1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 1234 abril de 2007 1234 1234 ANO XXV – no 251 1234 1234 1234 PROVÍNCIA CAMILIANA BRASILEIRA 1234
Informativo do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética
❒ PASTORAL
❒ BIOÉTICA
❒ HUMANIZAÇÃO
A PASTORAL DA SAÚDE NO MUNDO MODERNO ANÍSIO BALDESSIN
E
m 1987, quando ainda era estudante de filosofia, comecei minhas atividades pastorais no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Lá, pude perceber que vida e morte andavam bem próximas. Observei também que, para enfrentar essa realidade contraditória, fé, ciência e humanismo precisam caminhar juntos. Caminhando paralelamente com os constantes avanços da tecnologia, o homem foi tomando consciência de seu poder sobre a vida e a morte. Ele descobriu que é possível solucionar problemas que antes eram deixados aos cuidados da natureza e de Deus. Prova disso é que, segundo Jean Bernard “os avanços tecnológicos no campo da medicina foram maiores nos últimos cinqüenta anos do que nos últimos cinqüenta séculos”. Durante esse tempo, a morte migrou de casa para o hospital e, novamente, do hospital para casa. Os avanços trouxeram ganhos, perdas e muitas discussões sobre o início da vida, seu desenvolvimento e seu fim. Ou seja, questões bioéticas que extrapolam as dimensões morais e religiosas. Com isso, as questões religiosas, que sempre estiveram presentes na vida das pessoas e que, de certa forma, foram colocadas um pouco à margem pelos avanços científicos, voltam, com um enfoque diferente, com novas exigências, a ter sua importância. Para isso, a Igreja, se quiser continuar tendo um papel de protagonista, deverá adotar novas formas de ação. Caso contrário, não conseguirá desenvolver uma ação evangelizadora que atinja o ser humano em sua profundidade. Pois o mundo da ciência não aceita mais intervenções esporádicas vindas de fora, e muitas vezes impostas por princípios puramente religiosos. Senão vejamos. Há vinte anos a maioria absoluta dos pacientes que encontrávamos nos hospitais ou domicílios se diziam religiosos católicos. Hoje, esse número diminuiu de maneira vertiginosa. Muitos
ICAPS_abril.p65
1
se autodefinem evangélicos. Alguns são adeptos da teologia da prosperidade. Outros (espiritualistas) preferem mais a linha esotérica. Existem os que seguem a religião de acordo com suas necessidades. Acreditam em um pouco de tudo. Finalmente, temos presenciado o aumento significativo dos que se declaram ateus ou agnósticos. Juntamente com todos os avanços científicos e a diminuição do espaço do sagrado no mundo da saúde, as divergências entre crentes, não-crentes e indiferentes à religião, surgiram, nas mais importantes universidades e revistas do mundo da saúde, inúmeras pesquisas ressaltando a importância da religião e da fé na recuperação da saúde. Tudo isso nos faz questionar quem está com a razão e como devemos agir diante desses desafios.
OS DESAFIOS A pastoral da saúde, apesar de ser um “produto” bastante anunciado, ainda não se tornou um “artigo” efetivamente em circulação, cujas características poucos conhecem. Na verdade, essa pastoral ainda é vista como a pastoral dos doentes. De preferência, daqueles que estão morrendo. E os que nela atuam são vistos como aqueles que não têm muita coisa para fazer, ou piedosas senhoras que vão rezar com os doentes nos hospitais e nas casas. Portanto, fazer com que essa pastoral deixe realmente de ser pas-
toral dos enfermos para ser realmente uma pastoral da saúde que atue nas dimensões solidária (estar junto aos doentes), comunitária (educar para a saúde) e político-institucional (atuação política junto aos órgãos e instituições, públicas e privadas) é um dos grandes desafios. Neste artigo, vou me ater mais aos desafios da dimensão solidária. Em primeiro lugar, precisamos reconhecer que, com os avanços da ciência anteriormente mencionados, e por termos demorado em aceitar e adotar novas formas de ação, estamos sendo “engolidos” ou substituídos por outros serviços que não pertencem à esfera religiosa. O padre e/ou pastor estão sendo substituídos pelo psicólogo, pelo assistente social ou pelo terapeuta ocupacional. Além desses, os hospitais e casas de saúde contam com um grande número de pessoas que, independentemente do credo religioso, desenvolvem também, de maneira voluntária, atividades lúdicas (brincadeiras, divertimentos) com pacientes, familiares e profissionais. O segundo fator é o pouco tempo de permanência dos doentes nos hospitais. Além disso, o tempo de visita dos familiares aumentou. Agora, os pacientes recebem visita diariamente. No caso de pacientes particulares ou conveniados, a visita ocorre em tempo integral. E, quando estão no quarto, permanecem com a porta constantemente fechada. Assim, a presença do padre e da religião soa como um agravamento do estado de saúde do paciente. Portanto, é melhor não assustá-lo. Como os pacientes deixaram de ser pacientes para ser clientes, o serviço de assistência religiosa, como outro serviço qualquer do hospital, passou a ser encarado não como um apoio, e sim como mais um serviço que está à disposição do “cliente”. Um terceiro desafio que tenho encontrado no mundo hospitalar é referente ao atendimento dos pacientes que estão nas UTIs, unidades de terapia intensiva. Há quase vinte anos era pos-
14/02/07, 14:28
Ano XXV – no 251 – abril de 2007 – BOLETIM ICAPS
2
EXPEDIENTE
sível conversar com pelo menos 80% dos pacientes que se encontravam internados nessas unidades. Hoje, acontece exatamente o contrário, ou seja, raramente o assistente religioso consegue dialogar com os doentes. A máquina e todos os cuidados terapêuticos dificultam, de maneira significativa, nossa ação pastoral. Apesar dos inúmeros livros e artigos sobre a assistência religiosa nesses locais, parece que ainda não conseguimos definir a quem devemos prestar nossa assistência nessas unidades: se é para o paciente, para os familiares ou para os profissionais da saúde que, além das atividades profissionais que são intensas, convivem diariamente com a morte e com as mais estressantes situações. Por falar nos profissionais da saúde, evangelizá-los é mais um dos nossos desafios. A mentalidade corrente é que eles não querem saber de religião. Por isso, não temos como evangelizá-los. No entanto, precisamos estar conscientes de que todos os que atuam no hospital têm suas funções a cumprir. E, nessas funções, além de não constar nenhuma obrigação religiosa, eles não dispõem de tempo. Além disso, precisamos entender que evangelizar não significa necessariamente fazer pregações. Podemos evangelizar pela presença, pelos serviços prestados, pela palavra, pelas orações, pelos sacramentos e exemplos. Penso que aqui se encaixe muito bem o velho ditado que diz: “Veja como você está vivendo. Talvez, esse seja o único evangelho que seu irmão lê”. No tocante aos agentes de pastoral da saúde, visitadores de doentes e ministros da Eucaristia, o grande drama ainda é a falta de preparação e formação específica para atuar junto aos doentes. Muitos continuam acreditando que fé, amor e boa vontade ainda são ingredientes suficientes para bem desenvolver essa atividade pastoral. Acrescentese a isso a falta de comprometimento com o trabalho e com o grupo. Como é de caráter voluntário, a impressão que fica é que pode ser feito quando o agente não tem outra coisa mais importante para fazer.
O QUE FAZER? Resposta pronta e definida ainda não tenho condições de oferecer. No entanto, penso que se quisermos dar alguns passos para uma pastoral organizada
O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética – Província Camiliana Brasileira. Presidente: José Maria dos Santos Conselheiros: Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Cláudia Santana
ICAPS_abril.p65
A pastoral domiciliar também encontra alguns desafios. A meu ver, a urbanização é um deles, ou seja, a migração do campo para a cidade faz com que as famílias, mesmo nos pequenos centros, vivam de maneira isolada e longe das comunidades religiosas. Por isso, apesar de muitos doentes estarem em suas casas, não são descobertos pela pastoral da saúde e visitadores de doentes. Além disso, o medo da invasão de privacidade faz com que as pessoas se fechem em seu mundo particular, dificultando o apoio solidário que seria importante para o paciente e os familiares que convivem por tempo indeterminado com os doentes crônicos e não têm com quem dividir esse fardo. Por fim, temos ainda outro desafio na pastoral domiciliar: entender que na mesma família pode ter até mais de uma opção religiosa. Continuando essa reflexão, temos mais algumas dificuldades. Entre outras, a falta de pessoas que se disponham a fazer o trabalho de pastoral de maneira comprometida e responsável. Não temos capelães e/ou assistentes espirituais suficientes para atender às necessidades espirituais dos doentes que estão em todos os hospitais ou em seus domicílios. Por isso, embora queiramos dizer, por exemplo, que não existe mais a extrema unção e sim a unção dos enfermos, a prática diária prova o contrário, o que acontece é, na maioria das vezes, a extrema unção mesmo. Pois o padre só vai visitar o doente em casa ou no hospital quando é informado que ele está prestes a morrer. Nos cursos ministrados nas paróquias ainda ouço os mesmos e velhos discursos: “O padre e/ ou bispo não apóiam a pastoral da saúde. Nem visitar os doentes nas casas e nos hospitais eles gostam. Atendem, muitas vezes a contragosto, os chamados de urgência no hospital”.
2
Revisora: Joseli Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 05024-000 São Paulo, SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade: Mensal Prod. gráfica:
Edições Loyola Tel. (11) 6914-1922 Tiragem: 3.500 exemplares
deveremos levar mais a sério essa atividade, que na maioria absoluta das vezes é feita de maneira amadora. Nesse sentido, o primeiro passo para sair do amadorismo é regulamentar as atividades que são desenvolvidas nas paróquias, e principalmente nas instituições públicas e privadas de saúde. Em segundo lugar, devemos refletir profundamente o que entendemos por assistência religiosa ou capelania hospitalar e que tipo de assistência queremos prestar no mundo da saúde. Afinal, não podemos considerar que seja proveitosa (séria) uma atividade de capelania cuja atuação se resuma em “celebrar” uma missa/culto durante um mês ou, no máximo, uma vez por semana. Se o padre e/ou pastor não podem estar todos os dias no hospital, pelo menos um grupo de leigos preparado e bem coordenado deve se fazer presente todos os dias. Isso porque, no mundo moderno, se não se é visível, não existe. Um outro fator que é muito importante hoje é a acolhida, pois se a pessoa não é bem acolhida em qualquer ambiente, principalmente nos ambientes religiosos, ela não volta mais. Ao mesmo tempo, acolher exige tempo e muita paciência. Como, em geral, no mundo religioso não dispomos de tempo e muito menos de paciência, prestamos um atendimento generalizado. A verdade é que não sei se realmente sabemos o que fazer e por onde caminhar. Acredito que até sabemos, mas não temos a coragem de adotar, principalmente no âmbito de igreja, mudanças importantes e radicais. Assim sendo, preferimos celebrações mais emotivas que mexam com o emocional das pessoas, mas que, concretamente, não as transformam por inteiro. No passado se dizia: “Em time que está ganhando não se mexe”. Hoje, no mundo moderno, a frase é: “Em time que está ganhando devese mexer para que continue ganhando cada vez mais”. Será que já não passou da hora de mexermos neste “time” chamado pastoral da saúde? Anísio Baldessin, padre camiliano, é capelão do Hospital das Clínicas da FMUSP
Assinatura: O valor de R$13,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 (onze) edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja citada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.
14/02/07, 14:28
Ano XXV – no 251 – abril de 2007 – BOLETIM ICAPS
3
A IGREJA, OS VOLUNTÁRIOS E AS LEIS TRABALHISTAS RICHARD PEREIRA
O
trabalho voluntário no Brasil saiu da condição de amador para a categoria “profissional”. Nos últimos oito anos que nos separaram da promulgação da Lei nº 9.608 (fevereiro de 1998) pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso, ficam claros os objetivos e normas estabelecidas para a definição legal da atividade prestada pelo voluntariado do país. Há inúmeras entidades religiosas que atuam à frente de ações sociais, entretanto precisam estar atentas a um valioso recurso legal que as protege, em uma relação de trabalho voluntário. Dedicação, solidariedade, compadecimento são sentimentos que movem a maioria dessas instituições, e essa referência ninguém pode deixar de ter. Mas a lei está aí e foi elaborada para proteger as instituições de possíveis ações esparsas de pessoas que oportunamente venham acionar a Justiça do Trabalho, em um momento posterior ao trabalho voluntário realizado, transformando a relação em nome do próximo em um processo dispendioso e desnecessário. Na referida lei, em seu artigo primeiro está expressamente definido que o voluntariado não pode ser
remunerado e somente realizado por pessoa física a entidade pública ou instituição privada, sem fins lucrati-
vos. No entanto, o voluntário pode ser ressarcido pelas despesas decorrentes do exercício da atividade realiza-
da, sempre expressamente autorizado pela entidade mantenedora. Os tempos modernos exigem amparo legal para as ações sociais, e o país já tem esses mecanismos. Para exercer o serviço voluntário é necessária a celebração de um termo de adesão, no qual o voluntário vai anuir com as condições do exercício da atividade e como será o serviço prestado, em relação a horário, local e condições de trabalho. O propósito desta lei foi criar normas que regulamentassem a atividade do serviço voluntário. O encerramento de uma relação de trabalho voluntário, em condições não satisfatórias, é como qualquer outro e pode vir a se transformar em processo na Justiça do Trabalho, em que o voluntário do passado muda seu papel e invoca uma dívida inexistente e, muitas vezes, impagável por parte da instituição. Por meio de uma simples análise na jurisprudência dominante, podemos esperar que a sentença será no sentido de constituir o suposto voluntário em empregado com vínculo trabalhista com esta entidade, pelo fato de não existir amparo para o trabalho por caridade na CLT. Mesmo considerando o fato de existirem pessoas com relevante idoneidade moral e inquestionável boa vontade, não é recomendável para uma entidade manter um prestador de serviços intitulado apenas verbalmente voluntário em exercício de atividades no quadro de funcionários. As relações trabalhistas dispõem de contrato específico, e as relações voluntárias, hoje, também contam com recursos que normatizam a relação entidade X voluntário. É necessário manter-se sempre sob o amparo da lei.
Richard Pereira é especialista em direito trabalhista e consultor. Artigo extraído da revista Paróquias, ano I, nº 1, jul./ago. 2006
ICAPS_abril.p65
3
14/02/07, 14:28
Ano XXV – no 251 – abril de 2007 – BOLETIM ICAPS
4
UMA EXPERIÊNCIA SOBRE CIÊNCIA E FÉ JOÃO BATISTA ALVES DE OLIVEIRA
A
vida é uma dádiva de Deus e a nós cabe vivê-la nos princípios do bem, buscando a felicidade, que não é estática e única, mas conseguida de forma individual, conforme cada um queira ou possa. Percalços ocorrem na vida, muitos dos quais não podemos supor ou evitar. A razão será destino, provação, ensinamento? Não sabemos. Algumas coisas ocorrem alheias à nossa vontade. O câncer é uma delas. Ainda que saibamos de vários fatores atuais que predispõem à doença, uma parcela dos casos ocorre sem que se tenha uma causa, surgindo assim do nada. Um desses casos ocorreu com um jovem de 32 anos, casado havia 9 meses, sem antecedentes da doença. De repente, foi diagnosticado um câncer cerebral. Com uma notícia dessas tudo parece ruir, sobrevém o desespero, os sonhos se findam e a vida se torna amarga. O rumo que cada pessoa vai dar a sua vida a partir de um diagnóstico desses cabe apenas a ela mesma, mas certamente o apoio familiar e médico é fundamental diante do sofrimento e, mais ainda, se amparado pela fé. No caso desse paciente, apoiado principalmente pela esposa e pela família, ele decidiu enfrentar a doença sem esmorecer. Entre o primeiro sintoma, o diagnóstico e a neurocirurgia decorreram 6 dias. Era a prova de que a vontade de superar tudo preponderaria. A neurocirurgia ocorreu sem intercorrências, e a ressecção tumoral foi um sucesso. Porém, o histopatológico evidenciou a gravidade — glioblastoma multiforme. Um câncer cerebral de alta malignidade e de prognóstico bastante restrito. A disposição para a luta, no entanto, se manteve. Foi iniciada a quimioterapia. Três meses depois, nova neurocirurgia, pois o tumor havia recidivado localmente. Radioterapia. Mudança de quimioterapia. Intercorrências decorrentes de imunossupressão exigiram internações. Medo e choro ocorreram, mas a garra por conseguir a superação sempre foi maior. Os tratamentos foram mantidos. O prognóstico, de seis a nove meses, foi superado. Com 21 meses, a doença fugiu do controle clínico; em maio de 2006 o tumor avançou além de seu leito.
ICAPS_abril.p65
4
A possibilidade de cura se perdia definitivamente, porém a garra se mantinha. Posteriormente, o paciente entrou numa fase que exigiu Cuidados Paliativos, ou seja, precisava de um cuidado que não objetivava a cura, mas sim o alívio do sofrimento físico e emocional, principalmente pela valorização do lado humanitário da vida que representa muito mais que dados médicos. Com 28 meses de evolução, em sedação paliativa, o paciente faleceu em casa, onde recebia cuidados médicos e assistência de home care e acompanhamento constante e irredutível da esposa e da família. A morte ocorreu na presença do médico, do padre, do auxiliar de enfermagem, da esposa e dos familiares. Uma partida suave, como se uma chama de vela tivesse sido soprada. Não foi do toque de Deus, mas de seu sopro suave. Durante 28 meses vi uma pessoa que foi literalmente um paciente, conforme o dicionário Aurélio, “que suporta com moderação e sem queixa”, “perseverante (em suportar ou fazer)”. Uma pessoa que lutou pela vida, que se deixou cuidar, amparar. Que não esmoreceu, apesar do sofrimento. Um tempo em que a ciência teve ação importante, mas a fé foi o fator preponderante para se conseguir forças para seguir em frente. A ação da ciência permitiu a superação do prognóstico em muitos meses, tratou a dor, aliviou o sofrimento. Foi uma ciência não tecnicista, mas humanitária, em que o paciente sempre foi considerado pessoa humana e não mero portador de um câncer cerebral. A interação do clínico geral, neurocirurgião, oncologista clínico foi essencial para o bem-estar físico e base para o bem-estar emocional do paciente, uma vez que para este é fundamental acreditar na equipe que cuida dele, pois só assim consegue se sentir próximo — uma proximidade de humanos compartilhadores de sentimentos. A ação da fé foi talvez a arma mais potente. Paciente e esposa católicos, que acreditaram em sua fé, dela obtiveram bênçãos, entre as quais o tempo de evolução a que chegou o paciente e a suave forma da partida. Durante 28 meses convivi intensamente com essa família e pude constatar que a promessa feita no dia do casamento “prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença e em todos os dias da minha vida” foi
14/02/07, 14:28
Ano XXV – no 251 – abril de 2007 – BOLETIM ICAPS
algo cumprido de forma intocável. Foi a junção da fé e do amor que abrandou o caminho. Isso me leva a pensar que sobreviver é encontrar sentido no sofrimento. A dor que tem sentido é suportável. Às vezes o sofrimento abala nossa fé: gostaríamos de saber o que Deus está querendo, ou se ele se esqueceu de nós. O único caminho para sair do deserto é atravessá-lo, confiando que Deus estará conosco. Nossa fé não nos livra do sofrimento. Ajuda-nos a conviver com ele, e foi isso que vi acontecer. Ao entrar na fase classificada como fora de possibilidade terapêutica de cura, o paciente começou a receber Cuidados Paliativos, ainda que essa metodologia e filosofia sempre tivessem sido aplicadas desde o início. “Cuidado Paliativo é uma abordagem que aprimora a qualidade de vida dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual” (Pessini e Bertachini, 2002). Nessa nova realidade, uma decisão essencial durante a última internação hospitalar, compartilhada por médico, esposa e paciente, foi o retorno para casa, o que, no entanto, não poderia ocorrer sem uma assistência de home care, pois a dor física, até então ausente, manifestava e se intensificava. Em casa permaneceu por 80 dias. Recebeu cuidados médicos, de enfermagem e, sobretudo, familiar e religioso. Durante todo esse tempo pude repensar minhas potencialidades como médico e, ao mesmo tempo, minha impotência, e o quanto isso é importante para fazer-me próximo do paciente, pois “é exatamente quando um profissional da saúde ou um acompanhante tocam seu próprio sentimento de impotência que se encontra mais próximo daquele que sofre. Enquanto não aceitarmos nossos limites, enquanto não assumirmos nossa
ANUNCIE AQUI O número de assinantes que recebem, em casa o Boletim, passa de dois mil. Isso sem contar os Boletiins que são distribuídos nos cursos e nas paróquias. Por isso, se você tem interesse em expor seu produto neste Boletim, entre em contato conosco por meio da Secretaria do ICAPS, telefone (11) 3862-7286, ramal 6, com Cláudia.
ICAPS_abril.p65
5
5
quota-parte de impotência, não podemos estar realmente perto dos que estão morrendo” (Hennezel, 1999). De tudo, vi re-significados valores médicos, humanos, espirituais e entendi que Deus está perto daqueles que sofrem. De alguma forma, Deus está dentro de nós, sofrendo conosco. Ele sabe o que significa ter medo e sentirse abandonado e perdido em meio às trevas. A presença de Deus ilumina nosso caminho. Por mais paradoxal que seja, a nossa vulnerabilidade é o lugar onde mais freqüentemente encontramos Deus. É bom lembrar que a oração é para o orante. A oração tem o poder de nos aproximar de Deus. Em 28 meses pude resgatar a essência da medicina que é o cuidar — fato tão importante diante do sofrimento, da incurabilidade ou da iminência da morte — e reconhecer que o amor que sentimos por alguém não nos torna capazes de impedi-lo de morrer, se tal é o seu destino. Também não podemos evitar a quem amamos um sofrimento físico e espiritual, que faz parte do processo de morrer de cada um. Podemos, sim, impedir que esse sofrimento seja vivido na solidão e no abandono, podemos envolvê-lo de humanidade. Por isso, é de grande importância a expansão e divulgação da filosofia e metodologia dos Cuidados Paliativos. Atendimento possível, viável e humanitário. João Batista Alves de Oliveira é médico, especialista pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica e mestre em Gerontologia pela PUC-SP
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HENNEZEL, M. A arte de morrer: tradições religiosas e espiritualidade humanista diante da morte na atualidade. Rio de Janeiro, Vozes, 1999. PESSINI, L. Morrer com dignidade. São Paulo, Santuário, 1994. PESSINI, L. & BERTACHINI, L. Humanização e cuidados paliativos. São Paulo, Loyola, 2002.
ANOTE Nos dias 7 e 8 de setembro, será realizado o XXVII Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde em São Paulo. Guarde essas datas e venha participar conosco. Nos próximos Boletins daremos maiores informações sobre os temas e inscrições.
14/02/07, 14:28
o 251 Ano AnoXXV XXV– –non250 – –março abril de 2007 – BOLETIM ICAPS
6
OS AMIGOS DE
JÓ
MURILO KRIEGER
S
eu melhor amigo perdeu um filho tragicamente. O que dizer a ele? Seu vizinho de porta está numa depressão terrível. Como animá-lo? A colega de trabalho está sofrendo com a prolongada doença do pai. Com que palavras consolá-la? A vida põe você diante de situações para as quais escola alguma o preparou. E o grave é que uma palavra precisa ser dita, um gesto deve ser feito e uma decisão tomada. Mas qual? Você sabe muito bem que, em horas assim, a boa vontade não é suficiente. Também não lhe faltam recordações de decisões, gestos ou palavras do passado que, longe de ter se revelado rico consolo, deixaram você em situação constrangedora e delicada. Nesse campo, temos muito o que aprender de Jó. Sua figura comove: “Homem íntegro e reto, temia a Deus e se afastava do mal” (Jó 1,1); rico e famoso, despertou suspeitas em alguns contemporâneos, para quem não havia mistério em suas virtudes. Como em sua vida tudo corria bem, era fácil compreender que fosse santo e honesto. Mas se sua situação mudasse? E se os bens que tinha fossem atingidos, permaneceria ainda fiel a Deus? Jó passou a ser importunado com as mais diversas provações. Empobrecido, ferido e humilhado, chegou a ser ridicularizado até pela própria esposa. Foi então que três amigos seus, de lugares diferentes, vieram visitálo, a fim de “compartilhar de sua dor e consolá-lo” (2,11). Encontraram-no, contudo, tão desfigurado que, a princípio, nem o reconheceram. Aproximando-se dele, sentaram-se ao seu lado durante sete dias e sete noites, sem dizer-lhe uma
ICAPS_abril.p65
6
palavra, “vendo como era atroz seu sofrimento” (2,13). O drama de Jó, rico de luzes e sombras, é belíssimo e digno de ser meditado por homens e mulheres deste terceiro milênio. Fixo-me, contudo, nesse sábio gesto de seus amigos, que anteciparam o que Paulo escreveria cinco séculos mais tarde, como expressão máxima de comunhão: “Alegrai-vos com os que se alegram. Chorai com os que choram” (Rm 12,15). Recordando a atitude dos amigos de Jó, poderíamos completar: sofrei em silêncio com os que sofrem. Em determinadas situações, mais do que consolar com palavras, importa ser uma presença amiga ao lado daquele que, fechado em sua dor, parece estar a quilômetros de distância de nós. Quando alguém está envolvido por um grande sofrimento, temos a impressão de que não conseguimos atingi-lo. Engano nosso. Uma presença discreta e silenciosa marcada pelo
desejo de comunhão é, ao mesmo tempo, consolo e força, bálsamo e luz. Pode ser que num primeiro momento nem seja percebida; aos poucos, contudo, faz nascer no irmão a certeza de que não está só. É possível que, mesmo assim, ele não entenda o sofrimento que está enfrentando, mas certamente conseguirá superá-lo com mais rapidez e aproveitará melhor as lições daqueles momentos. Portanto, quando você perceber que não tem palavras para consolar o amigo que sofre; quando a vida reservar provas duríssimas para aqueles que lhe são caros; quando se encontrar diante de alguém que parece perdido em meio à densa escuridão, não se preocupe em lhe falar. Evite, mesmo, repetir aquelas frases que estão tão marcadas pela formalidade e que até podem parecer um insulto à dor do irmão. A grande mensagem será sua presença. Se seu amigo não tiver fé, esse gesto de comunhão será para ele uma rica experiência de solidariedade e de amor. Se tiver fé, mais facilmente poderá se lembrar daquele que, um dia, tendo assumido, viveu o momento máximo de dor: abandonado pelos amigos, sentiu-se abandonado até pelo próprio Pai. Não percebeu sua presença, mas nela acreditou, a ponto de, confiante, ter-se jogado em seus braços: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Sua ressurreição, três dias após a morte, foi a prova concreta de que o Pai não o havia abandonado, como não abandona aqueles que, hoje, continuam acreditando em sua presença e confiando em seu amor. Murilo Krieger é arcebispo de Florianópolis – SC
14/02/07, 14:28
Ano XXV – no 251 – abril de 2007 – BOLETIM ICAPS
7
ATIVIDADES DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CONTROLE E COMBATE AO CÂNCER
CAUSAS DA TOXICODEPENDÊNCIA NUNO FELIPE
A
Iª Feira de Artesanato de Arte Terapia — “Projeto reciclar para a vida” —, realizada no IBCC pela pastoral da saúde, aconteceu entre 6 e 12 de dezembro de 2006, no hall do anfiteatro Pe. Niversindo Antonio Cherubin. A arte terapia consiste na utilização da arte como forma de expressão e manifestação de sentimentos, emoções, pensamentos e sonhos do indivíduo. Pacientes e cuidadores do IBCC desenvolvem trabalhos manuais orientados pela artista plástica Iraceli de Moraes, voluntária da pastoral da saúde. É importante divulgar essa atividade, pois nela se trabalham a auto-estima, a auto-imagem, a percepção, a superação de obstáculos, a transformação e os conflitos, além de contribuir significativamente no quadro clínico, gerando momentos de introspecção, concentração, reflexão, entre outros. As aulas que acontecem todas as quintas-feiras nas dependências do IBCC, para pacientes do hospital e seus acompanhantes, contam com a colaboração da enfermeira Débora Montezello, gerente assistencial, do doutor Marcelo Calil, gerente médico, e de Vanessa Faria Cunha, psicóloga responsável pela pastoral da saúde.
DEPOIMENTO DE UMA PACIENTE A gente passa a vida pensando que é forte o bastante para suportar o que der e vier... E de repente vem a notícia... Notícia-bomba! É câncer! É maligno! É câncer, não importa se é de mama, útero, esôfago, pele etc. Não importa se é você, o marido, o filho, parente ou amigo. É câncer! Ô palavra difícil de digerir! Só em situações como estas é que percebemos o quanto somos frágeis. São dúvidas, incertezas e medo. Mas certamente é o momento em que todos nós nos achegamos mais a Deus! E por falar Nele... Graças a Deus este hospital existe e nos dá um suporte clínico. A vida nos reserva surpresas boas e ruins. As ruins nos servem de experiência, e as boas nos servem para ficar na memória e no coração. Encontra-la Drª, foi um presente de Deus e uma surpresa muito boa e me fez mudar vários conceitos; todos estavam armazenados no meu pensamento e no meu coração. Hoje é um dia certo para dizer que você é uma das melhores pessoas que conheço. Alguém que sempre dá o melhor de si e que busca sempre o melhor nos outros. Você tornou o nosso mundo melhor através de arte terapia. Não existe melhor remédio do que uma palavra, uma mão e um ombro amigo. Deus abençoe vocês sempre.
ICAPS_abril.p65
7
S
ão muitas e variadas as causas da toxicodependência. Em tempos ainda não muito distantes, em vez de toxicodependência dizia-se habitualmente toxicomania. O saudoso Dr. Fragoso Mendes, um dos mais abalizados psiquiatras do nosso tempo, ao referir-se à toxicomania, escreveu: “É um estado de intoxicação crônica prejudicial ao indivíduo e à sociedade, produzida pela administração repetida de um fármaco natural ou sintético e que se caracteriza por um desejo ou necessidade irreversível de continuar a consumi-lo, por uma tendência de aumentar as doses (habituação) e por criar uma dependência de ordem psicológica e física”. Terá a toxicodependência alguma coisa a ver com a droga? Tem e muito. Pessoas de constituição psíquica frágil, e não só estas, estão mais sujeitas a cair na toxicodependência e outras dependências que funcionam como uma espécie de droga. Podemos dizer que a fragilidade psíquica e mesmo a própria doença psíquica podem agir como fator determinante no aparecimento da doença. O mesmo se diga do alcoolismo, que é uma autêntica doença com raízes profundas, cujo paciente recuperado facilmente recairá se não se adaptar a uma vida disciplinada e correta. Em muitos casos, a doença psíquica causa, pelo menos em parte, a toxicodependência, e esta pode causar também a doença psíquica. Do pouco que se sabe, pode-se concluir que é preciso cultivar uma higiene mental muito correta. As vítimas de conflitos psíquicos podem sentir uma certa repugnância em consultar o médico psiquiatra e se contentam com um psicólogo, mas este, quando bem ciente do seu papel, não tem receio de convidar seu paciente, quando necessário, a consultar um psiquiatra. É preciso compreender o doente mental e nunca o marginalizar, seja qual for o seu diagnóstico específico, naturalmente abrangido pelo segredo profissional por parte de quem está em contato com ele. Deixo apenas este conselho: é preciso promover tudo aquilo que pode fazer crescer em humanidade, estima mútua, compreensão generosa. O chamado “Homem Light”, que leva uma vida desprovida de autênticos valores, parece conquistar terreno. Está num plano inclinado que leva facilmente a todas as desordens. Precisamos de autênticos educadores em humanidade. Nada de vidas vazias. Educar é fazer crescer em tudo aquilo que é positivo.
14/02/07, 14:28
Ano XXV – no 251 – abril de 2007 – BOLETIM ICAPS
8
APRENDENDO A SER SAUDÁVEL FREI BERNARDO
1
Desenvolvo a auto-estima esclarecida, realista e sadia, consciente de que sou uma pessoa diferente, original e com uma vocação própria a assumir, para bem servir.
Aceito-me com os meus limites psicossomáticos, espirituais e sociais e desenvolvo pertinentemente a auto-atualização das próprias capacidades disponíveis para ser progressivamente consciente, livre e responsável.
3
2
Busco tornar-me competente e aplicado no desempenho das minhas funções e papéis, tendo em conta o próprio estatuto e o bem comum a promover em cooperação leal e complementar.
Empenho-me persistentemente em vencer o risco do egocentrismo, dos preconceitos e da resistência às convenientes mudanças na arte de ser e viver na realidade do diaa-dia.
4
5
Torno-me cada dia mais livre, consciente, responsável, solidário e complementar na ajustada participação na vida familiar, profissional, social e eclesial.
Mantenho-me atento e empenhado na afinada busca da verdade e prática da justiça distributiva e comutativa, respondendo ajustadamente às legítimas e urgentes necessidades dos outros.
7
6
Dedico tempo e atenção na escuta dos outros para os entender e entabular um diálogo leal que ajude à sincera busca da verdade, aceitando as diferenças e promovendo a possível convergência.
Esforço-me por ser inteligentemente misericordioso e apto a perdoar, mas sem nunca confundir verdade e mentira, bem e mal, incapacidade e parasitismo, buscando a unidade no essencial e a liberdade no opinável.
9
Nas situações de divergências de opinião, mantenho-me aberto e atento para perceber fundamentados pontos de vista diferentes e expor os próprios com pedagogia leal sem recorrer a pressões ou manipulações inadequadas.
Desenvolvo uma permanente informação e afinação da consciência estética e moral para distinguir o essencial do secundário e, com alegria e esperança, viver na verdade, na justiça e na paz ativa, fonte de felicidade esclarecida.
11
8
10
Vivo atento aos outros com amabilidade, constância e temperança nos modos de ser, comunicar e agir com o bom senso e perspectivas criativas.
Sem fugir à responsabilidade solidária, evito os excessos e vivo ponderadamente com sentido da proporcionalidade, sempre na busca da tranqüilidade na paz, ou seja, a ordem justa.
12
Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 e-mail: icaps@camilianos.org.br Rua Barão do Bananal, 1.125 05024-000 São Paulo, SP
IMPRESSO ICAPS_abril.p65
8
14/02/07, 14:28