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1 12345 Informativo 12345 12345 12345 do Instituto12345 12345 12345 Camiliano12345 12345 12345 de Pastoral12345 12345 12345 da Saúde12345 12345 12345 e Bioética12345 12345

Ano XXIV – no 241 – Maio de 2006 – BOLETIM ICAPS

12345 12345 12345 12345 Maio de 200612345 12345 12345 ANO XXIV – no 24112345 12345 12345 PROVÍNCIA CAMILIANA BRASILEIRA12345

❒ PASTORAL

❒ BIOÉTICA

❒ HUMANIZAÇÃO

COORDENADOR DE PASTORAL: AQUELE QUE SERVE COM ALEGRIA! JOSÉ LUIZ GARCIA

A

COORDENAÇÃO DE PASTORAL é um

serviço importantíssimo nas comunidades. A boa coordenação, aberta a Deus e às pessoas, faz a comunidade prosperar e o reino de Deus acontecer. É um serviço que deve proporcionar prazer e felicidade. Sim, a coordenação deve ser mais alegria que sofrimento, porque a palavra “evangelho”, em si, é “boa notícia”, e um coordenador estressado, desanimado ou acomodado não consegue anunciálo bem à comunidade. O COORDENADOR JESUS Na Bíblia, podemos analisar Jesus como coordenador: 1 João 13,1-9 (O lava-pés): Jesus amou seus coordenadores, ensinando que a coordenação é um serviço à comunidade: o serviço deve ser a marca da comunidade e não a dominação ou a servidão. Ensinou que todo trabalho é importante. 2 Marcos 4,35-41 (A tempestade acalmada): Jesus vê que na outra margem há gente que precisa dele. No barco, acalma os discípulos para depois ensinar que, se ele está presente, ninguém perece. Às vezes, parece que Jesus dorme nos dias de hoje... O coordenador acalma, transmite esperança e coragem; mantém o equilíbrio, sem apavorar-se diante das dificuldades.

Faça uma leitura orante dos evangelhos, buscando o Cristo coordenador. O QUE FAZ UM COORDENADOR? 1 Ele inclui as pessoas. O coordenador cristão soma os dons que o grupo possui. 2 Ele anima e conduz o grupo nas turbulências (acalmando) e na calmaria (provocando movimentos). 3 Ele leva o grupo a atingir seus objetivos. 4 Ele se apresenta para ajudar a resolver os problemas. 5 Ele delega responsabilidades, tarefas e poderes de decisão. A melhor maneira de coordenar se realiza em comunidade, em equipe. Um coordenador que fica no cargo por anos seguidos tende a se desgastar ou a acomodar-se. DO QUE PRECISA PARA COORDENAR BEM? 1 Transitar pelo grupo todo, manter diálogo com todos. 2 Ter uma caminhada comum com o grupo, um bom tempo de participação, para saber o valor das conquistas e o sofrimento dos erros cometidos. 3 Conhecer bem o assunto que coordena e ter noções básicas de outros assuntos ligados ao que coordena. 4 Saber decidir (pessoas indecisas transmitem insegurança). Após examinar bem a realidade, ouvir os envolvidos

e buscar auxílio necessário, cabe ao coordenador a decisão sobre a maioria dos assuntos. Os mais importantes, é claro, são decididos pelo grupo. 5 Ser equilibrado: não estar excessivamente animado ou desanimado; querer tudo hoje e amanhã nada; e controlar os impulsos para manter-se na linha do objetivo traçado pelo grupo. A abertura para o diálogo com o mundo começa pelo diálogo interior. 6 Conhecer seus pontos fracos e fortes: ninguém é perfeito, mas o coordenador será chamado a falar em público, escrever, dialogar, negociar e organizar. Assim, ele deve desenvolver suas aptidões e buscar auxílio para suprir sua limitações. 7 Observar, ouvir e falar com seu grupo: cada pessoa é importante, cada fato deve ser trabalhado e estudado, como também a realidade (particular e coletiva) nunca deve ser esquecida. 8 Fazer partilha com outras pastorais: fomos acostumados a resolver apenas os problemas do nosso grupo imediato. O coordenador precisa articular-se com outros coordenadores para resolver problemas comuns, sendo verdadeiramente “Igreja de Cristo”.


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9 Fidelidade: afinal, o Reino que buscamos não é meu e nem seu, é de Deus. COORDENAR EM EQUIPE A solução é montar a equipe, partindo das necessidades do grupo, criando assessorias (e preparando novos líderes): secretário, assessor de

comunicação, de liturgia, de formação, de eventos etc. É preciso dividir tarefas, responsabilidades e autonomia, formando uma “família” que promova reuniões regulares e divida alegrias e desafios. Se o Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda, pequenino, que se torna a maior das árvores, a coordenação

deve ser simples, mas com solidez e competência, criando raízes em Jesus Cristo. Coordenador(a): Reze, peça sabedoria, confesse, comungue, leia muito, informe-se e cresça! Entregue-se nas mãos de Deus e seja feliz! Artigo extraído da Revista Unidade. Ano 8 – nº 42 Jan./ Fev. 2006 — Diocese de São Carlos.

OS ERROS NOSSOS DE CADA DIA NA VISITA AOS DOENTES ANÍSIO BALDESSIN

lemos em livros e ouvimos em algum curso ou palestra sobre pastoral da saúde. Algumas destas orientações são resultado de minha experiência com os doentes no hospital. Outras são reflexões de muitos autores sobre as atitudes inconvenientes que tomamos na visita pastoral ao doente. As dúvidas e inquietações surgidas nas visitas pastorais resultam da preocupação ou quase obrigação que o agente acredita ter para com o doente, ou seja, qual é a contribuição concreta que pode oferecer àquele que está sofrendo em casa ou numa cama de hospital, ou, ainda, descobrir qual é o objetivo final da visita ao doente.

A

O ERRO DE NÃO SABER A FINALIDADE DA VISITA

O LER LIVROS E ARTIGOS que falam

EXPEDIENTE

sobre pastoral da saúde e principalmente da visita aos doentes, percebo que são muitos os erros que o agente, na ânsia de ajudar aquele que sofre, acaba cometendo. Por isso, resolvi reescrever algumas dicas que vez ou outra já

Segundo Ademar Rover, ao contrário do que muitos agentes pensam, “a finalidade da visita ao doente não consiste principalmente em fazer alguma coisa pelo outro. Não é dar ‘pílulas espirituais’, mas viver

O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética — Província Camiliana Brasileira.

Revisora: Rita Lopes

Presidente: José Maria dos Santos Conselheiros: Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Viviane Rodrigues Silva

e-mail: icaps@camilianos.org.br

Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286, ramal 3 05024-000 São Paulo, SP Periodicidade: Mensal Prod. gráfica: Edições Loyola Tel. (11) 6914-1922 Tiragem: 3.500 exemplares

esta comunhão no amor! Afinal, o doente não é objeto de piedade, mas, como pessoa, é sujeito. Ou seja, eu não devo despejar minha caridade, religiosidade, crenças e crendices sobre ele”. Neste sentido, Madre Tereza de Calcutá nos deixou um grande ensinamento: “Os doentes, bem como aqueles que sofrem, não precisam de minha piedade e religiosidade, eles precisam do meu amor”. Por isso, mais importante do que pensar no que eu posso fazer é, antes de tudo, me preocupar em estar com o outro. Ao estar com o enfermo, às vezes poderei fazer algo por ele. Neste sentido, a Bíblia, quando fala do contato de Jesus com os sofredores, mostra que a maior preocupação Dele era, em primeiro lugar, ir ao encontro das pessoas. Portanto, quando visitar doentes, muito mais do que ficar dando conselhos, levar ou repetir frases prontas, preocupe-se em estar com ele. Na maioria absoluta das vezes, ajudá-lo é estar presente para que possa enfrentar, de maneira criativa, os problemas e a dor. Assinatura: O valor de R$13,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 (onze) edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja citada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.


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O ERRO DA FALSA ESPERANÇA O caso a seguir, narrado por José Carlos Bermejo, mostra uma situação em que o agente de pastoral da saúde (visitador) é posto diante de uma situação muito difícil. Assim se expressou um doente ao agente de pastoral: “Que razões tenho para esperar? Você, que me conhece, diga-me, o que posso esperar? Mas, por favor, não me venha com essa conversa que todos usam. Fique tranqüilo que as coisas vão melhorar. O que significa melhorar? Nem posso imaginar o que passa pela minha cabeça. Já não tenho nada para fazer. Não posso ficar sentado, nem ler. Mesmo assim tenho de esperar. Além de estar desesperado, tenho de aparentar que não estou. Diga-me: o que eu faço com este mal? Às vezes, já não posso mais nada. Tenho medo, porém desejo morrer de uma vez. Diga-me você: o que tenho de fazer, o que tenho de esperar?”. Diante de situações como essa, quem não se sentiria totalmente impotente e perdido? Pois o doente já avisou que não quer ouvir os famosos discursos prontos que só servem para consolar o agente. Em casos assim, entre os muitos erros que o agente pode cometer, um deles é pensar que todas as perguntas ou desabafos feitos por aquele que sofre pedem uma resposta. Um outro equívoco é ignorar os sentimentos de raiva, desânimo, frustração, sensação de abandono, medo, angústia etc. Ou, ainda, entender que é preciso alimentar esperança, mesmo que ela seja falsa. As dicas de Karl Lehmann e Bermejo podem nos ajudar a sair dessa situação. Ele lembra que, “Ao confortar com palavras de esperança alguém que se encontra nessa situação, não podemos passar ligeiramente sobre a amarga realidade do sofrimento e da morte, mas encarar a realidade do ser humano que sofre. Pois na hora de infundir ou tentar dar esperança, podemos cair na tentação de passar por cima dos sentimentos da pessoa concreta, querer inventar ilusões superficiais nascidas de desejos pouco sólidos”.

Carlos Bermejo afirma que “Diante de uma situação de sofrimento, o oferecer-se a si mesmo como um apoio no qual as pessoas possam se agarrar, compartilhar os próprios temores e ilusões, é dar uma verdadeira esperança. Pois, em meio à dor, a relação de ajuda que inspira confiança e bem-estar para o doente é a oferta de si próprio”. O ERRO DE QUERER EVITAR O CHORO Toda e qualquer perda ou dificuldade gera um sentimento de tristeza muito grande. E o choro, nessas circunstâncias, também é muito comum. E mesmo se sentindo feridas, às vezes, no mais profundo sentimento, as pessoas costumam pedir desculpa pelas lágrimas derramadas. Porém, diante da dor, chorar é uma reação necessária. Pode ser considerada um dos indicadores fundamentais de saúde mental. Então, “Se chorar libera, alivia, produz sossego, reconcilia, abranda, humaniza, por que sentir vergonha, pedir perdão ou implorar para que a pessoa não chore? Por que continuarmos acreditando naquele mito que homem que é homem não chora, ou ainda que pessoas que têm fé não choram?”, pergunta Carlos Bermejo. Portanto, o erro ao querermos evitar o choro, está no fato de não respeitarmos uma necessidade, quase fisiológica que as pessoas têm. Além disso, não podemos esquecer que chorar, sorrir ou ficar triste são formas de comunicação. Assim sendo, todos aqueles que se encontram em condição de ajudantes de doentes, ou de pessoas que tiveram perdas significativas e que tentam estancar o choro, ignoram uma das necessidades mais básicas do ser humano. Para não dizer dos seres vivos, uma vez que até os animais, em certas circunstâncias, também choram. O ERRO DA SACRAMENTALIZAÇÃO Como é do nosso conhecimento, o povo brasileiro se auto-intitula bastante religioso e católico. Mas, se levarmos em consideração o nú-

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mero dos que participam ativamente da Igreja (comunidade religiosa), perceberemos que é bastante restrito. Essa participação cai de maneira significativa nas grandes cidades. Ou seja, as pessoas podem até ter uma religião, mas não cultivam o hábito de participar, pelo menos aos domingos, das celebrações na igreja. Porém, quando ficam doentes e são internadas, muitas buscam a igreja e os sacramentos. Não é incomum encontrar no hospital pacientes que, não sei se por vontade própria, ou desejo dos familiares, ou necessidade do agente de pastoral da saúde, querem receber, a qualquer custo, assistência religiosa diária. Inclusive a comunhão. Embora não seja nossa função julgar quem tem ou não o direito de receber a comunhão ou qualquer outro sacramento, é um erro o agente acreditar que a boa visita pastoral é sempre acompanhada da distribuição dos sacramentos. Também não deixa de ser um erro alimentar, tanto no doente como em seus familiares, o sentido meio mágico dos sacramentos como: comungar todo dia ajuda a melhorar mais rápido; pedir ao padre a unção com óleo ajuda tirar as “coisas ruins; batizar a criança para que fique livre do “mal-olhado”; ou, ainda, abençoar, pois, se não fizer bem, mal não fará. Estes são apenas alguns erros que nós, visitadores de doentes, podemos cometer em nosso ministério de visitação. Sei que existem muitos outros que não foram lembrados nesta reflexão. Por isso, a tarefa de cada agente é, em primeiro lugar, verificar se já cometeu algum desses equívocos. Segundo, é continuar procurando, por meio de leituras, palestras ou experiências práticas, maneiras mais convenientes de visitar doentes. Talvez o segredo seja falar pouco. Afinal, nunca é demais lembrar que “quanto mais se fala, maior é a possibilidade de errar”.

Anísio Baldessin, padre camiliano, é capelão do Hospital das Clínicas da FMUSP.


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VELHICE NA BÍBLIA: ALGU

MARIA CLARA LUCC

O

PERCEBER-SE ENVELHECER, consta-

tar o decair das próprias forças e a conseqüente aproximação da morte sempre foi um problema para o ser humano de todos os tempos. Algumas culturas e civilizações lidaram com essa questão de maneira mais tranqüila, outras menos. A cultura judaico-cristã, sem camuflar a dramaticidade do processo de caducidade das forças do ser humano e o sentimento de impotência que se lhe segue, refletiu sobre esta experiência tão fundamental e apontou algumas pistas de solução a partir de sua fé. Partindo do pressuposto que lemos o texto bíblico desde o lugar da fé cristã e da ecologia, cremos deixar esclarecido qual é o viés da nossa reflexão. Trata-se aqui não tanto de procurar descrições dos processos psicológicos e biológicos que caracterizam o processo de envelhecimento e sua experiência, mas sim de procurar destacar algumas implicações éticas e religiosas decorrentes desse processo que o povo bíblico trouxe à luz incorporou ao seu patrimônio de fé no Deus de Israel.

1) A idade entendida como etapa da vida ou como idade madura, maturidade. São os dois sentidos em que o termo quase sempre aparece no Antigo Testamento. Tal como os outros povos da antiguidade, também o judaísmo professa um grande respeito aos anciãos (cf. Lv 19,32: “Levanta-te diante dos cabelos brancos e honre o ancião”). A razão desse respeito é que o velho é mediação para o temor que se deve ter ao próprio Deus, pois continua o v. 32 do cap. 19 do Levítico: “... assim que terás o temor de teu Deus”. Além disso, é consenso em Israel que os velhos possuem a sabedoria e a prudência (cf. Jó 15,10; Eclo 6,34s; 25,4-6). Por isso não é estranho que sempre hajam desempenhado no meio do povo uma função de

direção e aconselhamento. As cãs do velho, que são o sinal patente de sua idade avançada, não devem ser motivo de riso, mas de respeito, pois são um distintivo de honra. Assim diz o Livro dos Provérbios: “A força é o adorno dos jovens, os cabelos brancos são a honra dos velhos” (Pv 20,29). No Novo Testamento, aparece claro que o homem não tem nenhum poder ou influência sobre sua idade física, já que ela é um dom do criador. E é o próprio Jesus que diz, em Mt 6,27//Lc 12,25: “Qual de vós pode, à força de agitar-se, acrescentar um minuto que seja à duração de sua vida?”. Diante do tempo que passa, portanto, e faz sentir seus efeitos sobre o corpo, a mente e a potência, o homem é chamado a crescer em maturidade, em virtudes, em graça e sabedoria até atingir a estatura (que em grego é designada pelo mesmo termo que “idade”) do próprio Cristo (cf. Ef 4,13). São Paulo resume magistralmente esse processo paradoxal que deve ser o do cristão, ou seja, daquele que vive da vida nova “em Cristo”. Ao mesmo tempo que constata a caducidade física, a decadência corpórea, exorta os cristãos de Corinto a investir no crescimento de seu “homem interior”, entendido aí como a vida espiritual de cada indivíduo ao mesmo tempo que do corpo de Cristo. Vale a pena transcrever suas palavras cheias de Espírito: “Eis por que não perdemos coragem e mesmo se, em nós, o homem exterior caminha para sua ruína, o homem interior se renova a cada dia... Nosso objetivo não é o que se vê, mas o que não se vê; o que se vê é provisório, mas o que não se vê é eterno” (2Cor 4,1618). O que Paulo quer descrever aqui é a expressão da mutação que se opera no ser humano ordinário como conseqüência da ação criadora da presença do Senhor. A velhice e o envelhecimento, portanto, segundo

Paulo, não devem ser problemas para o cristão, que em Cristo é uma nova criatura e sobre quem a caducidade do tempo “kronos” não tem mais poder, já que este entrou numa nova ordem. O “kairos” que não passa e tem a irradiação e a luz do próprio Cristo Ressuscitado que já não morre e vive para sempre. A unidade de medida da idade, portanto, para o cristão, passa por outros critérios que não os que levam o envelhecimento a ser temido como conduzindo à idade indesejada.

2) No Antigo Testamento ainda se percebe uma visão positiva da velhice como bênção, plenitude e cumprimento cheio e fecundo dos objetivos da vida. Isso é verdade sobretudo da velhice do justo, ou seja, daquele homem que viveu segundo o coração e o sonho de Deus. De Abraão, diz-se que “morreu em ditosa velhice (aos 175 anos) idosa e cumulada. E foi reunido aos seus” (Gn 25,8. Jó, justo provado pela mão do Senhor, já em meio aos sofrimentos que sobre ele se abatem, e “apresentando sua causa diante de Deus” (Jó 5,8), recebe d’Este a promessa: “Entrarás na tumba em robusta velhice (Jó 5,26). Os salmos estão cheios de súplicas e ao mesmo tempo promessas de Deus em relação à velhice dos justos. O velho que sente suas forças


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GUMAS PISTAS PARA HOJE

UCCHETTI BINGEMER declinarem suplica: “Não me rejeites na minha velhice; quando minhas forças declinam, não me abandones”... Apesar de minhas cãs e minha velhice, não me abandones, Deus (cf. Sl 71,9.18). E Deus promete, cheio de generosidade: “O justo crescerá como a palmeira e, mesmo velho, ele frutificará ainda, permanece cheio de seiva e de verdor proclamando o direito do Senhor...” (Sl 92,13.15.16). O Deus de Israel é louvado como Aquele que “reclama tua vida do túmulo e a coroa de fidelidade e ternura. Ele

nutre de bens tua velhice e tu rejuvenesces como a águia” (Sl 103, 34). E na fidelidade do Seu amor por Israel, Deus afirma: “Até vossa velhice serei o mesmo, até vossos cabelos brancos, sou eu que vos sustentarei...” (Is 46, 4). Para Israel, portanto, Deus não está submetido ao desgaste físico do homem na sua velhice. O tempo não tem domínio sobre ele, pois Ele é Senhor também do tempo, e ao justo faz participar da sua vida que não morre, cumula a velhice de frutos e transforma a idade avançada na mais tenra juventude.

3) O que vem sendo dito da velhice humana na Bíblia encontra uma “nuance” especialmente delicada no caso da mulher. Se a velhice é dramática para o homem, na mulher ela se agrega a um elemen-

to mais de extrema seriedade para o auto-respeito dela como pessoa e sua integração na sociedade e na comunidade. A mulher velha não é mais capaz de conceber, ou seja, não pode mais dar filhos ao povo e assim tornar concreta e real sua pertença ao povo eleito e sentir-se e experimentarse abençoada por Deus. Quando no seu percurso vital a experiência da maternidade já aconteceu, essa mulher encontra sua vida justificada. Cheia e rodeada pelos frutos do seu ventre, pode agora viver dignamente a esterilidade de sua idade e condição, tendo cumprido sua missão. No entanto, a Bíblia nos relata o caso de algumas mulheres que viveram o imenso drama de não gerarem filhos e se perceberem numa idade em que já não poderiam jamais gerá-los. Sara, mulher de Abraão era idosa, avançada em anos e não havia gerado filhos para Abraão. Eis, porém, que o Senhor interfere em meio a sua velhice e a desorganiza com a promessa da vinda inesperada de uma criança, o filho da promessa. Sara estava na porta da tenda quando Deus falou com Abraão e lhe disse: “Eis que Sara tua mulher terá um filho” (Gn 18,10). Sara, realista a respeito das coisas e de si própria, conhecia a decadência de seu corpo e era madura a respeito de suas impossibilidades. Sua reação foi prorromper num riso incrédulo, dizendo para si mesma: “Velha e gasta como estou, serei ainda capaz de gozar e ter prazer? E meu senhor é tão velho!” (Gn 18,12). Deus ouve o riso de Sara e questiona sua incredulidade e o que ela se pergunta. E demonstra que não há nada demasiado prodigioso para Aquele que é o Senhor da vida e conhece os segredos de todas as gerações. Fecundando o ventre velho e estéril de Sara, mostra seu senhorio ali onde a vida, humana-

mente, seria impossível. Nasce Isaac, cujo nome é um jogo de palavras com o riso incrédulo de Sara. Isaac, cuja significação precisa é: “Que Deus ria, sorria, seja benévolo”. Sobremaneira benévolo é esse Deus que faz Abraão reencontrar sua potência viril aos cem anos de idade e Sara reconhecer o prazer de fazer amor e gerar um filho aos noventa anos. A Bíblia conhece e fala sobre outros casos de mulheres velhas e estéreis que dão à luz. É o caso de Ana, mãe de Samuel, cuja oração é ouvida pelo Senhor que lhe dá um filho, o qual ela consagra para sempre ao Deus que eliminou a maldição de sua esterilidade. (cf. 1 Sm 1,2–2,21). E igualmente o caso da mulher de Manoah, a quem o anjo do Senhor aparece e anuncia que da sua esterilidade será concebido um filho, que será consagrado a Deus e salvará Israel da mão dos filisteus. Seu nome será Sansão, que significa “sol” na derivação do termo hebraico (Jz 13,24–16,31). No Novo Testamento o caso prototípico da velhice fecundada pelo Senhor é o de Isabel, prima de Maria, mãe de Jesus. Diz o evangelho de Lucas que Zacarias e Isabel já estavam velhos e avançados em idade e não tinham filhos. Eis senão quando o anjo do Senhor aparece a Zacarias e lhe diz que sua mulher, Isabel, teria um filho a quem seria dado o nome de João, que significa: “o Senhor faz graça”. Os sinais que acompanhariam o nascimento do menino seriam de alegria e coisas boas para muitos Pois ele seria cheio do Espírito Santo desde o seio de sua mãe, antes mesmo do seu nascimento, trazendo muitos dos filhos de Israel de volta ao seu Deus. E é assim que da velhice envergonhada de Isabel e Zacarias nasce o grande João Batista, precursor do Messias, maior dos profetas, que não temia dizer a verdade a reis e sabia reconhecer Aquele que era maior do que ele e de quem não era digno de desatar a


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correia das sandálias. A exclamação alegre e agradecida de Isabel, a nós reportada pelo evangelista Lucas, dá bem a medida da luz que foi na idade avançada dessa mulher marcada pela esterilidade a chegada dessa vida nova e abençoada: “Eis o que fez por mim o Senhor no tempo em que ele lançou os olhos sobre mim para pôr fim ao que fazia minha vergonha diante dos homens” (cf. Lc 1,25).

4) O Deus da Bíblia não parece medir-se por critérios cronológicos. Para Ele, portanto, a velhice não é o tempo onde a vida se recolhe e não pode mais brilhar, deixar sinais e dar frutos visíveis e maduros. Mas, pelo contrário, Ele parece comprazer-se em gerar e fazer brotar os líderes de seu povo dos ventres considerados extintos das mulheres velhas e estéreis. Segundo o Deus da Bíblia, velhice não é impedimento para nada, sequer para nascer. É a grande revelação que espanta o incrédulo doutor da Lei Nicodemos, que vai encontrar Jesus no meio da noite para perguntar-lhe sobre as coisas de Deus. Surpreende-se com essa palavra dita à queimaroupa: “Ninguém, se não nascer da água e do Espírito, pode ver o Reino de Deus”, e tem de retrucar: “Como pode um homem nascer sendo velho? Pode entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?” (cf. Jo 3,3-4). Nicodemos talvez tenha custado a entender que haviam chegado os tempos messiânicos, aqueles pelos quais o povo esperava há tanto tempo e que iam tornar todas as coisas

novas. Nesses tempos, que Deus finalmente inaugurara com a chegada de Jesus de Nazaré’, está acontecendo o que os profetas tinham anunciado: “Velhos e velhas se sentarão ainda nas praças de Jerusalém, cada um com o bastão na mão, tão avançada será sua idade” (cf. Zc 8,4). “... vossos velhos terão sonhos; vossos jovens terão visões...” (Jl 2,28). Seja chegando em paz a uma idade avançada, porque não haverá mais dor nem luto nem morte prematura sobre a terra, seja sendo tomados de “frenesi” e entusiasmos que os fazem sonhar e delirar, os velhos são tão centrais nos tempos messiânicos como os jovens.

5) A velhice, portanto, dentro da visão da Bíblia e da teologia cristã, não é equiparada e comparada ao apagar da vida, da beleza e do amor. Não significa o fim das potencialidades e término das perspectivas de prazer, de alegria e de fecundidade. Pelo contrário, se em Cristo e em seu Espírito, todos são nova criatura, é de se esperar ver muitas vezes Deus escolhendo velhos e velhas para neles fazer acontecer uma fecundidade muito mais patente que nos jovens, para com eles fazer ressoar no mundo revelações muito mais espantosas e revolucionárias que com os que se encontram no vigor da mocidade. As palavras do Cristo Ressuscitado a Pedro no final do Evangelho de João podem resumir e abrir perspectivas atuais para todos nós com base nestas reflexões sobre a velhice. Após perguntar a Pedro por três vezes se o amava e ouvir

por três vezes a resposta positiva do apóstolo, Jesus Cristo lhe diz estas misteriosas palavras: “Quando eras jovem, tu mesmo te cingias e ias para onde querias. Quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te conduzirá aonde não queres” (Jo 21,18). Talvez o segredo do enorme potencial que se esconde sob a aparente impotência e decadência da velhice esteja na possibilidade de os velhos de hoje e de amanhã recusarem-se a cingir-se a si mesmos. Ou seja, recusarem-se a desempenhar o papel subalterno e desprezado que a sociedade moderna, em sua mentalidade utilitária e imediatista, preparou e previu para eles. Talvez o segredo de começarem a acontecer coisas surpreendentes e maravilhosas com aqueles para quem a vida parece estar no seu declínio se encontre na capacidade que eles e elas tiverem de deixar-se conduzir por outro, por esse Outro que a revelação bíblica nos diz que é capaz de subverter todas as categorias, fazendo os velhos ter sonhos e renascer quando parecem estar no momento de morrer. Esse que se compraz em confundir os prazos e expectativas dos homens e suscita líderes e libertadores para seu povo dos ventres velhos e estéreis de mulheres que a sociedade já havia condenado à perpétua esterilidade é capaz de fazer também homens e mulheres, hoje como sempre, gemerem de prazer e voltarem a conhecer o gozo. E compreenderem enfim que foram feitos, definitivamente, para a vida e não para a morte. Vida em plenitude e vida que não se acaba.

Festa de São Camilo Como é do conhecimento de todos, no dia 14 de julho celebramos a festa comemorativa do dia de São Camilo de Léllis. Por isso, todos os que quiserem adquirir cruzinhas de São Camilo, santinhos ou novenas deverão fazer seu pedido com antecedência, pelo telefone (11) 3862-7286, ramal 3, das 13 horas às 18 horas, e falar com Viviane.

Não deixe para a última hora.


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SOU EU O DEFICIENTE? FREI BETTO

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ORQUE SOU TETRAPLÉGICO, preso a uma cadeira de rodas, chamam-me de “aleijado”. Por sofrer de cegueira, fui considerado “deficiente físico”. Psicótico, tratam-me como um bicho-de-sete-cabeças. Agora, por ter perdido um braço num acidente, cuja pancada deixou-me leso, sou qualificado de “portador de doença física e mental”. Mudam os termos, mas não a cultura que ponha fim aos preconceitos que me cercam. Antes, diziam que sou mongolóide; agora sofro de Síndrome de Down. Era leproso; agora tenho hanseníase. Nesta sociedade contaminada pela Síndrome de Damme, e que cultua a idolatria dos corpos — ainda que a cabeça se assemelhe

ao camarão —, sou confinado, léxica e socialmente, às limitações que carrego. Se saio à rua, pouco encontro rampas, em calçadas e prédios, para passar com a minha cadeira de rodas. Com freqüência, há um carro estacionado na vaga a mim reservada. Temo um novo atropelamento ao cruzar a rua, pois o tempo do semáforo e a fúria dos motoristas não respeitam a lentidão deste corpo que se apóia na bengala. Muitas vezes, na rua, dependo da solidariedade anônima para subir no ônibus ou poder sentar no metrô. À noite, sonho com fantasmas gritando aos meus ouvidos: Fique em casa! Sua debilidade é o seu cárcere! Não se atreva a imiscuir-se neste mundo de corpos esbeltos e saudáveis, sarados e curados, lindos e louros. Não se manca que esta nação cultua heróis que ousaram desafiar os limites do corpo? O Brasil não tem nenhum santo canonizado, embora o Peru tenha um casal, Rosa de Lima e Martinho de Porres. Nunca o prêmio Nobel chegou a estas terras. Só em poesia, o Chile ostenta dois, Gabriela Mistral e Pablo Neruda. Em compensação, chutamos a bola como ninguém, corremos na Fórmula 1 numa velocidade que nenhum mamífero alcança; erguemos os braços vitoriosos em quadras de tênis e vôlei. Você, nem herói nacional pode ser! Se ao

Congresso de Pastoral XXVI CONGRESSO BRASILEIRO DE HUMANIZAÇÃO E PASTORAL DA SAÚDE Nos dias 2 e 3 de setembro será realizado, em São Paulo, o XXVI Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde. Tema central: A pastoral da saúde diante das deficiências Marque essas datas que nos próximos boletins mandaremos a programação completa.

menos pudesse requebrar sobre o gargalo de uma garrafa, havia de merecer o seu minuto de fama. Fique em casa! Não fico! Nem aceito que as minhas limitações permaneçam estigmatizadas por expressões equívocas. Não sou um portador de deficiência. Sou um portador de inteligência, aptidões e talentos. De dignidade e cidadania. Por que não qualificam de deficiente visuais aqueles que usam óculos? Sou um PODE — portador de direitos especiais. Todos temos direitos universais. Tenho direitos também aos especiais: equipamentos sociais, prioridade no atendimento público, estacionar em local proibido etc., quero ser definido não pela carência que atinge a minha saúde, mas pelo direito que a sociedade está obrigada a me assegurar. Como qualquer pessoa, preciso trabalhar. Sei que não tenho aptidão para certas tarefas, devido ao meu descontrole motor. Mas de quantas coisas sou capaz, graças à minha inteligência e cultura, habilidade e talento! Sei pintar com a boca ou com os dedos dos pés; posso ensinar idiomas ou computação sem me erguer da cadeira; sou bom no controle de qualidade dos produtos. O que seria de nós se Beethoven fosse discriminado como surdo e Stephen Hawking como aleijado? E se Van Gogh permanecesse inter-


Ano XXIV – no 241 – Maio de 2006 – BOLETIM ICAPS

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nado após cortar a própria orelha? E se Lars Grael ficasse em casa internado lamentando a perda da perna? Deficiente é quem traz, na vida, um déficit com quem depende de solidariedade: o pai que ignora o filho doente; a mãe que se envergonha da filha excepcional; o empresário que exige “boa aparência” de seus funcionários; o poder público que

não constrói equipamentos, nem põe na cadeia quem discrimina um portador de direitos especiais. Vontade de fazer as coisas eu tenho. Capacidade também. Sei que posso, sou um PODE. Só faltam oportunidades e quem reconheça que, aquém dos direitos especiais, tenho também direitos universais. Carlos Alberto Christo, Frei Betto, é membro da Ordem dos Dominicanos e escritor.

MUDANÇA DE ENDEREÇO. Comunicamos a nossos amigos assinantes bem como aos agentes de pastoral da saúde e usuários do ICAPS que nosso endereço de correspondências mudou. Agora, as correspondências deverão ser enviadas para: ICAPS — Rua Barão do Bananal, 1.125 CEP 05024-000 Vila Pompéia, São Paulo – SP.

Autor: Christian de Paul de Barchifontaine Este livro é de grande valia para religiosos(as) profissionais da saúde e agentes da pastoral da saúde que atuam quer na saúde comunitária, quer na vivência solidária, no cuidado dos enfermos nos hospitais, domicílios ou comunidades. Tem como conteúdo a utopia evangélica de uma sociedade a ser transformada à luz dos valores do Reino. Aprofunda uma visão e dimensão política da presença e atuação na área da saúde fornecendo um instrumento de análise crítica da situação da saúde hoje no Brasil.

O AGENTE DE PASTORAL E A SAÚDE DO POVO

PASTORAL DA SAÚDE ORIENTAÇÕES PRÁTICAS Autor: Pe. Anísio Baldesin Este livro nada mais é do que uma coletânea de artigos e/ou reflexões fruto da minha atividade diária junto aos doentes, familiares e profissionais do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Não é meu objetivo oferecer respostas prontas para visitadores dos doentes. Aliás, isso seria muita ousadia de minha parte. Afinal, cada situação, bem como cada paciente, é diferente. Porém, não posso deixar de salientar que embora eu não tenha a fórmula mágica de como visitar os doentes, existem algumas dicas práticas que, no decorrer dos capítulos, procuro repassar aos meus leitores. Seu único objetivo é provocar discussões e debates nos grupos que visitam os doentes em casa ou no hospital. Pode ser útil, também, aos ministros da eucaristia, ou ministros extraordinários dos doentes.

Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 e-mail: icaps@camilianos.org.br Rua Barão do Bananal, 1.125 05024-000 São Paulo, SP

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