Informativo do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética novembro de 2007 Ano XXV – no 258 Província Camiliana Brasileira
❒ Pastoral
❒ bioética
❒ humanização
ICAPS REALIZA O XXVII CONGRESSO E LANÇA LIVROS “
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astoral da Saúde: desafios eclesiais, ético-ambientais e sociopolíticos” foi o tema central do XXVII Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde promovido pelo Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde — ICAPS —, apoiado pela Província Camiliana Brasileira, em parceria com a Pastoral da Saúde da Arquidiocese de São Paulo, com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB —, e patrocinado pelo Centro Universitário São Camilo — São Paulo —, local onde foi sediado, nos dias 7 e 8 de setembro. Estiveram presentes mais de 650 pessoas, entre elas religiosos de todo
o país, incluindo os camilianos, representantes da CNBB, profissionais da saúde, leigos e agentes de Pastoral da Saúde. No primeiro dia pela manhã, Pe. Anísio Baldessin, coordenador do congresso, apresentou as atividades que a Província Camiliana Brasileira, juntamente com religiosos e colaboradores leigos, desenvolve em paróquias, missões, capelanias, além da formação de novos padres para a atuação missionária. Na área assistencial, a mantenedora é a Sociedade Beneficente São Camilo que gerencia hospitais, creches, albergues, casas de passagem etc. Na área educacional, os camilianos estão presentes em escolas, faculdades, centros educacionais e no círculo social que os compõem. Após a oração de abertura e a exposição do Pe.
Anísio, Pe. Júlio Serafim Munaro, coordenador da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de São Paulo, e Dom Odilo Pedro Scherer apresentaram linhas de ação para a Pastoral da Saúde e salientaram a responsabilidade dos religiosos, profissionais e leigos no mundo da saúde. À tarde, uma mesa-redonda com temas relacionados à Campanha da Fraternidade sobre saúde e meio ambiente fechou o primeiro dia do congresso. O segundo dia do congresso começou com a celebração da Santa Missa. A seguir, o médico cirurgião Dr. André Luís de Oliveira falou sobre os rumos da Pastoral da Saúde no Brasil e sobre a realidade da saúde brasileira. Algo que impressionou os par ticipantes foram os dados mostrando que os hábitos saudáveis de vida contribuem em mais de 53% no combate às doenças. Em seguida, o psiquiatra Dr. Hewdy Ribeiro Lobo disser tou sobre os transtornos alimentares bulimia e anorexia, mostrando o perigo das dietas e dos remédios para emagrecer que são usados sem orientação médica. Encerrando a parte da manhã, Pe. Anísio Baldessin falou sobre os desafios da dimensão solidária da Pastoral da Saúde nos hospitais e em domicílios no mundo moderno. À tarde, a primeira parte foi reservada para experiências pastorais no hospital e na diocese. Para falar da organiza-
ção do serviço religioso no hospital, foi convidada a Dra. Maria Mathilde Marchi, diretora do Núcleo de Direito do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que explicou como foi e está organizado o Comitê de Assistência Religiosa do referido hospital. Os coordenadores da Pastoral da Saúde da diocese de São José dos Campos, Sebastião Geraldo Venâncio e Maria José de Almeida, falaram da experiência da sua diocese. Finalizando o dia e o congresso, o médico psiquiatra Dr. Jorge Amaro falou sobre a influência da religião e da fé na saúde mental. O palestrante deixou claro que, apesar de as publicações afirmarem que a religião é benéfica, é preciso ter cuidado. “Religião pode ser comparada a uma faca. Ao mesmo tempo que uma faca pode ajudar a salvar uma vida pode causar muitos aborrecimentos. O mesmo, com as devidas proporções, pode acontecer com a religião.” Durante o congresso foram lançados dois novos livros sobre Pastoral da Saúde. O primeiro, de autoria do Pe. Anísio Baldessin, Como organizar a Pastoral da Saúde, e o segundo, Assistência reli giosa aos doentes: aspectos psicológi cos, uma coletânea de artigos que os padres Mário Luís Kozik e Anísio Baldessin organizaram. A seguir, um pequeno resumo dos livros.
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Como organizar a Pastoral da Saúde Este é o título do “novo” livro do Pe. Anísio Baldessin. A obra, revista e remodelada, tem como objetivo contribuir para a reflexão e a animação das equipes da Pastoral da Saúde e dos milhares de agentes, capelães, assistentes religiosos hospitalares e domiciliares e visitadores de doentes, ministros da Eucaristia, bem como os que procuram educar para a saúde a fim de que as pessoas não fiquem doentes. O autor apresenta dicas e práticas importantes para ajudar, numa perspectiva camiliana, a organizar a Pastoral da Saúde, nas dimensões solidária, comunitária e político institucional, em dioceses, paróquias e hospitais. Ou seja, oferece elementos teóricos para uma boa atuação prática. Afinal, como disse Kurt Lewin, psicólogo alemão: “Nada pode ser tão prático como uma boa teoria”.
Assistência religiosa aos doentes: aspectos psicológicos A assistência religiosa aos doentes tanto nos hospitais como em domicílios foi, por muito tempo, encarada como uma atividade destinada simplesmente àqueles que estavam quase morrendo. Além disso, tinha como única preocupação os aspectos religiosos. No entanto, ao longo dos anos, as igrejas das mais diferentes denominações ampliaram seu campo de atuação, utilizando elementos da psicologia para prestar uma assistência religiosa mais eficaz. Este livro, que é uma coletânea de artigos, traz dicas muito importantes para padres, pastores, rabinos e leigos (ministros da Eucaristia) que diária ou semanalmente prestam assistência religiosa em hospitais, domicílios ou casas de repouso.
expediente
Adquira já esses livros na secretaria do ICAPS, pelo tel.: (11) 3862-7286, ramal 3, com Cláudia, ou peça por fax: (11) 3862-7286, ramal 6, e-mail: icaps@camilianos.org.br, ou em Edições Loyola, (11) 6914-1922, e nas livrarias católicas de sua cidade.
O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúdee Bioética – Província Camiliana Brasileira. Presidente: José Maria dos Santos
Conselheiros: Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Cláudia Santana
Revisão: Sandra G. Custódio, Rita Lopes Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 05024-000 São Paulo, SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade: Mensal Prod. gráfica: Edições Loyola Tel. (11) 6914-1922 Tiragem: 3.500 exemplares
Assinatura: O valor de R$13,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 (onze) edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja citada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.
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VISITA AO DOENTE: A ALEGRIA DO ENCONTRO ANÍSIO BALDESSIN
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Bíblia Sagrada, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, narra inúmeros encontros. “Quando Abrão completou noventa anos, Iahweh lhe apareceu e disse: ‘Eu sou El Shadai, anda na minha presença e sê perfeito. Eu instituo minha aliança entre mim e ti, e te multiplicarei extremamente’. E Abrão caiu com a face por terra” (Gn 17,1-3). “E Deus chamou Moisés do meio da sarça e disse: ‘Moisés, Moisés. Eu sou o Deus de teus pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’. Então Moisés cobriu o rosto, porque temia olhar para Deus” (Ex 3,4-6). “Quando Jesus chegou ao lugar, levantou os olhos e disse-lhe: ‘Zaqueu, desce depressa, pois hoje devo ficar em tua casa’. Ele desceu imediatamente e recebeu-o com alegria.[...] E Jesus disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão’” (Lc 19,5-6.9-10). “Ora, enquanto conversavam e discutiam entre si, o próprio Jesus se aproximou e pôsse a caminhar com eles.[...] Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém. Acharam aí reunidos os onze e seus companheiros, que disseram: ‘É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!’” (Lc 24,15.33). “A mulher, então, deixou seu cântaro e correu à cidade, dizendo a todos: ‘Vinde ver um homem que me disse tudo o que fiz. Não seria ele o Cristo?’. Eles saíram da cidade e foram ao seu encontro” (Jo 4,28-30). “Ora, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?’” (Lc 1,40-43).
Encontros Em nossa vida cotidiana também vivemos encontros e desencontros de pessoas. São familiares, colegas de trabalho, colegas de classe, vizinhos de rua ou de apartamento, companheiros de viagem, amigos de verdade ou simples-
mente pessoas com as quais não temos quase nenhuma convivência. Algumas pessoas teríamos imenso prazer de encontrar e por diversas razões não conseguimos. Em contrapartida, há aquelas que não gostaríamos de encontrar, mas que freqüentemente cruzam nossos caminhos. Há os que passam e os que ficam; aqueles que aparecem e desaparecem com a mesma facilidade. No encontro com os doentes, em casa ou no hospital, um primeiro desafio é reconhecer que estes estão passando por um momento difícil da vida. Além disso, o agente de pastoral não dispõe de uma técnica padronizada e definida, não sabe quem vai encontrar e muito menos como está o estado físico, social, psicológico e espiritual do doente. Para que a visita pastoral seja proveitosa é importante que o visitante (padre, agente de pastoral, ministro da Eucaristia) arranque a “máscara” profissional que o acompanha nas visitas. Só assim ele será capaz de visualizar o doente como uma pessoa e, conseqüentemente, compreender o mundo e o momento dele.
Os encontros de Jesus Antes de tudo, é importante lembrar que no tempo de Jesus a doença era entendida como resultado de um castigo
ou vontade de Deus. A lei judaica dizia: “Não se aproxime de um doente”. A distância era para não ficar impuro, não se contaminar e principalmente não contrariar a vontade de Deus. Ou seja, se o sofrimento foi mandado por Deus, ninguém pode ajudar. Daí vem um provérbio chinês que diz: “Se você encontrar um cego na rua, chute-o. Por que você deveria ser mais gentil do que Deus?”. Portanto, não tocar doente foi a primeira lei que Jesus teve de superar para estar próximo dos que sofriam. Mas esse não foi o único preconceito que Jesus teve de enfrentar. Naquela época, a mulher no período menstrual era considerada impura, os alimentos também não podiam ser consumidos sem que antes fossem bem lavados. A lei que mandava guardar o sábado não podia ser violada em hipótese alguma. Encontrarse com os publicanos e pecadores era uma ofensa para os fariseus. Sentar-se à mesa com eles então era inadmissível. Enfim, os fariseus se preocupavam muito mais com as leis do que com as pessoas. Para se ter uma idéia, o povo judeu tinha cerca de umas seiscentas e quarenta e três leis. Mesmo sabendo que corria sérios riscos, Jesus vai ao encontro daqueles que os fariseus evitavam. Encontrou-se
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com Zaqueu e pediu que ele descesse depressa, pois iria ficar na casa dele. Zaqueu o recebeu com alegria. Foi encontrar-se com os dois discípulos de Emaús, que, por terem perdido o mestre, caminhavam cabisbaixos. Estes, quando reconheceram que o próprio Jesus caminhava com eles, se encheram de alegria e voltaram para Jerusalém. Ali, acharam reunidos os onze e seus companheiros e narraram o que viram e ouviram. A mulher samaritana, depois do encontro com Jesus que lhe oferece água (uma nova lei), diferente de qualquer outra que ela conhecia até então, imediatamente deixaseu balde (as leis e os ensinamentos antigos), corre à cidade e diz para todos: “Vinde ver um homem que me disse tudo o que fiz. Não seria ele o Cristo?”. Eles também se enchem de alegria e vão ao encontro de Jesus. Temos também o encontro de Maria com sua prima Isabel. O evangelho narra que, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, João Batista pulou de alegria no ventre materno. É o encontro do Salvador que proporciona alegria a João Batista, o precursor. São encontros que têm
como objetivo proporcionar alegria. Eis a missão do agente.
O encontro do agente com o doente O encontro ou reencontro de famílias em rodoviárias ou aeroportos é motivo de alegria. A criança fica feliz e se acalma quando visualiza a mãe ou ouve sua voz. A presença da família no hospital traz felicidade ao doente. A visita médica, mesmo que seja rápida, dá segurança, confiança e alegria ao paciente. Até os animais de estimação demonstram um ar de contentamento quando reencontram seu dono. No entanto, dependendo do comportamento do visitante, o encontro pode se tornar intolerável. Muitos já tiveram a experiência de receber, num domingo de manhã, a visita de pessoas que passam de casa em casa fazendo evangelização, propaganda religiosa ou tentando convencer as pessoas a mudar de religião. E, pelo que se ouve por aí, essas visitas são quase sempre reprovadas. A mesma coisa pode acontecer com o visitador de doentes. Não há dúvida de que a visita tem como objetivo prin-
cipal proporcionar bem-estar ao doente. E esse deve ser o ideal a ser buscado pelo agente de pastoral. Por isso, ao visitar um doente, em casa ou no hospital, deve-se estar ciente de que o quarto, a cama, o armário ou o criado-mudo estão dentro do espaço dele. No tocante à conversa, é importante entrar pela porta que ele abrir, ou seja, falar sobre aquilo que ele quiser. São as necessidades do doente que estão em jogo e importam, e não as do visitador. O objetivo das nossas visitas aos doentes é proporcionar-lhes bem-estar e alegria. Se essa alegria e bem-estar são fruto das nossas palavras, dos sacramentos, da oração, de uma música, da escuta e compreensão, não importa. O importante é ultrapassar as barreiras das técnicas, da religiosidade e resgatar os aspectos humanos. Afinal, nenhuma palavra, por mais inspirada e bem empregada que seja, substitui a visita de alguém que saiba proporcionar alegria.
Anísio Baldessin, padre camiliano, é capelão do Hospital das Clínicas da FMUSP
OS CATÓLICOS E A AMAZÔNIA JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA
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mazônia, Amazônia, é proibido queimar! Amazônia, Amazônia, é proibido matar! Se os evangélicos e irmãos de outra fé quiserem caminhar conosco, sejam bem-vindos, mas a Campanha da Fraternidade de 2007 continua conclamando os católicos a olhar para o norte do Brasil. Por que para a Amazônia? Falo como católico que já foi lá inúmeras vezes, mas não conhece nem um centésimo daquela realidade. Já vi irmãos indígenas abandonados, os que perderam familiares para a violência da selva, túmulos de mártires da terra e da floresta, gente com medo, gente com ódio, aventureiros, povo santo, simples e bom, rios 12 metros abaixo do nível, desmatamento irresponsável, extensas áreas queimadas e devastadas, animais covardemente abatidos.
Há uma guerra acontecendo no meio daquele verde e daquelas águas. Há quem queira a Amazônia para si, os que querem para o mundo e os que a querem viva, preservada e rendendo para o Brasil. Quem a quer para si e a vê como terra de ninguém não tem a menor intenção de desistir das suas conquistas, da mesma forma que os “conquistadores” do século XVI não tinham a menor intenção de respeitar qualquer tribo e qualquer tratado. Era terra verde, cheia de riquezas e dos nativos é que não seria. Eles nem eram levados em conta na partilha da terra onde já moravam havia séculos. A Amazônia lembra hoje uma terra invadida por hordas de bárbaros que prometem uma coisa, mas fazem outra: desmatam e devastam o que encontram pela frente. Em alguns casos é destruição intencional e sistemática. O gover-
no não chega lá. Há quem finja não ver, quem veja e não tenha como reagir e há quem não fale e fuja, porque os invasores o marcaram para morrer. E há os mártires que ficam e, se preciso, dão a vida pelo povo e pelo chão. Entre eles há centenas de católicos, a mais recente: irmã Dorothy. Nosso olhar pela Amazônia é solidário. Trata-se de uma região presumida e consumida. Nós a queremos assumida. Se nos próximos vinte anos 50 a 100 mil jovens de lá e os que para lá se dirigirem forem com uma visão de quem mais dá do que tira daquela terra, essa Campanha da Fraternidade terá valido a pena. Amazônia, Amazônia! É proibido arrasar! José Fernandes de Oliveira, Padre Zezinho, é escritor, compositor e intérprete de músicas religiosas
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QUANDO A MORTE É INEVITÁVEL
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mbora seja a única certeza da vida, a humanidade jamais conseguiu encarar com naturalidade a morte. Diversas religiões abordam o tema como apenas mais uma etapa da vida, o que acaba por confortar os que ficam e até facilitar a aceitação de graves problemas de saúde com mais tranqüilidade e esperança. Em suas quase 800 representações, o câncer é um dos grandes responsáveis por situações como essa, representando no Brasil a segunda doença que mais mata, com cerca de 300 mil óbitos, atrás apenas das doenças cardiovasculares. Segundo um estudo publicado em fevereiro deste ano pela União Internacional contra o Câncer, a doença mata anualmente mais pessoas no mundo que a tuberculose, a malária e a Aids juntas. A pesquisa também revela que em 2030 o número de doentes de câncer por todo o planeta deve chegar a 30 milhões, dos quais 18 milhões morrerão devido à doença, 50% a mais que atualmente. Embora seja válido ressaltar a evolução constante no tratamento oncológico, além da atual curva ascendente do envelhecimento da população — considerando-se que mais de 50% dos cânceres acometem a população idosa —, é inegável a necessidade de se promover um debate voltado para o desenvolvimento contínuo dos cuidados paliativos, de forma a fornecer dignidade aos que são vítimas dos males do câncer. Entretanto, além do próprio enfermo e de seus familiares, a posição do médico também é muito delicada: seu ofício consiste em trabalhar intensamente pela vida, e todas as expectativas de boas novas estão depositadas nesse profissional. Sendo assim, como reconhecer a impossibilidade de reversão do quadro e amenizar o sofrimento do paciente e de seus entes queridos? Para a professora do Instituto de Psicologia da USP, Maria Júlia Kovács, 54 anos, obviamente, não existem regras e padrões de tratamentos e cada caso deve ser encarado de uma maneira. “Alguns pacientes sentem muita raiva, acham que é uma traição da vida. Outros acham que merecem. Às vezes, o paciente aceita e a família não. Mas, como fator fundamental, posso afirmar que oferecer um espaço de escuta, tanto para o paciente como para seus familiares, é o início do caminho.”
Sem culpa Segundo a psicóloga, o câncer, por muitas vezes, gera um processo de culpa, no qual todos tentam resolver questões que estavam em aberto. “É muito importante tentar eliminar essa culpa. Nos pacientes mais velhos, grande parte da incidência da doença está relacionada ao estilo de vida da pessoa, que contempla hábitos como o fumo ou a bebida. Mas às vezes não está. Por conta disso, o objetivo é trabalhar para a aceitação do fato, sem encontrar culpados.” E durante esse processo o papel do médico é fundamental. Entretanto, esses profissionais também devem estar preparados psicologicamente para lidar com situações de morte dos seus pacientes. Devem estar atentos às suas responsabilidades, mas conscientes de que certas verdades são irreversíveis. “Antes de ser profissionais, as relações são humanas. A obrigação do médico é esclarecer a verdade ao paciente, mas ele não pode se culpar por casos que não pode resolver.” É o que afirma Vicente Carvalho, 63 anos, psiquiatra, psicoterapeuta e psicooncologista, que presidiu de 2002 até 2006 a Sociedade Brasileira de Psicooncologia. Ele avalia que é praticamente impossível para o médico oncologista não se envolver emocionalmente com os pacientes. Mas, por vezes, é necessário que o médico não encare a morte como fracasso. “A morte é o inimigo a ser batido pela medicina. Entretanto, a onipotência diante de determinados casos pode gerar sentimento de impotência no médico.” Outro ponto interessante abordado por Carvalho é o compromisso que o médico tem com o paciente e, este, em determinadas situações, pode vir a frustrar as expectativas do profissional. Segundo o especialista, o câncer de laringe é um exemplo. Quase sempre gerado pela combinação tabaco-álcool, espera-se que o paciente, após todo o processo de tratamento, não
volte a beber e a fumar. No entanto, isso acontece com certa freqüência. E isso pode vir a desestimular o profissional. “Por mais que o médico se incomode ou até se irrite com a atitude do paciente, ele não pode se responsabilizar pelas atitudes do doente, muito menos ficar desmotivado a trabalhar novamente para a reversão do quadro. A sensibilidade e os sentimentos existem, claro. Mas o papel dele é tratar o doente e orientá-lo.”
Trabalho voluntário Outro fator que tem se mostrado positivo para os cuidados paliativos é o trabalho voluntário. Embora já existam provas de que depressão não é causadora de câncer, também é fato que a presença dela fragiliza o sistema imunológico do ser humano, o que dificulta o tratamento do câncer. E mesmo em um ambiente triste é possível encontrar momentos de conforto pelos corredores e quartos dos hospitais que tratam pacientes em estado terminal. Boa parte dos sorrisos arrancados pode ser creditada a voluntários como o grupo “Trovadores Urbanos”. Conhecidos por seus sonetos e serenatas que já embalaram muitos famosos, os músicos estão todas as sextas-feiras no Hospital A. C. Camargo, em São Paulo. Maída Novaes, integrante dos “Trovadores”, diz que nesses quatro anos a experiência é intensa e que é necessário transmitir vontade de viver, acima de tudo. Maída conta que trabalhar com pacientes terminais é um desafio e, por mais comprometida e concentrada na sua tarefa, já se abalou e sofreu por conta da morte de um garoto. “Para ser sincera, quando esse garoto morreu me perguntei em que lugar estava Deus. Em uma conversa com a minha mãe, ela me disse que Deus estava no abraço que a mãe do garoto me deu quando ele faleceu.” Segundo Maída, o choque foi tamanho que ela acabou se afastando das ações voluntárias por dois anos. Mas agora ela voltou. “Entendi que devo fazer o meu trabalho com vontade e motivação. Continuo me entregando por completo a essa tarefa. Cumpro meu papel, mas aceito a verdade divina”, diz. Artigo extraído da revista da Associação Brasileira do Câncer - jul/2007
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AS EMOÇÕES DO ADOECER VICENTE A. DE CARVALHO
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á havíamos afirmado em um outro momento que o câncer é uma doença que traz consigo muitos estigmas. Estes estigmas podem gerar reações emocionais mesmo independentemente do surgimento da doença. Assim, o medo do adoecimento faz com que freqüentemente a pessoa que passa a apresentar algum sintoma físico suspeito adie a busca de um médico. Sabe-se que esse adiamento é em média de três meses, tempo este que pode prejudicar o prognóstico da doença. Assim, mesmo antes do adoecimento, aspectos emocionais ligados ao câncer exigem atenção e cuidados. Um outro momento em que é possível que reações emocionais sejam deflagradas e que podem necessitar de cuidados é o do diagnóstico, o que envolve muitos exames e a espera dos resultados. É um tempo de tensão e ansiedade. O momento subseqüente, o do diagnóstico propriamente dito, ou seja, o do conhecimento do resultado dos exames, geralmente mobiliza intensas emoções e sentimentos. Quando o diagnóstico é positivo e então se confirma a existência de um câncer, pode surgir o sentimento de que a vida, a partir daquele momento, jamais será a mesma. Sentimentos de angústia, medo, raiva, desespero são
freqüentes. Há pessoas que, como conseqüência do medo do câncer, do sofrimento, das eventuais mutilações que os tratamentos podem impor, são tomadas por pensamentos de que não vale a pena continuar a viver. Pode, portanto, chegar a surgir a ideação suicida. É muito importante que em momentos como esse a pessoa possa contar, além do apoio daqueles que lhe são caros, com o apoio de profissionais competentes que possam tratar adequadamente a doença. Vale lembrar que a vida é um processo dinâmico e que assim também são nossas emoções. Elas se transformam e mudam. Sentimentos de desespero podem mudar para sentimentos de maior aceitação e esperança, embora se alternem com sentimentos de tristeza, apreensão, medo. Iniciados os tratamentos, uma nova fase se instala. Tenho ouvido muitos pacientes e familiares expressarem a sensação de que nesse momento “a vida parou”. As rotinas anteriores já não cabem mais, em função de que os tratamentos exigem que a vida seja reorganizada. Quando o paciente é o provedor da família, outras preocupações surgem, de ordem material. Estas precisam ser acolhidas, pois geralmente são verdadeiras e exigem que adaptações sejam feitas. De qualquer forma, há mudanças de pa-
péis sociais, que podem ser temporárias ou não, e essas mudanças exigem movimentos de adaptação. Há também a expectativa em relação aos resultados dos tratamentos, gerando, muitas vezes, estados de ansiedade que precisam de alguma intervenção. Esta pode ser feita pelo cuidador profissional de saúde, mas pode também ser feita pelo cuidador informal, aquele membro da família que convive com o paciente. Independentemente de quem seja o cuidador, uma prática importante é ouvir o paciente. O ato de ouvir nem sempre é um processo fácil, já que reações do paciente podem desencadear sentimentos em quem ouve. Estes sentimentos podem fazer com que, em lugar de se acolher o momento emocional que está em curso, tente-se aliviar rapidamente o sofrimento. Assim, são ditas palavras de consolo ou conselhos que, além de não aliviar, resultam em um distanciamento entre os interlocutores, fazendo com que o paciente se sinta sozinho, resultado oposto ao desejado por ambos. Vicente A. de Carvalho é médico, psicoterapeuta, psicooncologista certificado pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia. Artigo extraído da revista da Associação Brasileira do Câncer – mar./2007
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PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU EM BIOÉTICA E PASTORAL DA SAÚDE O Centro Universitário São Camilo é uma instituição sob a direção dos religiosos camilianos, que tem mais de 400 anos de presença na saúde. Essa organização tem como compromisso principal a promoção do ser humano global, abrangendo não só o aspecto biológico, mas também o psicológico, cultural, social e espiritual. O curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Bioética e Pastoral da Saúde do Centro Universitário São Camilo foi implantado em julho de 1997. Na linha do carisma camiliano, tem como objetivo desenvolver a formação humana e cristã junto com a formação técnico-científica na área da saúde. Nas suas linhas temáticas fundamentais, inspira-se no CAMILLIANUM, Instituto Internacional de Teologia Pastoral da Saúde, com sede em Roma. O curso se propõe a capacitar profissionais da saúde e agentes de Pastoral da Saúde, religiosos(as), padres, pastores(as), capelães hospitalares, leigos(as), no âmbito da bioética e da Pastoral da Saúde. Convém salientar que não existe até o presente momento nenhum curso dessa natureza em nosso país. Trata-se de um serviço que os camilianos prestam à sociedade e à Igreja. Essa iniciativa é uma recomendação da Província Camiliana Brasileira, responsável última pelas Organizações Camilianas no Brasil, bem como pela União Social Camiliana, mantenedora do Centro Universitário São Camilo. Público-alvo: Profissionais da área da saúde, padres, pastores, agentes pastorais e religiosos.
Currículo: Módulo I (7 a 24 de janeiro de 2008, de segunda-feira a sábado, das 8h30 às 16h40): Saúde no Brasil: realidades e perspectivas; Pastoral da Saúde: fundamentos, diretrizes de ação da CNBB e perfil da capelania hospitalar; Bioética: gênese, desenvolvimento, abrangências temáticas e perspectivas para o século XXI; Questões de Bioética ligadas ao início da vida humana e Psicologia no contexto da saúde. Módulo II (Julho de 2008): Metodologia da Pesquisa Científica; Antropologia filosófico-teológica na contemporaneidade; Liturgia no mundo da saúde: celebrações e sacramentos; Introdução à Administração Hospitalar, Comunicação e relação de ajuda no mundo da saúde. Módulo III (Janeiro de 2009): Bíblia e Saúde; Saúde e Direito; Questões de Bioética ligadas ao final da vida humana; e Fundamentos Filosóficos da Bioética: o Nascer, o Viver e o Morrer. Carga horária: 468 horas.
Os interessados em obter bolsas de estudo deverão entrar em contato previamente com a direção do Centro Universitário São Camilo.
Local:
Centro Universitário São Camilo – Campus Pompéia Rua Raul Pompéia, 144 – Pompéia – CEP 05025-010 – São Paulo – SP Requisitos: Ter um curso superior completo reconhecido pelo MEC Mais informações: www.scamilo.edu.br – 0800-178585
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PARA NÃO ENJOAR NO CARRO SUZANA HERCULANO HOUZEL
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êm chegando as férias: tempo de descansar da escola e do trabalho, passear e conhecer novos horizontes, colocar o carro na estrada e... ficar enjoado, principalmente quando se é criança e viaja no banco de trás. Para quem enjoa, só a perspectiva tenebrosa de ficar mareado já corta parte do barato da viagem. O que fazer para não ficar enjoado? O primeiro passo é entender o que é o enjôo. A sensação de estômago embrulhado é literal: a náusea vem da desregulação das contrações peristálticas ritmadas do estômago. Em geral, ela começa com alguma toxina que irrita e estômago. No cérebro, o hipotálamo é avisado do problema digestivo e joga no sangue grandes quantidades do hormônio vasopressina, que desregula as contrações estomacais e provoca náusea crescente, sensação que prenuncia o desfecho do problema quando o
conteúdo do estômago é ejetado. Com o vômito, o hipotálamo pára de liberar vasopressina, o estômago se regulariza e a náusea passa. O problema do enjôo na estrada é que o hipotálamo também pode ser levado a despejar vasopressina no sangue pelo sistema vestibular, que monitora o equilíbrio postural, quando o cérebro perde o controle da situação: as imagens da estrada deslizam sobre os olhos sem que você mova seu corpo, que sacoleja fazendo com que o cérebro não consiga antecipar as sensações associadas aos movimentos nem manter a postura corporal. Esse pesadelo vestibular faz com que o hipotálamo inunde o sangue com vasopressina, e o resultado são os protestos vindos do banco de trás – e às vezes do carona também. Como evitar o enjôo, então? Vamos a algumas dicas da neurociência. Não leia no
carro, ou seu cérebro tentará em vão mover os olhos atrás das letras pulando incontrolavelmente. Busque uma visão ampla da estrada: sente as crianças sobre assentos especiais no banco de trás para que elas tenham a chance de antecipar como seu corpo e seus olhos devem chacoalhar com as curvas, e ensine-as a olhar para longe, o que reduz o deslizamento das imagens sobre os olhos. Controle a ansiedade do enjôo respirando lenta e profundamente. Insista em andar de carro, pois é assim que se aprende a antecipar as alterações sensoriais com as curvas da estrada. O melhor, no entanto, é assumir o controle do carro: quem dirige raramente fica enjoado. E, se nada disso funcionar, o remédio você já conhece: vomitar... Suzana Herculano-Houzel, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de O cérebro nosso de cada dia e de O cérebro em transformação.
Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde Tel. (11) 3862-7286, ramal 3 e-mail: icaps@camilianos.org.br Rua Barão do Bananal, 1.125 05024-000 São Paulo, SP
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