: as mãos frias, a cabeça caída, os olhos como que apagados. Não demorou muito para ela me dizer o que estava sentindo: “Isto é muito difícil. Cada vez mais difícil. Tenho muito medo. Tenho medo de morrer. Não quero morrer. Porém, creio que vou morrer, mas eu não quero. Ajuda-me! Ajuda-me a não morrer. Quero ter esperança”. Ao mesmo tempo em que me causaram calafrios aquelas palavras, inter pelaram profundamente. Não sei se as minhas palavras infundiram-lhe alguma esperança. Na realidade falei muito pouco. Sobretudo escutei. Dificilmente, depois daquele encontro, pode ria ter dito que Jô, o homem sofredor de sempre, disse a seus amigos que queriam consolá-lo: “até quando atormentarás minha alma com palavras que me ferem?”, pois as minhas palavras não foram muitas.
A verdade é que o desejo de responder às interrogações que habitavam o interior daquela paciente me deixou um pouco perturbado. Porém, seria ilusório de minha parte agir de outra for ma, pois não podia curá-la e, francamente, sua fisionomia dizia tudo. No entanto, ela queria ter esperança. Na realidade creio que até tinha, porque pedia ajuda. E quem pede ajuda é porque tem esperança, porque confia que existe alguma possibilidade. Parece-me certo o que eu dizia à paciente: “Olhe o que descobri nesses últimos meses: a esperança é como o sangue, não se vê, porém, está presente. O sangue é a vida. Assim é a esperança. É algo que circula por dentro, que nos faz sentir vivo. Quem não a tem está morto, acabado, não há nada a dizer. Não ter esperança é como não ter sangue. Não se pode viver sem esperança, sem esperar e sem ser esperado.” A ESPERANÇA TEM MUITOS NOMES Recordo quando fiz uma investigação com pacientes de AIDS, por volta de 1991. Uma das perguntas, feitas a 230 doentes 77% dos quais responderam, permitiu-me verificar que cada um dava nome a sua esperança, estabelecendo prioridades: vacinar, curar, não piorar, viver novos valores descobertos, Deus, morrer, ter um filho, libertar-se das drogas e encontrar trabalho. Cinco responderam dizendo que não tinham nenhuma esperança. Vendo estes resultados nos damos conta de que algumas palavras (mais ou menos 47%) expressam desejos proibidos e praticamente impossíveis. Parece que a esperança é o motor; empurra, apoiado na base antropológica do desejo e da espera, para lutar por algo que senti mos ser bom, libertador e gratificante. A esperança é, por isso, um dinamismo do presente, com o sangue que dá vida, que circula, mas também precisa ser oxigena do. Parafraseando o imperativo categórico do filósofo Kant, Lain Entralgo escreveu: “Viva e atue como se de teu esforço dependesse que se realize o que esperas ou desejarias esperar”. A esperança tem algo a ver com a confiança. Não com o otimismo superficial, mas com a certeza absoluta. Porém, irmão da insegurança é o medo, que convive com a coragem, a paciência, a integridade e a constância. Esperar é aguardar com paciência; não com resignação passiva, mas com a confiança que move a fazer o possível e o desejado. INFUNDIR ESPERANÇA Karl Lehmann, falando da relação entre os doentes de AIDS e a esperança, disse em um congresso: “Ao confortar com palavras de esperança um doente grave, nunca se há de passar ligeiramente sobre a amarga realidade do sofrimento e da morte, mas sus tentar a inteira realidade do ser humana que sofre”. Geralmente, na hora de infundir esperança, podemos cair na tentação de passar por cima dos sentimentos da pessoa concreta, querer inventar ilusões superficiais nascidas de desejos pouco sólidos.
O símbolo da esperança é a âncora. Infundir esperança não é outra coisa senão oferecer, a quem se encontra envolvido pelo temporal do sofrimento, um apoio, um “gancho”, uma âncora que mantenha firme, não a deriva, a barca da vida. Oferecer-se como apoio ao qual as pessoas possam agarrar-se, ser alguém com quem possam compartilhar os próprios temores e ilusões, isso é infundir esperança! Quem não tem onde se agarrar, em quem confiar, a quem se abandonar nos momentos de sofrimento não tem esperança, está só, como se estivesse no inferno, em cuja entrada se lê: “Os que entram aqui abandonam toda esperança”. Em meio à dor, a relação de ajuda, a que inspira confiança é a oferta de si mesmo para apoio, é a fonte de esperança. JOSÉ CARLOS BERMEJO Irmão da Ordem de São Camilo e trabalha na Espanha.
DOENÇA E DOENTE “Eu tenho uma úlcera!”, “Eu tenho gripe!”, “Eu sofro dos nervos!”, “Minha mãe morreu do coração!” Estamos acostumados a ouvir estas queixas e, até mesmo nós, quando procuramos um médico, as fazemos desta forma. Sempre separamos a doença de nós, os doentes. É como se a doença fosse algo estranho, que entrasse em nós, sem nossa participação, e apenas “carregamos” pela vida afora esta cruz. Da mesma forma, entregamos ao médico todas as decisões sobre nossa “cura”, como só ele soubesse sobre nossa doença. De repente encontramos alguém que nos diz “O que foi que você fez com você, como você oi arranjar isto?”, e nos espantamos, e nos defendemos, mais uma vez, alegando que a doença é um mal que me assola, que me persegue e que pouco posso fazer a respeito, a não ser tomar aquela receita cara, de tantos remédios e tantos efeitos colaterais. E, quando já é ‘quase’ tarde, os remédios são mesmos a solução mas, mesmo assim, não são eles que curam. Então, há de haver uma nova forma de ‘ver’ tudo isso. Uma nova forma de encarar esta situação, a partir de um novo modo de perceber o que acontece. Nenhum ser humano é objetivo nas mãos do ‘destino’ e sim agente de sua própria vida. Agente é aquele que faz,
aquele que escolhe, que decide. Assim a pessoa não tem uma doença; é uma pessoas doente. É uma totalidade que está com uma disfunção em sua vida e que se reflete no mau funcionamento de um órgão. Então, deverá haver uma nova reflexão: o que este ser sabe sobre seu estado de doente?, que padrão de vida ele leva?, o que fez para que ficasse doente? É uma nova maneira de se posicionar diante da vida. O ser é a soma do biológico, do social, do espiritual e do psicológico. Não existe em partes separadas. Assim, não é o coração que está mal é todo o ser que está mal e este mal se reflete no coração. Talvez, se este ser humano, doente, puder rever como trata o conjunto que é, possa perceber que, às vezes, só às vezes, na se alimenta direito, não respeita os limites do biológico, extrapola nas relações sociais que se transformam em local do vício, não liga para o espiritual, não está sendo atento para as mensagens de seu íntimo que lhe cobram mais respeito aos próprios sentimentos, às próprias necessidades. Assim, se transforma em objeto e adoece. É, então, um se doente e não um corpo depositário de uma doença, tornando-se agente de sua própria dificuldade; construtor de sua própria ‘cruz’. É necessário repensar este lugar. Os remédios só atuam quando há ma vontade imensa, do conjunto do ser, de curar-se. Só se este ser realmente quiser curar-se poderá, então, ressurgir e colocar-se de uma nova forma diante da gratuidade da vida. Pode escolher uma nova forma de estar no mundo. E ser feliz! Hélcio José Gomes é psicólogo clínico