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Informativo do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética agosto de 2007 Ano XXV – no 255 Província Camiliana Brasileira

❒ Pastoral

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❒ bioética

❒ humanização

Para os agentes de pastoral da saúde que atuam ar de comer a quem tem fome, dar de beber a diretamente na dimensão solidária, ou seja, visi­ quem tem sede, vestir os nus, dar abrigo aos tando os enfermos em casa ou nos hospitais, sem peregrinos, visitar os doentes e os encarcerados, negar a importância das outras obras, visitar os libertar os escravizados, sepultar os mortos, dar doen­tes é a obra de misericórdia que mais chama a bom conselho, ensinar os que não sabem, corrigir atenção. Afinal, o mandato de cuidar dos doentes é os que erram, consolar os aflitos, perdoar as ofen­ repetido por Jesus várias vezes nos evangelhos. sas, suportar as fraquezas do próximo e orar pelos Seguindo esse mandato, são muitos os agentes vivos e pelos defuntos. Essas ativi­dades eram reco­ que, sem medir esforços,­ nhecidas como obras de realizam essa pastoral mi­sericórdia. da saúde encarnada, ou No antigo Catecismo seja, vão ao encontro da aprendíamos os manda­ pessoa doente e a encon­ mentos, as virtudes teo­ ANÍSIO BALDESSIN tram na situação em que logais (fé, esperança e está: triste, desanima­ caridade) e cardeais (pru­ da, revoltada, cheirando dência, fortaleza, tem­pe­ mal etc., e não na situação em rança e justiça), os vícios capitais que o padre, o visitador e/ou o (soberba, avareza, luxúria, ira, gu­­ ministro da Eucaristia, gostaria la, inveja e preguiça), pecados que que ela estivesse. Ao desenvol­ bradam aos céus, e as obras de ver essa ação pastoral encarna­ misericórdia. Na catequese re­no­ da, estão prontos a oferecer não vada, se falamos de obras de mise­ aquilo que é importante para si, ricórdia, alguém pode nos per­gun­ afinal, a ajuda deve ser sempre tar: O que é isso? para o outro, mas sim atender Nunca se falou tanto das obras às necessidades do doente, que de misericórdia como hoje em nem sempre são espirituais. dia, só que com termos diferen­ Visitar, doutrinar ou sacra­ tes. Hoje falamos de cidadania, mentar? so­lidariedade, direitos humanos, Segundo a definição do Dicio­ marginalização, menores de rua, nário Aurélio, visita “é o ato de ir moradores de rua, sem terra etc. ver alguém por cortesia, dever ou As obras de misericórdia apa­­ afeição; doutrina é um conjunto recem nos evangelhos (Mt 25,31de princípios que servem de base 46), mas pode-se dizer que nas­ a um sistema religioso, filosófico cem do direito natural de toda ou científico; doutrinar é instruir pessoa. Não é assistencialismo ou numa doutrina, pronunciar ou es­ coisa parecida. Tra­ta-se da verda­ crever doutrinas e ensinamentos; sacramentar deira cidadania, pois ensinam o caminho da é administrar sacramentos, sobretudo da con­ solidariedade e ajudam a construir a pessoa­ e fissão e comunhão, dar unção dos enfermos, uma nova sociedade baseada na justiça e na fra­ sagrar e consagrar a hóstia, ou ainda imprimir ternidade. É uma forma alternativa de com­bater caráter sagrado a, tornar sagrado”. a violência, a exclusão e a marginali­za­ção. No Evangelho de Mateus, a expressão de As obras de misericórdia não são programas Jesus é bastante clara: “estive enfermo e me para quem quer ajudar os outros, mas apontam visitaste” (cf. Mt 25,36). Note bem que Ele caminhos que educam em todos os níveis, prin­ disse “me visitaste”. Mas os católicos tradi­ cipalmente no da sensibilização. Elas despertam cionais, bem como a maioria dos agentes da nossa sensibilidade para a percepção de que se­ pastoral da saúde, têm uma grande preocu­ remos felizes quando os outros também o forem.

VISITAR OU DOUTRINAR OS ENFERMOS?


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pação: a de que os doentes recebam os sacramen­ tos. Essa atitude é justa. Porém, o fato de Jesus dizer “estive enfermo e me visitaste” nos faz refletir. Será que Jesus dava mais importância à visita do que à doutrina ou aos sacramentos? As palavras de Paulo na primeira carta aos Corín­ tios (1,14-17) nos alertam: “Agradeço a Deus o fato de eu não ter batizado nenhum de vocês, a não ser Crispo e Caio. Portanto, ninguém pode dizer que foi batizado em meu nome. Ah! Sim. Batizei também a família de Estéfanas. Além deles, não me lembro de ter batizado nenhum outro de vocês. De fato, Cristo não me enviou para batizar, mas para anunciar o Evangelho, sem recorrer à sabedoria da linguagem, a fim de que não se torne inútil a cruz de Cristo”. Muita gente confunde visitação com doutrinação e evangelização com conversão. Para isso, recorre aos versículos bíblicos de forma fundamentalista, ignorando muitas vezes a própria situação do doen­ te. Não é raro, por exemplo, a família se apressar em pedir os sacramentos para quem está doente. “Ah! padre, será que é possível levar a comunhão para meu esposo, esposa, pai, mãe, irmão... todos os dias”? Nessas circunstâncias fico me perguntan­ do: Em sua comunidade, essa pessoa recebia o sa­ cramento com tanta frequência? Qual a razão de comungar tantas vezes quando se encontra hospita­ lizada? Será que tudo isso é fé?

Segundo Leonard Martin “existem certas confu­ sões entre o significado que damos à palavra evan­ ge­­lização, que, não raras vezes, confundimos com doutrinação. Evangelizar é levar Cristo à pessoa a ser evangelizada. Essa evangelização pode ser feita pela presença amorosa, pelos serviços prestados, pela pa­ lavra, pela oração e obviamente pela celebração dos sacramentos. Doutrinação, por sua vez, é transmitir determinadas verdades, de que já temos posse, prin­ cipalmente ao paciente que está debilitado e fatiga­ do pelo seu sofrimento físico e emocional”. Por isso, o agente de pastoral poderá desempe­ nhar um papel muito importante ao visitar o doente, se souber ser sensível à complexidade da situação e tratá-lo não simplesmente como objeto de sua soli­ citude, mas como pessoa capaz de ser sujeito da sua doença, do seu tratamento, do seu viver e do seu morrer. Caso contrário, daremos tanta importância à doutrina que esqueceremos a pessoa. Porém não podemos esquecer que Jesus disse: “estive enfermo e me visitaste” (cf. Mt 25,36) e não “estive enfermo e me doutrinaste”.

Anísio Baldessin, padre camiliano,

é capelão do Hospital das Clínicas

da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

COMO ORGANIZAR A PASTORAL DA SAÚDE

Este é o título do “novo” livro do Pe. Anísio Baldessin. A obra, revisada e remodelada, tem como objetivo contribuir para a reflexão e a animação das equipes da Pastoral da Saúde e de seus milhares de agentes, capelães, assistentes religiosos hospitalares e domiciliares, visitadores de doentes, ministros da Eucaristia, bem como os que procuram educar para a saúde fazendo com que as pessoas não fiquem doentes. O autor apresenta dicas e práticas importantes que auxiliarão, numa perspectiva camiliana (São Camilo), a organização da pastoral da saúde nas dimensões solidária, comunitária e político-institucional, em dioceses paróquias e hospitais, ou seja, oferece elementos teórico-práticos para uma boa atuação. Afinal, como disse Kurt Lewin: “Nada pode ser tão prático como uma boa teoria”.

expediente

Adquira já o seu na secretaria do ICAPS pelo tel.: (11) 3862-7286, ramal 3, com Cláudia, ou peça por fax: (11) 3862-7286, ramal 6, e-mail: icaps@camilianos.org.br, ou em Edições Loyola, (11) 6914-1922, e nas livrarias católicas de sua cidade.

O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saú­­de­e Bioética – Província Ca­miliana Brasileira. Presidente: José Maria dos Santos

Conselheiros: Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Cláudia Santana

Revisão:

Joseli N. Brito e Rita Lopes

Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 05024-000 São Paulo, SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade: Mensal Prod. gráfica: Edições Loyola Tel. (11) 6914-1922 Tiragem: 3.500 exemplares

Assinatura: O valor de R$13,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 (onze) edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja ci­tada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.


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RELIGIÃO DEMAIS JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA

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ra religião demais, por isso falsa. Por causa dela, em 1978, morreram 914 pessoas em Jonestown, nas Guianas. Acre­ ditavam demais em Jim Jones e, por conseguinte, na morte; de menos nos evangelhos, por­ tanto, na vida. Se tivessem lido com atenção os evangelhos, não teriam dado ouvidos ao nada re­ verendo Jim Jones. Ele ensinava religião demais. Por causa disso, também mor­ reram os fiéis do falso Jesus Cris­ to do Texas e os 48 seguidores da seita Ordem do Templo, liderada por outro fanático, o médico bel­ ga Luc Jouret. Fiéis demais. Um fanático brinca de porta-voz de Deus ou de Jesus, às vezes con­ sidera-se o próprio Cristo reen­ carnado, e há sempre alguém que acredita. Crer com fanatismo é o mesmo que não crer direito, porque toda histeria religiosa esconde a morte em vez da ressurreição. Essa gen­

te dá mais importância à morte do que à vida. É negação demais e oração de menos. Religião em dose certa é um santo remédio; em dose demasia­ da, aliena, enlouquece e envene­ na. Tudo o que é exagero faz mal: frio, calor, bebida, sal, açúcar, ginástica, trabalho, barulho, críti­ ca, conselhos, palavras. Tudo isso fere. Religião também. Demais ou de menos, ela está mais perto do inferno do que do céu. Não são poucas as pessoas que se perdem na religião, quando pen­ sam que se encontraram. Foi re­ médio demais para elas. Desequi­ librou. Agem como leões ou como cordeirinhos. Querem mudar tudo e todos e não se importam com mais nada, porque tudo vira milagre ou vontade de Deus. Na maioria das vezes, não passa da vontade­de um pregador fanático. Cuidado com pregadores que absolutizam tudo aos berros. Cui­ dado com quem grita que “está

na Bíblia”. Pode até estar, mas não desse jeito. Na Bíblia, tam­ bém está escrito: “Se teu olho direito te escandaliza, arranca-o” (Mt 5,29). O escravo da Bíblia ao pé da letra conclui que, se pecar com o olho esquerdo, não precisa arrancá-lo, porque Jesus só falou no direito; ou vai e fura seu olho pecador em nome de Jesus. O último a querer que sejamos fanáticos é Jesus. Ele não veio trazer a morte ao pecador, mas a conversão e a vida. Pegue uma frase da Bíblia fora de seu con­ texto e você virará um fanático doentio, desses que pensam que só eles entendem as coisas. Pe­ gue a Bíblia como um todo e você terá uma religião serena, cheia de ternura. Cuidado com religião demais. É perigoso! Já vimos este filme. É muito perigoso! Padre Zezinho, SCJ,

é escritor, compositor e intérprete de músicas religiosas


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INFLUÊNCIA DA MÚSICA NA SAÚDE ELISETH RIBEIRO LEÃO

que, além da música, a forma como ela é levada para as ins­ tituições de saúde, ou seja, no relacionamento interpessoal, é um fator relevante nos resulta­ dos observados.

A música sempre acompanhou o homem ao lon­ go de sua história. Em um dado momento, passou a ser inserida sistematicamente na área da saú­ de, na qual surgiu a musicotera­ pia, abordada na arteterapia ora como disciplina independente, ora como recurso complementar utilizado por diversos profissio­ nais. Aqui será aprofundada pela Dra. Eliseth Ribeiro Leão. Revista Nursing – Comente sobre os trabalhos que a senhora vem de­ senvolvendo referentes à influên­cia da música na saúde. Como surgiu o interesse por essa área?

Eliseth Ribeiro Leão – Sempre gostei de música, mas meu in­ teresse por ela na enfermagem teve início em 1996, quando atuava ao lado de pacientes com dores crônicas. Muitas dessas dores eram refratárias aos tra­ tamentos propostos, e eu bus­ cava uma intervenção de enfer­ magem que pudesse contribuir para o alívio da dor, como me­ dida adjuvante ao tratamento farmacológico, ou pelo menos que possibilitasse melhor quali­ dade de vida aos pacientes.

Durante três anos fui responsá­ vel pelo projeto “Que tal uma música na sua vida”, dos Programas Educativos em Dor Crô­ nica, no Instituto de Or­ topedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP, conduzido por diver­ sos profissionais de saúde es­ pecializados nessa área. Com a música, os pacientes podiam deslocar sua percepção da dor crônica e viver uma experiência mais prazerosa e com possibili­ dades de resgatar o saudável em sua vida.

Nursing – A senhora também deu início ao projeto “Uma canção no cuidar”. Como foi essa experiência?

Eliseth – Depois do mestrado e doutorado na Escola de Enfer­ magem da USP, nos quais foi ve­ rificada a efetividade da medida no controle da dor, em 2003 iniciei o projeto “Uma canção no cuidar”, no Hospital Samari­ tano, com mais três enfermeiras musicistas e um músico. Esse grupo passou a levar música se­ manalmente aos pacientes adul­ tos internados, o que possibili­ tou a continuidade da pesquisa voltada, então, à influência da música sobre os estados de âni­ mo dos pacientes, acompanhan­ tes e funcionários do hospital. Iniciei também a investigação no ambiente domiciliar pós-alta, mediante a utilização de um CD patrocinado pelo hospital para distribuição gratuita aos pacien­ tes. Havia uma solicitação mui­ to grande por parte deles nesse sentido. Com isso ficou claro

Nursing – Como é realizado esse tra­ balho de saúde entre os músicos?

Eliseth – Em 2005, surgiu a opor­ tunidade do pós-doutorado na Universidade Marc Bloch. Pude investigar a comunicação nãoverbal mediada pela música entre os músicos que recebem formação específica de um ano naquela instituição e os idosos institucionalizados na França e em Portugal. Esse trabalho re­ sultou na produção de um vídeo didático em francês (com uma versão de áudio em português) para ser utilizado no curso de formação de músicos na França, bem como para suscitar a refle­ xão dos profissionais de saúde sobre essa temática em nosso meio. Em 2007, ampliamos o projeto para cuidar de quem cui­ da no Hospital Samaritano por meio de Oficinas Musicais. Vou coordenar um grupo de enfer­ meiras que vão atuar na pedia­ tria. Participei do projeto musi­ cal do Instituto Zero a Seis, que tem como missão produzir e dis­ seminar conhecimento científico relacionado à primeira infância – do período gestacional aos seis anos – como instrumento de pro­ moção da Cultura de Paz. Como podemos ver, demanda e traba­ lho é o que não faltam!

Nursing – Quais as dificuldades e facilidades para o enfermeiro atuar nessa nova área?

Eliseth – Quando há o desejo não há dificuldades, mas sim desa­ fios. O primeiro deles é o apro­ fundamento nos estudos sobre o tema. Há a necessidade do co­ nhecimento, pois se trata de uma intervenção de enfermagem vol­ tada à saúde e não um entreteni­ mento musical. Como é uma ati­ vidade realizada em paralelo ao


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exercício profissional e em cará­ ter voluntário, requer disponibili­ dade de tempo e energia. Como facilitador, podemos citar a aber­ tura das instituições de saúde a essa abordagem, sob a égide da humanização, o que favorece a implantação de projetos. Nursing – A música pode ser utili­ zada como recurso complementar no tratamento de dores crônicas? De que maneira? Eliseth – Sim, pois ela atua na percepção do fenômeno doloro­ so, pode produzir relaxamento, liberação de endorfinas (nossos analgésicos naturais), além de proporcionar uma experiência estética e simbólica, rica em imagens mentais. Nursing _ Como a música pode ser implantada nos hospitais? Quem seria o responsável por dis­ seminá-la nesse meio? Eliseth – A música pode ser im­ plantada nos hospitais median­ te a estruturação de projetos com objetivos bem definidos, que podem ser conduzidos por profissionais da saúde como en­ fermeiros, médicos, psicólogos, musicoterapeutas, fisioterapeu­ tas ou músicos, desde que te­ nham conhecimento de como a música atua na saúde humana: seus benefícios, suas possibilida­ des, suas limitações. Isso no que tange à musica. Por outro lado, se entendermos a saúde como um bem socialmente comparti­ lhado, todos os cidadãos podem colaborar com o universo sono­ ro, por exemplo, com a redução dos ruídos (tão prejudiciais) nas instituições ou fora delas. Nursing – Há hospitais no Brasil que já inseriram a música no pro­ cesso do cuidar dos pacientes?

Eliseth – Sim. Na enfermagem, o Hospital Samaritano é o pioneiro. As enfermeiras das unidades pres­ crevem, na SAE (Sistematização da Assistência de Enfermagem),­a música como cuidado. Os traba­ lhos de pós-graduação rea­lizados por enfermeiros da instituição têm fornecido suporte teórico para es­ sa prática, e os enfermeiros mu­ sicistas são chamados pelos cole­ gas para avaliações específicas e

orientações quando necessário. Cada vez mais cursos de gradu­ ação e eventos científicos da en­ fermagem têm solicitado pales­ tras sobre essa experiência. Em diversas regiões do país, outras instituições contam com profis­ sionais médicos que têm utilizado a música calma durante a realiza­ ção de partos. Muitos musicotera­ peutas têm atuado na assistência às crianças autistas e em diversas outras situações clínicas.

Nursing – Como está o mercado de trabalho para o profissional de enfermagem que quer se especiali­ zar na área da música na saúde?

Eliseth – Não se trata, propria­ mente, de mercado de trabalho. A música na enfermagem é so­ mente mais um tipo de inter­ venção prevista na NIC (Nursing Intervention Classification) e é utilizada desde Florence Nightin­ gale. É um recurso a mais entre tantos outros que compõem nos­ so arsenal de intervenções. Por ter ação integrativa, facilita o cui­dado bio-psico-socio-espiritual proposto pela enfermagem, as­ sim como a interação profissio­ nal-paciente. Quanto à especiali­ zação, não existe ainda formação específica na nossa área. Existem cursos de pós-graduação lato sen­su em Musicoterapia que os enfermeiros podem fazer. Acre­ dito que, como o interesse dos enfermeiros tem sido crescente sobre o tema, futuramente deve­ remos ter, ao menos, alguma dis­ ciplina na pós-graduação stricto sensu, para favorecer a troca de idéias e discussão no âmbito da nossa profissão.

Nursing – Fale um pouco sobre a experiência mais marcante que a senhora obteve nesta área.

Eliseth – Cada experiência é sempre única. Mas gosto muito de me lembrar de uma intervenção­ que fizemos no quarto de um senhor acompanhado de sua es­ posa, dois idosos. Ele acamado, res­piração bastante ofegante, com nebulização contínua e tudo o mais. Cantamos “Carinhoso”, e então ele nos perguntou se sa­bía­ mos cantar “Fascinação”. Quan­­do começamos a cantar, sua esposa

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começou a chorar copiosamente. Trocamos olhares e continuamos com a canção. Ao término, ela nos contou que há muito tempo ele tinha escrito a letra dessa mú­ sica e ofertado a ela. Então, em um momento sublime, ele olhou para ela, que lhe segurava a mão, e disse: “Vamos relembrar? Dême um beijo...”. A enfermeira da unidade retirou a máscara, visivelmente emocionada. E eles trocaram um lindo beijo na boca, tendo todos nós como testemu­ nhas daquele amor que resistiu ao tempo. Coisa de dois, três dias depois ele faleceu. E como a morte é uma boa conselheira­ da reflexão, conseguimos com­ preender um pouco mais a abran­ gência deste trabalho. Pergunta­ mo­-nos se tudo aquilo a que assistimos teria acontecido sem a presença da música (pelo me­ nos daquela forma) e ficamos muito gratos por ter participado de um momento tão especial no final da vida daquele ser. São experiências fortes e lindas, que muito nos têm ensinado.

Nursing – Como enfermeira e estu­ diosa das influências que a música tem na saúde, qual mensagem a senhora deixaria para aqueles que querem atuar nesta área?

Eliseth – Que responsabilidade, não? Bom, eu diria que a música é essencial à nossa vida e constitui um caminho possível no cuidado da saúde. É um recurso comple­ mentar que merece ser explorado pela enfermagem. É um recur­ so que nos auxilia, em primeira instância, a ouvir o outro, assim como a respeitar o silêncio (tão ne­ cessário), e isso faz toda diferença na forma como cuidamos. E, para tanto, conhecimento e amor são imprescindíveis, bons parceiros, já que conhecimento sem amor é arrogância e amor sem conhe­ cimento é sentimentalismo. Sim­ plesmente, não desistam! Dra. Eliseth Ribeiro Leão é doutora em enfermagem pela FEUSP, com

pós-doutorado pela Universidade March Bloch (França). Artigo

extraído da Revista Nursing – edição brasileira – jan./2007


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DA DIÁLISE A UM NOVO RIM. ENFERMIDADE E VIDA EM PLENITUDE MARÍA PILAR MARTÍNEZ BARCA

Desde recém-nascidos até pes­ soas adultas, em qualquer um pode surgir uma insuficiência, que se origina de malformação congê­ nita, de complicação em uma ci­ rurgia, de hipertensão arterial, de problemas da diabete, de cálculos e tumores... A diálise se torna imprescindí­ vel quando nossos rins já não fil­ tram as impurezas por meio da uri­ na. Pode ser na forma peritoneal, mediante um cateter ou tubo flexí­ vel no peritônio — membrana que reveste o abdômen —, ou de he­ modiálise, sem dúvida mais habi­ tual, por meio do sangue. Trata-se de limpar o organismo de substân­ cias nocivas e eliminar os líquidos que sobram. Conectar-se três vezes por se­ mana ao rim artificial, de duas a quatro horas por sessão, acarreta uma série de transtornos físicos, psicológicos e sociais. O apoio de uma associação é indispensável nesta doença: atenção à pessoa e à família, informação sobre trata­ mento e alimentação, grupos de auto-ajuda, atividades de lazer... ALCER Ebro e ALCER Madri (ALCER, Associação para a luta contra as enfermidades do rim),

bem como a Fundación Jiménez Díaz, serviram de ponte para os testemunhos seguintes. Calvário cotidiano

“É importante que os médicos sejam humanos, próximos. Porque a pessoa vai a um hospital três ve­ zes por semana e, além disso, vão lhe causar danos”, são palavras de Irene, que, por 18 anos, com­ partilhou a longa doença de seu filho Javier. Felizmente com um rim trans­ plantado em 1977, Pilar recorda sua difícil experiência: “O trans­ plante foi feito na França. Numa visita médica e após alguns exames­ descobriram que meus rins não ha­ viam se desenvolvido corretamen­ te. Foi como um raio que caiu em minha cabeça, pois ia me casar, ti­ nha 23 anos. Após 3 meses comecei a fazer diálise e passava muito mal, não suportava o tratamento, ema­ greci muito­— 42 quilos para 1,60 m de altura. Fiquei dezesseis meses à espera de um rim”. “Nunca se chega a acostumarse” — afirma Seve. “Além disso, as agulhas roçam a parede da veia e provocam dor. E você tem de di­ zer à enfermeira que as posicione

melhor.” Seve realizou a diálise, antes do transplante, em sua casa, com mais tranqüilidade, mesmo que com certos riscos ­— chegou a acabar a água ou a luz no meio de algumas sessões. Antonio, que padece de uma afecção hereditária — assim como seu pai e seu irmão —, estava tra­ balhando numa empresa metalúr­ gica pouco antes de começar a diá­­ lise. Hoje cobra uma pensão por incapacidade, que pode diminuir ou ser cancelada se se submeter ao transplante. Procuremos levar uma dieta po­ bre em sal, potássio e fósforo, ele­ mentos que podem produzir, ao não ser eliminados dos rins, algumas mudanças físicas: cansaço, irritabi­ lidade, inapetência sexual, náuseas, vômitos, cãibras na perna etc. Para Lolita, em quem detecta­ ram a poliquistosis renal, “a entra­ da em diálise foi um choque muito forte devido ao desconhecimento, e desde então minha vida mudou radicalmente. Foram anos difíceis, porque perdi parte de minha liber­ dade para depender de uma má­ quina. Além disso, tinha três filhos pequenos e um marido, não podia ficar parada”. Lista de esperança

“A média é um ano e meio. Po­ dem chamar a qualquer momen­ to com a grande notícia: há um rim para você”, dizia Ana, que se submeteu ao transplante há dois anos. Seus últimos anos de carrei­ ra — filosofia e letras — teve de conciliá-los com a diálise. “Cha­ maram-me uma noite, fizeram os exames necessários e em seguida fui operada. Acordei numa grande sala de máquinas. É surpreenden­ te voltar a urinar. Esse fato mudou minha vida.” E Lolita relata: “Quando com­ pletou um ano de diálise me sub­ meti ao transplante. Foi imensa a alegria e grande a esperança, como é para milhares de doentes. Recuperei parte de minha autono­


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mia, mesmo ainda doente, com outras complicações provocadas pelo próprio transplante. Mas este foi meu caso, meu irmão de rim continua muito bem”. Continua esperando um segundo rim há dez anos, nem sempre em lista de espera: “Um transplante ofere­ ce uma segunda oportunidade”. Antonio corrobora: “O transplante não é a cura definitiva, é preciso cuidar desse novo rim para que dure o máximo possível. Mas por outros companheiros transplanta­ dos e por minha própria irmã, sei que proporciona uma importante melhora na qualidade de vida”. Pilar tem uma experiência de quase trinta anos: “Senti-me fe­ liz, livre e com muita vontade de viver. Faz quase vinte e oito anos que me submeti ao transplante, e dou graças à pessoa que me doou seu rim. Porque de imediato esta é uma outra vida”. Irene doou um dos rins a seu fi­ lho Javier. Tinha 17 anos quando descobriu sua insuficiência, embo­ ra o problema viesse desde o nas­ cimento. “Tivemos de pensar mui­ to, sobretudo na responsabilidade familiar: tinha um marido e outros cinco filhos, não poderia acontecer nada comigo”. Mas se decidiu, pois diziam que o transplante entre vi­ vos era mais seguro e legalmente só possível de pai para filho — em outros casos se declarado perante um juiz que era algo completamen­ te altruísta. “E doar a seu próprio

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filho é como dá-lo à luz pela segun­ da vez, também há dor. O amor por um filho é como uma árvore, a raiz de tudo. Foram seis meses preciosos.” Vida em plenitude

Chus deixa a reunião, caminha para seu trabalho. Há seis meses operada, tem vida quase normal. Eduardo se manifesta eufórico: “Por não ter me cuidado, sofri in­ tervenção no fígado e rim. A dia­ bete me deixou quase cego. Agora tudo é diferente, mudei meu com­ portamento e até sou mais aberto com as garotas”. Os imunossupressores ou medi­ camentos contra rejeição baixam consideravelmente as defesas. Por isso, tem de se cuidar e viver ple­ namente cada etapa, dentro do possível. Antonio encontra-se na primei­ ra fase. Casado, com um filho, 47 anos, está à espera de um trans­ plante. Em dezembro de 2003, iriam dar-lhe dispensa do traba­ lho, pouco antes de começar a diá­lise. “Entre uma sessão e ou­ tra procuro levar uma vida nor­ mal com as limitações decorren­ tes da doença: não fazer esforço, fazer dieta e ingerir o mínimo de líquidos,­ mesmo que nem sempre se consiga”, lembra. Conciliar o tratamento com as ta­refas domésticas não é fácil: “Limpo minha casa, vou às com­ pras, mesmo que, às vezes, custe

um grande esforço, dependendo de como estão minhas forças”. Lo­ lita e os seus planejam com muita antecedência as férias, para esco­ lher com tempo um lugar onde se possa fazer diálise. Irene comentou como não cos­ tumam sair. Javier se submeteu ao transplante duas vezes: na primei­ ra, recebeu um rim de sua própria mãe e, na segunda, de um jovem de 21 anos, de identidade desco­ nhecida, que falecera de acidente. “A generosidade foi muito maior no caso da mãe desse garoto”, diz emocionado. Pilar considera-se realizada, em­ bora comece a ter dores nos ossos­ e outros problemas, devido à me­ dicação através dos anos: “Mas enquanto meu rim transplantado está bem, tudo o mais não tem im­ portância. Sou feliz”. Palavras de Lolita: “Sou crente. Mesmo continuando a esperar, te­ nho a sorte de ter uma família que tem me acompanhado e apoiado sempre. Além disso, tive a opor­ tunidade de fazer amigos nas diá­ lises, e acabei sentindo-me muito unida a pessoas que compartilham uma parte importante de sua vida, que compreendem seus sentimen­ tos e problemas e lutam dia a dia como você”.

Extraído da Revista Humanizar, tra-

duzido por José Lourenço Garcia

Estão abertas as inscrições para o Congresso de Pastoral da Saúde nos dias 7 e 8 de setembro de 2007 Local: Anfiteatro do Centro Universitário São Camilo Avenida Nazaré, 1501 – Ipiranga – São Paulo O depósito para o pagamento da inscrição deverá ser feito no: Banco Bradesco | Agência 0422-7 | Conta corrente 89407-9 | em nome de: Província Camiliana Brasileira Nome: Endereço: Cx. Postal:

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Telefone: Taxa R$ 20,00, até 30 de agosto, e R$ 30,00, após esta data. A organização do congresso não se responsabilizará pela hospedagem e alimentação dos participantes. Preencha a ficha e mande, juntamente com o comprovante do depósito, para a secretaria do ICAPS por fax: (11) 3862-7286, ramal 6, ou pelo correio: Rua Barão do Bananal, 1125 • 05024-000 ­— São Paulo – SP. Para maiores informações: tel.: (11) 3862-7286, ramal 3, com Cláudia, das 8h às 17h30, ou e-mail icaps@camilianos.org.br.


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Artrose ou osteoartrite, uma doença articular degenerativa, é o resultado de eventos mecânicos (trabalho, trauma, peso etc.) e biológicos (metabolismo, doenças, etc.) que alteram o equilíbrio entre a formação e a destruição da cartilagem, e pode acometer uma ou várias juntas. Tal problema tem como causa fatores genéticos (hereditários), ambientais, metabólicos, traumáticos. Atinge cerca de 15% da população em geral e ocorre em qualquer idade, porém é mais freqüente ao envelhecer. A artrose provoca a destruição das articulações, principalmente as que suportam peso. É considerada a doença mais comum do aparelho locomotor e a maior causa de incapacidade tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Pode causar séria incapacidade, mesmo para atividades do dia-a-dia, tornando-se uma doença crônica bastante prejudicial, tanto do ponto de vista humano quanto financeiro. Com o envelhecimento da população, os casos de artrose e suas conse-

qüências trazem grande impacto socioeconômico. Aproximadamente, 40% dos adultos com mais de 70 anos apresentam artrose de joelho, e 80% destes têm algum tipo de limitação de movimento. Programas de atendimento que visam, principalmente, à prevenção, bem como ao diagnóstico e ao tratamento em fases iniciais da doença, podem ajudar a minimizar os prejuízos ao indivíduo e à sociedade. Os fatores que causam esse problema são:

genéticos (hereditários), ambientais, metabólicos, traumáticos.

A artrose pode acometer uma ou várias juntas. Epidemiologia A artrose atinge cerca de 15% da população geral e pode ocorrer em qualquer idade, porém é mais freqüente ao envelhecer.

CHEGOU O QUE VOCÊ ESPERAVA! Você que já conhece o livro, Como visitar um doente, de Padre Anísio Baldessin, não pode perder a opor­tunidade de levar para casa, ou para seu grupo, o DVD com a palestra “Como visitar um doente”. Nessa palestra, Padre Anísio dá importantes dicas de como se comportar numa visita ao doente, tanto em casa como no hospital. É um DVD de fácil compreensão e preço acessível. Por apenas R$ 10,00, incluída a taxa do correio, você terá em mãos um excelente subsídio pastoral. Para adquiri-lo, entre em contato com Cláudia, na secretaria do ICAPS, pelo tel. (11) 3862-7286, ramal 3, das 8 horas às 17h30. Você poderá também efetuar seu pedido pela Internet no e-mail: icaps@camilianos.org.br.

Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 e-mail: icaps@camilianos.org.br Rua Barão do Bananal, 1.125 05024-000 São Paulo, SP

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