Informativo do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética junho de 2008 Ano XXVI – no 264 Província Camiliana Brasileira
❒ Pastoral
❒ bioética
❒ humanização
A CRUZ VERMELHA DE SÃO CAMILO
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cruz vermelha camiliana tem uma história original. A mãe de Camilo, antes de dar à luz, teve um sonho, viu seu filho com uma cruz no peito, de cor vermelha rutilante, seguido por um bando de outros jovens, todos com o mesmo distintivo. O sonho deixou-a inquieta, pois achou que seu filho acabaria sendo um chefe de bandidos. E morreu com esta inquietação, já que seu filho, que estava com 13 anos apenas, não dava sinais de muito juízo. Antes, era um menino irrequieto e incontrolável. Teria sido mera casualidade a relação entre o sonho da mãe e a escolha da cruz por parte do filho? No dia 29 de Junho de 1586, festa dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, Camilo e um punhado de companheiros apareceram pela primeira vez em público, na Praça de São Pedro, em Roma, ostentando no peito, bem vistosa, a cruz vermelha. O povo ficou impressionado e todos perguntavam: Quem são estes homens? Donde vêm eles? Que fazem na vida? A resposta a teriam no dia-adia da vida, lá mesmo, em Roma, e não nas horas agradáveis, mas nos momentos críticos. Camilo e seus companheiros começaram a desfilar, com sua cruz vermelha, pelos hospitais e cadeias, pelos becos e cortiços da cidade, sempre a serviço dos doentes, sobretudo dos mais pobres, de dia e de noite, fizesse calor ou frio, fosse longe ou perto. Sobretudo nos anos 1590 e 1591, quando a cidade foi abalada por terrível carestia, acompanhada de peste e outras calamida-
des, a cruz vermelha desfilava por todos os cantos. Camilo e seus companheiros trabalhavam intrepidamente, incansáveis como formigas, levando socorro a todo mundo. Terminada a calamidade, Camilo foi aclamado “Anjo protetor de Roma” e “Pai de todos os pobres”. Já não era um desconhecido, era um herói da caridade. Ele e seus colegas de ideal. Donde vinha talvez poucos soubessem. Mas quem eram e o que faziam na vida não escapava a ninguém. A partir de então, a cruz vermelha camiliana espalhou-se pela Itália e pelo mundo, carregada no peito de pessoas dispostas a dar até mesmo a vida para aliviar o sofrimento dos outros, em hospitais, cadeias, a domicilio, nos momen tos de epidemia ou nos campos de batalha. Onde há sofrimento, lá é seu lugar. A cruz vermelha de Camilo tornouse símbolo dos hospitais e de todos os serviços de saúde. Para Camilo, a cruz vermelha “cami liana” tinha um grande significado: “Que
o mundo saiba que nós, marcados com este santo sinal da cruz, somos vendidos e dedicados ao serviço dos pobres doentes. E também para provar que se trata de uma Ordem de cruz, isto é, de trabalho, de sofrimento e de renúncia até a morte. Quem quiser, pois, seguir o nosso ideal de vida, prepare-se para carregar a cruz, renegar a si mesmo e seguir Jesus Cristo até a morte”. Palavras austeras, mas densas de significado e de exigências! Assumilas,implica risco. A cruz é também portadora de força sobrenatural para repelir o maligno: “Como a nossa congregação tem por finalidade socorrer as almas na última batalha e no conflito da morte, traz a cruz do lado direito, qual espada afiada e arma ofensiva, para vencer e subjugar os demônios, principais inimigos de tão poderoso sinal”. A cruz camiliana não é, pois, um mero enfeite. Não é morta, mas viva e vivificante. Transforma as pessoas e as redime. Não as esmaga. Infundelhes o essencial da vida: o amor a Deus e ao próximo. Quase três séculos mais tarde surgiria outra cruz vermelha — A Cruz Vermelha Internacional —, provavelmente inspirada na cruz vermelha camiliana, pois, na massacrante batalha de Solferino, os camilianos marcaram presença ativa no socorro às vitimas. Eram poucos e de todo insuficientes para tamanha calamidade. Jean Henri Dunat deve ter topado com alguns deles e talvez apertado suas mãos, estreitando com eles forte comunhão de ideal.
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Ano XXVI – no 264 – junho de 2008 – boletim ICAPS
DO QUE É FEITA A ESPERANÇA? MÁRCIO FABRI DOS ANJOS
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esperança é antes de tudo uma condição humana. Não temos domínio sobre o futuro e a esperança é uma forma de chegarmos até ele. Supõe, portanto, uma consciência sobre o futuro, e depende muito de como lidamos com ele. Assim as esperanças concretas têm grande variedade em cada um de nós; variam entre a expectativa, quando se faz do futuro uma certeza, e o conformismo, quando se faz dele uma coisa que simplesmente irá acontecer. Acho mais bonita a esperança que leva à ação, a que provoca atitudes no presente para que haja o futuro. Há esperança de todo tipo: pequenas e grandes, superficiais, passageiras, duradouras e mais ou menos fundamentais para nossa realização. De esperança em esperança respiramos o viver. O melhor de nossas esperanças revela o melhor que projetamos para nós próprios na vida. Nossas esperanças são espelho de nós mesmos.
Como as pessoas pobres esperam? Essa pergunta poderia ser também invertida: as pessoas que já tem tudo na vida esperam ainda o quê? Pois bem, uma parte do segredo da esperança mora no segredo do futuro. Um futuro que não está garantido e pode ser conquistado. É
certo que os sentimentos e as dificuldades persistentes podem minar o ânimo da esperança. Mas, do outro lado, também a vida boa do pressente pode levar a esperança a ser ingênua sobre o futuro. Assim, um grande desafio para a esperança está em que ela seja crítica, capaz de distinguir o sentido das coisas e principalmente de si mesma. É onde nossas principais esperanças deixam de consistir em “coisas”, para se preocuparem com dimensões que possam realizar nossa vida de modo mais completo.
Como fortalecer a esperança Fortalecer a esperança pode ter um sentido duvidoso, levando para a idéia fixa. Este não é um bom caminho. É melhor que nossas esperanças possam evoluir e mesmo passar por crises. Quem manteria simplesmente todas as esperanças do tempo de criança? O caminho é aprender a desistir de certas esperanças. Algumas são passageiras e servem para dar colorido num momento da vida. Por outro lado, é preciso alimentar esperanças consistentes. Isso se faz através da reflexão sobre a vida. Sobretudo o que realmente pode nos realizar. A esperança se alimenta também através de boas experiências que vamos juntando nos
relacionamentos. A esperança é, desta forma, partilha e aprendizado. Certamente por isso o grande educador Paulo Freire, autor de “A pedagogia do oprimido”, concluiu sua admirável trajetória reflexiva com a obra “A pedagogia da esperança”.
A esperança é a última que morre? Acho que as consistentes propriamente não morrem, mas se transformam em presente ao provocar o futuro. Na vida real, os desafios da esperança são diferentes entre nós. É importante entender a linguagem das nossas esperanças e as dos outros em meio à complexidade da vida. Observe como todos os gestos “desesperados” são, no fundo, uma tentativa ou até um pedido de ajuda para se ter melhores perspectivas de futuro. Nossa vida no mundo depende também das esperanças da humanidade. Hoje, as grandes esperanças sociais ganham força através da consciência crítica, da responsabilidade, da solidariedade. Pois, além da fé em Deus, é isso que dá tranqüilidade para se esperar o futuro. Márcio Fabri dos Anjos é Missionário Redentorista.
DIVULGAÇÃO DE LIVRO DO PADRE ANÍSIO Diante da gravidade do problema da Aids e da falta de uma vacina que possa eliminar de uma vez por todas esse temido vírus, o melhor remédio e o meio mais seguro para combater a Aids continua sendo a prevenção. No livro, o leitor não vai encontrar nenhum tratado sobre Aids e nem respostas prontas a todas as questões e angústias relacionadas à Aids. O que se tem nele, além de informações atualizadas sobre a situação atual da Aids no Brasil e no mundo, é uma série de reflexões sobre situações que podem surgir na vida de pessoas portadoras do HIV e/ou doentes que já saíram da fase de portador chegando à fase da doença propriamente dita. Além de algumas rápidas informações sobre a doença, procura-se entender essas situações do ponto de vista humano e à luz da fé cristã e descobrir os primeiros passos para poder lidar com esse desafio de uma maneira um pouco mais adequada.
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O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúdee Bioética – Província Camiliana Brasileira. Presidente: José Maria dos Santos
Conselheiros: Niversindo Antônio Cherubin, Leocir Pessini, João Batista Gomes de Lima, André Luis Giombeli. Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Cláudia Santana
Revisão: Fadwa Hallage Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 05024-000 São Paulo, SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade: Mensal
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Ano XXVI – no 264 – junho de 2008 – boletim ICAPS
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A QUESTÃO DA MORTE E DO MORRER NO MINISTÉRIO PASTORAL JUNTO AOS ENFERMOS Alexandre Andrade Martins
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dor e o sofrimento são realidades inevitáveis na existência humana. Por mais que se tente evitá-las, mais cedo ou mais tarde, sentiremos dor e/ou sofreremos. Portanto, precisamos saber lidar com essas realidades que circundam nossa existência. O clamor que sai do sofrimento não deve ser negado, precisa ser escutado para melhor vivermos e sermos solidários com o outro sofredor. Transmitir amor e ser misericordioso com o “ser” sofredor é um requisito fundamental para uma boa Pastoral da Saúde. O seguidor de Cristo precisa estar disposto a viver segundo o seu Evangelho, que ensina a enfrentarmos a dor, impele a sermos solidários e agirmos com compaixão e misericórdia. Na Pastoral da Saúde a dor pela perda da saúde e o medo pelo fim da vida são constantes, sobretudo nos hospitais. Não podemos negar, nesse ministério pastoral, o sofrimento ou sermos indiferentes à dor do outro. Não devemos negar a morte e nos comportarmos como se ela não existisse, porém não podemos também permanecer pasmos diante do sofrimento e da morte e nada fazer, pois se estáticos ficarmos, não seremos solidários, não enfrentaremos com vigor e ternura a dor, elementos importantes para proporcionarmos uma morte digna. Isso não significa que devemos cair num ativismo ou num falatório desenfreado. Fazer algo ao outro no momento da dor é ser presença amorosa. Muitas vezes é com a própria presença e no silêncio que estaremos estabelecendo uma relação solidária e de ajuda para uma morte digna. O agente de pastoral da saúde precisa ter consciência que escolheu seguir Cristo numa dimensão da existência na qual a dor e o sofrimento são reais e despertam um grito de angústia diante da fragilidade da vida, pois ela é um sopro, a ruah divina que sustenta a existência, animou o soma (corpo) e, como num piscar de olhos, o sopro se esvai e com ele a vida finaliza e a morte acontece. Durante esse piscar de olhos, que marca o intervalo da passagem da vida à morte, a solidariedade, motivada pela compaixão e a misericórdia, fazem a diferença entre um final digno de um final dramático. Todavia, nada garante sabermos da reação final de um enfermo no leito prestes a dar adeus a sua vida, pois essa passagem somente ele pode fazer. Portanto, cada um lidará de forma diferente, pois cada sujeito é único, mas a presença amorosa pode ajudar a tranqüilizar o enfermo nesse momento. Caso o agente não consiga ajudar o moribumdo a ter uma morte tranqüila, tenha paciência consigo mesmo, pois há mistérios no homem insondáveis dos quais apenas nos resta confiar na promessa de Jesus Cristo e na sua graça. Lidar com a dor e o sofrimento no processo do morrer até a morte em si são partes irrenunciáveis do ministério junto aos enfermos. Reconhecermos que não é algo fácil estar ao lado de um moribundo leva a uma preparação para tal acompanhamento. A dor e o sofrimento na realidade pastoral exigem do agente, além da boa-vontade, das motivações interiores e do
agir com compaixão e misericórdia, uma preparação sólida para ser realmente presença solidária e não simplesmente ser mais uma pessoa ao lado do enfermo, sofrendo com o desespero por não saber o que fazer e não saber lidar com seus sentimentos interiores. Preparar o agente de Pastoral da Saúde para a morte e o morrer é fundamental para adquirir competência e melhor exercitar sua vocação de discípulo de Cristo no mundo da saúde, um mundo paradoxal, onde os opostos, saúde e doença, vida e morte caminham de mãos dadas. A perda é dura, seja ela qual for, pois ninguém deseja perder algo. A perda de alguém querido é muito sofrida e a proximidade da perda da minha própria vida pode ser desesperadora (além do sofrimento, de que tudo não é tão ruim, pois ele é praticamente inevitável, mas com uma experiência de transcendência poderá ser melhor enfrentado). Refletir sobre a morte e o morrer é um instrumento para melhor existir no mundo e viver, de forma solidária e amorosa, o ministério pastoral junto aos enfermos. Pensar profundamente sobre a morte e o morrer em terceira pessoa e em primeira (sobre a minha morte) certamente oferece elementos que podem, ao lado do leito de um moribundo, proporcionar uma morte digna e tranqüila quando isso é possível.
Alexandre Andrade Martins é religioso camiliano, estudante de teologia.
SÚPLICA DE UM ENFERMO Senhor, estou enfermo. Não tenho muita resistência à dor, pois ela me impacienta, faz-me perder o equilíbrio, Fico fraco, tenso, medroso, Solitário e angustiado Oh! Senhor, Que soubeste sofrer em silêncio, Quando da entrega ao Pai, Dá-me força para aceitar e superar esta enfermidade! Senhor das dores, alivia-me, conforta-me, Não me deixes só. Neste instante, quero sentir a tua mão a segurar a minha, Trazendo paz e sossego à minha alma, Sinto a respiração ofegante A ansiedade invade meu ser. Vem com teu divino hálito E faz-me reviver e revivendo possa eu olhar A tua face dizendo-me que estás em mim, Curando-me, livrando-me de todos os males. Faz-me repousar em ti, para que eu possa dormir Com a certeza de que verei teu rosto ao amanhecer e que o amanhã certamente será de vitória Pois estarei pronto a seguir-te no louvor e agradecimento da vida
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XXVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE HUMANIZAÇÃO E PASTORAL DA SAÚDE TEMA: DATA: LOCAL:
QUALIDADE DE VIDA: VOCÊ TAMBÉM É RESPONSÁVEL 06 e 07 de setembro de 2008 Anfiteatro do Centro Universitário São Camilo Avenida Nazaré, 1501 – Ipiranga – São Paulo
Sábado - 6 de setembro 7h15 às 8h15 Entrega de material e inscrições 8h15 às 9h15 Oração e abertura 9h15 às 10h15 Escolha pois a vida. A contribuição da Campanha da Fraternidade 10h15 às 10h45 Intervalo para café 10h45 às 12h O planejamento estratégico na pastoral da saúde 12h às 13h30 Intervalo para almoço 13h30 às 14h Tribuna livre e dinâmicas 14h às 15h O contexto atual das dimensões da pastoral da saúde 15h às 15h30 Intervalo para café 15h30 às 17h15 Aspectos preventivos das doenças: Crônicas degenerativas – Doenças tropicais - Doenças cardiovasculares 17h30 Encerramento Domingo - 7 de setembro 7h45 às 8h45 Celebração da missa 8h45 às 9h40 Doação de órgãos: obrigação ou solidariedade 9h40 às 10h15 Doação de ossos: uma necessidade urgente 10h15 às 10h45 Intervalo para café 10h45 às 12h Aspectos técnicos científicos referentes ao uso das células tronco 12h às 13h15 Intervalo para almoço 13h15 às 14h Tribuna livre e dinâmicas 14h às 15h A espiritualidade como fonte de saúde. 15h às 15h30 Intervalo para café 15h30 às 17h Hábitos saudáveis de vida: uma necessidade urgente. Nutricionista, médico e educador físico. 17h30 Encerramento do congresso
FICHA DE INSCRIÇÃO O depósito para o pagamento da inscrição deverá ser feito em nome de: Província Camiliana Brasileira - Banco Bradesco – Agência 0422-7 – Conta corrente 89407-9. Após o depósito, mandar esta ficha e o comprovante bancário do depósito para o endereço Rua Barão do Bananal, 1125 - CEP 05024-000 - São Paulo – SP. Você também poderá mandar a ficha e o comprovante pelo Fax. (11) 3862-7286, ramal 6 ou por e-mail: icaps@camilianos.org.br Nome: Endereço: Nº Cidade: Estado CEP
Cx. Postal
Fone
Nº:
TAXA: R$ 20,00 até 30 de agosto / R$ 30.00 após esta data ATENÇÃO: A organização do congresso não se responsabilizará pela hospedagem e alimentação dos participantes. INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES: ICAPS Rua Barão do Bananal, 1125 – CEP 050024-000 – São Paulo - SP FONE: (11) 3862-7286, ramal 3, com Cláudia – das 8h às 17h30. FAX: (11) 3862-7286, ramal 6
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FEBRE AMARELA:
UM FENÔMENO CLÁSSICO DE IMPRENSA
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febre amarela é uma doença infecciosa aguda, de curta duração (no máximo, 10 dias). É causada por um arbovírus pertencente ao gênero Flavivirus, na família Flaviviridae, transmitido por mosquitos. Tem dois ciclos epidemiológicos distintos: silvestre e urbano. A transmissão não se dá diretamente de uma pessoa a outra: os transmissores são os mosquitos silvestres do gênero Hemagogus e Sabethes. Os mosquitos são considerados reservatórios porque, uma vez infectados, garantem a circulação do vírus enquanto viverem. A forma silvestre não é erradicável por sua circulação natural entre primatas das florestas. A forma urbana, cujo último registro no Brasil data de 1942, só aparece se, ao voltar à cidade, um infectado na área rural servir de fonte de infecção, sendo picado pelo Aedes aegypti (que também transmite a dengue) e este retransmitir a doença picando outras pessoas. Estatisticamente, este risco seria mínimo. Segundo Fernando Verani (Ensp/Fiocruz), seriam necessários muitos pacientes infectados com o vírus, uma densidade de mosquitos muito alta e uma cobertura vacinal muito baixa.
A silvestre é contraída quando uma pessoa não vacinada ou vacinada antes de 1999 é picada pelo transmissor em áreas rurais – o caso das vítimas de 2008: o Ministério da Saúde rastreou os casos e todos haviam estado no interior do DF, de Goiás e de Mato Grosso do Sul. A doença tem caráter sazonal, ocorrendo com maior freqüência entre janeiro e abril, quando fatores ambientais propiciam o aumento da densidade vetorial. No Brasil, de 1996 a 2006 ocorreram 343 casos, com 158 óbitos. O maior número de registros (98) foi em Minas Gerais (28,6%); em seguida, Pará (68), com 20% e Amazonas (38), com 10,5%. Os principais sintomas: febre alta, mal estar, calafrios e dor de cabeça, que normalmente aparece entre o terceiro e o
sexto dia após a picada. O paciente deve ser hospitalizado e permanecer em repouso, com reposição de líquidos e das perdas sanguíneas, se indicado. Cerca de 58% dos infectados se recuperam completamente. Os outros 15% apresentam sintomas graves, como dor abdominal, diarréia, vômito, icterícia (olhos amarelados) e hemorragia, e o risco de óbitos é de 50%. O funcionamento do fígado e dos rins fica prejudicado, podendo levar ao coma. A vacina foi desenvolvida em 1930 pelo sanitarista e microbiologista Mac Theiler (1899-1972), sul-africano de Pretória. Aprovada em 1940, rendeulhe o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1951. Onde quer que esteja Oswaldo Cruz deve andar confuso: 104 anos depois da revolta da vacina, quando os cariocas rejeitaram em massa as draconianas medidas de combate à febre amarela, a população brasileira acorre em peso aos postos de saúde para se vacinar contra uma doença cuja forma urbana não faz vítimas desde 1942, demonstrando pânico antes mesmo de confirmada a causa da primeira morte. Em 23 de janeiro, com nove óbitos registrados da febre amarela silvestre, o medo era geral. Em 1850, por exemplo, a febre amarela infectou 90.658 dos então 266 mil habitantes do Rio de Janeiro, causando 4.160 mortes, pelos dados oficiais, ou 15 mil pelos oficiosos (CSS/Fiocruz). Neste 2008, os especialistas insistem: não se trata de epidemia, nem sequer de surto. Inutilmente. À uma da tarde de 16 de janeiro, 450 pessoas estavam na fila do Posto de Saúde Pindaro de Carvalho Rodrigues, na Gávea, zona Sul do Rio, para tomar vacina contra a febre amarela. Uma psicóloga de 35 anos, senha 135, queria se vacinar por recomendação da... agente de viagem, que lhe vendera bilhetes para a Europa. “Ela disse que alguns países já estão pedindo atestado aos brasileiros”, contou. “E minha mãe ouviu isso na TV”.
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O que a TV divulgara, na verdade, é que as embaixadas dos Estados Unidos, Paraguai, Uruguai, Argentina e Filipinas estavam recomendando a seus turistas que se vacinassem antes de embarcar para o Brasil. Recomendação corriqueira. Inclusive do nosso governo, que por sua vez exige vacinação prévia dos brasileiros que viajam para a África do Sul (a doença é endêmica em 34 nações do continente) e a América do Sul, que registra ocorrências em mais seis países (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Peru e Venezuela). Áreas de risco conhecidas para a febre amarela — por suas florestas, seus primatas, seus vírus. A Anvisa orienta os viajantes e a OMS divulga rotineiramente a lista de países que exigem vacinação (ver links no pé desta matéria): na Europa, só Portugal. Mas 31 pessoas foram internadas em janeiro com sintomas de “overdose”: tomaram a vacina duas e até três vezes. Goiás estima que vacinou duas vezes 975 mil pessoas. O Ministério da Saúde enviou em dezembro 300 mil doses à região CentroOeste assim que soube da morte de macacos com sintomas da doença em Goiás, e no Distrito Federal. Pânico disseminado, mais de 3 milhões de doses tinham sido distribuídas até 16/01; no dia 19, já eram 7 milhões. O instituto de tecnologia em Inudobiológicos (Biomanguinhos/Fiocruz) aumentou em 100% a produção, para atingir 30 milhões de doses por ano. A corrida aos postos levou o Ministro José Gomes Temporão a se pronunciar em cadeia nacional no domingo 13/1. “Não existe risco de epidemia”, assegurou. E descartou a volta da forma urbana da doença: “os casos registrados desde 1942 foram de febre amarela silvestre, ou seja, de pessoas que contraíram a doença nas florestas”. Inclusive os atuais: todas as vítimas haviam estado em áreas rurais de regiões de risco. O ministro aproveitou para reforçar: vacina é para quem mora nas áreas endêmicas ou vai visitá-las - Regiões Norte e Centro-Oeste, Maranhão, Minas Gerais, oeste dos Estados do Piauí, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, sul da Bahia e do Espírito Santo. Passados 10 dias da aplicação, a pessoa fica protegida por 10 anos. Vale lembrar que a vacina é contra-
indicada para grávidas, pessoas com o sistema imunológico debilitado ou alergias a gema de ovo e gelatina.
Mídia Alarmista Para o infectologista José Cerbino, do instituto de pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC/FIOCRUZ), o número de casos não justifica todo esse medo. “Não houve mudança epidemiológica significativa, nem sinal de humanização da doença, ou expansão da área de risco”, afirmou. Especialista em vacinas, ele lamentou que a imprensa tenha se preocupado mais em “criar pânico” do que em informar condutas corretas. O próprio Cerbino foi vítima desse tom alarmista. O jornal do Brasil (9/1) publicou a seguinte manchete: “Fiocruz sugere vacinação em massa”. No texto, entretanto, ninguém recomendava que toda a população se vacinasse. “Eu não disse aquilo em nenhum momento”, contou. “Não há necessidade de imunizar quem não mora em áreas de risco e não vai viajar para lá”. Questionado por um repórter da Folha de São Paulo sobre se há surto de febre amarela (14/1), o médio Drauzio Varella foi enfático: “o que acontece é um fenômeno de imprensa e isso é clássico na história”. Um dia após ouvir Drauzio e outros especialistas independentes do governo a Folha publicou editorial – “Não epidemia” – condenando a imprensa. Há “boa dose de exagero na epidemia” num episódio de “manifestação de temor coletivo magnificada pela mídia”. “O teor técnico com que o ministério da saúde tem lidado com o episódio é suficientemente esclarecedor para a mídia e para a sociedade”, afirmou ao informe Ensp o pesquisador Fernando Verani, do departamento de epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Ensp/Fiocruz. “É a politização do episódio, repetindo uma prática que vem ocorrendo ao longo dos anos, que tende a dar um caráter de descontrole às ações do governo na saúde e acaba confundindo a sociedade e gerando pânico injustificável”. Artigo extraído da Revista Raddis.
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