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Informativo do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética março de 2008 Ano XXVI – no 261 Província Camiliana Brasileira

❒ Pastoral

❒ bioética

❒ humanização

COMO ENCARAR A PASTORAL DA SAÚDE JÚLIO SERAFIN MUNARO

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s palavras de Cristo: “Vós me chamais de Senhor e Mestre e dizeis bem, pois eu o sou” (Jo 13,13). Todos nós batizados declaramos e reconhecemos que somos discípulos de Cristo e o reconhecemos como nosso Senhor e mestre em tudo. Mas Jesus apontou as conseqüências de reconhecê-lo Senhor e mestre: “Deivos o exemplo para que como eu fiz, também vós façais” (Jo 13,15). A recomendação de fazer como ele fez é essencial para quem quer ser seu discípulo. Vale para todo o modo de proceder do discípulo, inclusive no que se refere ao mundo dos doentes e da saúde. Todos os batizados deveriam reconhecer como o Apóstolo Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

Como Cristo procedeu no mundo da saúde e dos doentes? O apóstolo Mateus mostra em seu Evangelho como o Mestre agia: “Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando toda e qualquer doença ou enfermidade do povo. A sua fama espalhou-se por toda a Síria, de modo que lhe traziam todos os que eram acometidos de doenças diversas e atormentados por enfermidades, bem como endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele os curava” (Mt 4,23-24). As atitudes fundamentais de Jesus que o evangelista aponta são: “Anunciava o Evangelho do Reino, curava toda e qualquer doença ou enfermidade do povo, traziam-lhe todos os que eram acometidos de doenças.” E continua o evangelista Lucas: “Jesus havia curado muita gente e todos os que sofriam de alguma enfermidade se lançavam sobre ele para tocá-lo porque dele saía uma força que a todos curava” (Lc 6,19). De fato, o evangelista Marcos nos conta que “em todos os lugares onde entrava, traziam-lhe os doentes nas praças, para que os curasse. Rogando-lhe que lhes permitisse ao menos tocar

na orla de sua veste. E todos os que o tocavam ficava curados” (Mc 6,56). Suas curas não partiam de medicamentos naturais, de terapias científicas, ou de cerimônias litúrgicas, mas da fé dos doentes que o procuravam: “Minha filha, a tua fé te curou” disse à mulher que há doze anos sofria de uma doença que os médicos não tinham conseguido curar e que só ao tocar as vestes de Jesus imediatamente ficou curada (Mc 5,34). E ao cego de Jericó: “Vai, a tua fé te curou” (Mc 10,52). E a dois cegos que lhe pediam a cura: “Credes que tenho o poder de fazer isso? Eles responderam: ‘Sim, Senhor’. Então Jesus tocou-lhes os olhos e disse: ‘Seja feito segundo a vossa fé’. E seus olhos se abriram” (Mt 9, 27-30). O Apóstolo Pedro curou o coxo de nascença que mendigava à porta do templo não com poder pessoal, mas em nome de Cristo: “Em nome de Jesus Cristo Nazareno, anda!... No mesmo instante, os pés e os calcanhares se lhe consolidaram, deu um salto, ficou de pé e começou a andar” (At 3, 4-10). Numa das pregações do Apóstolo Paulo está presente “um homem aleijado desde a nascença, coxo e incapaz de andar. Paulo detendo nele o olhar e vendo que tinha fé para ser curado, disse com voz forte: “Levanta-te direito sobre os teus pés!” E ele deu um salto e começou a caminhar (At, 14, 8-9). Após a escolha dos apóstolos, Jesus “chamou os doze discípulos e deu-lhes autoridade de expulsar os espíritos imundos e de curar toda sorte de males e enfermidades” (Mt 10,1). Enviou-os com a seguinte recomendação: “Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. De graça recebestes, de graça também dai” (Mt 10,8). Esses poderes extraordinários tinham um objetivo maior: “Proclamai que o Reino dos Céus está próximo” (Mt 10, 7). Também ordenou aos 72 discípulos: “Em qualquer cidade em que entrardes e fordes recebidos: curai os enfermos que nela houver e dizei ao povo: o Reino de Deus está próximo de vós” (Lc 10,8-9).

Mas o que mais chama a atenção é que Cristo condicionou a salvação ao cuidado dos famintos, sedentos, desprovidos de tudo, doentes. No dia do juízo dirá: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a criação do mundo. Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me deste de beber […] Estive doente e me visitastes”. “Quando foi que te vimos com fome, com sede, doente? Toda vez que fizestes isto ao menor dos meus irmãos foi a mim que o fizestes”. Mas também dirá: “Apartaivos de mim […] Porque tive fome e não me deste de comer […] estive doente e não me visitastes” (Mt 25, 32-44). O serviço evangélico aos desvalidos e doentes fundamenta-se no amor e requer mudança de mentalidade. A norma fundamental foi proposta pelo próprio Cristo: “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, porque isto é a lei e os profetas” (Mt 7,12). Mas também o segundo mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 40) que, segundo São Paulo, resume todos os mandamentos (Rom 14, 8-9). Cristo deu a seus discípulos o critério supremo do amor: “Este é o meu preceito: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15, 12). Sem caridade nada vale diante de Deus, nem saber, nem fé, nem sacrifícios (I Cor, 13). O Cristo não ensinou receitas para evitar mortes prematuras, curar doenças crônicas, infecciosas ou genéticas ou para prolongar a vida biológica. Deixou uma receita estranha para quem não tem fé ou só acredita na ciência e na técnica: “Minha palavra é palavra de vida”. “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25). “Eu sou o pão da vida. Quem comer deste pão viverá eternamente”(Jo 6,35; 51). Ele não se refere à vida biológica, mas à razão última do existir humano, a vida e a comunhão com Deus. O serviço à vida, à saúde e aos doentes é parte essencial da missão da Igreja, mas intimamente ligado à vida eterna. Trata-se de um serviço de caridade, não


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de ciência e técnica. A atividade da Igreja é expressão do amor que visa ao bem integral do homem. Tudo isso deve ser dito para se ter presente que a Pastoral da Saúde não se fundamenta em ciência e técnica, nem visa apenas às realidades terrestres, nem serve a um ser humano limitado no tempo. A pastoral da Saúde não pode prescindir da vida eterna, nem dos valores da graça. O agente de Pastoral deve ter sempre presente a advertência de Cristo: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5). Um planta, outro rega, mas Deus é que dá incremento (I Cor 3,7). Isso não dispensa que o agente precisa ter formação humana adequada, valendo-se dos meios fornecidos pelas ciências humanas.

Os responsáveis pela pastoral da saúde. A Pastoral da Saúde é parte integrante da missão da Igreja. O Rito da Unção dos Enfermos e de sua assistência pastoral afirma: “Todos os fiéis, de acordo com a sua condição, participando da solicitude e da caridade de Cristo e da Igreja para com os enfermos, cuidem dos mesmos com todo carinho, visitando-os e confortandoos no Senhor e socorrendo-os fraternalmente em suas necessidades” (Ritual 42). Em seguida passa a lembrar o dever dos párocos e dos que se dedicam aos doentes, dever de “transmitir aos enfermos as palavras de fé, pelas quais compreendam o sentido da enfermidade no mistério da salvação; exortem-nos principalmente, iluminados pela fé, a saberem unir-se a Cristo padecente, como também a santificar a sua doença pela oração, na qual encontrarão força para suportar os sofrimentos.” E acrescenta: “Esforcem-se por levar pouco a pouco os doentes à participação digna e freqüente da penitência e da Eucaristia, segundo as suas possibilidades, e sobretudo à recepção no momento oportuno, da unção dos enfermos e do viático” (Ritual 43). Responsável pela Pastoral da Saúde é a Igreja em todos os níveis, a começar pela paróquia, passando pelas dioceses

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até chegar à Igreja Universal. Portanto, cabe aos bispos, como sucessores dos apóstolos, a primeira responsabilidade pela pastoral da saúde (Mt 10). Na Ordenação episcopal, o bispo se compromete expressamente que será, em nome do Senhor, bondoso e compassivo com todos os necessitados de conforto e ajuda. E quem mais que os doentes precisa de compaixão, ajuda e conforto? A missão da diocese como igreja particular, nada mais é que a missão da Igreja Universal: a salvação das almas. Neste sentido compreende-se a missão do bispo em sua diocese. A ação pastoral da Igreja deve ser entendida como o conjunto das atividades que realiza através de todos os seus membros para o bem da evangelização, isto é, do conhecimento de Deus, de sua vontade e de como realizá-la. Nesse sentido, o bispo possui autoridade plena na sua diocese. Não é mero delegado do Papa, embora sempre em comunhão com ele. As dioceses são formadas de paróquias, que são os lugares onde se desenvolvem a vida dos fiéis e cuja assistência pastoral é confiada a um pároco pelo bispo, e o pároco figura como o pastor próprio da paróquia. Quanto à Pastoral da Saúde, a diocese tem a função específica de orientar e coordenar toda a ação que os fiéis realizam a bem dos doentes e da saúde. A paróquia e o pároco cumprem esta mesma função em seu âmbito: orientar e coordenar as atividades da Pastoral da Saúde. Tratase de uma atividade indispensável e que não pode ser descuidada nem pelo bispo, nem pelo pároco. O papa Bento XVI lembra (Encíclica Deus é amor) que a ação caritativa da Igreja não dispensa a organização para funcionar a contento. A Pastoral da Saúde precisa de organização diocesana e paroquial. Na diocese a organização compete ao bispo, na paróquia ao pároco, em sintonia com o programa da diocese. Os colaboradores do bispo na ação caritativa, em nosso caso na pastoral da saúde, devem deixar-se guiar pela fé que atua no amor, isto é, pessoas movidas pelo amor de Cristo, de coração que

O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saú­­de­e Bioética – Província Ca­miliana Brasileira. Presidente: José Maria dos Santos

Conselheiros: Niversindo Antônio Cherubin, Leocir Pessini, João Batista Gomes de Lima, André Luis Giombeli. Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Cláudia Santana

Revisão: Fadwa Hallage Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 05024-000 São Paulo, SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade: Mensal

Prod. gráfica: Edições Loyola Tel. (11) 6914-1922

Tiragem: 3.500 exemplares

deixaram conquistar por Cristo, como Teresa de Calcutá e tantos outros. Sua motivação para a ação deve ser: “O amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). Um amor que deixa de ser mandamento para se tornar uma necessidade interior, como o amor da mãe para com seus filhos. Não consegue deixar de amar. O colaborador não deve querer salvar o mundo sozinho. A ação pastoral e caritativa da Igreja deve ser comunitária. Sem esquecer que Deus governa o mundo, não nós. Sem se angustiar, por­tanto, quando não consegue resolver todos os problemas de saúde ou de atendimento dos doentes na comunidade. Na América Latina e Caribe, as instituições de assistência à saúde são muitas. São aproximadamente 32.000. Na Europa são quase 36.000. Um potencial evangelizador que não consegue atingir em profundidade o mundo da saúde, influenciar as políticas de saúde ou inspirar os profissionais cristãos. O número de religiosas que atuam na área da saúde vem diminuindo drasticamente. Raramente são vistas à cabeceira dos doentes. A tendência é que diminuam sempre mais. A evangelização é o grande desafio da Igreja. Tem dificuldade para encontrar o caminho. Os fiéis têm como espaço próprio de sua ação evangelizadora o mundo vasto e complexo da política, da realidade social, da economia, das ciências e das artes, da vida internacional […] o trabalho profissional e o sofrimento. Mas nem sempre se sentem preparados para evangelizar ou abdicam dessa responsabilidade. Para cumprir sua missão com responsabilidade, os leigos necessitam de sólida formação doutrinal, pastoral, espiritual e adequado acompanhamento para darem testemunho de Cristo e dos valores do Reino no âmbito da vida social, econômica, política e cultural” CELAM, Aparecida, 212). Teria a Igreja como prepará-los para marcarem presença, sobretudo no complexo mundo da saúde? Júlio Serafim Munaro, padre camiliano, coordenador a Pastoral da Saúde da Diocese de São Paulo. Assinatura: O valor de R$13,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 (onze) edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja ci­tada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.


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A VIDA EXIGE CUIDADOS No final da vida, temos a problemática do sofrimento e da própria morte e a tentação fácil da eutanásia. Particularmente útil para um melhor entendimento é a apresentação e definição das principais questões éticas envolvidas, no final da vida, ou seja: suicídio, suicídio assistido, morte cerebral, paciente terminal,­eutanásia, distanásia, mistanásia, eutanásia neonatal e infantil e cuidados paliativos. Discernimento: atitude fundamental

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CF 2008, com o tema “em defesa da vida”, constitui-se num grande desafio para a ética cristã-católica, ao abraçar a missão de “promover e defender a vida humana desde a sua concepção até a sua morte natural”. Longe de polarizar a discussão em torno da questão do aborto e da eutanásia, como a mídia gosta, o texto apresenta as principais questões éticas envolvidas no início, desenvolvimento e final da vida humana, sem esquecer o meio ambiente, a questão ecológica, a problemática populacional e o mundo da pobreza e da exclusão. Seguindo a metodologia já consagrada “ver-julgar e agir – ao ler a realidade aponta que nos situamos frente a uma luta “entre a cultura da vida e a cultura da morte”. Parte de uma perspectiva personalista, colocando a pessoa no centro. “não é possível entender a defesa da vida humana, senão como defesa da vida da pessoa humana. A vida humana não pode ser reduzida à sua dimensão biológica “ (n. 15). Convivemos na atualidade com diferentes formas de violência e de atentados contra a vida, “frutos de uma ética relativisada”. O resgate de uma visão integral da pessoa na perspectiva cristã é vital para o enfrentamento dos desafios da tecnociência, da afetividade, sexualidade e contracepção, do aborto, das novas técnicas de reprodução assistida e células –tronco, entre outras questões éticas de início de vida.

Frente a tantos desafios, “desenvolver a capacidade de discernir se torna hoje uma necessidade fundamental diante dos paradoxos encontrados” (196). Há que se fazer alguns discernimentos fundamentais em relação a questões chaves de vida, a saber: visão de pessoa diante dos progressos da tecnociência, da esterilidade conjugal, da gestação indesejada, da manipulação e destruição do embrião (que não é coisa), frente à vida afetivo-sexual, diante do sofrimento humano e da morte, sem esquecer o contexto maior hostil à vida, marcado pela pobreza e violência. É imperativo saber distinguir entre os conhecimentos que se servem da vida geradores de sofrimento e morte, daqueles que se aliam à sabedoria de vida, tornando a vida mais bela, saudável e feliz e que devem ser promovidos. Ação transformadora Nós cristãos como “discípulos missionários” precisaremos cultivar uma postura de acolhida, discernimento e conscientização frente a tantas ameaças à vida, alimentando uma espiritualidade da vida que nos leve a um agir libertador. Conscientizar para o valor da família, de uma educação afetivo-sexual integral, incentivar a reflexão ética nos ambientes científicos e técnicos, atuar junto aos meios de comunicação social. Algumas ações concretas são urgentes, tais como: acolher a gestante em dificuldade e seu filho, apoiar os menores em situação de risco, trabalho junto às pastorais de fronteira (dependentes químicos, saúde, etc), entre outras iniciativas, passando pela luta para a transformação das estruturas geradoras de morte, obras de caridade, elaboração de políticas públicas e participação política. Em tudo isto, que sabiamente saibamos escolher a vida! Síntese do Documento da Campanha da Fraternidade da CNBB elaborada pelo Padre Léo Pessini

LIVROS E MATERIAIS PARA PASTORAL DA SAÚDE Informamos a todos, bispos, padres, agentes de pastoral da saúde e ministros que atuam ou queiram atuar na pastoral da saúde que dispomos de farto material para organização da pastoral da saúde, bem como subsídios que servem para a formação de agentes e ministros da eucaristia. Dentre as muitas bibliografias destacamos: Como organizar a pastoral da saúde. Como visitar um doente. Pastoral da saúde, orientações práticas. Assistência religiosa aos doentes: aspectos psicológicos. Ministério da vida e a cura dos doentes na bíblia. Além disso, temos este boletim ICAPS que mensalmente é publicado com assuntos de interesse para pastoral e para a saúde. Além disso, os interessados poderão adquirir materiais devocionais tais como: cruzinha com a oração de São Camilo, cruzinha de metal, santinho e novena de São Camilo e também de Nossa Senhora da Saúde. Para adquirir esses materiais entre em contato com nossa secretaria no Tel. (11) 3862-7286 Ramal 3 das 8:30 às 17:30 e fale com Cláudia. Você poderá efetuar seu pedido também através da internet icaps@camilianos.org.br


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CONHEÇA SÃO CAMILO:

OS CAMILIANOS NO BRASIL

ordem estabeleceu-se no Brasil em 1922 e de forma quase tão inesperada como aconteceu na sua fundação, em Roma. Um sacerdote da diocese de Mariana, Tófilo Sanson, que estava na Itália em visita a parentes, precisou internarse num hospital de Pádua, onde os camilianos prestavam assistência espiritual. Teófilo ficou tão edificado com o serviço religioso dos camilianos que propôs ao superior da comunidade, Pe. João Lucca, uma fundação na diocese de Mariana. Teófilo escreveu imediatamente ao arcebispo, D. Silvério Gomes Pimenta, muito aberto a receber novas congregações no Brasil. D. Silvério, no dia 23 de março, endereçou uma carta ao Pe. João Lucca formalizando o convite. Seguiram-se algumas incertezas por parte dos superiores, mas, por fim, decidiram aceitar o desafio. Escreveram a D. Silvério, mas não receberam nenhuma resposta. Como os preparativos estavam adiantados, decidiram partir, confiantes apenas na única carta, na qual D. Silvério prometia boa acolhida e total apoio. Assim, no dia 29 de agosto, dois camilianos – Pe. Inocente Radrizzani e Pe. Eugênio Dalla Gia-

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coma – embarcaram em Gênova rumo ao Brasil, desembarcando na cidade do Rio de Janeiro no dia 15 de setembro. D. Silvério havia falecido no dia 30 de agosto. Em Mariana, ninguém sabia da chegada dos dois pioneiros e os dois acharam que Mariana não era o lugar ideal para uma fundação. Regressaram ao Rio de Janeiro e mantiveram contatos com bispos que lá se encontravam para os festejos do primeiro centenário da independência e para o Congresso Eucarístico Nacional. As perspectivas não eram animadoras. O Pe. Inocente foi encontrar-se com o Núncio em busca de apoio. Este, em vez de animá-lo, disse-lhe: “No fim das contas, se as dificuldades são tantas, voltem para a Itália”. O Pe. Inocente, porém, retrucou-lhe: “Excelência, um santo bispo chamou-nos, aqui estamos e aqui ficaremos. Morrer, sim; voltar, não”. Após o encontro com o Núncio, o Pe. Inocente conseguiu uma audiên­ cia com D. Duarte Leopoldo e Silva, arcebispo de S. Paulo. O encontro foi rápido e a proposta do arcebispo pouco estimulante: “Se quiser paróquia, podemos conversar, caso contrário, nada feito”. E propôs que o Pe. Inocente fosse

a S. Paulo, para ver se con­seguia algo. O secretário de D. Duarte, Pe. Alfredo Mecca, tranqüilizou o Pe. Inocente e os dois decidiram apresentar por escrito a D. Duarte um breve histórico da Ordem, sua finalidade, o que fazia na Europa e o que pretendia fazer aqui. No dia 4 de outubro, o Pe. Inocente estava em S. Paulo e no dia 9 teve a segunda audiência com D. Duarte, bem diferente da primeira, no Rio. Logo de saída, D. Duarte disse: “Padre, li seu escrito... gostei do programa de sua Ordem... será providencial para a minha diocese e para o Brasil”. No dia 15 de novembro de 1922, assumiram a primeira capelania, a do Hospital Humberto I, da colônia italiana. No dia 9 de outubro de 1923, após várias tentativas a capelania da Santa Casa de São Paulo e, em seguida, outros hospitais da mesma entidade. Poucos dias depois de assumirem a capelania da Santa Casa, D. Duarte concedeulhes, em uso e usufruto perpétuo, cinco mil metros quadrados de terreno, em Vila Pompéia, com capela e algumas dependências, além de uma escola primária, com a condição de atender pastoralmente a população do bairro. Foi assim que os camilianos co­meçaram no Brasil.

AVISO AOS ASSINANTES DO BOLETIM ICAPS Estamos iniciando mais um ano de atividades pastorais. Aprovei­ tamos a oportunidade para informar os assinantes do boletim ICAPS que é preciso renovar a assinatura. Veja na etiqueta quando é o vencimento da assinatura. Independente de qualquer coisa estaremos remetendo, junto com o boletim, uma cartinha informando que tua assinatura venceu.


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A BIOÉTICA E O SONHO DA COSTRUÇÃO SOCIAL E A PAZ FABIANE CHAGAS RITTMANN

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e 27 de agosto a 01 de setembro de 2007, o Centro de Convenções Rebouças, na cidade de São Paulo (SP), foi palco para o exercício ativo da reflexão ao redor de importantes questões éticas. O tema central - Bioética: construção social e a paz mostraram, essencialmente, a preocupação com a existência e a permanência do homem na terra. O ponto marcante a ser salientado é a necessidade de resgate do olhar que ouve as partes, que dialoga e percebe as diferenças e as diversas perspectivas e, assim, busca a integração do real significado de “ser humano”. Disso decorre a afirmação por tantas vezes expressa: ou o século 21 será ético ou não será. Tamanha inquietação e angústia em que ora vivemos - fruto do conhecimento tecnocientífico - é justamente o produto da incapacidade de assumirmos as nossas incertezas. Estamos “nus”, despidos frente ao novo, a esse elemento desconhecido e transformador de uma sociedade. Percebe-se então a técnica como fundamento da cultura atual e da qual não podemos viver sem. Contudo, eis o xeque-mate da poderosa e aniquiladora razão: somos capazes de nos destruirmos! A crise de compreensão e sentido da existência é o desafio que apenas estamos começando a enfrentar. Por isso tanto se pergunta: como construir cidadania em um mundo tão assimétrico?

Que vida será essa quando o homem detiver o poder de determinar o futuro seu e dos demais? Do ponto de vista do filósofo alemão Martin Heidegger, não escolhemos a existência, ela nos é jogada. Necessitamos dar conta e prestar conta do tempo que nos é dado para que haja a possibilidade de permanência da vida, da sua continuação, daí a urgência do cuidado. Uma relação de mobilização enquanto ainda há tempo. Passo de retorno ao fundamento para então encontrar a presença, a existência que vem do outro e esse outro é quem marca o tempo do contato e da vontade. E por fim, a ausência de compaixão, a nãopercepção do outro, apresenta o valor das coisas a partir do plano individual e subjetivo do “eu isolado”. Todos temos a obrigação de que a justiça, o amor, a paz e a ética se realizem, pois esses são os valores-guiadores da vida humana. Essa é a cultura que devemos promover. Seria como que dizer que num mundo real a paz que não acontece, por exemplo, no âmbito das idéias deveria acontecer. A crise dos valores é a grave crise moral do homem, em que o vemos externamente mais desvelado com a imensa capacidade de conhecimento e domínio da ciência e ao mesmo tempo tão internamente velado, incapaz de se perceber como agente que sabe, que faz e que está. Ele não ouve

mais os anseios das reais vozes que deveriam ser escutadas. E não planta valores, pois sua copa há tempo esqueceu-se das raízes e do solo que a alimentou, o fundamento existencial. Uma questão de desconhecimento da matriz: de onde e para onde. A pergunta para este século: e o tempo do espírito para qual Cosmo viajou? Foi extinto, consumido, “diluviado” pelas águas do processo tecnológico? Definha o homem que vaga na imprecisão da apresentação do seu ser. Certezas incertas. Fuga do tempo, vazio existencial. O tempo, o tempo que liberta e ilumina, que é reflexo e reflete, que é verdade ou mito. Que é senhor ou súdito e que sempre é em ato e potência. Vale o espaço dele representado, finito e infinito, oral e escrito. Ao final tudo passará e restará ele, mestre dos mestres, pronto para recomeçar e re-significar. Sua mensagem é para o “além do ser-presente”. Quem tiver ouvidos, ouça; olhos, que veja. E quem tiver desejos, que acredite e agüente firme à espera do vento certo, do tempo da ruptura da inércia - da ação rumo ao encontro de um mundo mais humano, fraterno e justo.

Fabiane Chagas Rittman é especialista em Bioética e Pastoral da Saúde pelo Centro Universitário São Camilo.

CONGRESSOS E CURSOS Já estão marcadas as datas dos dois principais congressos que acontecerão no ano de 2008. O XXVIII Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde acontecerá nos dias 06 e 07 de setembro no Centro Universitário São Camilo – São Paulo. O VIII Congresso de Assistentes Espiritual Hospitalar também ocorrerá em São Paulo de 27 a 29 de outubro. Reserve a data e venha participar conosco. Nos próximos boletins estaremos dando maiores informações. No dia 31 de maio o Pe. Anísio Baldessin ministrará, em São Paulo, um curso sobre como Organizar a Pastoral da Saúde. O curso está sendo organizado pelas Edições Loyola. Para maiores informações ligue: 6914-1922 ou entre em contato através do e-mail www.loyola.com.br No dia 29 de junho Pe. Anísio Baldessin estará animando um curso de pastoral da saúde no Hospital Santa Marcelina, Itaquera – São Paulo. Maiores informações através do tel. 61706282 com Irmã Rosália.


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O QUE É A VIDA? LEONARDO BOFF

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convenção organizada pela ONU que ocorreu em março/2006 em Curitiba sobre a biodiversidade biológica, sob certo ponto de vista é tão ou até mais importante do que aquela que ocorreu em 1992 no Rio de Janeiro. Então se tratava de ver a relação entre desenvolvimento e meio ambiente. Oficializou-se a expressão desenvolvimento sustentável. Passados mais de dez anos, constatou-se que o desenvolvimento havido mostrou-se absolutamente insustentável porque praticamente todos os itens ambientais pioraram. Viu-se que pertence à lógica deste tipo de desenvolvimento devastar ecologicamente e criar desigualdades sociais. Agora a humanidade lentamente está se dando conta de que ele pode ameaçar a vida de Gaia e o futuro da humanidade. Por isso o tema mais urgente e fundamental é: como garantir e salvar a vida? Neste contexto convém refletirmos rapidamente sobre o que é a vida. As respostas consagradas são que ela provém de Deus ou que ela é habitada por algo misterioso ou mágico. Mas nossa visão mudou radicalmente quando, em 1953 Crick e Watson decifraram a estrutura de uma molécula do ácido desoxirribonucléico (DNA) que contém o

manual de instruções da criação humana. A molécula DNA consiste em múltiplas cópias de uma única unidade básica, o nucleotídeo, que ocorre em quatro formas: adenina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C). Esse alfabeto de quatro letras se desdobrava num outro alfabeto de vinte letras que são as proteínas. Formam o código genético que se apresenta numa estrutura de dupla-hélice ou de duas cadeias moleculares. Ele é o mesmo em todos os seres vivos. Watson e Crick concluíram: “A vida nada mais é que uma vasta gama de reações químicas coordenadas; o segredo desta coordenação é um complexo e arrebatador conjunto de instruções inscritas quimicamente em nosso DNA” (Cf. DMA, Companhia das Letras 2005, pg. 424). Com isso, a vida foi inserida no processo global da evolução. Após a grande explosão do big-bang, há quinze bilhões de anos, a energia e a matéria liberadas foram se expandindo, densificando, conplexificando e criando novas ordens na medida em que avançava. Alcançando um nível alto de complexidade da matéria, irrompeu a vida como um imperativo cósmico. A vida representa, pois, uma possibilidade presente nas energias originárias e na matéria pri-

mordial. A matéria não é “material” mas um campo altamente interativo de energias. Este evento maravilhoso ocorreu num minúsculo planeta solar, a Terra, há 3,8 bilhões de anos. Mas ela não detém, segundo o prêmio Nobel de medicina Christian de Duve (1974) a exclusividade da vida. Em seu livro Poeira Vital escreve: “O universo não é o cosmo inerte dos físicos com uma pitada a mais de vida por precaução. O universo é vida com a necessária estrutura à sua volta; consiste em trilhões de biosferas geradas e sustentadas pelo restante do universo” (Objetiva 1997, pg. 383). Não precisamos recorrer a um princípio transcendente e externo para explicar o surgimento da vida. Basta que o princípio da complexidade e de auto-organização de tudo, o princípio cosmogênico, esteja presente naquele pontinho primordial que primeiro se inflacionou e depois explodiu, este sim criado por Inteligência suprema, um infinito Amor e eterna Paixão. A vida, esta floração maior do processo da evolução hoje está ameaçada, por isso a urgência de cuidá-la. Leonordo Boff é teólogo e autor de vários livros. Artigo extraído do Jornal, Correio Riograndense.

Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde Tel. (11) 3862-7286, ramal 3 e-mail: icaps@camilianos.org.br Rua Barão do Bananal, 1.125 05024-000 São Paulo, SP

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