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❒ PASTORAL
❒ BIOÉTICA
❒ HUMANIZAÇÃO
BIOSSEGURANÇA: “ESCOLHE O CAMINHO DA VIDA” ANTÔNIO MOSER
Praticamente não se passa um dia sem que seja noticiada uma nova descoberta no campo da biotecnologia. Essas descobertas ora dizem respeito à maior e melhor produtividade; ora à cura de certas doenças genéticas; ora à possibilidade de se combinar seres de espécies diferentes; ora ao que se denomina de reprodução humana assistida; ora à própria clonagem humana, seja numa linha terapêutica, seja numa linha reprodutiva. Todas essas notícias são veiculadas com grande sensacionalismo, e por isso mesmo devem ser examinadas com serenidade e senso crítico amadurecido. Para tanto, convém se fazer ao menos três perguntas fundamentais: 1) O que está acontecendo? 2) Onde encontrar subsídios para nos posicionarmos adequadamente? 3) O que podemos fazer?
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O QUE ESTÁ ACONTECENDO? As freqüentes notícias sobre descobertas e atuações no campo da biotecnologia vêm confirmar que vivemos num período inédito da história humana: dispomos hoje de ciência e tecnologias apropriadas não apenas para conhecer melhor as múltiplas formas de vida, mas também para interferir nos seus mecanismos mais profundos. Depois de os seres humanos terem desvendado os mistérios da energia atômica, os mistérios da lua e de outros planetas, agora estão rapidamente desvendando os mistérios da vida biológica. Mais do que isso: não apenas estão desvendando, mas até alterando o código genético de muitos seres vivos. Com isso se quer conseguir o que se julga ser um aprimoramento, seja da natureza em geral, seja dos próprios seres humanos. No caso dos seres humanos a grande motivação apresentada são as doenças de cunho genético, várias delas de caráter degenerativo, tais como a síndrome de Down (mongolismo), mal de Parkinson, mal de Alzheimer e outras. Tudo isso provoca debates acalorados, como os que vêm se desenrolando no nosso Congresso Nacional em torno dos produtos transgênicos, e de modo mais am-
plo em torno da lei de biossegurança. Os debates são positivos, uma vez que ajudam a perceber que se está questionando não apenas uma lei, mas o que ela pode representar, em termos dispositivos que conduzem à vida ou dispositivos que conduzem à morte de toda a criação. Em meio aos debates, não poucas vezes a Igreja católica e outras expressões religiosas são acusadas de estar entravando a marcha do progresso. Segundo esses críticos, ao combater os transgênicos, os representantes das religiões estariam impedindo que se acabe com a fome; ao combater certos procedimentos de laboratório, que implicam a manipulação e até a morte de embriões, estariam impedindo a cura de doenças genéticas. Tudo isso leva muitos a se sentir inseguros quanto à posição a ser tomada. Uns, se deixam arrastar por um entusiasmo muito grande, diante da perspectiva de uma vida melhor e mais longa para si e seus descendentes; outros estão assustados, pois nunca na história os seres humanos detiveram em suas mãos tamanho poder.
ONDE ENCONTRAR SUBSÍDIOS Quase todas as igrejas e religiões existentes em nosso meio se fundamentam nas coordenadas
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que brotam de duas fontes: as Escrituras e a experiência-sabedoria consignada numa longa trajetória de séculos e até milênios. É também baseada nessa dupla fonte que a Igreja católica, juntamente com outras igrejas cristãs, vem participando ativamente dos debates. A Palavra de Deus vem definida como palavra de vida. Assim, logo no início do Evangelho de São João lemos que “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... Todas as coisas foram feitas por intermédio dele e sem ele nada se fez de tudo o que foi feito. Nele estava a vida, e a vida era a luz da
XXV CONGRESSO BRASILEIRO DE HUMANIZAÇÃO E PASTORAL DA SAÚDE Cuidados paliativos, obesidade, hipertensão. Estes são apenas alguns dos temas que serão apresentados e discutidos no XXV Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde que acontecerá, em São Paulo, nos dias 10 e 11 de setembro de 2005.
EXPEDIENTE
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O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética - Província Camiliana Brasileira. Presidente José Maria dos Santos Conselheiros Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin Diretor Responsável Anísio Baldessin Secretária Cristiana Baldessin Maina
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humanidade”. Essa mesma Palavra de Deus nos apresenta, com muita clareza, o caminho para bem viver: é o caminho sinalizado pelas dez Palavras, também conhecidas como os dez mandamentos. Cristo mostrou que, na realidade, essas dez Palavras se resumem numa só, que é o Amor: amar a Deus e ao próximo resume toda a Lei e os Profetas. Com isso, encontramos uma certeza: o sonho de todos de terem uma vida de melhor qualidade só se torna possível se as relações humanas, tanto no nível interpessoal quanto no social, forem pautadas por um autêntico amor a Deus e ao próximo. Mas as igrejas cristãs e as demais religiões com maior presença em nosso meio contam igualmente com um acervo de experiência que foram adquirindo ao longo dos séculos. Não é de hoje que a humanidade busca viver mais e com melhor qualidade de vida. De fato essas aspirações são constantes na história. A experiência nos oferece várias certezas: 1a) que a felicidade é um desejo que o próprio Deus implantou no coração humano; 2a) que as ciências e as tecnologias, na medida em que se colocam verdadeiramente a serviço de todos, podem contribuir em muito para reduzir os sofrimentos e aumentar a qualidade de vida; 3a) que devemos desconfiar de soluções fáceis para problemas difíceis. Como nos assegura Jesus Cristo, o caminho que leva à felicidade é um caminho estreito e cheio de renúncias. Por aí se percebe que não se pode confundir felicidade com facilidade. A felicidade tem de ser construída com a ajuda de Deus e a colaboração de todos: ela não cai pronta do céu, nem é automaticamente legada pelo nosso código genético. Felici-
Revisora Rita lopes Redação Av. Pompéia, 1214 Tel. (0xx11) 3675-0035 05022-001 - São Paulo - SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade Mensal Produção gráfica Edições Loyola Fone (0xx11) 6914-1922 Tiragem 4.000 exemplares
dade e desgraça resultam da combinação de muitos fatores. Sobretudo quando se trata de saúde, fica sempre mais evidenciado que ela passa muito mais por sadias relações humanas de cunho religioso e político, do que pela genética, por mais importante que essa possa ser. Se esse é o caminho, segue-se uma pergunta espontânea: Mas então, o que podemos fazer? Vamos deixar que grupos econômicos, ou cientistas e políticos decidam por nós, sem nos consultar?
O QUE PODEMOS FAZER Há alguns anos o Papa João Paulo II escreveu uma importante carta Encíclica, na qual fazia ver que hoje, mais do que nunca, se trava uma luta entre a cultura da vida e a cultura da morte. Essa carta leva o expressivo título: “O Evangelho da Vida”. Evangelho significa “boa notícia”. Nós devemos ser portadores de “boa notícia”, alegrando-nos com as muitas conquistas de hoje, inclusive no campo da biotecnologia. Ao mesmo tempo devemos saber detectar certas loucuras que se estão dizendo e fazendo em nome do progresso. Saber discernir pressupõe, antes de mais nada, o desenvolvimento de uma consciência crítica. “Sem consciência, a ciência pode conduzir à morte” é o que nos diz outro importante documento da Igreja católica, chamado “O Dom da Vida”. A consciência crítica, sobretudo quando alimentada pela luz do Evangelho, ajuda a perceber que por trás da batalha dos transgênicos se ocultam hábeis manipulações por parte de empresas nacionais e transnacionais, que não se importam tanto com a qualidade de
Assinatura O valor de R$10,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito através de depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja citada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.
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vida, e sim com os lucros fáceis. Da mesma forma, a maneira como certos setores das áreas biomédicas se referem à produção de embriões e à clonagem humana, ainda que sob a capa do piedoso, mas equivocado adjetivo “terapêutico”, nos dá a certeza de que, para melhorar a vida de uns, não se pode tirar a vida de outros, ainda que seja uma vida incipiente. A descoberta das chamadas “células-tronco” uma vez mais revela a sabedoria do Criador, que fez bem todas as coisas e colocou à disposição dos seres humanos recursos para que eles possam enfrentar os sofrimentos físicos em sua raiz. Não é preciso “fazer embriões”, nem manipular embriões, para depois descartá-los: as células-tronco se encontram também no cordão umbilical, na medula da coluna vertebral, e um pouco por todo o corpo. Claro que esses procedimentos são mais lentos e mais trabalhosos. E naturalmente isso não interessa aos donos da biotecnologia, que não são cientistas, mas empresários.
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Diante desse quadro fica evidente que ninguém mais pode ficar de braços cruzados num momento tão decisivo para a humanidade. É preciso que se desenvolvam verdadeiras estratégias, seja de cunho pessoal, seja de cunho comunitário, seja de cunho social. Entre as de cunho pessoal, merecem ressalto: o cultivo do espírito de reverência diante dos mistérios da vida; a desconfiança diante das promessas de milagres fáceis; a humanidade diante da grandeza de Deus e da sua obra criadora. Entre as estratégias comunitárias, importa adquirir uma visão de conjunto da realidade, vendo as implicações políticas e sociais do que se passa na biotecnologia; aprender a conviver com o diferente, pois não é produzindo seres geneticamente iguais que acabarão os conflitos no mundo — estes só deixarão de existir à medida que crescer a capacidade de aceitar e amar os que são diferentes de nós —; e não se deixar levar pelas emoções, que ora provocam on-
É VERDADE QUE CERVEJA PRETA AUMENTA O LEITE? TAÍSSA STIVANIN
Não. Apesar da antiga crença de que beber cerveja preta aumenta a quantidade de leite em mulheres grávidas, não existem estudos que comprovem o fato. E, na realidade, qualquer tipo de bebida alcoólica é contra-indicado nessa situação. Num estudo feito em 1993, a cientista americana Julie Mennella acompanhou lactantes que ingeriam bebidas alcoólicas e encontrou indícios de que elas produziam menos leite. Ninguém sabe ao certo a origem da crença. Uma das hipóteses é que ela tenha surgido porque mulheres que ingeriam bebidas de alto teor alcoólico não eram bem-vistas na sociedade. “A cerveja preta tem menos álcool que bebidas como a cachaça e, por isso, ganhou o status de bebida de ‘mulheres decentes’. Ou seja, mães. A partir daí, a relação foi se aperfeiçoando”, diz Maria Amélia Bitar, autora da tese “Aleitamento materno: um estudo sobre crenças e tabus ligados à prática”. O que se sabe é que o mito não é exclusividade brasileira. E já foi levado tão a sério que, nos anos 1980, nos Estados Unidos, foi criada a Malt Nutrine, uma bebida escura que era vendida em farmácias e recomendada por médicos para incentivar a produção de leite.
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das de entusiasmo ingênuo, ora de pessimismo derrotista. Entre as posturas sociais, vão emergir: a necessidade de saber acolher o que é novo, mas sem perder a sabedoria dos antigos; a desconfiança do que é votado e colocado em prática com muita rapidez, sem a devida cautela que requerem essas intervenções no código genético; e a exigência de que os eventuais benefícios não se destinem apenas a alguns, mas que sejam distribuídos para todos. Mais do que da genética, devemos esperar o retorno de políticas públicas e sociais adequadas no campo da saúde.
CONCLUSÃO Sem dúvida vivemos um dos momentos mais fascinantes da história humana, quando não apenas passamos a conhecer em maior profundidade os mecanismos da vida, mas também somos capazes de intervir sobre eles. Ciência e técnica podem ser nossas aliadas, como também podem se transformar em inimigas da sociedade. Basta lembrar o que aconteceu quando, em vez de energia pacífica, se transformou a energia atômica em bombas. Daí a importância de todos saberem se posicionar e participar responsavelmente das decisões. Por fim, convém lembrar dois personagens que marcaram para sempre a humanidade. Um deles é Moisés, que, ao se despedir do seu povo, mostrou haver dois caminhos: o da vida e o da morte. Sua recomendação foi esta: escolham o caminho da vida, amando o Senhor e escutando a sua voz (Dt 30,20). Ademais, animou Josué, seu sucessor, com estas palavras: “Sê forte e corajoso, pois... o Senhor marchará à tua frente, estará contigo e não te deixará nem te abandonará” (Dt 31,7). O segundo personagem é naturalmente Jesus Cristo. Ele se apresenta como “o caminho, a verdade e a vida”. Ele nos garante que veio para que todos tenham vida, e a tenham em abundância. Artigo extraído do informativo A Igreja na Diocese de Guarapuava, janeiro de 2005.
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JÓ: UM DOENTE IMPACIENTE ANÍSIO BALDESSIN
“Era uma vez um homem chamado Jó, que vivia no país de Hus. Era um homem íntegro e reto, que temia a Deus e evitava o mal”. (Cf Jó 1,1). Este é apenas um versículo dos centenas que compõem os quarenta e dois capítulos do famoso livro de Jó. E é assim que começa a história desta figura simbólica chamada Jó. Era uma vez um “homem” chamado José, João, Raimundo, Eduardo, Maria, Joana, Tereza etc., pais, mães de família, pessoas tementes a Deus, gente honesta, trabalhadeira, bondosa, que procuram fazer o bem e evitar o mal, e ainda assim, não estão livres dos sofrimentos. Digo, de qualquer tipo de sofrimento. QUEM É JÓ? Jó é apenas um “símbolo”. O símbolo quebra todas as leis, todas as regras, todas as convenções. Extrapola, extravasa, vira tudo pelo avesso. Faz dum santo ateu. Faz do diabo um fidalgo e de Deus um perdedor. Ele nunca existiu em carne e osso. Ele é a carne e os ossos de todos os homens de todos os tempos, como Caim e Abel. É o grito do homem, não apenas de um homem. O símbolo não é dogmático, não cabe em definições. Tem todas as licenças, como o sonho e a poesia, como a imaginação e a fantasia. O símbolo pode tudo, como Deus. E até mais do que Deus, porque pode fazer com que Deus não seja Deus e o Diabo não seja Diabo. Por esta razão a Teologia Simbólica não coincide com outros tipos de teologia. Portanto, na mente do autor da história, Jó é a personificação de todo drama humano. Jó, etimologicamente, significa grito e tudo o que se relaciona com o grito: agressão, perseguição, injúria, mal-
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trato, ira. Ora, o grito de dor é sempre monossilábico em todas as línguas. A dor não tem tempo para retórica, nem precisa ser prolixa. Segundo Harold Kusnher, a história de Jó é provavelmente a maior, mais completa e mais profunda discussão jamais escrita sobre o tema das pessoas boas que sofrem. A exemplo da histórica simbólica de Jó, são milhares as histórias que aconteceram e continuam acontecendo com pessoas que convivem conosco ou que, como assistente espiritual hospitalar, tenho a oportunidade de escutar. Escutar, nestes momentos, não as preces, orações ou cânticos de louvores a Deus e sim o grito, as angústias, lamentações, abandono e blasfêmias, para não dizer, palavrões, que a exemplo de Jó, as pessoas proferem.
OS PALAVRÕES DE JÓ Quando criança, muitas vezes, ouvi esta expressão: “Aquela pessoa, apesar das dificuldades e sofrimentos, têm uma paciência de Jó”. Tanto isso é verdade, que a maioria das
pessoas que lê a Bíblia tem Jó, como sinônimo da paciência. No entanto, pelo fato de tanto lidar com o sofrimento, fui reler na Bíblia, o livro deste “homem”. E qual não foi minha surpresa quando comecei a perceber alguns palavrões que Jó murmurou quando ferido pelo sofrimento e adversidades. Para facilitar minha descoberta sobre os palavrões que Jó proferiu, recorri aos escritos de Rômulo Cândido de Souza que em seu livro, Palavra Parábola, destaca as frases mais expressivas do xingatório de Jó. Vejamos: “Maldita a noite em que eu nasci. O culto a Deus é uma coisa inútil. A oração não serve para nada. Estou bebendo a ira de Deus. Minha alma está amargurada. Deus não me dá atenção Deus está ausente. Deus deixa tranqüilo e seguros apenas os assassinos, os salteadores, os adúlteros, os exploradores das viúvas. Os pobres dormem nus, mesmo no inverno, porque não têm roupa nem casa. Estão nus com fome e com sede, lançam gemidos de moribundos, e Deus não escuta. Os pobres e viúvas são espoliados e trabalham desde madrugada para poder comer. Deus me privou dos meus direitos. Deus encheu meu coração de amargura. Deus se tornou meu inimigo desapiedado. Deus me persegue e me lança na tempestade. A gentalha se ri de mim, pessoas sem nome, pior que os cachorros, que comem capim e vivem nos buracos das montanhas. Eu grito e Deus não responde. Deus está sendo injusto comigo”. Acrescenta-se a essas, inúmeras palavras isoladas por ele proferidas.
OS PALAVRÕES DO DOENTE Comparado aos de Jó, os palavrões dos doentes são quase insignificantes. Vejamos alguns. “Eu sempre fui bom, fiz tanta caridade, por que Deus permite que isso aconteça comigo? Rezo tanto, mas ele não me ouve. Deve estar ocupado com os outros. Deus acredite em mim! Se eu sarar vou mudar minha vida, cumprirei algumas promessas. Se esse é o jeito de Deus me amar, digalhe que dispenso este amor. Se não
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tivesse fé, não sei o que teria acontecido. Embora eu nunca tenha acreditado em Igreja, religião e Deus, reencontrei o que perdi”. Da mãe, que depois de perder uma filha precocemente, e acabara de descobrir que seu filho, engenheiro recém formado, tinha um câncer de pulmão ouvi: “Eu não quero conversar com você, pois eu briguei com teu chefe lá de cima. Minha vizinha de quarto até veio aqui para conversar comigo e tentar me convencer que Deus é bom. Deus, ´essa coisa` que tirou minha filha e agora vai levar meu filho também”. De um suposto homem alcoolizado e sentado em frente à clínica que faz quimioterapia e radioterapia afirmou: “Estou aqui desde manhã, só vejo entrar e sair daquela porta, gente estropiada, lascada e, (outros adjetivos que não vamos repetir aqui) sofrendo com essas feridas, com dor, fome. Será que esse Deus (diz três palavras impublicáveis) não está vendo tudo isso?”
O QUE FIZERAM OS AMIGOS? Tomaram duas atitudes. Uma boa e outra inconveniente. Primeiro, sabendo que Jó estava doente os amigos se encontraram para compartilhar a dor de Jó e consolá-lo. Sentaram-se ao lado dele por sete dias e sete noites sem lhe dizer uma única palavra. Desafio grande para nós que, apesar de termos dois ouvidos e uma boca gostamos mais de falar do que ouvir. No entanto, não conseguindo se conter em apenas ouvir tiveram uma atitude inconveniente. Resolveram falar. Aí, foi um verdadeiro desastre. Elifaz, o primeiro disse: “Lembre-se bem: quando é que um inocente pereceu, e quando é que os homens retos foram destruídos? Pelo que sei, os que cultivam injustiça e semeiam miséria que as colhem”. Baldad, o segundo, se pôs a questioná-lo dizendo: “Note bem: Deus não rejeita o homem íntegro, nem faz aliança com malfeitores”. Sofar, o terceiro amigo disse: “se você dirigir seu coração a Deus, e para Ele estender suas mãos; se afastar suas mãos da
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maldade, e não hospedar a injustiça em sua tenda, então você poderá levantar o rosto sem mancha e não terá medo nas dificuldades”. Na verdade, acabaram bancando os “advogados” de Deus.
O QUE FAZEM OS AGENTES DE PASTORAL? Em geral, a mesma coisa. São pessoas disponíveis, com ou sem ocupações, que se colocam à serviço dos que sofrem. A exemplo dos amigos de Jó, deixam seus afazeres e, voluntariamente, vão ao encontro dos doentes. Atitudes que merecem todo tipo de reconhecimento. Mas, como em geral têm a preocupação de explicar ou resolver o problema do outro, também repetem frases feitas e impróprias. Vejamos algumas: “Deus é bom, é vontade de Deus, Deus dá somente o que podemos suportar, Deus prova aqueles que ele ama, existe uma razão pra tudo, coragem, você tem que ser forte, Jesus cura tudo, com o tempo tudo passa, não se preocupe, onde existe vida existe esperança, é preciso sofrer muito para ganhar o céu”. Enfim, inúmeras palavras que ao invés de trazer um bem estar para o doente, consola o próprio agente de pastoral.
O QUE DEVERIAM FAZER? O desejo dos agentes em responder às interrogações que habitam o interior dos que sofrem os deixa um tanto quanto perturbados. Sensação, diria, muito normal. Pois ao mesmo tempo em que sabem que sua tarefa junto aos doentes, não é solucionar seus problemas e sim dar força para que eles possam enfrentá-los, querem, nem sempre da melhor maneira, tirá-los da situação de sofrimento. Os amigos de Jó, diante daquela situação, ignorando completamente seus sentimentos, acreditaram que poderiam ajudá-lo proferindo palavras piedosas e tradicionais. Estavam tão preocupados em “defender” Deus que acabaram esquecendo o pobre do amigo que, bombardeado por tantas
palavras ocas, disparou os inúmeros xingatórios que vimos acima. Isso pode, perfeitamente, acontecer com os agentes de pastoral. Ou seja, preocupados em defender o amor misericordioso de Deus, a religião, os sacramentos, as orações pré-estabelecidas, acabam esquecendo a pessoa do doente que, apesar da fé em Deus, se sente, humanamente fragilizado. Neste sentido, Karl Lehmann, falando da relação com doentes graves lembra: “ao confortar com palavras de esperança um doente grave, nunca se há de passar ligeiramente sobre a amarga realidade do sofrimento e da morte, mas sustentar a inteira realidade do ser humano que sofre. Pois na hora de infundir esperança, podemos cair na tentação de passar por cima dos sentimentos da pessoa, ou ainda, querer inventar ilusões superficiais nascidas de desejos pouco sólidos”. Portanto, diante de alguém que está passando por uma situação semelhante a que vivenciava Jó, a dica é acolher os sentimentos, pois segundo Colombero, “os sentimentos são os modos com os quais respondemos às coisas e às pessoas que nos cercam e aos acontecimentos que ocorrem em torno de nós”. Nesta situação, a atitude de Jesus diante do sofrimento nos oferece importantes dicas. Ele não oferece nenhuma explicação doutrinal sobre o sentido do mal e da dor. Simplesmente se esforça para reconstruir a vida das pessoas integralmente. Procura libertá-los da solidão e do isolamento, acolhe-os escuta-os e os compreende. Afinal, a cura não significa apenas sarar de uma enfermidade física ou mental, mas um abrir-se da pessoa a Deus e aos outros. A exemplo de Jó, quase todos os que sofrem injustamente, ficam revoltados. Portanto, uma visita que ao invés de estar com o outro se propõe sempre em fazer algo por ele com frases feitas, pré-julgamento, orações piedosas que nada tem a ver com a situação do doente, está fadada a levá-lo ao desânimo ou então se tornar, a exemplo de Jó, um doente impaciente. ANÍSIO BALDESSIN, padre camiliano, capelão do Hospital das Clínicas da FMUSP.
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A ARTE DE NÃO ADOECER DRÁUZIO VARELLA
Se não quiser adoecer — “Fale de seus sentimentos”. Emoções e sentimentos que são escondidos, reprimidos, acabam em doenças como: gastrite, úlceras, dores lombares, dor na coluna... Com o tempo a repressão dos sentimentos degenera até em câncer. Então vamos desabafar, confidenciar, partilhar nossa intimidade, nossos segredos, nossos pecados. O diálogo, a fala, a palavra é um poderoso remédio, e excelente terapia... Se não quiser adoecer — “Tome a decisão”. A pessoa indecisa permanece na dúvida, na ansiedade, na angústia. A indecisão acumula problemas, preocupações, agressões. A história humana é feita de decisões. Para decidir é preciso saber renunciar, saber perder vantagem e valores para ganhar outros. As pessoas indecisas são vítimas de doenças gástricas e problemas de pele. Se não quiser adoecer — “Busque soluções”. Pessoas negativas não enxergam soluções e aumentam os problemas. Prefere a lamentação, a murmuração, o pessimismo. Melhor é acender o fósforo que lamentar a escuridão. Pequena é a abelha, mas produz o que de mais doce existe. Somos o que pensamos. O pensamento negativo gera energia negativa que se transforma em doença. Se não quiser adoecer — “Não viva de aparências”. Quem esconde a realidade, finge, faz pose, quer sempre dar a impressão que de está bem, quer mostrar-se perfeito, bonzinho, etc., está acumulando toneladas de peso. Uma estátua de bronze, mas com pés de barro. Nada pior para a saúde que viver de aparências e fachadas. São pessoas com muito verniz e pouca raiz. Seu destino é a farmácia, o hospital, a dor. Se não quiser adoecer — “Aceite-se”. A rejeição de si próprio, a ausência de auto-estima, faz com que sejamos algozes de nós mesmos. Ser eu mesmo é o núcleo de uma vida saudável. Os que não se aceitam são invejosos, ciumentos, imitadores, competitivos, destruidores. Aceitar-se, aceitar ser aceito, aceitar as críticas é sabedoria, bom senso e terapia. Se não quiser adoecer — “Confie”. Quem não confia não se comunica, não se abre, não se relaciona, não cria liames profundos, não sabe fazer amizades verdadeiras. Sem confiança, não há relacionamento. A desconfiança é falta de fé em si, nos outros e em Deus. Se não quiser adoecer — “Não viva sempre triste”. O bom humor, a risada, o lazer, a alegria recuperam a saúde e trazem vida longa. A pessoa alegre tem o dom de alegrar o ambiente em que vive.
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A IMPORTÂNCIA DA PSICOTERAPIA OSWALDO FERREIRA LEITE NETTO
Há sete anos dirigindo o Serviço de Psicoterapia do IPq, o psiquiatra e psicanalista Oswaldo Ferreira Leite Netto conta com equipe de dez psiquiatras de diferentes formações (psicanalistas, analistas junguianos, psicodramatistas), além de significativo número de profissionais de saúde voluntários. Além da assistência, o Serviço tem participação no ensino e na formação médica, desenvolvendo atividades voltadas aos alunos da Faculdade de Medicina da USP e aos residentes. BIPq – O que faz um psicoterapeuta? Para que serve e quais os objetivos de um psicoterapeuta? Dr. Oswaldo – Recentemente, uma paciente encaminhada do ambulatório, onde faz tratamento medicamentoso, me disse: “Doutor, estou melhor, mas preciso conversar sobre os meus problemas!”. Basicamente um terapeuta está interessado no mundo mental do seu paciente. Conversa sobre tudo o que ocupa a mente dessa pessoa: idéias, sentimentos, fantasias, temores, sonhos, conflitos. Organizar e administrar tudo isso, para sermos responsáveis, livres e ainda capazes de conviver amorosamente com os outros, não é fácil, e, às vezes, nos atrapalhamos, tornamos nossa vida mais difícil do que já é. Sofremos e fazemos sofrer, mesmo sem estar doentes psiquiatricamente. Mas também os pacientes que têm uma doença mental e estão sob acompanhamento psiquiátrico, que são a maioria dos clientes do Serviço, precisam ser escutados e alguns devem ser encaminhados à psicoterapia para aprender a refletir, a se conhecer melhor, para colaborar com o tratamento psiquiátrico.
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BIPq – Psicoterapia é um tratamento alternativo para doenças mentais? Dr. Oswaldo – Um psicoterapeuta não faz muita coisa em situações de emergência psiquiátrica, nem para erradicar sintomas. Nem explica a origem das doenças mentais. O terapeuta, usando como principal ferramenta de trabalho sua própria personalidade, tem uma atitude acolhedora, cria um clima de intimidade que favorece a escuta. Gente precisa de gente. Gente precisa ser valorizada, querida, ouvida e suportada pelos outros. As psicoterapias são empurrões para o processo de amadurecimento, conhecimento e sabedoria. BIPq – Como o Serviço de Psicoterapia vem atuando? Dr. Oswaldo – Temos várias frentes de atuação. No ensino procuramos contribuir para que os profissionais se sensibilizem com o sofrimento mental de seus pacientes e possam se aproximar deles, sem medo e perturbação. Qualquer atividade clínica, mesmo em outras especialidades, implica um exercício de psicologia. Impessoalidade é artificialismo introduzido nas aproximações humanas. Quando duas
pessoas se aproximam desencadeiamse fenômenos emocionais em ambas: sentimentos e fantasias. É preciso saber reconhecer e lidar com essa dimensão. A demanda assistencial é grande e os tratamentos psicológicos são sofisticados e não possibilitam um alcance social muito amplo. Eles só funcionam individualmente ou em pequenos grupos. Sem comprometer a essência do trabalho, nosso grande desafio é nos adequarmos à realidade do Instituto. BIPq – O que é Grupo de Espera? Dr. Oswaldo – Entre as diferentes iniciativas, como o grupo de psicoterapia psicanalítica breve, sob a coordenação da Dra. Patrícia Schoueri; o atendimento a vítimas de violência, sob a supervisão do Dr. Eduardo Ferreira Santos, destaco o Grupo de Espera, que são os atendimentos quinzenais aos pacientes encaminhados e triados, mas que ainda não foram admitidos para psicoterapia por falta de vagas. No Grupo de Espera, essas pessoas são ouvidas e interagem entre si sob a orientação de um de nossos profissionais. Isto tem se mostrado de grande valia para os pacientes, que têm suas necessidades psicológicas parcialmente atendidas no tocante
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ao acolhimento, à continência e à valorização como sujeitos, pessoas que pensam e têm sentimentos. BIPq – Quais as novidades no plano assistencial? Dr. Oswaldo – Atualmente, a menina dos meus olhos é o Ambulatório Integrado para Transtornos de Personalidade (API-TP), funcionando há pouco tempo. Nele, atendemos pacientes difíceis e graves, diagnosticados como portadores de determinado transtorno de personalidade. Eles passam por sessões semanais e individuais de psicoterapia psicanalítica, sendo também atendidos clinicamente por psiquiatras. Conforme o caso, paciente e família são atendidos em terapia familiar. No API-TP, psicanalistas (quase todos voluntários) reúnem-se semanalmente, discutindo os casos, supervisionando as psicoterapias e, em prol do paciente, tentando aproximar os dois vértices de abordagem. Nem sempre é fácil ou harmonioso, mas é fonte de muito conhecimento, porque também temos um programa de seminários e atualização bibliográfica. Essa tentativa de unir forças visando ao paciente está na origem da criação do Serviço e é minha grande motivação para permanecer, como psicanalista, colaborando com o nosso Instituto de Psiquiatria.
Como visitar um doente Acaba de ser editada, pela Edições Loyola, a quarta edição do livro Como visitar um doente. De autoria do padre Anísio Baldessin, é um pequeno livro que procura dar algumas dicas para capelães, (padres, pastores) agentes de pastoral da saúde e ministros da eucaristia que visitam doentes em hospitais e domicílios. Neste livro, o leitor encontrará algumas dicas pastorais sobre o que se deve e o que não se deve falar ou fazer na visita pastoral ao doente. O autor procura responder a algumas perguntas comuns como: quanto tempo pode durar a visita, o que dizer ao doente quando ele chora, fica em silêncio, é de outra religião, está em estado grave, entre outras.
Como fazer pastoral da saúde? Trata-se de um roteiro ágil, de leitura fácil e agradável. Nele o autor apresenta a pastoral da saúde nas três dimensões: solidária, comunitária e político-institucional. O conteúdo é enriquecido com a prática pastoral que o autor desenvolve no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo, dos congressos e cursos de pastoral da saúde que tem ministrado em hospitais, paróquias e dioceses. Portanto, poderá ser muito útil a todos os que atuam na pastoral da saúde paroquial, domiciliar e principalmente hospitalar. Você poderá comprar estes livros entrando em contato com a secretaria do ICAPS, pelo telefone: (11) 3862-7286, ramal 3, das 13 horas às 18 horas, com Cristiana, ou fazer seu pedido por FAX, carta ou internet: icaps@camilianos.org.br. Os interessados poderão encontrá-los nas livrarias católicas ou na Edições Loyola (11) 6914-1922.
Instituto Camiliano de Pastoral de Saúde Fone (11) 3675-0035 e-mail: icaps@camilianos.org.br Av. Pompéia, 1214 A 05022-001 São Paulo, SP
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04.04.2005, 16:06