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Informativo do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética setembro de 2007 Ano XXV – no 256 Província Camiliana Brasileira

❒ Pastoral

❒ bioética

❒ humanização

A PRÁTICA DA UNCÃO DOS ENFERMOS HUBERT LEPARGNEUR

A

prática de todos os sacramentos inscreve-se numa história que deve traduzir sua essência teológica.­ Provavelmente mais do que qualquer outro rito, a unção dos enfermos­ pas­­sou por uma história que sofreu várias alterações. A Epístola de Tiago (5, 14) pede que “se alguém está doente, que ele chame os sacerdotes da Igreja”. O ritual fala em “saúde seriamente comprometida” ou, mais recentemente, em idade avançada. Quem deve pedir o sacerdote, se ele quer, é o próprio doente ou idoso ou, se impossibilitado de se exprimir, um familiar de sua confiança. Na prática, as mulheres sendo geralmente mais religiosas e praticantes

do que os homens, a esposa espera freqüentemente o coma ou a inconsciência do marido para solicitar o sacerdote. No hospital, em que a maioria dos cidadãos terminam sua vida, a famí­lia chama ao mesmo tempo a enfermagem ou o médico e o capelão,­ caso o hospital tenha o privilégio de comportar o exercício des­ta função. Mais próximo localmente, o médico chega primeiro e se tranca com a equipe de socorro para tentar eventual ressuscitação, deixando o lugar para a família ou o pa­dre após o fim da crise ou o óbito. Muitas pessoas não fazem diferença apreciável entre uma benção com água benta e um sacramento;

uma comum valorização popular pri­ ­vilegia antes a presença dos pró­xi­ mos­ao velório, local em que o padre é geralmente bem vindo, mas com restritos poderes.Além da inconsciên­ cia do doente, que impede a avaliação­ de seu desejo e de sua aptidão para o sacramento, para alí­vio de não poucos, a presença do público ao redor da cama põe obstáculo a qualquer conversa mais personalizada para a cura d’alma. Outro pormenor banal, ignorado pelo ritual tradicional mas hoje corriqueiro, é a situação do doente, sobretudo em UTI ( Unidade de terapia intensiva ), pessoa entubada de diversos modos impedindo a palavra e a recepção eucarística.


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“Desde o momento em que alguém perdeu o sentimento de ser imortal, a morte não passa de uma questão de prazo”, reparou Sartre. Mas em que consistiria o preparo a tal fatalidade, para as pessoas inquietas ou prudentes? Documentos “ acerca da vida de S. Camilo (15501614) informam que,outrora, existiu o costume de aspergir com água benta leitos de doentes, para afastar eventuais demônios, tentados de arrancar longe de Deus certas almas em seus últimos combates. Em nossa época predomina o afastamento do pensamento da morte, ainda que violência e terrorismo lhe confiram uma atualidade diária em nosso redor. No caso de doentes graves, o ocultamento da morte ou de seu perigo iminente, tanto por parte do mé­ dico quanto da família, nem sempre engana o moribundo, mas pode lhe dificultar a expressão do desejo da unção oportuna. Em país latino, tal ocultamento (]inexistente nos Estados Unidos por razões práticas de res­ponsabilidade) é uma maneira nem sempre oportuna de confiscar a alguém sua própria morte, se for possível, como de dificultar o processo do luto na família. Entretanto várias pesquisas regionais apontam uma maioria de pessoas para desejar­ uma morte acidental, repentina, res­ tringindo consideravelmente, com a perspectiva de sofrimentos demorados, a oportunidade de receber a unção prevista na fé católica.

Raízes bíblicas

expediente

As raízes evangélicas deste sacramento são bem conhecidas, salientando a Epístola de Tiago (5, 14-15), alimentando uma dupla esperança, a biológica da melhoria para esta vida e o perdão dos pecados para a

vida eterna. O contexto da valorização da vida e da saúde no Antigo Tes­tamento não é menos conhecido: a saúde vem de Deus (Sl 32, 38, 88, 91), na esperança de que o Messias sanará nossas enfermidades. Jesus deu sinais neste sentido e enviou em missão alguns discípulos com o mesmo intuito (Lc 9, 1; 10, 9; Mc 6, 13). Após a ressurreição, os apóstolos pros­seguiram na mesma perspectiva (I Cor 12, 9; At 3, 1-10; 14, 8-18) . Nos primeiros séculos de nossa era, os cristãos utilizavam com os en­fermos óleo bento por bispo ou sacerdote, como remédio tanto interno quanto externo, tanto físico quanto espiritual. Por vezes a liturgia pública ungia penitentes arrependidos como etapa do processo e reassimilação eclesial. Apenas a partir do quinto século é que dispomos de testemunhos segundo os quais sacerdo­ tes, de preferência os leigos, usaram óleo bento para ungir doentes. Era um sacramental que tentava evitar o recurso popular a práticas mágicas do paganismo.

História medieval e pós-medieval Até a Idade Média leigos aplicavam unções de óleo, bento ou não, a seus enfermos. Para os moribundos, o rito orientava para confissão, pelo menos para uma absolvição, e uma comunhão viática (viaticus, de via, viagem). O rito penitencial da absol­ vição dos pecados graves (os veniais são perdoados com um Pai nosso sincero) era adiado até a aproximação da morte, por muitos cidadãos, em razão da severidade das exigências penitenciárias da reconciliação eclesial. Neste quadro, a unção era administrada pelo ministro do sacramento da penitência.

O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saú­­de­e Bioética – Província Ca­miliana Brasileira. Presidente: José Maria dos Santos

Conselheiros: Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Cláudia Santana

Revisão: ??? Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 05024-000 São Paulo, SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade: Mensal Prod. gráfica: Edições Loyola Tel. (11) 6914-1922 Tiragem: 3.500 exemplares

No tempo de Carlos Magno tal procedimento de absolvição dos moribundos integrava os rituais da extrema-unção. Era prática comum, clero e povo imaginando que se tratava de decisões romanas, de modo que aos poucos o rito da unção sacra foi reservada de fato aos ordenados sacerdotes que o administravam em caso de perigo à vida: absolvição, viá­tico e unção formavam então um conjunto revestido de certa solenidade eclesial e familiar, todavia sem exclusão de oração pedindo a cura biológica, se Deus a quisesse, com unções atingindo os membros afetados pela doença. No fim do nono século falava-se em “últimos sacramen­ tos”. Mesmo no Ocidente não era raro que o rito reunisse vários sacerdotes; sobretudo se a cena se localizava numa igreja; havia então aspersão de água benta, incensamento, ladainhas, imposição das mãos, num estilo bem oriental, mas praticamen­ te reservada a uma elite, em razão de seu relativo alto custo. Aos poucos o rito foi celebrado por um só sacerdote e com omissão dos pedidos da cura física. A unção aplicara-se então aos órgãos dos sen­ tidos, aos pés e mãos, e não mais especialmente às partes mais dolorosas.­ Esta “extrema-unção” era acompanhada por absolvição e comunhão e entrou no elenco sacramental, na lista definitiva, medieval, dos sete sacramentos. Teólogos medievais per­guntaram-se: se os pecados são perdoados, porque ainda esta unção?­ Questão hoje supérflua, mas não dis­pensamos a resposta : para melhor preparar o acesso à glória celestial, tirando eventuais seqüelas dos pecados perdoados. É nesta época que o rito passa de tratamento para recobrar a saúde completa a rito de preparação para a morte. Assinatura: O valor de R$13,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 (onze) edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja ci­tada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.


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Após os Concílios de Trento e do Vaticano II O Concílio de Trento, na metade do século 16, voltou à compreensão anterior do rito, aberto sobre uma me­lhora ou cura biológica e uma cu­ ra espiritual. A mentalidade popu­ lar,­ entretanto, não muda rápida e facilmente; conservou o enfoque da “extrema-unção”, anunciadora de pró­ximo óbito. Esperou-se então o Con­cílio do Vaticano II, nos anos 1960, para a mudança significativa da designação, favorecendo a “unção dos doentes”, numa época que esconde a morte, promovendo um rito aber­to a doentes graves, mas também a idosos piedosos. A cura física não é mais a finalidade principal ou primeira, mas está longe de ser excluída, ainda que na prática seja difícil, por vezes, distinguir o efeito psi­cológico (de placebo) de um efeito espiritual do próprio rito afetando a saúde. Volta a prática de unções coletivas em cerimônia na igreja, sem especial urgência, o próprio ritual dis­tinguindo o caso do moribundo de situações mais benignas. O novo ritual (Ordo unctionis infirmorum) desta unção foi promulgado em 1972, com acentuação sobre a cura mais do que sobre a absolvição dos pecados­ e não sem simplificação das unções corporais (fronte, mãos). O que o ritual não pode pormenorizar é a dependência do estilo de conferência deste sacramento em re­ lação ao contexto imediato da ação que, hoje, é geralmente uma sala de hospital ou talvez uma UTI, nem sempre propícias para liturgias demoradas e não silenciosas: estes am­ bientes nem sempre são condizentes com a religiosidade de tais práticas, ainda que possam inspirar à testemunha recolhida alguma reflexão so­bre a precariedade desta vida, co­­ mo sobre a grandeza e a pequenez do ser humano. A eventual futura escassez de sacerdotes, em relação às necessidades pastorais de certas regiões, pode levar a Igreja a voltar a examinar de perto os obstáculos teológicos que impedem reassumir a antiga prática de deixar leigos apli­car a unção em sua vizinhança.

Sentido e simbolismo. Entre a vida e a morte, à procura de vida de maior qualidade, esta unção possui um rico simbolismo. Con­vida à reflexão para o doente ou idoso como para seus familiares e amigos. Ele introduz obviamente a questão do sentido do sofrimento, eventual sentido que perpassa uma vivência nada espontânea. Abre a oportunidade para uma revisão de vida, provavelmente pouco aproveitada, tanto a dor paralisa ou monopoliza a capacidade de atenção do sujeito, focalizando o instante em pre­cária condição. Como esclarecer este quadro à luz da fé, das promessas da fé e de seus reconfortos, isso é um desafio. O incessante vaivém dos conhecidos nem sempre favorece­ uma reflexão ponderada ao deixar vagas de emoção submergir cons­ ciên­cias e conversas. A irradiação do Espírito Santo, que acompanha todo sacramento, exer­ce nestas condições um trabalho­ que ignoramos. A “esperança cristã”, de que falam textos litúrgicos, nem sempre bate com as esperanças que a conversa mundana costuma destilar: como falar decentemente em “outra vida” quando esta vida nos prende na garganta? Vimos que a bíblia não faz nítida distinção entre efeitos espirituais e efeitos corporais,­­ havendo sempre no meio repercus-

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sões psicológicas bastante subjeti­ vas.­Mesmo se este sacramento não é pre­cisamente nem da morte nem da sobrevivência incondicional, as modalidades de vivenciar tais instantes ím­pares raramente escapam de esquemas silenciosamente redutores. Não vale a pena, porém, tentar iludir uma pessoa que intui seu próximo des­tino final. De modo geral, o sentido­da unção dos doentes tem um significado e alcance consoante com a vivência da pessoa que já desenrolou bastante do próprio destino. Neste sentido a oração de Rainer Maria Ril­ke: “Oh, meu Deus ! Da a cada um sua própria morte; daí a cada um a morte nascida de sua própria vida.” Não se deve eliminar por isso uma oportunidade de conversão, lon­ge de toda pressão sobre uma mente enfraquecida, ainda que geralmente uma reviravolta existencial não se improvise. La Fontaine, autor de fábulas clássicas que os es­­colares franceses tinham outrora­ de memorizar, freqüentou um semi­ nário católico aos vinte anos, mas se tornou depois um jovial e culto li­bertino. No entanto passou os últimos dois anos de vida orando pa­ ra obter o perdão de sua frivolidade e dissipação. Hubert Lepargneur é padre camiliano


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BIOÉTICA E SAÚDE NO DOCUMENTO DA CONFERÊNCIA DE APARECIDA

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e 13 a 31 de maio de 2007 realizou-se em Aparecida (SP) a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, cuja abertura foi feita pelo Papa Bento XVI. Em continuidade criativa com as Conferencias anteriores do Rio de Janeiro, 1955; Medellín, 1968; Pue­bla, 1979 e Santo Domingo, 1992, os bispos da região refletiram sobre­ o tema: Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nos­sos povos Nele tenham vi­da. Eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). As conclusões deste importante evento eclesial estão no documento final, cujo texto divide-se em três grandes partes, seguindo o método de reflexão teológico-pastoral consagrado na América Latina, ‘verjul­ gar e agir’. Esse esquema está alinhavado por um fio condutor em torno da vida, em especial a vida em Cristo, e está tecido transversalmente pelas palavras de Jesus, o Bom Pastor: “Eu vim para que todos­ tenham vida e tenham em abundância” ( Jo 10,10). Nesta perspectiva a primeira par­te se intitula “a vida de nossos povos”, e a segunda parte, “a vida de Jesus Cristo nos discípulos missioná­ rios”. A terceira parte entre em cheio na missão atual da Igreja Latinoamericana e Caribenha. Tem como título “a vida de Jesus Cristo para nossos povos”. Sem perder o discerni­ mento da realidade nem os fundamentos teológicos, consideram-se as principais ações pastorais. Esta parte, na qual se apresenta o agir pasto­ ral, se compõe de quatro capítulos a saber: Capítulo 7. A missão dos discípulos a serviço da vida plena; capítulo 8: O Reino de Deus e promoção da dignidade humana; Capítulo 9: Família, pessoas e vida e o capítulo 10: Nossos povos e a cultura. É justamente nesta terceira parte que temos uma agenda de priori­

frimento e a morte, à luz da morte e ressurreição do Senhor. A saúde é um tema movendo grandes interesses no mundo, porém não proporciona uma finalidade que a transcenda. Na cultura atual não tem lugar para a morte e, ante sua realidade, procura-se ocultá-la. Abrindo-a para a sua dimensão espiritual e transcendente,­ a Pastoral da Saúde se transforma no anúncio da morte e ressurreição do Senhor, única e verdadeira saúde.­ Ela acrescenta na economia sacramental do amor de Cristo, o amor de muitos “bons samaritanos”, sacerdotes, diáconos, leigos e profissionais da saúde. As 32.116 instituições católicas dedicadas à Pastoral da Saúde na América Latina representam um recurso para a evangelização que se deve aproveitar. Nas visitas aos doentes nos centros de saúde, no acompanhamento silencioso ao doente, no cuidado carinhoso, na atenção­ delicada às exigências da enfermidade se manifesta, através dos profissionais e voluntários discípulos do Senhor, a maternidade da Igreja que os envolve com sua ternura, for­ ­talece o coração e, no caso do moribundo, o acompanha na passagem definitiva. O enfermo recebe com amor a Palavra, o perdão, o Sacramento da Unção e os gestos de caridade dos irmãos. O sofrimento humano é uma experiência especial da cruz e da ressurreição do Senhor. Deve-se, portanto, incentivar nas Igrejas particulares a Pastoral da Saúde que inclua os distintos campos de atenção. Consideramos como uma grande prio­ridade, fomentar a pastoral da Aids, em seu amplo contexto e em suas significações pastorais que pro­mova o acompanhamento compreensivo, misericordioso a defesa dos direitos das pessoas infectadas;­ que implemente a informação, pro-

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dades indicadas para a Pastoral da Saúde e a reflexão bioética. Em se tratando da Pastoral da Saúde, situa-se no contexto do capítulo oito que trata da promoção da dignidade humana, em que se fala da justiça social e caridade cristã, da opção preferencial pelos pobres e excluídos, e se apresentam alguns rostos que nos questionam entre ou­ tros: menores que vivem nas ruas das grandes cidades, os enfermos, os dependentes de drogas, os migrantes e presos. A Pastoral da Saúde se insere no contexto da reflexão sobre os enfer­ mos, item 8.6.4 abarcando os números 417-421: Vejamos o que o documento apre­ senta: A Igreja optou pela vida. Esta nos projeta necessariamente para as áreas mais profundas da existência: o nascer e o morrer, a criança e o idoso, o são e o enfermo. Santo Irineo nos diz que “A glória de Deus é o homem vivo”, ainda que débil, o recém-nascido, os enfraquecidos pela idade e o enfermo. Cristo enviou os seus apóstolos a pregar o Reino de Deus e a curar os enfermos, verdadeiras catedrais do encontro com o Senhor Jesus. Desde o início da evangelização foi cumprido este duplo mandato. O combate à enfermidade tem como finalidade alcançar a harmonia física, psíquica, social e espiritual para o cumpri­mento da missão recebida. A Pastoral da Saúde é a resposta aos grandes interrogativos da vida, como são o so­

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mova a educação e a prevenção, com critérios éticos, principalmente­ entre as novas gerações para que des­perte a consciência de todos a conter esta pandemia. Desde esta V Conferencia pedimos aos governos o acesso gratuito e universal aos medicamentos de Aids e as doses necessárias. A questão da bioética é vista no contexto do capítulo 9, sobre a Família, pessoas e vida, no item 9.7, sobre a cultura da vida: sua proclamação e defesa. Vejamos: O ser humano criado à imagem e semelhança de Deus também possui uma altíssima­ dignidade que não podemos pisotear­ e que somos chamados a respeitar e a promover. A vida é um dom gratuito de Deus, dom e tarefa, e devemos cuidar com uma atenção sagrada, desde a concepção, em todas as suas etapas até a morte natural, sem relativismos. A globalização também irrompeu nas ciências, em seus métodos prescindindo dos fundamentos éticos. Os discípulos de Jesus devem levar o Evangelho ao grande cenário das mesmas, num dialogo entre ciência e neste contex­ to nos permita defender a vida. A bioética trabalha com esta base epis­ temológica, de maneira interdisciplinar, onde cada ciência apresenta suas conclusões. Não podemos escapar deste desafio de diálogo entre a fé, a razão e as ciências. Nossa prioridade pela vida e família, sobrecarregadas de problemáticas que se debatem nas questões éticas e na bioética, nos impele a iluminá-las com o Evangelho e o Magistério da Igreja a realidade da vida. Assistimos hoje a novos de­safios que nos pedem para sermos a voz dos que não tem voz. A criança que está crescendo no seio materno, e as pessoas que se encontram no ocaso da vida, são um clamor de vida digna, que brada aos céus e que não pode deixar de nos es­tremecer. A liberação e banalização das práticas abortivas são crimes abomináveis, igualmente a eu-

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tanásia, a manipulação genética e dos embriões, pesquisa em seres hu­ manos contrários à ética, a pena de morte e tantas outras formas de atentar contra a dignidade e a vida do ser humano. Se quisermos sustentar um fundamento sólido e inviolável para os direitos humanos, é necessário reconhecer que a vida humana deve ser defendida sempre, desde o momento da fecundação. De outra maneira, as circunstancias e conveniências dos poderosos, sempre encontrarão desculpas para maltra­ tar as pessoas. Os anseios de vida, de paz, de fraternidade e de felici­ dade que não encontram resposta no meio de tantos ídolos do lucro e da eficácia, a insensibilidade ante o sofrimento do outro, os ataques à vida intra-uterina, a mortalidade infantil, a deteriorização de alguns hospitais e todas as modalidades de violência com as crianças, jovens, homens e mulheres, indicam a importância da luta pela vida e pela dignidade e integralidade da pessoa humana. A defesa fundamental­ da dignidade e destes valores começa na família. Tendo presente esta realidade o documento propõe as seguintes ações: ( n.469): — Promover e planejar nas dioceses cursos de bioética para os agentes de pastoral que podem ajudar a fundamentar com solidez os diálogos em relação aos problemas e situações particulares da vida. — Fazer com que os sacerdotes, diáconos, religiosos e leigos tenham acesso aos estudos universitários de moral familiar, questões éticas e quando seja possível, cursos mais especializados de bioética. — Promover fóruns, painéis, seminários e congressos que estudem, reflitam e analisem te­ mas concretos da atualidade em relação à vida em suas diversas manifestações e sobretudo no ser humano, especialmente no que se refere a res­­­peito da vida, desde a concepção até a sua morte natural.

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— Convocar as Universidades ca­tólicas a que organizem programas de bioética accessíveis a todos e se posicionem publicamente ante os grandes temas da bioética. — Criar em âmbito nacional um comitê de bioética, com pessoas­ preparadas sobre a questão, que garantam fidelidade e res­ peito à Doutrina do Magistério­ da Igreja sobre a vida. — Oferecer aos casais e noivos pro­gramas de formação em pa­ternidade responsável e sobre o uso dos métodos naturais­ de regulação da natalidade. — Apoiar, acompanhar pastoral­ mente e com misericórdia as mulheres que decidiram não abortar e acolher com misericórdia aquelas que abortaram,­ para ajudá-las a curar suas graves feridas e convidá-las a serem defensoras da vida. O aborto faz duas vítimas: a crian­ça e a mãe. — Promover a formação e ação de leigos competentes que se organizem para defender a vida e a família e que participem em organismos nacionais­ e internacionais. — Assegurar que se integre a objeção de consciência nas legislações e que esta seja respeitada pelas administrações públicas.

A questão ecológica Hoje temos consciência de que nos­sa vida e saúde estão ligadas com a casa de todos nós, isto é, com a saúde do planeta terra. O cuidado com a criação, com o meio ambiente recebe uma atenção toda particular,­ num momento de grande sensibilização em relação a preservação da Amazônia da exploração ( item 9.8, no. 470-475). Esta síntese do documento foi

apresentada pelo Pe. Léo Pessini. O referido padre á camiliano e Superintendente da

União Social Camiliana.


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PASTORAL INSPIRADA PELO ESPÍRITO LUÍS ROBERTO PINHEIRO CHAGAS

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m minha atividade pastoral jun­ to aos enfermos, sempre foi razão de ansiedade, ajustar minha presença àquilo que eu considerava a necessidade de evangelização do paciente. Evangelização, entendia, como a realização do clichê evangélico de “falar de Jesus”. Importunava-me o esforço de formular um discurso fundamentado na velho prática de justificar o sofrimento como provação, de induzir o reconhecimento do perdão - portanto a conseqüente aceitação de ser o doente pecador, no sentido de ser a doença resultado de sua vida desvia­ da; de fazer considerar o sofrimento corno imperativo exercício de ascese.­ Considero que tudo isso, pode ser parte da espiritualidade pessoal. Acentuar isso corno pontos de evangelização evidenciou-se ao longo de meu próprio amadurecimento de fé, como uma perversa superficialização de minha assimilação quanto à mi­sericórdia de Jesus. Anunciava um Deus que punia para depois amar; um Cristo que deleitava-se nu sofrimento para tão somente depois revelar-se caridoso e pleno de solidariedade. O falar de Jesus era a verborragia incontrola-

da, determinada pelos limites pobres de minha compreensão de evangelização. Na medida que considerava minha missão realizada, quando ouvia o Sim à pergunta “você aceita Jesus?” estava na verdade desumanizando a relação de solidariedade, pois anulava toda a história de fé do doente assistido, para impor-lhe a minha própria, com toda presunção de quem é dono da fórmula de ser o verdadeiro receptáculo do mistério da Graça de Deus. Somos chamados a ser humanos revestidos de misencórdia divina diante do sofrirnentodos semelhantes e não censores de convicções e consciências. Se há incorreções na fé cristã professada, a habilidade do Espírito de Deus faz ressaltar o que é essencial para a salvação, não é,

creio, o transplante de cultura, hábito e formalidades nascida sabe lá de onde que podem encaminhar o evento correto da verdadeira conversão. O Jesus da misericórdia, da paz, do amor intenso ao doente, manifesta-se naquele que segura uma mão; que sabe ouvir durante todo o tempo de um profundo silêncio; que impede que lágrimas molhem todo o rosto, tocando-as com as pontas de dedos ungidos que transmitem compaixão. Não por mim, mas pela atenciosa bondade do Espírito, aprendi que evangelizar é também eficiente, quando os ventos Dele vêm fazer do silêncio, das mãos, do sorriso.., da oração. Encaminha-se doentes a Cristo, com a solicitude de se estar presen­te em seus sofrimentos. Presença santificadora, que somente é eficiente em seus propósitos de evangelização e consolo, quando é integralmente aberta à ação do Espí­rito de Deus e não às sistemas de religião. Luís Roberto Pinheiro Chagas -

enfermeiro, pastor presbiteriano (IPU),é capelão do

Hospital das Clínicas


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INFECÇÃO HOSPITALAR, UM MAL SILENCIOSO ANDRÉIA LARA

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Infecção Hospitalar sempre foi um dos maiores problemas que os grandes centros de saúde enfrentam, e tem sido a causa de sérios riscos para os pacientes, isso gera custos elevados e demonstra a ineficiência dos hospitais, principalmente quando se refere à infecção do sítio cirúrgico. A Médica Coordenadora do Controle de Infecção do Hospital São João de Deus. Dra. Andréia Lara, esclarece dúvidas sobre o assunto.

O que é infecção? Infecção é uma doença que envolve microrganismos (bactérias, fungos, vírus e protozoários). Inicialmente ocorre a penetração do agente infeccioso (microrganismos) no corpo do hospedeiro (ser humano) e há proliferação (multiplicação dos microrganismos), com conseqüente apresentação de sinais e sintomas. Estes sinais e sintomas podem ser, entre outros: febre, dor no local afe-

tado, alteração de exames laboratoriais, debilidade, etc. Alguns agentes têm “preferência” por determinadas localizações topográficas, assim a localização da infecção depende do tipo de microrganismo.

O que é infecção Hospitalar? A infecção hospitalar é uma síndrome infecciosa (infecção) que o indivíduo adquire após a sua hospitalização ou realização de procedimento ambulatorial. Entre os exemplos de procedimentos ambulato­riais mais comuns estão: cateterismo car­díaco, exames radiológicos com utilização de contraste, retirada de pequenas lesões de pele e retirada de nódulos de mama, etc. A manifestação da infecção hospitalar pode ocorrer após a alta, desde que este­ja relacionada com algum proce­ dimento realizado durante a internação. Somente um profissional trei­­nado (médico ou enfermeiro com qua­lificação especial em Infecção

Hospitalar) pode relacionar sinais e sintomas de infecção com procedimentos realizados em unidades de saúde e realizar o diagnóstico de infecção hospitalar.

Quais são os riscos de um indivíduo adquirir infecção hospitalar? O atendimento em unidades de saúde apresenta atualmente grande evolução tecnológica. Pacientes que no passado iriam evoluir a óbito, atualmente não só sobrevivem, como têm boa expectativa de vida, muitas vezes, sem seqüelas. Situações como as de acidentes automobilísticos graves, recém-nascidos pre­­maturos ou de baixo peso e indivíduos que necessitam de transplante de órgãos, são uma demonstração de como o atendimento hospitalar evoluiu. Em contrapartida, esta me­­lhoria no atendimento e avanço tecnológico aumentou o número de procedimentos possíveis de serem


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realizados num hospital. Procedimentos que, ao mesmo tempo em que prolongam a vida, trazem consigo um risco aumentado de infecção. Muitos destes procedimentos são invasivos, isto é, penetram as barrei­ ras de proteção do corpo humano. A primeira barreira de proteção do cor­po é a pele, entretanto, é a que mais freqüentemente é rompida por procedimentos hospitalares (ex.: pun­ ção de veia para instalação­ de soro ou coleta de sangue). Ou seja, a melhoria no atendimento pos­sibilita maior sobrevida, mas têm o ônus de elevar o risco de infecção. Estas técni­ cas invasivas favorecem a penetração de microrganismos que não pertencem ao corpo do hospedeiro. Para evitar que esta penetração ocorra, os procedimentos precisam ser padronizados de modo a serem desenvolvidos de maneira asséptica (sem a penetração de microrganismos).

Qual a finalidade de uma comissão de Hospitalar? Uma Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) possui profissionais que deverão executar as seguintes tarefas: — Detectar casos de infecção hospitalar, seguindo critérios de diagnósticos previamente estabelecidos.

— Conhecer as principais infecções hospitalares detectadas no serviço e definir se a ocorrência destes episódios de infecção está dentro de parâmetros aceitáveis. Isto significa­ conhecer a literatura mundial sobre o assunto e saber reconhecer as taxas aceitáveis de infecção hospitalar para cada tipo de serviço. — Elaborar normas de padronização para que os procedimentos realizados na instituição sigam uma técnica asséptica (sem a penetração de microrganismos), diminuindo o risco do paciente adquirir infecção. — Colaborar no treinamento de todos os profissionais da saúde no que se refere à prevenção e controle das infecções hospitalares. — Realizar controle da prescrição de antibióticos, evitando que os mesmos sejam utilizados de maneira descontrolada no hospital. — Recomendar as medidas de isolamento de doenças transmissíveis, quando se trata de pacientes hospitalizados. — Oferecer apoio técnico à administração hospitalar para a aquisição correta de materiais e equipamentos e para o planejamento ade­quado da área física das unidades de saúde.

Quem são os profissionais que participam de uma CCIH? É necessário que os profissionais que participam de uma CCIH possuam treinamento para a atuação nesta área. Há exigência legal para manutenção de pelo menos um médico e uma enfermeira na CCIH de cada hospital. Isto está regulamentado em portaria do Ministério da Saúde. Outros profissionais do hospital também devem participar da CCIH. Eles contribuem para a padronização correta dos procedimentos a serem executados. Estes profissionais devem possuir formação de nível superior e são: farmacêuticos, microbiologistas, epidemiologistas, representantes médicos da área cirúrgica, clínica e obstétrica. Representantes da administração do hospital devem atuar também na CCIH para colaborar na implantação das recomendações.

Todos os hospitais devem possuir Comissão de Controle de Infecção Hospitalar? Segundo a portaria do Mi­nis­té­ rio­da Saúde n. 2616, de 1998, todos os hospitais devem possuir uma Comissão de Controle de Infecção Hospitalar.

Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde Tel. (11) 3862-7286, ramal 3 e-mail: icaps@camilianos.org.br Rua Barão do Bananal, 1.125 05024-000 São Paulo, SP

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