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Informativo do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética setembro de 2007 Ano XXV – no 256 Província Camiliana Brasileira

❒ Pastoral

❒ bioética

❒ humanização

PROGRAMA DO XXVII CONGRESSO BRASILEIRO DE HUMANIZAÇÃO E PASTORAL DA SAÚDE Tema: PASTORAL DA SAÚDE: DESAFIOS ECLESIAIS, ÉTICO-AMBIENTAIS E SOCIOPOLÍTICOS

Sexta-feira | 7 de setembro 7h15 às 8h15

Entrega de material e inscrições

9h15 às 10h15

A Pastoral da Saúde na Igreja: níveis de responsabilidade dos padres, bispos, leigos e religiosos – Júlio Serafin Munaro

8h15 às 9h15

10h15 às 10h45 10h45 às 12h 12h às 13h15 13h15 às 14h 14h às 15h15

15h15 às 15h45 15h45 às 17h 17h15

Oração e abertura

Intervalo para café O futuro da Igreja e as perspectivas para a Pastoral da Saúde – Dom Odilo Pedro Scherer Intervalo para almoço

Tribuna livre – Espaço para apresentações

Mesa-redonda: Saúde e meio ambiente; Amazônia: reflexos da Campanha da Fraternidade 2007 - Luis Antônio de Sousa Amaral; Bioética e meio ambiente – Pe. Chris tian de Paul de Barchifontaine; Aquecimento global: verdades e mitos – Amélia dos Santos Intervalo para café

Continuação do tema e debates Encerramento

Sábado | 8 de setembro 7h45 às 8h45

Celebração da missa

9h30 às 10h15

Distúrbios alimentares: anorexia e bulimia – Dr. Hewdy Lobo Ribeiro

8h45 às 9h30

10h15 às 10h45

A Pastoral da Saúde da CNBB no contexto da saúde no Brasil – Dr. André Luis de Oliveira Intervalo para café

10h45 às 12h

Assistência pastoral no mundo moderno – Pe. Anísio Baldessin

13h15 às 13h45

Tribuna livre – Espaço para apresentações

12h às 13h15

13h45 às 14h30 14h30 às 15h15 15h15 às 15h45 15h45 às 17h 17h30

Intervalo para almoço

A organização da assistência religiosa no hospital – Experiência do CARE Comitê de Assistência Religiosa, do Hospital das Clínicas de São Paulo – Dra. Maria Mathilde Marchi

A organização da Pastoral da Saúde na diocese – Experiência de São José dos Campos – Sebastião Geraldo Venâncio e Maria José de Almeida Intervalo para café

Psicologia, Psicanálise e Fé Religiosa – Jorge W. S. Amaro Encerramento do congresso

A taxa de inscrição é de R$ 20,00, até 30 de agosto, e R$ 30,00, após esta data. A organização do congresso não se responsabilizará pela hospedagem e alimentação dos participantes. Para maiores informações: tel.: (11) 3862-7286, ramal 3, com Cláudia, das 8h às 17h30, ou e-mail: icaps@camilianos.org.br

Local do congresso: Centro Universitário São Camilo, Avenida Nazaré, 1501, Ipiranga, São Paulo

Como chegar ao local do congresso Terminal rodoviário do Tietê | Chegando ao terminal rodoviário do Tietê, você deverá tomar o metrô sentido Jabaquara e descer na estação Paraíso. Nesta estação, pegue o metrô sentido estação Alto do Ipiranga. Esta estação fica próxima à Avenida Nazaré. Você poderá tomar um táxi ou ônibus para chegar até o local. Terminal rodoviário da Barra Funda | Chegando ao terminal rodoviário da Barra Funda, você deverá tomar o metrô sentido Praça da Sé. Na Praça da Sé, tome o metrô sentido Jabaquara e desce na estação Paraíso. Nesta estação, tome o metrô sentido estação Alto do Ipiranga. Esta estação fica próxima à Avenida Nazaré. Você poderá tomar um táxi ou ônibus para chegar até o local.


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SOLIDARIEDADE NA UTI MÔNICA BUSSINGER

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expediente

e pudesse voltar atrás, mu­ daria meu modo de agir. Não faria tudo sozinha. Buscaria mais ajuda, até mesmo para não ficar indo aos lugares sem companhia. A solidão em momentos difíceis torna tudo muito mais doloroso.” A constatação é da terapeuta corporal Maria Júlia Miele, que, após acompanhar a filha Sofia em uma UTI por um ano e quatro me­ ses, até a morte da criança, não guardou o sofrimento num com­ partimento escuro do coração. Ela decidiu usar toda a expe­ riência adquirida para fazer com que as mães em situação seme­ lhante se sentissem mais ampara­ das, fortalecidas e menos so­­litárias. Maria Júlia primeiro escreveu o livro: Mãe de UTI – Amor incondi­ cional, depois foi além e fundou o Instituto Abrace, uma organização não-governamental. A ONG atende por meio do ende­ re­ço www.institutoabrace.gov.br. A média é de três mil acessos por mês, e chegam a quase duas mil as mensagens enviadas no perío­ do de um ano. Ao acessar a home page, descortina-se um mundo­ de solidariedade. O link “Mural de mensagens” é o ponto de encon­ tro de mães e pais que contam experiências vividas com os filhos internados na UTI; em “Me dê uma luz”, estão as reportagens e os artigos informativos; o link “Dê uma mãozinha” viabiliza trocas e doações de produtos, serviços e equipamentos de saúde.

Os três efes: fé, força e família Tudo começou em 18 de ju­ nho de 2005. Eram l8h54 quan­ do Sofia nasceu. Cesariana de ris­ co, mas bem-sucedida. A menina foi levada imediatamente para a UTI (Unidade de Terapia Intensi­ va) do hospital. Ela apresentava problemas no coração e viveu du­rante um ano e quatro meses assim. Maria Júlia tinha 34 anos, dois de casada. A menina passou cerca de qua­ tro meses em casa, mas em siste­ ma de Home Care, que é o tra­ tamento intensivo no lar. Foi um tempo de solidão: “Tinha muita dificuldade de me abrir, de desa­ bafar com as pessoas, porque me sentia muito pesada e não tinha coragem de dizer o que eu vivia para quem estava próximo de mim, como familiares e amigos. Acreditava que eles não teriam estrutura para me ouvir”, lembra Maria Júlia. Assim, o recurso que encon­ trou para sobreviver foi escrever. Abria o computador e digitava tudo o que queria dizer a alguém. Quando terminou a história, que culminou com a morte da filha, por acaso o material foi parar na mão de uma editora. “Ela quis transformar minha experiência em livro e me convenceu de que seria importante para ajudar ou­ tras pessoas que passavam por uma situação semelhante, e eu concordei”, conta a terapeuta.

O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saú­­de­e Bioética – Província Ca­miliana Brasileira. Presidente: José Maria dos Santos

Conselheiros: Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Cláudia Santana

Revisão: Joseli N. Brito e Milene Albergaria Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 05024-000 São Paulo, SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade: Mensal Prod. gráfica: Edições Loyola Tel. (11) 6914-1922 Tiragem: 3.500 exemplares

Em seguida, veio o questio­ namento sobre o sentido de ter vivenciado toda aquela situação e da história de vida ter virado livro. “Será que não haveria algo mais que eu poderia fazer? O li­ vro conta minha própria história, mas e as pessoas? Elas também poderiam ter um lugar para de­ sabafar e se encontrar com quem estivesse passando pela mesma situação em busca de orientação, de amor, de informação. Então, veio a idéia de criar a ONG, o Ins­ tituto Abrace. Abrimos a sede no endereço virtual e, assim, passa­ mos a atuar dentro e até fora do país...”, revela Maria Júlia. Ela passou a incentivar as pes­ soas a escrever, a mandar fotos e a compartilhar essa vivência. Se­ gundo Maria Júlia, nesses momen­ tos, é importante para todos, prin­ cipalmente para os pais da criança internada, o fortalecimento­dos la­ ços familiares: “Procuramos orien­ tar os familiares sobre como abor­ dar o assunto com os pais e entre eles e, também, como transformar o que aconteceu em algo que as pessoas aceitem e com o qual con­ sigam conviver da melhor manei­ ra possível”. Para a terapeuta, no caso da criança, especialmente, é impor­ tante lhe dar muito amor e evitar revoltar-se. “É fundamental saber que, acima de tudo, existe Deus. É necessário que as pessoas en­ contrem Deus e acreditem nele, principalmente nessas horas. Sem Assinatura: O valor de R$13,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 (onze) edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja ci­tada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.


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fé, não se consegue passar por uma situação como a que eu vivi e que tantas pessoas enfrentam. Sem fé, não se passa sequer pela vida. Como seria possível viver sem acreditar em Deus, sabendo que um dia se vai morrer? Sem fé, não há resposta, não há expli­ cação, não há amor possível, por­ que aí a pessoa se revolta, cai na solidão, no isolamento. A receita para superar esses momentos di­ fíceis são os três ‘efes’: fé, força e família”, ensina. Maria Júlia conta que viveu momentos solitários quando teve de tomar decisões definitivas, ati­ tudes completamente estranhas à vida que levava antes de ser mãe de UTI, e que até hoje se pergun­ ta se acertou ou não. “Na ONG tentamos mostrar às pessoas que a boa decisão é conseqüência da boa informação. É preciso apren­ der tudo sobre o caso, ler o que existe a respeito, conversar com várias pessoas. A partir do mo­ mento em que se toma a decisão de acreditar no tratamento e nos profissionais, não cabe mais a dú­ vida”, explica. Existe uma medicina que vai além Embora a ONG seja recémcria­da, com apenas um ano de atua­ção, o trabalho expande-se em diversas frentes. Uma luta im­ portante, segundo Maria Luiza, é a de tornar mais ágeis as po­ líticas públicas. Ela explica que o Instituto Abrace procura atuar para tornar os procedimentos menos burocráticos e, ao mesmo tempo, informar as pessoas so­ bre os benefícios a que elas têm direito e, às vezes, nem sabem que existem. Outra frente de atuação é a luta por melhorias no acolhimen­ to às mães dessas crianças. No entender da fundadora do Institu­ to Abrace, medidas simples pode­ riam ajudar muito, como a adap­ tação de um local na própria UTI para sala de descanso das mães. “Elas, às vezes, foram submetidas a uma cesariana e, para amamen­

tar o filho, precisam ficar de pé no corredor do hospital, esperan­ do a hora de entrar e sem poder alimentar-se. Um ambiente con­ fortável iria propiciar tranqüilida­ de à mãe. Em conseqüência, ela teria mais leite e transmitiria mais serenidade ao bebê”, observa. A interação com os médicos também é considerada importan­ te pela terapeuta. Ela defende que as famílias procurem entender os profissionais envolvidos na assis­ tência às crianças, dentro da UTI, porque eles também são seres hu­ manos, são pais e mães e sofrem quando as coisas não vão bem. Como alguém que conviveu num ambiente em que o limite entre a vida e a morte é muito tênue, em que a esperança, não raras vezes, dá lugar ao deses­ pero e ao medo da perda, Maria Júlia insiste: “O importante é lu­ tar, sempre acreditando na vida”. Mesmo presenciando a difícil si­ tuação dos pequenos pacientes, ela condena qualquer proposta que, com a justificativa de ameni­ zar o sofrimento, induza à morte: “É um pecado mortal propor algo assim a uma mãe que precisa de fé e força para acreditar que o fi­ lho vai-se recuperar”. Maria Júlia também lembra as inúmeras vezes em que os mé­ dicos consideraram esgotadas as

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possibilidades de recuperação, e as pessoas sobreviveram e con­ tinuaram vivas por muito tem­ po: “Acredito que existe uma medicina que vai além daquela que podemos ver, e todo médico sabe disso”. Para a terapeuta, é preciso conseguir um equilíbrio entre expor a realidade e, ao mesmo tempo, preservar a espe­ rança e a fé dos pais. “Quando Deus tem de receber alguém lá em cima, ele vai fazer isso no dia certo, na hora certa, no momen­ to certo para a criança e para os pais”, afirma a fundadora do Instituto Abrace. Na avaliação da terapeuta, tão importante quanto a fé, é não sentir culpa e vivenciar o pro­ blema não como uma barreira, mas como o degrau de uma es­ cada que leva para o alto, nunca para baixo. “Uma certeza tenho: se você é mãe ou pai e teve uma criança especial, é porque você também é especial para recebêla. Caso contrário, Deus não a mandaria. Portanto, é preciso ser forte e honrado para passar por tudo isso como convém”, afirma Maria Júlia.

Artigo extraído do Jornal de

Opinião, maio de 2007


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LIVROS E SUBSÍDIOS ÚTEIS PARA A PASTORAL DA SAÚDE E OS MINISTROS DA EUCARISTIA

LANÇAMENTOS Como organizar a Pastoral da Saúde | Padre Anísio Baldessin A presente obra, revisada e remodelada, tem como objetivo contribuir para a reflexão e a animação das equipes da Pastoral da Saúde e de seus milhares de agentes, capelães, assistentes religiosos hospitalares e domiciliares, visitadores de doentes, ministros da Eucaristia, bem como os que procuram educar para a saúde fazendo com que as pessoas não fiquem doentes. O autor apresenta dicas importantes e práticas que auxiliarão, numa perspectiva camiliana (São Camilo), a organização da Pastoral da Saúde, nas dimensões solidária, comunitária e político-institucional, em dioceses, paróquias e hospitais, ou seja, oferece elementos teórico-práticos para uma boa atuação prática. Afinal, como disse Kurt Lewin: “Nada pode ser tão prático como uma boa teoria”.

Assistência religiosa aos doentes: aspectos psicológicos | vários autores A assistência religiosa aos doentes, tanto no hospital como em domicílio, foi, por muito tempo, considerada uma atividade destinada simplesmente àqueles que estavam prestes a morrer. Além disso, tinha como única preo­ cu­pação os aspectos religiosos. No entanto, ao longo dos anos, as igrejas das mais diferentes denominações ampliaram sua atuação, ou seja, sem querer entrar no campo destinado à psicologia, se utilizaram dessa ciência para prestar uma assistência religiosa mais eficaz. Este livro, que é uma coletânea de artigos, traz dicas muito importantes para padres, pastores, rabinos e leigos (ministros da Eucaristia) que diária ou semanalmente prestam assistência religiosa em hospitais, domicílios ou casas de repouso.

Pastoral da Saúde: orientações práticas | Padre Anísio Baldessin Hoje são muitos os que, voluntariamente, se dispõem a visitar os doentes em hospitais, asilos e domicílios. Homens e mulheres com uma fé admirável e uma enorme vontade de servir. Pessoas que trazem no coração um imenso desejo de ser bom. É importante lembrar que não basta querer ser bom, é preciso saber ser bom. Este livro é uma coletânea de artigos e/ou reflexões, fruto da atividade diária do próprio autor junto aos doentes, familiares e profissionais do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os capítulos não precisam, necessariamente, ser lidos em seqüência, pois os temas propostos são independentes. Seu único objetivo é provocar discussões e debates nos grupos que visitam os doentes, em casa ou no hospital. O livro pode ser útil também aos ministros da Eucaristia ou ministros extraordinários dos doentes.


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Como visitar um doente | Padre Anísio Baldessin Este livro procura dar algumas dicas para capelães (padres, pastores), agentes da Pastoral da Saúde e ministros da Eucaristia que visitam doentes em hospitais e domicílios. Nele o leitor encontrará algumas dicas pastorais sobre o que se deve e o que não se deve falar ou fazer na visita pastoral ao doente. O autor procura responder a algumas perguntas comuns como: quanto tempo pode durar a visita, o que dizer ao doente quando ele chora, permanece em silêncio, é de outra religião, está em estado grave, entre outras.

Ministério da vida. Orientações para agentes de Pastoral da Saúde | Leo Pessini Esta obra traz orientações para pastorais junto aos doentes, seja em hospitais ou em domicílio, tendo sempre em vista as perspectivas e os desafios que o mundo da saúde apresenta para a ação pastoral. Seu conteúdo temático responde às solicitações de comunidades, de agentes da Pastoral da Saúde e recolhe experiências vivenciadas pelo próprio autor em seu trabalho pastoral. Editora Santuário, Aparecida, SP.

Como lidar com o paciente em fase terminal | Leo Pessini Uma reflexão sobre ética entendida como um grito pela dignidade humana, contextualizando tal reflexão perante os grandes progressos apresentados pela medicina nos últimos anos, que provocaram o surgimento de novas questões como: Dizer a verdade ao paciente? O que é eutanásia, distanásia, ortotanásia? Esta obra também aborda aspectos importantes relacionados ao tema, como alguns princípios ético-cristãos, qualidade de vida, meios ordinários e extraordinários de tratamento, dor e os direitos do paciente em fase terminal, o processo de morrer e o direito de dizer adeus à vida com dignidade. Editora Santuário, Aparecida, SP/Centro Universitário São Camilo, São Paulo.

Adquira já o seu na secretaria do ICAPS pelo tel.: (11) 3862-7286, ramal 3, com Cláudia, ou peça por fax: (11) 3862-7286, ramal 6, e-mail: icaps@camilianos.org.br, ou em Edições Loyola, tel.: (11) 6914-1922, e nas livrarias católicas de sua cidade.


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PSICOLOGIA E RELIGIÃO MARIA INÊS TAVARES CARDOSO

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xiste hoje certa tendência a se buscar soluções psicoló­ gicas para diferentes situações. Existe também certa busca ao que se tem chamado de “cultivo da espiritualidade”. E existe, ao final de tudo isso, certa confusão. Psi­ cologiza-se a espiritualidade, es­ piritualiza-se a psicologia, reduzse uma a outra e não se cultiva nada nem se chega a lugar algum. Existe afinal algo em comum en­ tre prática religiosa e psicologia? Tal tema daria vários livros. Por isso vou falar de um detalhezinho, tentando mostrar um ponto que revela, a meu ver, que precisamos mesmo de ambas, que elas se re­ lacionam e nos suprem. Religião, como o próprio nome diz, religa. Religa cada pessoa com o Ser, o mundo com Deus. Religião, portanto, traz para as pessoas e para o mundo um sen­ tido de transcendência, de que as coisas não se reduzem ao visto e conhecido, revelando a existên­ cia de um Ilimitado que participa desta vida que vivemos e é parte importante dela. A psicologia, em contrapartida, lida com compor­ tamentos e emoções humanas. Trata de nosso modo de ser e de agir neste mundo. Modo de ser e de agir carregado das limitações características do ser humano. Quando alguém passa por al­ guma dificuldade, por alguma dor, alguma crise, pensa em bus­ car auxílio na psicologia, ou na religião, ou em ambas, ou, muitas vezes, em uma pensando na ou­ tra e vice-versa. Ora, a psicologia pode ajudar, a quem pratica ou não uma re­ ligião, a compreender seus pró­ prios sentimentos e reações, a ter uma visão mais clara da situação

como um todo, a enxergar e com­ preender os outros, a ensaiar mu­ danças, reorientar a existência. A religião, por sua vez, pode ajudar a transformar a consciência dessa limitação em humildade, que é a consciência de estar plantado na terra úmida, passível a todas as intempéries, sem controle abso­ luto sobre as infinitas possibilida­ des. E junto com essa noção, dá a noção do ilimitado, amor criador que a tudo envolve, gerador de consolo, esperança, sentido. Há pessoas que se consideram religiosas, mas que, por não con­ seguirem lidar livremente com suas mágoas, dores, erros próprios ou alheios, não se desenvolvem espiritualmente, têm uma religião burocrática, cheia de defesas e não se deixam transformar por sua prática, ou seja, não chegam a se “religar” verdadeiramente ao Transcendente. Outras atêm suas buscas à compreensão psicológica e se tor­ nam amargas, céticas. Hoje so­ mos, como nunca antes, levados a nos considerar donos absolutos de nossa vida, de todas as esco­ lhas, de todas as soluções, somos como deuses, e como tais não queremos nos submeter a nada, cobramo-nos tomar conta de tudo e, quando erramos, o fazemos de modo absurdamente desastroso e solitário. É comum nos ouvir perguntar culpados: “Como pude fazer isso? Causei tudo isso?”. Ou nos expressar impotentes: “Não consigo mudar isso, é comple­ xo demais, sou muito micho...”. Ou ainda injustiçados: “Por que comigo?”. E a psicologia pode ajudar a desfazer esses excessos de percepção. Mas, como podem muitas vezes estar relacionados a

situações irreversíveis, como, por exemplo, alguma perda irrepará­ vel, talvez a psicologia, construc­ to humano, não consiga por si só restituir plenamente a integridade perdida, a paz interior. Àquelas a psicologia pode aju­ dar lançando nova luz sobre suas vivências, tornando-as livres de certos pesadelos, vendo a si mes­ mas em sua humanidade, iguais a tantos outros, nos quais iden­ tificarão as mesmas limitações e motivações, os mesmos egoísmos, necessidades, dores e angústias, desenvolvendo assim a empatia que Moreno, criador do psicodra­ ma, tão bem descreve: “Quando eu te encontrar face a face, olhar a olhar, que eu possa arrancar os teus olhos e colocá-los no lugar dos meus, e que tu possas arran­ car os meus olhos e colocá-los no lugar dos teus, pois assim eu te verei com os teus olhos e tu me verás com os meus”. Às outras uma religiosidade vivida pode levar a uma transfor­ mação profunda do modo de ver e de viver a própria realidade, como nos mostra o bispo poe­ ta Dom Hélder Câmara, que diz: “Quando houver contraste entre a tua alegria e um céu cinzento, entre a tua tristeza e um céu sem nuvens, bendiz o desencontro: é aviso divino de que o mundo não começa nem acaba em ti”. Vivenciar uma e outra apri­ mora o senso de fraternidade, de pertença a algo maior, o estar junto sem julgamentos, a abertura ao inusitado, o dom de perdoar, a capacidade de amar. Artigo extraído do Boletim Informativo da Paróquia Santa Tereza de Jesus, Ano XXI, nº 263, abril 2007


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GRIPE AVIÁRIA: VERDADEIRA AMEAÇA OU GRANDE PARANÓIA? CLÁUDIA RABELO LOPES

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o debate “Da SARS à gripe aviá­ ria: lições apreendidas e novos desafios”, no congresso sobre saúde pública e coletiva da ABRASCO (As­ sociação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva), os especialistas americanos George C. Benjamin e David Heyman, o canadense David Butler-Jones e o brasileiro Jarbas Barbosa Silva Júnior falaram sobre o impacto potencial de uma pandemia de gripe aviária em humanos e de como seus governos estão encarando essa ameaça. O público, de diversas nacionalidades, lotou o auditório do pavilhão 4 do RioCentro. O governo dos Estados Unidos estima que, no caso de uma epide­ mia de gripe, aproximadamente 1,8 milhão de pessoas morreriam no país, 100 milhões teriam de ser hos­ pitalizadas e 30% da população seria afetada. Segundo David Heyman, do Programa Estratégico de Seguran­ ça Nacional do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS, na sigla em Inglês), é preciso pla­ nejamento para uma situação desse porte, pois, embora a pandemia não seja realidade neste momento, estão postos todos os elementos para que ocorra, com exceção da transmissão entre humanos. Heyman disse achar provável que, na primeira onda de uma pandemia de gripe aviária, não se possa ainda contar com uma vacina. Nesse caso, os antivirais podem ajudar a reduzir o número de óbitos, mas seus efeitos sobre a transmissão da doença seriam modestos. O melhor caminho para o controle da infecção seria o que ele chamou de “medicina antiga”: inter­ venções não-farmacológicas, como medidas de higiene, isolamento, e uso de equipamentos, como másca­ ras e umidificadores. “Tudo isso com base em estudos sobre o que funcio­ nou na epidemia de 1918”, disse. O foco prioritário dessas interven­ ções deve ser a interrupção do ciclo de transmissão, reduzindo o contato com pessoas infectadas. Mas, com a SARS (Síndrome respiratória aguda), aprendeu-se que é preciso repensar o conceito de quarentena e procu­ rar usar medidas menos restritivas possíveis. Um novo conceito seria distribuir as pessoas de modo que fiquem menos expostas, modificando

horários de trabalho, por exemplo. Ele considera que, além dos órgãos de saúde, os de defesa civil e segu­ rança pública devem ser envolvidos no planejamento. George C. Benjamin, da APHA (Associação Americana de Saúde Pública), disse que, se a pandemia ocorrer, o país deve estar preparado para lidar com uma possível irrupção social, garantindo a integridade dos serviços básicos. Ele defendeu que as estratégias não venham a ser feitas apenas pelo pessoal dos gabinetes: “A comunidade deve ser chamada a elaborar o planejamento com os órgãos públicos, e cada família deve ter seu próprio plano de resistência”. Além disso, é preciso dar especial atenção aos grupos mais vulneráveis socialmente. O Canadá foi um dos países afe­ tados pela SARS, computando 24 vítimas fatais. Para David ButlerJones, da Agência de Saúde Pública, no atual contexto de urbanização, mudanças climáticas e disparidades econômicas, é impossível prevenir completamente o aparecimento ou reaparecimento de epidemias, mas podemos reduzir seus impactos. Ele disse acreditar que a principal arma contra uma possível pandemia de gripe é a informação de qualidade e o envolvimento da população na ela­ boração das estratégias de ação. “É preciso sermos honestos sobre o que sabemos, o que não sabemos e o que as pessoas podem fazer”, afirmou. Sobre medidas drásticas, como fe­ chamento de fronteiras, estudo feito no Canadá mostrou que não se trata de uma boa idéia. Nos aeroportos, por exemplo, a medida considerada mais efetiva, no momento, é o con­ trole do trânsito de aves e a garantia de que os passageiros conheçam os sintomas e saibam o que fazer se se apresentarem. Ou seja, educação é a chave. Nesse sentido, Jones ressaltou o papel da mídia para que as pessoas tenham acesso fácil e rápido às infor­ mações corretas, na medida em que o tempo é um fator crucial no contro­ le da transmissão. Jarbas Barbosa, da SVS/MS (Se­ cretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde), reconheceu que não se sabe se, quando nem com ­que gravidade uma pandemia de gripe avi­ ária poderia acontecer. O importante,

então, são as medidas que podem­ser úteis na resposta a qualquer emergên­ cia, especialmente no que se refere a treinamento de equipes, reforço da estrutura dos laboratórios, produção e aplicação de vacinas das gripes sa­ zonais, além da avaliação de medidas não-farmacológicas para a produção de evidências sobre eficácia. “Medidas que não têm efetividade dispersam recursos, causam descrédi­ to na população e atrapalham as ações efetivas”, usou Barbosa seu bom sen­ so, acrescentando que as autoridades sanitárias precisam agir com base ra­ cional, e não impulsionadas pelo pâ­ nico público ou pela mídia. Um representante da Índia ques­ tionou as medidas apresentadas pelos debatedores, alegando exatamente a falta de evidências sobre sua efetivi­ dade. Houve uma discussão em torno do possível fechamento das escolas, proposto por Heyman. Para seu colega­ canadense, a medida não é boa se não for possível garantir que crianças e adolescentes não freqüentarão outros locais públicos fechados, como cine­ ma e shoppings, além de causar pro­ blemas aos pais que trabalham fora. George Benjamin concordou que seria uma estratégia complicada, pois, em alguns locais, a escola é o único lugar em que as crianças têm garan­ tida uma refeição por dia. Heyman replicou: “É preciso ser criativo”.­Su­ geriu que os ônibus escolares sirvam não para levar crianças, mas para distribuir comida às residências. Muitas são as incertezas em rela­ ção a uma pandemia de gripe aviária. Alguns especuladores afirmam que a doença surgiria no Brasil no mês de setembro, época de migração das aves. Em debate sobre o assunto no Centro de Estudos do IOC/Fiocruz (Instituto Oswaldo Cruz), Fernando Barros, coordenador do Departamento­ de Vigilância Epidemiológica da SVS/ MS, afirmou não ser possível saber como, quando e onde a gripe surgirá. “O surgimento está ligado a fatores ecológicos, sociais e até econômicos. Nem mesmo podemos saber qual será a cepa pandêmica. A cepa conhecida pela sigla H5N1 é a mais provável. Mas pode aparecer outra”, reconheceu.­ Artigo extraído da revista RADIS, nº 51, nov. 2006


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AUMENTO DA MORTALIDADE POR HEPATITE C

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egundo estimativas do Mi­ nistério da Saúde, cerca de 2 milhões de brasileiros são porta­ dores do vírus HCV, causador da hepatite C. Estimativas indicam, porém, que cerca de 90% das pes­ soas com HCV não sabem que es­ tão infectadas. Isso faz da doença um dos mais sérios problemas de saúde pública, sendo a principal causa de transplante de fígado no Brasil. A hepatite C é também a doença com maior índice de mor­ talidade no país, 30,6%, em mé­ dia, em 2005. A enfermidade já infecta cinco vezes mais brasilei­ ros que a Aids. O HCV é transmitido pelo con­ tato com o sangue contaminado. Assim, todas as pessoas que rece­ beram sangue antes de 1993 cor­ rem risco de estar infectadas. No Brasil, antes dessa data, o material destinado às transfusões não era submetido a exame para detectar a doença, pois não se conhecia com­ pletamente essa forma de hepatite. Atualmente, as formas mais co­ muns de contágio são a partilha de agulhas e seringas entre usuá­ rios de drogas e os acidentes com utensílios cortantes contaminados, como lâminas, bisturis, alicates e agulhas. Não há comprovação de

contaminação por fluidos corpo­ rais, como saliva, suor, lágrimas, sêmen ou leite materno (a mãe con­ taminada pode amamentar). A con­ taminação sexual é possível, porém de ocorrência muito rara. O HCV ataca o fígado de forma lenta e silenciosa, sem sintomas físicos para o portador. A doença pode não se manifestar por até vin­ te anos. Com o tempo o vírus pode destruir o fígado da pessoa conta­ minada ocasionando cirrose e cân­ cer hepático. Muitos portadores do HCV des­ cobrem a doença em estágio avan­ çado. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são fatores primordiais para que o paciente re­ cupere a saúde. Cerca de 20% dos infectados eliminam o vírus espon­ taneamente. Dos 80% restantes, quase dois terços, quando tratados corretamente, são curados. O portador da hepatite C pode levar uma vida normal, pois a doen­ ça não apresenta riscos de contágio na vida social. Ao contrário do que alguns pensam, viver na mesma casa, apertar a mão, abraçar ou bei­ jar uma pessoa com o vírus não traz nenhum risco de contaminação. O teste de detecção da doen­ ça, chamado Anti-HCV, é simples. Pode ser realizado em hospitais públicos e alguns postos de saúde.

O teste também é coberto por to­ dos os planos de saúde.

HEPATITE C • Transmissão | Transfusão de san­ gue e derivados antes de 1993 • Hemodiálise, pelo comparti­ lhamento de materiais conta­ minados • Uso de drogas intravenosas, pelo compartilhamento de se­ ringas e agulhas • Manipulação de material con­ taminado por profissionais da saúde • Gestação ou parto (rara) e rela­ ção sexual (rara) • Sintomas | A doença age de for­ ma silenciosa e raramente pro­ voca sintomas • Conseqüências | Sem tratamen­ to, pode evoluir para cirrose ou câncer hepático • Prevenção | Evitar a manipu­ lação e o compartilhamento de materiais que possam estar con­ taminados pelo vírus • Não existe vacina • O diagnóstico precoce eleva as chances de cura

Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde Tel. (11) 3862-7286, ramal 3 e-mail: icaps@camilianos.org.br Rua Barão do Bananal, 1.125 05024-000 São Paulo, SP

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