icaps-227

Page 1

12345 12345

Informativo12345 12345 12345 do Instituto12345 12345 12345 12345 Camiliano12345 12345 12345 de Pastoral12345 12345 12345 da Saúde12345 12345 12345 e Bioética12345 12345

12345 12345 12345 12345 12345 Janeiro/Fevereiro de 200512345 12345 ANO XXIII – no 22712345 12345 12345 PROVÍNCIA CAMILIANA BRASILEIRA12345

❒ PASTORAL

❒ BIOÉTICA

❒ HUMANIZAÇÃO

DIA MUNDIAL DO ENFERMO

doentes e impotentes, marginalizados e abandonados à espera de um bom samaritano que os ajude.

Apresentamos um resumo, feito pelo Padre Leo Pessini, da mensagem do papa para o Dia Mundial do Enfermo de 2005

Lembra o papa que o Dia Mundial do Enfermo tem como objetivo estimular a reflexão sobre o conceito de saúde, que em sua acepção mais ampla diz respeito a uma situação de harmonia do ser humano consigo mesmo e com o mundo circundante. É exatamente esta visão que a África exprime de modo tão rico em suas religiosas, plenas do senso de alegria, ritmo e musicalidade. É essa harmonia que hoje está profundamente comprometida. Existem muitas doenças que devastam o continente africano. A Aids, de modo particular, é o flagelo que semeia dor e morte em numerosas regiões da África. Acrescentem-se a isso os conflitos e as guerras que se travam em muitas regiões africanas, tornando mais difíceis as intervenções de prevenção e cura dessas doenças. Particularmente aos responsáveis pelo comércio de armas, o papa lembra que eles são cúmplices de odiosos crimes contra a humanidade. Outro objetivo da celebração anual do Dia Mundial do Enfermo é oferecer a todos uma melhor compreensão da importância da pastoral da saúde. Nesta época, marcada por uma cultura secularista, existe a tendência de não se valorizar este âmbito pastoral. Pensase que os campos em que o destino humano está em jogo sejam outros. Ao contrário, é no momento da doença que se apresenta com maior urgência a necessidade de se encontrar respostas adequadas às questões relacionadas com a vida do ser humano: questões sobre o

Jesus Cristo, esperança para a África. Juventude, saúde e Aids

Como vem ocorrendo desde 1992, sempre em 11 de fevereiro, dia de Nossa Senhora de Lourdes, celebra-se no mundo católico o Dia Mundial do Enfermo. Anualmente, em algum santuário mariano no mundo ocorre a celebração principal deste evento. O tema para o XIII Dia Mundial do Enfermo de 2005 é Jesus Cristo, esperança para a África – Juventude, saúde e Aids. O olhar do papa João Paulo II se volta para a África, a partir do santuário de Maria Rainha dos Apóstolos, em Yaundê, capital de Camarões, e faz um apelo para que todos sejam bons samaritanos diante do flagelo da Aids, que atinge hoje 25 milhões de pessoas na África, ou seja, dois terços do total de infectados no mundo pelo vírus HIV/Aids. Destacamos a seguir alguns pontos fundamentais da mensagem do papa para esta ocasião.

SOBRE A ÁFRICA

N

a exortação pós-sinodal sobre a Igreja na África é dito que a África de hoje pode ser comparada àquele homem que descia de Jerusalém à Jericó e que caiu nas mãos

de assaltantes que o roubaram, bateram nele e o deixaram quase morto (cf. Lc 10,30-37). A África é um continente com milhares de seres humanos – homens, mulheres, crianças e jovens – que estão estendidos à margem da estrada, feridos,

OBJETIVO DO DIA MUNDIAL DO DOENTE


Ano XXIII – no 227 – Janeiro/Fevereiro de 2005 – BOLETIM ICAPS

2

sentido da dor, do sofrimento e da própria morte, considerada não só um enigma que devemos confrontar, mas um mistério em que Cristo incorpora em si nossa existência, abrindo-a para um novo e definitivo nascimento para a vida que não tem fim. Em Cristo, esta esperança da verdadeira e plena saúde, a salvação que ele traz, é a verdadeira resposta às questões últimas do ser humano. Não existe contradição entre saúde terrena e saúde eterna a partir do momento em que Nosso Senhor morreu pela saúde integral de todos os humanos. Neste Dia Mundial do Enfermo, diz o papa, devemos proclamar Cristo como sendo a esperança da saúde plena para a África e para toda a humanidade.

O FLAGELO DA AIDS

EXPEDIENTE

O drama da Aids é definido como “uma patologia do espírito”. Para preveni-la, necessitamos de uma educação a respeito do valor sagrado da vida, mediante uma conduta responsável e uma prática correta da sexualidade. Aos governantes e às autoridades civis compete oferecer informações claras e corretas aos cidadãos, bem como recursos suficientes para a educação dos jovens e o cuidado da saúde. Aos organismos internacionais, o papa diz que devem promover neste campo iniciativas inspiradas na sabedoria e na solidariedade, procurando sempre defender a dignidade humana e o direito inviolável à vida. Uma palavra de louvor é dirigida à indústria farmacêutica que se empenha em manter baixo o custo dos medicamentos. Aos agentes de pastorais, o sumo pontíO Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética - Província Camiliana Brasileira. Presidente José Maria dos Santos. Conselheiros Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin. Diretor Responsável Anísio Baldessin. Secretária Cristiana Baldessin Maina.

fice solicita que levem aos irmãos e irmãs vitimados pela Aids todo o conforto necessário, seja ele material, moral ou espiritual. Aos homens de ciência e aos responsáveis políticos de todo o mundo, solicita insistentemente que, movidos pelo amor e pelo respeito devido a toda pessoa humana, não economizem meios capazes de pôr um fim neste flagelo. O papa também lembra com admiração os profissionais da saúde, os assistentes religiosos e os voluntários que, como bons samaritanos, se dedicam ao cuidado das vítimas da Aids, bem como de seus familiares.

FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE EM AÇÃO A atenção da Igreja para os problemas da África não é motivada apenas por uma razão de compaixão filantrópica para com o ser humano necessitado, mas é estimulada também pela adesão ao Cristo Redentor, em cujo rosto ela reconhece cada pessoa que sofre. É, portanto, a fé que a leva a se empenhar no cuidado dos doentes, como sempre fez no curso da história. É a esperança que a torna capaz de perseverar nesta missão. É a caridade que sugere a justa abordagem às diversas situações. Nesta perspectiva, a Igreja vai ao encontro dos feridos da vida para lhes oferecer o amor de Cristo mediante tantas formas de ajuda que a criatividade da caridade sugerir. A cada doente ela lembra: “Coragem, Deus não o esqueceu. Cristo sofre com você, e você, oferecendo seus sofrimentos, pode colaborar com Ele na redenção do mundo”. No Evangelho sobre as bemaventuranças, o Senhor proclama: Revisora Cristina Peres. Redação Av. Pompéia, 1214 Tel. (0xx11) 3675-0035 05022-001 - São Paulo - SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade Mensal Produção gráfica Edições Loyola Fone (0xx11) 6914-1922 Tiragem 3.500 exemplares.

“Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados” (Mt 5,4). A antinomia que parece existir entre sofrimento e alegria é superada graças à ação consoladora do Espírito Santo. Configurando-se ao mistério de Cristo crucificado e ressuscitado, o Espírito se abre para a alegria que chegará à sua plenitude no encontro beatífico com o Redentor. Com efeito, o ser humano não aspira apenas ao bemestar físico ou espiritual, mas a uma “saúde” que se expressa numa harmonia total com Deus, consigo mesmo e com a humanidade. Isso somente se consegue participandose do mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Como sempre, o papa nunca deixa de expressar sua fé e devoção mariana e encerra sua mensagem invocando Nossa Senhora como “causa de nossa alegria”, uma alegria que permanece mesmo em meio às duras provações da vida. Olhando para a África dotada de imensos recursos humanos, culturais e religiosos, mas afligida também por indizíveis sofrimentos, João Paulo II invoca a proteção materna especialmente para aqueles que passam por necessidades extremas, porque atingidos pelo HIV/Aids.

PARA REFLETIR 1) Como são cuidados os doentes vítimas do HIV/Aids em nossa comunidade? 2) Por que a Aids amedronta tanto? 3) Discutir esta afirmação em termos de abordagem pastoral: “Nem rir, nem chorar, mas compreender e se comprometer solidariamente”.

Assinatura O valor de R$10,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito através de depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja citada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.


Ano XXIII – no 227 – Janeiro/Fevereiro de 2005 – BOLETIM ICAPS

O REMÉDIO DA ESPERANÇA Há trinta anos o médico americano Jerome Groopman trata de pacientes vítimas de câncer. Ao acompanhar de perto a angústia dos doentes e de seus familiares, Groopman aprendeu uma lição: mesmo nas situações mais graves, é preciso manter a esperança. A convicção do médico não tem nada de esotérico. Ao contrário, baseia-se também em pesquisas que mostram como acreditar na cura, mesmo quando as chances são ínfimas, pode ser de grande valia num tratamento. Groopman, de 52 anos, acaba de lançar no Brasil seu terceiro livro, A Anatomia da Esperança (Editora Objetiva, 272 pp.), em que defende seu ponto de vista por meio de relatos de casos. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, chefe de medicina experimental do centro médico Beth Israel Deaconess, em Boston, e colaborador da revista The New Yorker, ele é autor de outros dois livros: The Measure of Our Days (A medida de nossos dias) e Second Opinions (Segundas opiniões), que inspiraram um seriado de televisão. Groopman deu a seguinte entrevista à revista Veja: Veja – A esperança é capaz de salvar a vida de um paciente? Groopman – A esperança não cura, mas pode dar ânimo ao paciente para que ele continue a lutar pela sua melhora. Ela inspira coragem para superar o medo durante um processo difícil de tratamento. Há dados que mostram que os pacientes esperançosos recuperam mais rapidamente a saúde e têm uma taxa de sobrevida maior. Ela também tem a função de colocá-lo como árbitro final de seu destino. É da esperança que ele tira a energia para continuar tentando, mesmo quando sabe que são poucas as possibilidades de sobrevivência. Veja – Essa não é uma forma de pensamento positivo? Groopman – Não. É importante deixar claro que esperança não tem nada a ver com otimismo. A esperança é um sentimento mais complexo e muito mais profundo. O otimista acha que tudo vai dar certo, que tudo vai acabar bem. Mas sabemos que na vida não é assim. Nem sempre as coisas terminam como gostaríamos, por mais duro que seja aceitar isso. Aliás, tudo pode dar muito errado. Nu-

3

promessa religiosa, por exemplo). Em seguida, a depressão e, por fim, a aceitação. Na minha experiência, nem sempre é assim. Às vezes, a negação persiste até o fim. Em outras, a raiva é irremovível.

trir esperança é reconhecer, sempre baseado na realidade dos fatos, que, apesar de todas as dificuldades, é possível encontrar um caminho.

Veja – O efeito placebo, quando um paciente melhora apenas com um remédio inócuo, é uma prova do poder da esperança no tratamento de uma doença? Groopman – O placebo é provavelmente a melhor prova biológica que temos até agora do poder da esperança. Há experiências impressionantes com pílulas de farinha em pacientes com a doença de Parkinson. Os pacientes que acreditavam estar tomando um remédio de verdade tiveram um grande aumento na produção de substâncias químicas cerebrais benéficas, como a dopamina, e uma melhora de suas funções musculares. Mas há uma diferença crucial entre esperança e placebo. O placebo, com o passar do tempo, tende a ter seu efeito reduzido. Já a esperança pode sempre ser recarregada.

Veja – Isso é algo que um cético pode ter? Groopman – Um cético pode ter esperança. Ele dirá, provavelmente, que não acredita que um tratamento possa dar resultado só porque ele é mais ou menos esperançoso. O papel do bom médico nesse caso é dizer que, de fato, ele está certo. Não se pode alimentar alguém com promessas, mas com dados objetivos que atestem que existe uma chance e que ela é real. O cético pode ver claramente todas as possibilidades de um tratamento não dar certo. Mas é dever do médico convencê-lo de que existem também oportunidades de sucesso. E isso é o que chamo de esperança. Mas, infelizmente, nem sempre um paciente se convence. Há três décadas, a psiquiatra suíço-americana Elisabeth KüblerRoss investigou os sentimentos de pacientes que recebem a notícia de que têm uma doença grave. Primeiro, vem a negação. Depois, a raiva e a negociação (como uma

Veja – Quando vale a pena insistir num tratamento, contrariando o que mostram a experiência e as estatísticas, da doença? Groopman – Não se pode desprezar uma chance, por menor que seja. Vale a pena tentar sempre, porque seu paciente pode estar naquele grupo dos poucos que se beneficiam de determinado tratamento. Impossível saber antes. Em outras palavras, se para 2% ou 3% o tratamento funciona em casos ditos como perdidos, seu paciente pode ser um deles, por que não? Gosto de citar o exemplo de George Griffin, um patologista da Universidade de Harvard que foi vítima de um grave câncer de estômago. A ironia é que o câncer de estômago tinha sido o objeto de estudo de toda a sua vida. Ele fez questão de receber um tratamento agressivo, com altas doses de quimioterapia, algo que eu jamais tentaria em um paciente com prognóstico como o dele. Treze anos depois de ter se submetido a essa terapia de cho-


4

que, Griffin continua vivo. Podese dizer que superou a doença, algo inimaginável para muitos. A maioria dos tumores de um mesmo tipo se comporta basicamente do mesmo modo. Mas sempre haverá um George Griffin que consegue escapar. No século XIX, Oliver Wendell Holmes, ensaísta e médico americano, professor de anatomia e fisiologia da Universidade de Harvard, escreveu: “Cuidado para não retirar a esperança de outro ser humano”. Um médico jamais deve se colocar na posição de juiz, dando ao paciente uma sentença de dias, semanas ou meses de vida. Não se pode considerar uma pessoa perdida a priori. A onisciência a respeito da vida e da morte não faz parte do domínio do médico. Veja – Mas alguns médicos ainda se comportam dessa forma, como se tivessem controle sobre tudo. Groopman – É verdade. Há uma boa piada que dá conta dessa pretensão. “Vários santos esperavam pacientemente para entrar no céu, quando alguém de jaleco e estetoscópio fura a fila. Um dos santos se aproxima de São Pedro cobrando uma explicação e ouve a resposta: ‘Ora, aquele é Deus. Ele acha que é médico’.” Veja – Os médicos hoje tendem a ouvir mais seus pacientes antes de tratá-los? Groopman – Até a década de 1980 era comum que os médicos decretassem logo de cara quanto tempo de vida tinha uma pessoa que sofria de uma doença grave. E ponto final. Isso não era bom, evidentemente, inclusive porque minava a esperança do paciente. Nessa mesma época, como conseqüência da frieza e da falta de comunicação com o médico, os pacientes e seus familiares começaram a deixar claro que queriam ser tratados com honestidade, e não com rudeza. Isso incluía serem informados em detalhes sobre a doença e as chances de o tratamento dar certo – o que antes era

Ano XXIII – no 227 – Janeiro/Fevereiro de 2005 – BOLETIM ICAPS

informação privativa dos médicos. Foi também nesse período que os médicos passaram a enfrentar a concorrência das terapias alternativas, que tendem a prover os pacientes de uma longa e detalhada conversa sobre seu estado emocional. Agora, graças à confluência desses fatores, estamos começando a viver uma fase mais equilibrada, em que o paciente é encorajado a lutar juntamente com o médico. Como numa parceria. Veja – Na hipótese mais provável de um paciente grave não ter a sorte de estar no pequeno grupo que se beneficia do tratamento, insistir até o fim não é apenas uma forma de prolongar seu sofrimento? Groopman – Depende do caso. Em algumas situações em que o tratamento é doloroso e fica muito claro que a doença não está respondendo ao tratamento – ou porque a terapia falhou ou porque é muito tóxica –, o melhor é recuar. Do contrário, pode-se estar tirando dias, semanas ou até mesmo meses em que esse paciente poderia estar em casa, ao lado dos amigos e da família. Veja – Como médico, o que o senhor faz quando constata que um paciente não tem a menor chance de sobreviver? Groopman – Passou pelas minhas mãos uma mulher maravilhosa, lutadora, mas com um câncer em fase terminal. Eu não tinha nada a oferecer e, ainda assim, ela me disse que eu estava errado. Que eu tinha a oferecer o remédio da amizade. O que ela queria dizer é que, naquele momento, eu deveria ajudá-la a cuidar de seu espírito, já que o corpo não respondia mais. Veja – Então nunca se deve dizer a um paciente que seu caso não tem mais esperança, mesmo que ele esteja em estado terminal? Groopman – Em geral, há muita gente envolvida num caso terminal: outros médicos, a famí-

lia, amigos, além do principal interessado, o doente. Eu diria que, se o paciente quiser saber qual o seu real estado, o médico deve ser honesto com ele e fornecer todas as informações clínicas. Por mais estranho que possa parecer, essa é uma forma de dar esperança ao paciente. Afinal, ele é quem sabe melhor o que quer fazer com o tempo que lhe resta. Veja – Com o advento da internet e o aumento das notícias sobre saúde em jornais, revistas e televisão, as pessoas têm mais informações sobre doenças. Isso é bom ou ruim para cultivar a esperança? Groopman – Acredito que o paciente tem amplo direito de saber tudo sobre sua doença, mas pode ser muito difícil para ele interpretar números e estatísticas dos noticiários e entender seu caso individualmente. Há ainda uma quantidade enorme de informações na internet que não são tão acuradas. É papel do médico ajudar o paciente a encontrar esperança onde ela de fato exista. Mas mesmo o profissional mais cuidadoso pode errar. Certa vez, despejei sobre uma paciente uma série de estatísticas de sobrevivência relativas à sua doença. O resultado foi que, diante dos números apresentados, ela não conseguia deixar de pensar que iria morrer a qualquer momento. As situações mais rotineiras eram enegrecidas pelo espectro da morte. Eu me culpei muito por isso e cheguei à conclusão de que é necessário um equilíbrio. Em resumo, não é preciso arrasar uma pessoa com a frieza das estatísticas, nem pecar por omissão. Veja – O medo seria o principal inimigo da esperança? Groopman – Eu já estive na posição de paciente e sei que, quando se está com medo, é muito difícil ver as coisas com clareza. Acho que cada paciente deveria ter a seu lado familiares ou amigos que ouvissem cuidadosamente o que diz o médico e o ajudassem a tomar


Ano XXIII – no 227 – Janeiro/Fevereiro de 2005 – BOLETIM ICAPS

decisões. Isso porque muitos doentes ficam clinicamente deprimidos e acabam desistindo de um tratamento, por mais promissor que ele seja. Cito no meu livro o caso de um ex-combatente de guerra que teve um linfoma. Por ter visto um colega morrer do mesmo mal, e por tê-lo acompanhado em seu sofrimento, ele a certa altura desistiu de lutar. Sem falsas esperanças, mas com o que podia prometer a ele, eu o convenci a se tratar. E ele está vivo até hoje. Veja – O senhor acredita que a fé religiosa possa ter influência em alguns processos de cura? Groopman – Acho que rezar e acreditar em algo é imprescindível na medida em que leva uma pessoa a focar a sua mente. Já está provado que aquietar a mente traz benefícios diretos ao organismo, como a redução da pressão arterial e dos batimentos cardíacos. Posso assegurar, no entanto, que procurei incessantemente um dado científico que mostrasse que um paciente com câncer que reze se sai melhor do que um que não reze. E não encontrei nenhuma evidência disso. Mas, é claro, a oração e a fé são uma forma de ajuda, uma excelente ferramenta para que o doente se sinta esperançoso. Há uma frase ótima na tradição judaica: “Reze por um milagre, mas não espere por um”. Veja – O senhor foi vítima de uma grave lesão num disco lombar e, de repente, se viu na condição de paciente. De que forma essa experiência mudou sua visão da prática médica? Groopman – Uma vez escrevi que aprendi mais nos poucos meses em que fui paciente do que em todos os anos que passei na faculdade de medicina. A experiência me ensinou muitas coisas. A primeira delas é que, quando se é paciente, se fica extremamente vulnerável. Ouvi de um médico que eu ficaria bom e preferi acreditar nele, obviamente. O problema é que ele não estava sendo honesto

comigo, porque não tinha a solução para a minha dor. Aprendi que é preciso questionar e ter uma segunda opinião. Sempre. Eu não sou perfeito, cometo erros. Posso errar em meus julgamentos e incentivo meus pacientes a procurarem outro especialista em casos graves. Talvez outro médico tenha uma visão diferente e melhor do mesmo caso.

5

Veja – Quem tem esperança vive melhor? Groopman – Essa é a conclusão. Um paciente esperançoso e confiante pode viver mais ou não. Mas pelo menos vive melhor consigo próprio. E essa é uma ótima razão para se ter esperança. Entrevista concedida a ANA PAULA BUCHALLA e extraída da revista Veja, ano 37, no 39, de 2004.

REPOSIÇÃO HORMONAL EM MULHERES COM MENOPAUSA REQUER CAUTELA Os hormônios sexuais femininos produzidos pelos ovários, como o estrógeno, a progesterona e os andrógenos, alteram o funcionamento do sistema nervoso central (SNC), além de influenciar na regulação de outros hormônios produzidos pela apófise. Há evidências biológicas que sugerem a ação do estrógeno sobre o humor e a cognição (memória). O estrógeno interage com sistemas de neurotransmissores (substâncias químicas cerebrais que fazem a conexão entre os neurônios) envolvidos no humor e na cognição, como a serotonina, a noradrenalina e acetilcolina. O trabalho envolveu 59 mulheres, entre 45 e 56 anos, divididas aleatoriamente em dois grupos, um que tomava hormônio (estrogênio eqüino conjugado 0,625 mg diário); e outro que recebia substância inócua (placebo). Todas estavam na menopausa há pelo menos dois anos e apresentavam sintomas de depressão, de ansiedade e queixas de memória. Eram pacientes típicas de clínicas ginecológicas de menopausa, provenientes do ambulatório de ginecologia do Hospital das Clínicas; do Pró-Mulher, do IPq; e do Hospital Pérola Byington, de São Paulo. O tempo de seguimento do estudo foi de seis ciclos de 28 dias, ou seja, aproximadamente seis meses. Os testes cognitivos e as escalas psicométricas (avaliação do humor e ansiedade) foram aplicados no início e no final do estudo. As pacientes foram acompanhadas mensalmente para controle de dosagens hormonais, checagem de possíveis efeitos colaterais e aderência ao tratamento. Os resultados negativos inéditos alcançados indicam que a terapia de reposição hormonal (TRH) deve ser avaliada minuciosamente para cada paciente. Em vista dos fatos, de acordo com Joel Rennó, só se deve administrar a TRH após avaliação ginecológica e psiquiátrica detalhadas e discutindo-se com as pacientes os riscos e os benefícios. Se os benefícios superarem os riscos, e isso significar melhora da qualidade de vida, as pacientes podem fazer uso dessa terapia. Caso contrário, outras alternativas devem ser viabilizadas. O psiquiatra ressalta ainda que pacientes na perimenopausa (período que se inicia com a queda dos hormônios e pode persistir até um ano após a menopausa) e mais jovens constituem um grupo com maiores chances de resposta favorável à TRH, quando comparadas com as menopausadas e mais idosas. JOEL RENNÓ JÚNIOR é coordenador do projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher.


Ano XXIII – no 227 – Janeiro/Fevereiro de 2005 – BOLETIM ICAPS

6

AIDS E HEPATITE C DAVID EVERSON UIP O programa brasileiro para tratamento de pacientes com Aids é um dos melhores do mundo. É reconhecido e testado como eficaz e exitoso. Consiste em disponibilizar, pela Coordenação Nacional de DST/ Aids, 15 medicamentos para terapia anti-retroviral a adultos, crianças, gestantes que apresentem indicações clínico-laboratoriais preestabelecidas pelos consensos de especialistas que compõem os comitês-assessores para tratamento, de acordo com critérios técnico-científicos constantemente atualizados. Dados oficiais, que avaliaram o custo-benefício do programa, mostram resultados impressionantes, tais como queda de 50% na taxa de mortalidade por Aids no país e economia de US$ 667 milhões, resultado da redução de 80% das internações hospitalares decorrentes de doenças oportunistas que foram evitadas. O acesso universal e gratuito aos medicamentos anti-retrovirais, garantido pela Lei no 9.313/96, de iniciativa do senador José Sarney, é motivo de orgulho para nós brasileiros, que temos esse programa elogiado e imitado por países desenvolvidos e mais ricos. Outro grande desafio de saúde pública surgiu quando, a partir de 1989, foi descoberto o vírus da hepatite C e os testes-diagnósticos evidenciaram a extensão do perigo e a gravidade do problema. O vírus C é o mais comum agente etiológico, responsável pela doença crônica, cirrose e câncer de fígado em todo o mundo. Nos EUA, são estimados 3,9 milhões de indivíduos com a presença de anticorpos e 2,7 milhões com o vírus detectável no sangue. No Brasil, os números devem ser

semelhantes e de cinco a dez vezes maiores que os da Aids. Fatores de risco frequentes na transmissão do vírus são o uso de drogas ilícitas por via venosa, transfusão de sangue e derivados, acidentes perfurocortantes, transplante de órgãos, hemodiálise e perinatal. O grande avanço no tratamento das hepatites crônicas, causadas pelo vírus do tipo C, deveu-se ao reconhecimento da importância da associação interferon e ribavirina. Atualmente, quando é identificado o genótipo 1, prescreve-se, com sucesso, o interferon peguilado. A co-infecção Aids e hepatite C, cada vez mais freqüente, agrava o prognóstico dos pacientes, em face das dificuldades terapêuticas. À semelhança do que acontece com a Aids, o diagnóstico, o tratamento, o monitoramento e a prevenção da hepatite C necessitam de consideráveis recursos financeiros. A hepatite C é considerada, hoje, uma doença potencialmente

curável, com índice de resposta sustentada superior a 60%. Não adotada a terapêutica adequada, até mesmo por falta de acesso aos medicamentos, de alto custo, só recentemente disponibilizados pelo SUS, e sendo doença de evolução lenta e silenciosa, a derradeira opção de tratamento é o transplante de fígado, cada vez mais bem-sucedido em nosso meio, mas muito mais oneroso aos cofres públicos. Diante da extrema gravidade do problema, é necessária uma conjugação de esforços para viabilizar recursos, melhor racionalizá-los, distribuir medicamentos para as duas doenças, tendo como parâmetro os centros integrados de referência, treinamento e tratamento da Aids/DST/hepatites. Os clínicos, gastroenterologistas, hepatologistas e infectologistas devem caminhar juntos, porque, desgraçadamente, há doentes e trabalho para todos. Com uma determinação forte e adoção de uma política de saúde integrada podemos ter os mesmos êxitos do programa da Aids. DAVID EVERSON UIP, médico infectologista, diretor-executivo do Instituto do Coração (INCOR)


Ano XXIII – no 227 – Janeiro/Fevereiro de 2005 – BOLETIM ICAPS

A CRIANÇA QUE TEM MEDO HELOÍSA DE RESENDE PIRES DE MIRANDA Tenho observado, como terapeuta, que muitos pais se preocupam, em excesso, com certos comportamentos dos filhos, o que muitas vezes transforma em problema algo que desapareceria naturalmente. É o caso do medo, por exemplo. Ninguém deve esperar que uma criança cresça sem sentir medo de alguma coisa. Aliás, é comum encontrarmos crianças da mesma faixa etária com medos parecidos. Assim, aos dois anos muitas crianças têm medo de animais e de tempestade. Aos quatro anos, isso pode desaparecer por completo. Aos sete, podem aparecer medos diferentes, como, por exemplo, medo de cair no ridículo, de ser castigado, de lugares altos, de monstros e, principalmente, de assaltos. A criança pode chegar ao ponto de associar o contorno de um objeto qualquer, em seu quarto, com uma figura fantasmagórica.

POR QUE APARECEM ESSES MEDOS? Existem inúmeras explicações válidas para isso. Como o cérebro não está inteiramente desenvolvido, muitos acontecimentos que para um adulto não representam qualquer perigo, para a criança tornam-se fato, confundindo a realidade com sua fantasia. A aprendizagem com outras pessoas (sobretudo os adultos importantes para ela, como pai, mãe, babá etc.) ocorre com muita freqüência. Por exemplo, quando a mãe tem medo de relâmpagos, é bem provável que os filhos venham a temêlos também. Se os pais exigem além do que a criança consegue fazer, como, por exemplo, que ela tire sempre notas ótimas nas provas, pode acontecer de aparecer um medo da escola que, no fundo, é o medo de perder o amor dos pais. Assistir a certos programas na TV, ler ou ouvir casos sobre violência, tudo isso pode gerar uma grande insegurança, principalmente nessa época em que se fala tanto em crimes diversos. Infelizmente, nossas crianças acabam por assimilar o medo que até nós, adultos, experimentamos ao sair de casa.

O QUE FAZER, ENTÃO? Respeitar os temores da criança. Não criticá-la, nem reprimi-la. Fazê-la sentir-se ridícula não vai ajudá-la a superar o medo. Ao contrário, isso tende a fixá-lo ainda mais, porque a criança deixa de exteriorizar o seu medo, o que torna mais difícil ajudá-la. Os pais devem deixar claro ao filho que estão prontos para defendê-lo de qualquer perigo, que ele não está só. Maior cuidado deve haver quando os pais estão separados, pois tal situação costuma fragilizar a criança por algum tempo. Os pais devem conversar com a criança e mostrar que o medo é algo que qualquer pessoa pode sentir, mas que o importante é saber distinguir os momentos em que precisamos ter noção de um perigo real (para nos defender) dos momentos em que nossa imaginação está em desacordo com a realidade.

7

TER COMPAIXÃO É OUVIR AQUELE QUE SOFRE COMO DEUS OUVE Ouvir como Deus ouve é impossível, afinal Ele é onisciente. Mas é por isso mesmo que precisamos nos aproximar da pessoa que sofre. Para ouvir, é preciso chegar mais perto. À medida que nos aproximamos, algo estranho acontece: começamos a mudar. Começamos a entender a maneira como a pessoa encara as coisas. Talvez esteja errada em suas conclusões, mas suas idéias já não soam tão absurdas para nós. A escuta nos permite também descobrir onde a pessoa está em seu processo de desenvolvimento, em que mentiras acredita sobre si mesma, sobre os outros e sobre Deus. Permite-nos saber se ela se sente culpada pelo próprio sofrimento ou se se sente vítima? Se acredita que Deus a está punindo deliberadamente ou que Ele a abandonou. Quando pensamos em crianças e adolescentes, o esforço na escuta precisa ser redobrado. As crianças muitas vezes nos “lêem” e dizem para nós o que gostaríamos de ouvir. Esse “ouvir” tem de se estender a uma observação mais cuidadosa. Precisamos buscar em seu comportamento revelações sobre seu mundo interior, sobre o que se passa em seus corações. Conheci o David num dia em que fui tirar fotos das crianças na creche. Fiquei impressionada com sua aparência apática. Ele não encarava ninguém. Não tinha brilho nos olhos e mantinha a boca numa posição estranha. Parecia uma criança portadora de deficiência mental. De vez em quando ele se transformava e tal era seu comportamento anti-social que alguns chegaram a levantar a hipótese de que o menino estivesse endemoninhado. Foram feitas visitas à família para constatar aquilo de que já suspeitávamos: negligência, abandono e miséria. Finalmente conseguimos atendimento psicológico para ele. O psicólogo logo diagnosticou: não faltava inteligência, que aliás estava sobrando. O que faltava era vínculo afetivo. Hoje David freqüenta o centro estudantil por vontade própria, se sai muito bem em matemática e outro dia foi visto dando conselhos a um colega rebelde! Por que falamos demais e ouvimos de menos? Porque queremos evitar a todo custo sentir o sofrimento do outro. Corremos daqui para lá buscando “consertar” a situação. Mas evitamos ao máximo entrar na tristeza, na dor, no sofrimento da outra pessoa. Por fim, a escuta é terapêutica. Todos nós, crianças, adultos e idosos, homens e mulheres, ricos e pobres reagimos muito bem quando alguém nos empresta seus ouvidos de forma amiga e carinhosa.


Ano XXIII – no 227 – Janeiro/Fevereiro de 2005 – BOLETIM ICAPS

8

ICAPS: PLANEJANDO 2005

E

stá na hora de recomeçarmos nossas atividades. Ainda em clima de férias e festas de fim de ano vamos planejando e programando o ano de 2005. O ano de 2004 foi um ano bastante corrido. O ICAPS realizou congressos, cursos, palestras e dias de formação. Atendeu vários pedidos de hospitais, paróquias e dioceses. Contamos com a participação dos padres, religiosos e seminaristas camilianos, padres diocesanos e principalmente com a colaboração dos leigos, que, direta ou indiretamente, colaboraram para que a maioria desses eventos fosse realizada. Agradecemos, mais uma vez, a Província Camiliana Brasileira, a Sociedade Beneficente São Camilo e a União Social Camiliana pelos recursos humanos, e principalmente financeiros, que contribuíram, decisivamente, para a realização de muitas atividades pastorais. Em 2005, o ICAPS, em conjunto com Coordenação Nacional da Pastoral da Saúde da CNBB, continuará atendendo os diversos pedidos das dioceses, paróquias e hospitais para a realização de congressos, cursos, dia de formação e palestras sobre Pastoral da Saúde. Lembramos que muitos já marcaram as datas dos cursos e congressos. E, por falar em congresso, o XXV Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde deverá acontecer, em São Paulo, nos dias 10 e 11 de setembro. Neste ano, como estaremos comemorando nosso jubileu de prata, faremos uma programação especial.

MATERIAL PARA PASTORAL Além do boletim informativo do Instituto Camiliano de Pastoral das Saúde (ICAPS) que os interessados podem receber em casa, fazendo uma assinatura de R$ 10,00 (dez reais) por ano, dispomos de farto material sobre Pastoral da Saúde, principalmente livros, cruzinhas, novenas e orações de São Camilo. Os pedidos de cursos, palestras e material para pastoral poderão ser feitos na secretaria do ICAPS, ou pelo telefone (11) 3675-0035, das 13h às 18h, e com Cristiana pelo fax (11) 38652189 e/ou e-mail icaps@camilianos.org.br

PROMOÇÃO PARA NOVOS ASSINANTES Em comemoração do XXV ano da realização do congresso, durante todo este ano faremos uma promoção para novos assinantes. A cada cinco novos assinantes que você conseguir ganhará uma assinatura anual gratuita. Os que já são assinantes também podem participar. Na hora de renovar sua assinatura, arrume mais cinco assinantes e receba a renovação inteiramente grátis.

VISITE NOSSA PÁGINA O ICAPS possui uma página na Internet. No momento estamos reformulando-a. Nessa página, o interessado obterá todas as informações sobre os eventos e as atividades do ICAPS. Encontrará também todos os títulos dos livros e materiais sobre Pastoral da Saúde. Além disso, estão à disposição dos leitores todos os números do boletim ICAPS desde sua fundação. www.camilianos.org.br

Instituto Camiliano de Pastoral de Saúde Fone (11) 3675-0035 e-mail: icaps@camilianos.org.br Av. Pompéia, 1214 A 05022-001 São Paulo, SP

IMPRESSO


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.