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Informativo 12345 12345 12345 do Instituto 12345 12345 12345 Camiliano 12345 12345 12345 de Pastoral 12345 12345 12345 da Saúde 12345 12345 12345 e Bioética 12345 12345 12345
12345 12345 12345 12345 maio de 2007 12345 12345 12345 ANO XXV – no 252 12345 12345 PROVÍNCIA CAMILIANA BRASILEIRA 12345 12345
❒ PASTORAL
❒ BIOÉTICA
❒ HUMANIZAÇÃO
PODE-SE APRENDER A AJUDAR? PILAR TRASEIRA
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judar é para muitas pessoas quase um ato reflexo, uma atitude que se aprende desde criança e que se pratica todo dia. Muitos de nós fomos ensinados por nossos pais que deveríamos ajudar os outros, mas nunca nos disseram que isso deveria ser estudado. Ajudar não se aprende em um curso? Ou se aprende? Acreditamos, muitas vezes, que, se agimos com boa intenção, podemos ajudar. Se a isso acrescentamos nossa “experiência”, isto é, o que fizemos anos a fio, não temos dúvida de que estamos fazendo o bem. Em meu caso, depois de quinze anos de trabalho voluntário com pessoas doentes e marginalizadas, me dei conta de que estava fazendo mal muitas coisas. O curso do Centro de Humanização da Saúde, “Habilidades de Relação de Ajuda”, permitiu-me aprender como deve ser minha relação com as outras pessoas, para que minha boa intenção possa transformar-se em ações que realmente apóiem os demais.
Tive a oportunidade de constatar que podem ser melhoradas as relações no trabalho social, e também na vida privada, ao comparar meu trabalho e minhas atitudes com pessoas soropositivas e doentes de Aids, antes e depois de minha formação pastoral. Durante quatro anos colaborei, em Madri, em uma casa de acolhida de doentes de Aids; posteriormente, fiz vários cursos de humanização da saúde; e agora trabalho em um Centro de Apoio e Aconselhamento em HIV-Aids, no Equador. As diferenças entre essas situações são enormes, principalmente porque no momento trabalho em uma região onde a maioria da população não tem suas necessidades básicas atendidas, não há dinheiro para medicamentos básicos, o acesso a tratamentos contra o HIV é muito difícil e a discriminação é atroz. Em ambas as situações, porém, são pessoas com problemas semelhantes, que querem compartilhá-los e desejam sentir-se compreendidas.
Pessoas iguais a nós, às quais o apoio e a compreensão lhes permitem sentirse melhor. Por isso, em certo sentido, as situações que podemos viver com pessoas doentes são muito similares, porque sempre falamos de pessoas. Igualmente nossa capacidade de cometer os mesmos erros, cheios de boa vontade, também é muito similar. De minha parte cometi muitos, e sou consciente deles para aprender como ajudar e, repito, noto que são cometidos em vários países. ACOMPANHAR EM SILÊNCIO
Quantas vezes acompanhei uma pessoa doente que se encontrava sozinha, e para ela me pus a falar. E, se ela não queria c onversar, não me importava, eu começava um quase monólogo para entretê-la durante um tempo. Achava que estava fazendo o bem. Aprendi, no entanto que existem pessoas doentes que querem ter alguém ao seu lado, sentir-se acompa-
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nhadas, mas não querem ouvir histórias que não lhes interessam. Constatei que podemos incomodar quando, com nossa melhor intenção, falamos por falar. Aprendi que acompanhar não implica falar. Aprendi a importância de saber escutar e acompanhar em silêncio. Com a intenção de animar uma pessoa e por não saber o que falar, dizemos frases como: “Não é tão grave”, “Não se preocupe, logo se resolve”. Mas aprendi que há situações em que as surradas palavras de ânimo, ditas sem convicção, causam muito dano. Quando, ante uma situação dolorosa, alguém nos diz tranqüilamente: “Olha, não é tão grave, logo passará”, parece-nos que não estamos sendo compreendidos e que nossa dor está sendo menosprezada. Por meio dessas frases bem-intencionadas, uma pessoa pode se sentir mais incompreendida e solitária. Aprendi a importância de compreender e respeitar os sentimentos das pessoas e transmitir essa compreensão. E quando não sei o que dizer reconheço ou me calo. SOLUÇÃO DE PROBLEMAS
EXPEDIENTE
A casa de acolhida com a qual colaborei em Madri era para pessoas sem recursos, assim como o é esta de agora. Em mais de uma ocasião consegui “solucionar um problema” sem que a pessoa interessada interviesse na sua resolução, e às vezes sem que houvesse pedido. E com a magnífica sensação de tê-lo feito bem. Ajudei a “solucionar”, sem perguntar, o que a distância considerava “problema”, e causei muito dano à pessoa “ajudada”. Não devemos esquecer que não temos nenhum direito de decidir por ninguém, e uma bem-intencionada (mas não solicitada) atuação pode ter conseqüências que provoquem mais danos ainda. Aprendi que devemos apoiar e facilitar a busca de alternativas, mas que são as pessoas que têm de tomar
suas próprias decisões. E, seja qual for a decisão que tomem, inclusive se decidem não tomar nenhuma, ela deve ser respeitada. É certo que interagimos com muitas pessoas no trabalho voluntário, mas não obstante o sentimento “sadio” que a relação de ajuda provoca, às vezes é um refúgio não tão saudável. Se olho para trás, lembro da época em que mais ajudava na casa de acolhida e mais relações tinha com as pessoas abrigadas. Gostavam muito de mim e era uma sensação muito agradável o bem que sentia ao fazer esse trabalho. Foram uns meses nos quais vivi uma situação pessoal muito dura. Realmente nesse momento fui “minha própria casa de acolhida”. Confundi meus sentimentos e prejudiquei as pessoas que tentei ajudar. Devemos estar muito atentos às nossas emoções, porque, quando confundimos nossos sentimentos, podemos reclamar a outras pessoas daquelas que queremos ajudar e fazemos delas nosso refúgio. Podemos criar uma relação de dependência que, além de nós, prejudique terceiros. Aprendi que cada um deve ajudar-se a si mesmo a estar bem, e ser sincero consigo mesmo sobre suas verdadeiras razões para ajudar os outros. DEFINIR RELAÇÕES
Lembro-me de um menino que conheci há alguns anos. Ele tinha problemas com o álcool. Eu desejava ajudá-lo de todo o coração, e um dia decidimos que nenhum de nós dois tomaria nenhuma gota dessa bebida. Assim o “apoiaria”. Causei muito dano a ele. Não saber definir bem a relação com a pessoa à qual se quer ajudar pode ser muito prejudicial. Com preocupação excessiva de ajudar, podemos nos envolver demais, perder a objetividade da situação e manter relações danosas para nós e para a pessoa que queremos apoiar. Aprendi que podemos estar ao lado de uma
O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética – Província Camiliana Brasileira. Presidente: José Maria dos Santos Conselheiros: Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Cláudia Santana
Revisão: Rita Lopes e Sandra G. C. Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 05024-000 São Paulo, SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade: Mensal Prod. gráfica:
Edições Loyola Tel. (11) 6914-1922 Tiragem: 3.500 exemplares
pessoa apoiando e facilitando uma troca se ela o deseja, mas não podemos viver sua vida. Podemos envolver-nos, mas não devemos perder a objetividade, e para isso devemos estar muito atentos para que a relação seja saudável para ambos. Desse modo, poderia contar muitas experiências não só minhas, como também de meus companheiros do Centro de Apoio e Aconselhamento em HIV-Aids de Vinces, Equador. Tive a sorte de poder compartilhar com eles a formação que recebi e agora utilizamos os mesmos princípios na relação de ajuda. Assim mesmo, como nos propõe o curso “Inteligência Emocional e Estresse”, buscamos também como equipe um espaço no qual podemos compartilhar nossas vivências e dar vazão às tensões acumuladas. Felizmente também estamos tendo a oportunidade de compartilhar nossos conhecimentos e experiências com outras pessoas à nossa volta: médicos, enfermeiras, conselheiros ou “consultores”, e voluntários na área de saúde de outras organizações do Equador. Por fim, em distintos organismos, em diversos países, todos trabalhamos melhor se conhecemos as “habilidades na relação de ajuda”, porque para ajudar pode-se aprender, sim. Pilar Traseira é colaboradora do Centro de Humanização da Saúde (CEHS) – Equador.
A PARTICIPAÇÃO DA IGREJA NA PASTORAL DA SAÚDE Este será o tema central do XXVII Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde que será realizado, em São Paulo, nos dias 7 e 8 de setembro de 2007. Aguardem mais informações.
Assinatura: O valor de R$13,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 (onze) edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja citada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.
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“DOUTOR, SERÁ QUE EU ESCAPO DESSA?” RUBEM ALVES
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outor, agora que estamos sozinhos quero lhe fazer uma pergunta: “Será que eu escapo dessa?”. Mas, por favor, não responda agora porque sei o que o senhor vai dizer. O senhor vai desconversar e responder: “Estamos fazendo tudo o que é possível para que você viva”. Mas nesse momento não estou interessada naquilo que o senhor e todos os médicos do mundo estão fazendo. Olhe, eu sou uma mulher inteligente. Sei a resposta para minha pergunta. Os sinais são claros. Sei que vou morrer. O que eu desejo é que o senhor me ajude a morrer. Morrer é difícil. Não só por causa da morte mesma mas porque todos, na melhor das intenções, a cercam de mentiras. Sei que na escola de medicina os senhores aprendem a ajudar as pessoas a viver. Mas haverá professores que ensinam a arte de ajudar as pessoas a morrer? Ou isso não faz parte dos saberes de um médico? Meus parentes mais queridos se sentem perdidos. Quando quero falar sobre a morte, eles logo dizem: “Tira essa idéia de morte da cabeça. Você estará boa logo...”. Mentem. Então eu me calo. Quando saem do quarto, longe de mim, choram. Sei que eles me amam. Querem me enganar para me poupar de sofrimento. Mas são fracos e não sabem o que falar... Fico então numa grande solidão. Não há ninguém com quem eu possa conversar honestamente. Fica tudo num faz-de-contas... As visitas vêm, assentam-se, sorriem, comentam as coisas do cotidiano. Fazem de conta que estão fazendo uma visita normal. Eu me esforço por ser delicada. Sorrio. Acho estranho que uma pessoa que está morrendo tenha a obrigação social de ser delicada com as visitas. As coisas sobre que falam não me interessam. Dão-me, ao contrário, um grande cansaço. Elas pensam que estou ali na cama. Não sabem que já estou longe. Sou “uma ausência que se demora, uma despedida pronta a cumprir-se...”. Remo minha canoa no grande rio, rumo à terceira margem. Meu tempo é curto e não posso desperdiçálo ouvindo banalidades. Contaram-me
de um teólogo místico que teve um tumor no cérebro. O médico lhe disse a verdade: “O senhor tem mais seis meses de vida...”. Aí ele se virou para sua mulher e disse: “Chegou a hora das liturgias do morrer. Quero ficar só com você. Leremos juntos os poemas e ouviremos as músicas do morrer e do viver. A morte é o acorde final dessa sonata que é a vida. Toda sonata tem de terminar. Tudo o que é perfeito deseja morrer. Vida e morte se pertencem. E não quero que essa solidão bonita seja perturbada por pessoas que têm medo de olhar para a morte. Quero a companhia de uns poucos amigos que conversarão comigo sem dissimulações. Ou somente ficarão em silêncio”. Enquanto pude li os poetas. Nesses dias eles têm sido os meus companheiros. Seus poemas conversam comigo. Os religiosos não me ajudam. Eles nada sabem sobre poesia. O que eles sabem são doutrinas sobre o outro mundo. Mas o outro mundo não me interessa. Não vou gastar o meu tempo pensando nele. Se Deus existe, então não há porque me preocupar com o outro mundo porque Deus é amor. Se Deus não existe então não há porque me preocupar com o outro mundo porque ele não existe e nada me faltará se eu mesmo faltar. Ah! Como seria bom se as pessoas que me amam me lessem os poemas que amo. Então eu sentiria a presença de Deus. Ouvir música e ler poesia são, para mim, as supremas manifestações do divino. A consciência da proximidade da morte me tornou lúcida. Meus sentimentos ficaram simples e claros. O que sinto é tristeza porque não quero morrer e a vida é cheia de tantas coisas boas. Um amigo me contou que sua filha de dois anos o acordou pela manhã e lhe perguntou: “Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?”. Foi o jeito que ela teve de dizer: “Papai, quando você morrer, eu vou sentir saudades...”. Na cama o dia todo fico a meditar: “Nas escolas ensinam-se tantas coisas inúteis que não servem para nada. Mas nada se ensina sobre o morrer”. Me diga, doutor: “O que lhe ensinaram na
escola de medicina sobre o morrer? Sei que lhe ensinaram muito sobre a morte como um fenômeno biológico. Mas o que lhe ensinaram sobre a morte como uma experiência humana? Para isso teria sido necessário que os médicos lessem os poetas. Os poetas foram lidos como parte do seu currículo? Nada lhe ensinaram sobre o morrer humano porque ele não pode ser dito com a linguagem da ciência. A ciência só lida com generalidades. Mas a morte de uma pessoa é um evento único, nunca houve e nunca haverá outro igual. Minha morte será única no universo! Uma estrela vai se apagar. Nesse ponto seus remédios são totalmente inúteis. O senhor os receita como desencargo de consciência, para consolar a minha família, ilusões para dizer que algo está sendo feito. O senhor está tentando dar. Não devia. Há um momento da vida em que é preciso perder a esperança. Abandonada a esperança, a luta cessa e vem então a paz. E agora, doutor, depois de eu ter falado, me responda: “Será que eu saio dessa?”. Então eu ficarei feliz se o senhor não me der aquela resposta boba, mas se assentar ao lado da minha cama e, olhando nos meus olhos, me disser: “Você está com medo de morrer. Eu também tenho medo de morrer...”. Então poderemos conversar de igual para igual. Mas há algo que os seus remédios podem fazer. Não quero morrer com dor. E a ciência tem recursos para isso. Muitos médicos se enchem de escrúpulos por medo que os sedativos matem. Preservam a sua consciência de qualquer culpa e deixam o moribundo sofrendo. Mas isso é fazer com que o final da sonata não seja um acorde de beleza mas um acorde de gritos. A vida humana tem a ver com a possibilidade de alegria! Quando a possibilidade de alegria se vai, a vida humana se foi também. E esse é o meu último pedido: quero que minha sonata termine bonita e em paz. Morrendo... Rubem Alves é teólogo, educador e autor de vários livros.
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EUCARISTIA: SACRAMENTO DE UM MUNDO NOVO NA PASTORAL DA SAÚDE TADEU DOS REIS ÁVILA
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a Eucaristia, nosso Deus manifesta a forma extrema do amor, derrubando todos os critérios de domínio que regem muito freqüentemente as relações humanas e afirmando de modo radical o critério do serviço: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos” (Mc 9,35). Não por acaso, no Evangelho de João não encontramos a narrativa da instituição eucarística, mas a do “lava-pés” (cf. Jo 13,1-20): inclinando-se para lavar os pés de seus discípulos, Jesus explica de modo inequívoco o sentido da Eucaristia. São Paulo, por sua vez, insiste com vigor que não é lícita uma celebração eucarística na qual não refulja a caridade testemunhada pela partilha concreta com os mais pobres (cf. 1Cor 11,17-22.27-34; Mane nobiscum Domine,28). Não podemos nos iludir: pelo amor mútuo e, em particular, pela solicitude de quem está necessitado seremos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo (cf. Jo 13,35; Mt 25,3146). É com base nesse critério que será comprovada a autenticidade de nossas celebrações eucarísticas. Nós, agentes de pastoral da saúde, herdeiros espirituais de São Camilo, somos chamados a fazer da Eucaristia o centro de nossa espiritualidade. A Eucaristia é para nós a fonte inesgotável da fidelidade ao Evangelho, porque é nesse Sacramento, coração da vida eclesial, que se realizam plenamente a identificação íntima e a conformação total com Cristo. “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19). Ordem de Jesus dada a seus discípulos na Última Ceia. Esta ordem de Jesus lembra continuamente à Igreja que ela está indissoluvelmente unida à pessoa e à missão de Nosso Senhor. Fazemos memória não só da ceia, mas de toda a vida do Senhor. Todas as vezes que a Igreja
(povo da nova aliança) celebra a Eucaristia, somos interpelados a tomar consciência da nossa vocação primordial, isto é, ser no mundo sinal de comunhão e de amor para toda a humanidade. Este é sem dúvida o maior desafio da Igreja neste terceiro milênio: “Tornar-se uma casa e uma escola de comunhão” (Novo millenio ineunte, 43). A Eucaristia é o sacramento por excelência da comunhão. A comunhão com Cristo, realizada na Eucaristia, deve levar-nos à comunhão com os irmãos, até mesmo à comunhão dos bens materiais no sentido que foi entendido nos primórdios do cristianismo; quando os Atos dos Apóstolos falam de “comunhão”, põem acento na comunhão de bens. “A Eucaristia, esse ‘partir o pão’, é, portanto, muito mais do que assunto para debates filosóficos sobre o ‘modo’ da presença real de Cristo. A Eucaristia é uma ação, um dinamismo, que incorpora e identifica o cristão com Cristo e dá à comunidade cristã todo o sentido da sua caminhada em direção ao reino glorioso do Pai ” (CNBB, 66, p. 70). Para São Paulo, a celebração da Eucaristia é incompatível com uma comunidade em que as pessoas se ignoram mutuamente e não estão dispostas a se colocar a serviço umas das outras, desinstalando-se do seu comodismo. Pior ainda quando usamos a Eucaristia de pretexto para nos refugiarmos em Deus, fugindo do compromisso de construirmos a comunhão, que encarna e manifesta a própria essência do mistério da Igreja. Essa comunhão a que somos chamados a realizar “é fruto e a expressão daquele amor que, brotando do coração do Pai eterno, se derrama em nós por meio do Espírito Santo que Jesus nos dá (cf. Rm 5,5), para fazer de todos nós ‘um só coração e uma só alma’ (At 4,32)” (Novo millenio ineunte, 43).
A Eucaristia memorial da Nova Aliança celebra e atualiza a gratuidade de Deus que, em seu Filho Jesus Cristo, no gesto de sua oferta no altar da cruz, manifesta ao mundo a que ponto chega sua ternura e seu amor para conosco. A Eucaristia é a expressão máxima da vida de Jesus Cristo. Vida entregue na radicalidade do amor, na mais plena gratuidade e com o compromisso de tornar o mundo expressão desse mesmo amor. A Igreja, “sacramento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG, 1), se nutre constantemente da Eucaristia e dela recebe forças para levar a bom termo sua missão. É na Eucaristia que está a raiz e o eixo de toda comunidade cristã. Nosso Senhor, “ao entregar à Igreja o seu sacrifício, quis também assumir o sacrifício espiritual da Igreja, chamada por sua vez a oferecer-se a si própria juntamente com o sacrifício de Cristo” (EE, 13). Assim nos ensina o Concílio Vaticano II: “Pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda vida cristã, (os fiéis) oferecem a Deus seu Filho Jesus Cristo e a si mesmos juntamente com ele” (LG, 11). Celebrar a Eucaristia é comprometer-se em tornar realidade na nossa vida o gesto doador de Cristo, vida entregue para a vida do mundo. Jesus não deu sua vida só no momento supremo da cruz, mas toda a sua vida foi uma oferta, não reservou nada para si mesmo. Ao receber a Eucaristia, nós nos tornamos consangüíneos de Cristo, convidados a fazer de nossa vida uma perfeita entrega de tudo o que temos e somos. Temos, às vezes, bastante facilidade para cantar cantos bonitos e piedosos a Jesus eucarístico e até mesmo
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ficar horas diante do sacrário. Tudo isso é muito bonito e recomendável pela Igreja, é uma das formas que temos para expressar nosso amor a Jesus presente no sacramento do altar. Não podemos, no entanto, ficar surdos aos apelos que Jesus presente na Eucaristia nos faz. Comer a sua carne e beber o seu sangue traz conseqüências para a vida pessoal e comunitária. Beber do mesmo cálice é aceitar e partilhar do mesmo destino de Jesus. É assumir a causa pela qual Jesus deu a sua vida. A participação na Eucaristia nos provoca a sair de nós mesmos para se colocar a serviço de um mundo novo onde não existe mais guerra, divisões e sofrimentos causados, muitas vezes, pelo pecado do egoísmo e pela falta de amor. Ao receber a Eucaristia, sou convidado a fazer da minha vida também uma Eucaristia, deixando-me modelar pelo Senhor de tal forma que todo o meu viver se torne também uma doação como foi a vida de Jesus. Quando sou capaz de servir por amor e sem interesse, estou tornando a minha vida uma Eucaristia. O papa João Paulo II, na sua carta encíclica Ecclesia de Eucharistia, dá um bonito testemunho da fé da Igreja que ininterruptamente celebra e crê na presença do Senhor presente na Eucaristia. Entre os muitos aspectos abordados no documento, o papa lembra que: “O Senhor quis ficar conosco na Eucaristia, inserindo nesta sua presença sacrificial e comensal a promessa duma humanidade renovada pelo seu amor. É significativo que, no lugar onde os Sinóticos narram a ins-
tituição da Eucaristia, o Evangelho de João proponha, ilustrando assim o seu profundo significado, a narração do lava-pés, gesto este que faz de Jesus mestre de comunhão e de serviço” (cf. 13,1-20). O apóstolo Paulo, por sua vez, qualifica como “indigna” de uma comunidade cristã a participação na Ceia do Senhor que se verifica num contexto de discórdia e de indiferença pelos pobres (cf. 1Cor 11,17-22.27-34). Anunciar a morte do Senhor até que ele venha (cf. 1Cor 11,26) inclui, para os que participam da Eucaristia, o compromisso de transformar a vida de tal forma que esta se torne, de certo modo, toda eucarística (cf. EE, 20). A participação consciente da Eucaristia nos fortalece na nossa caminhada cristã, levando-nos a testemunhar o Evangelho nas mais diferentes situações que a vida nos apresenta. O cardeal Francisco Van Thun, bispo vietnamita, esteve preso durante 13 anos, nove dos quais em total isolamento. Suportou todo esse período de sofrimento fortalecido pela Eucaristia, que celebrava a altas horas da noite escondido dos guardas. Tinha como cálice a palma da mão, onde derramava algumas gotas de vinho que seus fiéis fizeram chegar até ele em vidros de remédios. Oferecia a sua Eucaristia em especial por aqueles que o condenaram ao isolamento. A Eucaristia nos torna promotores da paz e discípulos da não-violência. Na Eucaristia se cumpre de modo especial a promessa do Senhor que disse: “Eis que estou convosco todos
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os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28,20). Quando tudo parece desmoronar à nossa volta tenhamos a certeza de que não estamos sozinhos, o Senhor está conosco. A Eucaristia revigora nossa vida cristã, pois quando Jesus está no nosso meio não há o que temer. “Ele está no meio de nós” é o que professamos em todas as celebrações eucarísticas. “Não tenhas medo”, continua repetindo o Senhor, eu estou no meio de vocês. Na Missa “Apelos da Eucaristia”, do Frei Luiz Turra, canta belamente o refrão do canto de entrada: “Igualdade, fraternidade, nesta mesa nos ensinais. As lições que melhor educam, na Eucaristia é que nos dais!”. A Eucaristia é de fato a “escola” por excelência de todo cristão, onde Cristo se dá a todos sem fazer distinção de pessoas ou classe social. É a mesa da fraternidade, presente tanto nas catedrais como nas Igrejas e capelas do interior, é a mesa que congrega os irmãos na fé e na comunhão fraterna. É escola de vida, pois nela o Cristo Jesus nos ensina que somos todos irmãos. É mesa do compromisso, pois a Eucaristia está intimamente ligada com a vida concreta. Participar da Eucaristia (compromete) é fazer aliança com a causa (luta) daqueles que são excluídos do banquete da vida. A esse respeito o papa João Paulo II lembra: “Recebendo o Pão da vida, os discípulos de Cristo preparam-se para enfrentar, com a força do Ressuscitado e do seu Espírito, as obrigações que os esperam na sua vida ordinária. Com efeito, para o fiel que compreendeu o sentido daquilo que realizou, a Eucaristia não pode exaurir-se no interior do templo” (João Paulo II, Carta Apostólica Dies Domini, 45). Entrar em comunhão com Cristo pela Eucaristia é imitar o Divino Salvador e comprometer-se em empenhar-se a fim de que todos tenham vida. Em cada celebração eucarística, estamos pedindo a Deus que nos auxilie a cumprir o mandamento da nova lei, amando “primeiro” com plena gratuidade aos irmãos, a começar pelos mais necessitados.
Tadeu dos Reis Ávila, padre camiliano, trabalha no Seminário de Monte Santo – MG
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A CURA POR MEIO DAS CORES CARLOS LONDOÑO
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cura por meio das cores é uma das modalidades da medicina que nos ajuda a promover a saúde e prevenir a doença. A cor tem sido administrada como modalidade terapêutica desde a pré-história e tem sido adotada como remédios pelos ocultistas, curandeiros, naturopatas, quiropráticos, educadores, homeopatas, médicos e enfermeiras; no campo da saúde pelos defensores da medicina holística. A cromoterapia está se convertendo em uma prática aceita em consultas médicas; a maioria dos profissionais de saúde em todo o mundo servem-se das técnicas mais avançadas, sobretudo os que empregam métodos médicos não tradicionais e complementares, como a visualização e a formação de imagens, a cura ortomolecular, a acupuntura, o biofeedback, a eletromagnética. EFEITOS FISIOLÓGICOS DAS CORES
É inolvidável que a luz e a cor visível exercem uma influência sobre os seres vivos, sobre plantas, animais e diversos microorganismos. Praticamente todas as espécies do reino vegetal crescem graças à luz visível e se inibem com a energia infravermelha e ultravioleta, que se encontra em cada extremo do espectro da cor e não é visível. Junto com a parte visível produz efeitos fisiológicos e psicológicos sobre os animais e seres humanos. Dr. Roberto Guerrero, da Universidade da Califórnia, é uma das pessoas que têm feito um grande estudo sobre as experiências dos seres humanos à luz das cores e de cujo estudo utilizamos algumas observações sobre as cores primárias:
tos, por sua vez, duram de momentos a horas, dependendo da saúde do indivíduo: aumentam a pressão arterial, aceleram a pulsação, tornam rápido o ritmo respiratório, controlam o sistema neurovegetativo, tornando as reações dos indivíduos automáticas, tornam mais sensíveis as papilas gustativas, melhoram o apetite e se acentua o sentido do olfato. A COR LARANJA
Por ser a mistura de vermelho e amarelo tem o poder de decisão sobre uma compra. Atrai um número elevado de pessoas, o que faz com que muitas delas reajam ante um objeto ou um conceito laranja. Como efeitos fisiológicos dessa cor podemos enumerar: aumento do apetite; relaxamento e, conseqüentemente, um sono melhor; circulação sangüínea mais lenta; sensação de placidez, tranqüilidade e segurança quando da combinação com a cor azul. A COR AMARELA
Tem um poder de atração muito extenso. É a primeira cor que uma pessoa vê quando observa várias cores ao mesmo tempo. Ambientes pintados de amarelo provocam mais choro em crianças, e as alergias se manifestam com mais freqüência. A COR AZUL
Tem efeitos calmantes. O celeste intenso é a cor mais tranqüilizante de todas; quando entra na visão faz com que o cérebro segregue onze neurotransmissores com efeito calmante. Além disso, desacelera o pulso, aprofunda a respiração, reduz a transpiração, reduz a temperatura do corpo, reduz o suor, reduz o apetite.
A COR VERMELHA
Estimula a glândula pituitária. Em fração de segundo transmite um sinal químico à glândula supra-renal e esta segrega epinefrina, que percorre toda a corrente circulatória produzindo alterações fisiológicas com efeitos sobre o metabolismo. Esses efei-
A COR VERDE
O verde-bosque e similares provocam um sensação antialérgica porque aumenta a histamina. No sangue, também diminui as reações alérgicas aos alimentos, melhora a acuidade visual.
A COR MARROM
É uma cor boa para o entorno, proporciona um ambiente solitário para trabalhar, jogar, dormir. É uma cor homeostática e proporciona segurança. Ajuda também a dissipar a depressão mental, favorece a síntese da serotonina, reduz a irritabilidade clínica, a fadiga crônica, estimula a função de prostaglandina E e aumenta os níveis de aminoácidos. Concretamente influi no triptofano, sono e imunidade. A COR VERMELHA
Estimula os nervos sensoriais e acentua todos os sentidos principalmente o paladar e o olfato, ativa a circulação sangüínea, ajuda a produzir hemoglobina, produz calor que revitaliza o fígado, o sistema muscular e o hemisfério esquerdo do cérebro, decompõe os cristais de sal acumulados no corpo e catalisa a ionização. Doenças que podem ser tratadas com esta cor: anemia, asma, bronquite, paralisia, debilidade física, inflamação do pulmão, tuberculose. É contra-indicada para o desequilíbrio emocional, temperamento excitado, febre, infecção, hipertensão, doenças mentais. A COR LARANJA
Estimula a glândula tireóide e provoca sedação na paratireóide, expande os pulmões, tem efeito antiespasmódico nas câimbras, ajuda o metabolismo do cálcio, estimula a produção de leite em mulheres lactentes, atua sobre o pâncreas e vesícula biliar para ajudar a assimilação e circulação dos nutrientes. Doenças que podem ser tratadas com o uso dessa cor: asma, resfriados, epilepsia, cálculos biliares, gota, hipertireoidismo, hipotireoidismo, afecção dos rins, problemas menstruais, esgotamento mental, reumatismo, artrite, tumores. Não tem contra-indicações. A COR AMARELA
Ativa os nervos motores, gera energia para os músculos, estimula
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a digestão, tem efeitos purgativo e laxativo, ajuda a eliminar parasitas, energiza o trato digestivo, purifica a corrente sangüínea, ativa o sistema linfático e seda o baço. Doenças que podem ser tratadas: artrite e reumatismo, diabetes, eczema, esgotamento, flatulência, indigestão, depressão mental e paralisia. Contra-indicações: inflamações agudas, delírio, diarréia, febre, excitação. A COR VERDE
Estimula a produção de músculos, ossos e outros tecidos musculares, não é ácida nem alcalina, é refrescante, tranqüilizante, acalma física e mentalmente, relaxa as tensões, baixa a pressão sangüínea, atua como hipnótico, tem poder de desinfecção de bactérias, vírus e outros germes. É indicada para o tratamento de: asma, cólicas, febre alta, doenças do coração, hemorróidas, insônia, irritabilidade, laringite, desordens nervosas, úlcera, doenças venosas.
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A COR AZUL
A vibração azul aumenta o metabolismo, traz vitalidade, diminui os batimentos cardíacos e atua como tônico do corpo em geral; tem propriedades anti-sépticas, efeito calmante e refrescante em infecções, relaxa a mente. É a cor da verdade, da devoção, da calma, da sinceridade e da paz interior. É indicada para tratar: queimaduras, cólicas, diarréias, epilepsia, dor de cabeça, insônia, faringite, amigdalite, infecção bucal, úlcera, vômito e tosse. É contra-indicada em casos de resfriados, gota, paralisia e reumatismo. A COR ÍNDIGO
É uma cor elétrica, refrescante e adstringente. É estimulante da paratireóide e sedativa da tireóide. Funciona como um purificador do sangue e hemostático, tem efeito hipnótico e controla as correntes psíquicas. Pode-se tratar com essa cor: apendicite, asma, bronquite, varizes, doenças dos olhos, hipertireoidismo, doen-
REUNIÃO DA COORDENAÇÃO NACIONAL DA PASTORAL DA SAÚDE No dia 10 de fevereiro, realizou-se em São Paulo/SP a reunião da coordenação nacional da Pastoral da Saúde, em que ficou decidido o agendamento de encontros macrorregionais pelo Brasil. Esses encontros serão realizados nos seguintes locais: I. Sudeste 2 ➔ MG (exceto Triângulo Mineiro), RJ e ES, nos dias 26 e 27 de maio de 2007, em Vitória; II. Sudeste 1 ➔ SP, nos dias 9 e 10 de junho de 2007 em São Paulo; III. Noroeste ➔ AM, RR, AC e RO, nos dias 16 e 17 de junho de 2007, em Porto Velho; IV Sul ➔ PR, SC, RS, nos dias 30 de junho e 1º de julho de 2007, em Londrina; V. Nordeste 2 ➔ SE, AL, PE, PB, RN e CE, nos dias 14 e 15 de julho de 2007, em Recife; VI. Norte ➔ PA, AP, MA e PI, nos dias 18 e 19 de agosto de 2007, em Belém; VII Centro-Oeste ➔ GO, MT, MS, TO, DF e Triângulo Mineiro (a definir data e local); VIII. Nordeste 1 ➔ BA (a definir data e local). Os temas a ser trabalhados serão: 1 – Aspectos organizacionais da Pastoral da Saúde; 2 – Práticas alternativas e seus aspectos legais; 3 – Controle social e a Pastoral da Saúde; 4 – Intercâmbio de experiências.
ças mentais, obsessão, doenças respiratórias e da garganta. Não tem contra-indicações. A COR VIOLETA
Estimula a vesícula biliar, a parte superior do cérebro, a estrutura óssea; tem efeito sedativo no sistema linfático, no coração e nos nervos motores; é calmante em doenças mentais, reduz a raiva, controla a irritabilidade, ajuda a equilibrar o sódio e o potássio. Doenças que podem ser tratadas com essa cor: desordens nervosas e mentais, tumores benignos e malignos, e dores ciáticas. Além dos benefícios da utilização das cores como tratamento de doenças, devemos levar em conta que a cor é uma forma de interpretar a vida, uma linguagem dos sentimentos e da alma, que nos conecta com todas as energias do universo, e que essas energias, com suas cores, são parte de uma única e indivisível luz divina que se irradia em toda a criação.
ENCONTRO DE COORDENADORES E REPRESENTANTES NACIONAIS DA PASTORAL DA SAÚDE DO CONE SUL De 26 a 28 de fevereiro, em São Paulo/SP, a Pastoral da Saúde Nacional, juntamente com a Província Camiliana Brasileira, promoveu um encontro de Coordenadores e Representantes Nacionais da Pastoral da Saúde do Cone Sul, em preparação à 5ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina e Caribe que será realizada em Aparecida/SP. Estiveram presentes padres, diáconos e leigos do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile. Contamos ainda com a presença do coordenador da Pastoral da Saúde do Celam, Pe. Adriano Tarrarán, da Colômbia. Esse encontro atingiu os objetivos de intercâmbio de experiências, levantamento de dados e maior articulação dos agentes da PS do Cone Sul. Também foi revisado e atualizado o Guía de Pastoral de la Salud para América Latina y el Caribe (documento oficial do CELAM que serve de suporte e subsídios para os grupos de agentes dessa Pastoral). O encontro encerrou-se com uma visita oficial da comitiva de representantes e coordenadores nacionais ao Santuário de Aparecida, em 28 de fevereiro.
Ano XXV – no 252 – maio de 2007 – BOLETIM ICAPS
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PROJETO ANIMAL MARCELO LEITE
A
Câmara Municipal do Rio de Janeiro discutiu um projeto de lei imaginável sobre experimentação com os animais. O tema é relevante. O propósito também: resguardá-los de sofrimento. A proposta, não: proibir todas as formas de vivissecção, “assim como o uso de animais em práticas experimentais que provoquem sofrimento físico ou psicológico”. O Projeto de Lei número 325/2005, do vereador Cláudio Cavalcanti (PFL), foi integralmente vetado pelo prefeito César Maia (PFL). Além de expor vários vícios jurídicos e de técnica legislativa, que não cabe avaliar aqui, a justificativa do veto relaciona as principais razões que tornariam a peça legislativa, além de aloprada, impraticável — e, portanto, ociosa. Perda de tempo, em bom português. A julgar pelo clima que se instaurou num arremedo de audiência pública, tudo é possível. O veto ainda pode ser derrubado. Entre outras, uma das instituições mais importantes para a saúde pública do país, a Fiocruz, teria de paralisar vários estudos. Não é de estranhar que seus pesquisadores estejam em pé de guerra contra o que consideram obscurantismo (uma disposição de espírito
compreensível, mas não necessariamente oportuna). Razões não lhes faltam. Por mais que se desenvolvam alternativas para testar remédios e tratamentos, como culturas de células e modelos matemáticos, eles ainda estão longe de simular a complexa dinâmica de um ser vivo. Para descobrir se um medicamento ou uma vacina novos são tóxicos, ou aquilatar como eles são absorvidos e processados pelo organismo, não há como pular a etapa de testes, com animais — assim como a seguinte, em uns poucos seres humanos, e depois com centenas, ou milhares. Todas as fases envolvem risco de sofrimentos, porém decrescentes. Ora, assim como não decorre do objetivo nobre de evitar o sofrimento animal que toda experimentação deva ser banida, tampouco se impõe da ausência de alternativa para alguns testes cruciais que cientistas devam ter carta branca para decidir, sozinhos, quando e por que fazer animais sofrerem. É desejável ter alguma forma de controle social, criando freios e contrapesos para os incentivos inerentes à atividade de pesquisa — como a urgência de publicação ou patenteamento, para admitir cotas adicionais de sofri-
mento ou sacrifício animal que um nãocientista talvez julgasse inadmissíveis. Todo dilema ético verdadeiro envolve uma escolha entre dois bens. E as melhores soluções para eles costumam ser as de compromisso. Ao tentar proibir todos os experimentos, mesmo aqueles que são imprescindíveis para salvar os próprios animais (medicamentos e técnicas cirúrgicas veterinárias também têm de ser testados, afinal), o vereador elege o bem-estar animal como valor supremo, superior ao ser humano. Mesmo que ele perceba o contra-senso, não seria inédita na cena política — em particular nesses zoológicos em que se transformaram muitas casas legislativas municipais — a aposta eleitoreira no que se poderia chamar de maniqueísmo de resultados. A comunidade científica tem a obrigação de se provar mais esclarecida. Se tiver grandeza, tomará a iniciativa de fazer algo mais que bater no próprio peito, propondo alguma forma aceitável de controle social. Partindo para a guerra, no Brasil, sempre correrá o risco de perder. Marcelo Leite é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e responsável pelo blog Ciência em Dia.
Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 e-mail: icaps@camilianos.org.br Rua Barão do Bananal, 1.125 05024-000 São Paulo, SP
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