Informativo do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética dezembro de 2008 Ano XXVI – no 270 Província Camiliana Brasileira
❒ Pastoral
❒ bioética
❒ humanização
SAÚDE NÃO É SORTE, DOENÇA NÃO É AZAR: TUDO É QUESTÃO DE ATITUDE NANCI ALVES
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stilo de vida é o maior indicador de como está ou como ficará, futuramente, nossa saúde. Para viver mais e melhor, especialistas afirmam que é necessário cultivar bons hábitos como alimentação mais natural e saudável, atividade física, qualidade nos relacionamentos, tempo para o lazer e para a espiritualidade. Saber disso é uma coisa, seguir é outra. Cada um tem sua desculpa, pois mudança de hábitos não é algo fácil de seguir como uma receita médica. É sinônimo de esforço, coragem e muita persistência. Ensinamentos como este segue a aposentada Eunice Alves, que vive no município de Nova Lima (MG) e faz acompanhamento médico em Belo Horizonte. Após uma grave lesão no joelho, que a imobilizou, Eunice se viu obrigada a emagrecer para aliviar o excesso de peso sobre as pernas. Em uma clínica, além do curso de formação nutricional, onde já aprendeu que alimentos naturais são mais ricos em fibras e nutrientes do que os industrializados, Eunice recebe acompanhamento médico diferenciado do que o mercado geralmente oferece. Depois de tomar remédios para emagrecer, indicados por especialistas, e não gostar das conseqüências, Eunice resolveu enfrentar um tratamento natural, que depende apenas dela e de orientação adequada. “Minha médica atual me convenceu de que é preciso mudar hábitos para se ter qualidade de vida. Depois de muito esforço, tenho consciência de que preciso me alimentar o suficiente para me nutrir. Meu organismo nem aceita mais alimentos gordurosos, por exemplo. Claro que a mudança está
sendo gradativa, assim como os resultados, pois o que foi acumulado em 20 anos vai demorar a ser perdido. Mas o que importa é que já emagreci um pouco; sinto-me bem melhor; aprendi coisas importantes como comer saboreando o alimento, sem ansiedade, evitar refrigerantes que me causam mais dor e que atitudes certas levam a melhor qualidade de vida. Assim aprendi, acima de tudo, a confiar em mim”.
O corpo pede socorro Para a médica acupunturista, clínica da dor e anestesiologista, doutora Meira Souza, poucas pessoas conseguem abrir mão de alguns estereótipos sociais em função de viver melhor. “Vivemos uma era em que o mais importante é parecer ser. O preço que as pessoas pagam para parecerem ser o que não são é muito alto. Poucos sabem o que de fato querem para sua própria vida, reproduzem o que uns poucos estipulam como estilo de vida, criando necessidades irreais e perdendo tempo de vida”, afirma. Para exemplificar, a médica conta a história de um antigo caso que atendeu. Seu paciente, um jovem homem bem sucedido, estava com uma forte dor nas costas, que se tratava apenas de tensão muscular com muitos nódulos fibróticos. Ele já havia tomado vários antiinflamatórios e continuava com muita dor. Após analisar seu estilo de vida e identificar sua ansiedade, a médica indicou reabilitação para condicionamento muscular e respiratório, pois a respiração do seu cliente também era
muito curta em função da ansiedade. “Analisei a qualidade da alimentação e fiquei decepcionada quando verifiquei que ele era desnutrido, não fazia as refeições adequadas, pois por falta de tempo passava o dia com refrigerantes e sanduíches, além dos inúmeros cafezinhos. Era um problema simples, mas que refletia uma história de vida muito adoecedora. Em minha opinião, sua dor era o próprio corpo gritando socorro”, lembra. Quando propôs ao paciente um programa de saúde, com mudança de hábitos alimentares, reabilitação física e a introdução de lazer na sua vida para reduzir o estresse e melhorar o padrão de sono, que também não era bom, o paciente, frustrado, perguntou: “Doutora, então a senhora não tem nada para o meu caso?” Na opinião da médica, essa postura reflete a nossa cultura: as pessoas querem milagres e muitos médicos aceitam essa condição. “O médico tem muitos recursos, mas os melhores recursos são os do próprio paciente. Não é bom mascarar o problema, mas este paciente queria uma cômoda condição de ficar sem dor, permanecendo nos velhos maus hábitos. Ele não tinha tempo, nem dinheiro, nem disposição para fazer nenhum investimento pessoal. Queria um remédio, cirurgia ou algo parecido, assim eu seria uma boa médica. Esse pobre homem rico vivia muito pior do que muitas pessoas com poucos recursos financeiros”, conta. De acordo com doutora Meira, histórias assim são muito mais freqüentes nos consultórios dos que se pode ima-
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ginar. “Vejo a sociedade atolada em uma vaidade sem limites e a medicina também cumpre o seu papel vaidoso de oferecer uma solução mágica para esse pedido de socorro do corpo, que apenas está necessitando de descanso, tempo para alimentar e dormir com calma. Geralmente o paciente não escuta os pequenos avisos. O corpo nos dá sinais, nós é que não sabemos ou não queremos escutar, parece-me até que existe uma necessidade de ser doente”, acrescenta.
Escolhas inteligentes
expediente
Com bons hábitos de vida, até doenças que possuem características genéticas, podem ter seus efeitos atenuados, segundo a médica, que garante não propor nada irreal a seus clientes. Em primeiro lugar, é necessário que o cliente tenha coragem para “não ceder a um sistema massificador, que não tem interesse na saúde das pessoas, pois seres saudáveis são fortes, determinados, independentes, auto-suficientes. A maioria das pessoas não faz o que quer e sim o que a sociedade dita. Tem gente que até acredita que levar granola para o lanche do trabalho ou escola faz bem, mas é moderno levar sanduíche. Ou, ainda, que ler um livro é saudável, mas abre mão dele em função do celular de última geração. Outros seguem a moda do visual estereotipado pela necessidade de se inserir em determinado grupo social. É preciso peito para ser eu mesma”, afirma. Portanto, ser saudável no mundo moderno implica ser livre. O que cria as doenças é, acima de tudo, o que nos aprisiona inconscientemente. “Penso que, para quem quer viver bem, a modernidade é um aliado. Temos muitos recursos hoje com água tratada, rede de esgoto, alimentos em abundância, e não temos tantas viroses como antigamente. Tudo isso é também o mundo moderno. Mas para quem quer viver
mal, a modernidade é uma desculpa, disfarçada de estresse e muitos maus hábitos alimentares, posturais etc.”, avalia a acupunturista. Existe um antagonismo muito grande na percepção de que ter bons hábitos é caro. Para a médica, caro é a doença. Quando se investe em educação e saúde, a pessoa não só evita investimentos em doenças, como também contribui para ela mesma ser uma pessoa próspera, com melhores condições de competir no mercado de trabalho; o que refletirá em melhora de sua condição financeira também. Esse compromisso começa com a família. Doutora Meira conta que seus grandes ídolos são seus pais, exatamente pelo exemplo que deram ao investir em saúde, educação e afeto. A médica se diz indignada quando vê o excesso de consumo de produtos artificiais, como chips e refrigerantes, por crianças. “Têm momentos que, além de não alimentar, retiram o nutriente de outros alimentos. Futuramente, a criança que consome, por exemplo, muito refrigerante terá grandes possibilidades de desenvolver a osteoporose, já que a doença se inicia desde a formação e crescimento do osso. Portanto, creio que a maior pobreza é cultural. Tenho pacientes simples, sem recursos financeiros, que fazem escolhas muito nobres. Se dinheiro fosse o referencial, com certeza eu não teria 99% dos meus pacientes, de bom poder aquisitivo, desnutridos. “Comer bem não comer luxo”, reflete.
Cultura mercadológica Atualmente, temos a cultura que “para ter saúde é preciso tomar remédios”. Infelizmente, é difícil motivar as pessoas a mudarem de hábitos, porque existem muitas soluções mágicas que atrapalham um processo que precisa ser diário. Existe um investimento enorme
O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúdee Bioética – Província Camiliana Brasileira. Presidente: José Maria dos Santos
Conselheiros: Niversindo Antônio Cherubin, Leocir Pessini, João Batista Gomes de Lima, André Luis Giombeli. Diretor-Responsável: Anísio Baldessin Secretária: Cláudia Santana
Revisão: Fadwa Hallage Redação: Rua Barão do Bananal, 1.125 Tel. (11) 3862-7286 ramal 3 05024-000 São Paulo, SP e-mail: icaps@camilianos.org.br Periodicidade: Mensal Prod. gráfica: Edições Loyola Tel. (11) 2914-1922 Tiragem: 3.500 exemplares
da ciência em criar soluções para a deseducação da sociedade em muitos níveis. Para a acupunturista, o grande elemento sabotador é a indústria de medicamentos, exames e procedimentos técnicos, sobretudo as cirurgias. Em função da pressão mercadológica, muitos médicos estão escolhendo fazer uso desses recursos, ao invés de cuidar clinicamente do paciente por inteiro, procurando a causa da doença e não conseqüência. Na verdade, segundo doutora Meira, conhecer o paciente por inteiro e motivá-lo para mudanças de hábitos implica um tempo bem maior nas consultas. “Em geral, como os convênios pagam mal a consulta e bem a cirurgia, a opção é investir na doença. Além disso, a especialização excessiva deixou o profissional da área médica com visão fragmentada do ser humano”, afirma. Doutora Meira faz questão de frisar que a medicina é muito maior do que se apresenta hoje: “medicina não é técnica; é ciência, arte e sensibilidade”.
Mentir para si mesmo é sempre a pior mentira A obesidade, um dos problemas mais comuns hoje, é outra questão que deve ser vista com cuidado. Segundo a médica, os tratamentos que existem para emagrecer, em geral, perpetuam o problema. “Todo mundo sabe que remédio para emagrecer, emagrece 10 kg e engorda 20 kg, quando se pára de tomar. Sabe também que faz mal para a saúde, assim como a cirurgia de redução de estômago, que tem morbidade e mortalidade altas. Mas, ainda assim, existem médicos que prescrevem esses remédios ou recomendam a cirurgia, afirmando para o paciente que ele não vai conseguir emagrecer sozinho”, afirma. Para a doutora Meira, o papel do médico deveria ser exatamente o contrário. O profissional deveria ser o primeiro a Assinatura: O valor de R$13,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 (onze) edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja citada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição.
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acreditar no seu paciente, mas o modelo de relação médico-paciente que existe hoje matou essa possibilidade. “Em alguns consultórios, as receitas já estão até prontas, independente da história do paciente. Isso é desrespeitoso, mas o paciente aceita a situação como estímulo para mudança de hábitos. Porém, muitas vezes, fica nisso a vida toda, construindo várias doenças”, constata. Na opinião da médica, a solução está sempre ao alcance da pessoa. “Tenho uma paciente que vive uma relação horrorosa com o trabalho, não gosta de sua chefe. Já produziu de alguma forma, em si mesma, vários males para adoecer e, assim afastar-se do trabalho. Tudo que ela mais deseja, quando adoece, são os atestados médicos. Sempre que lhe digo para mudar de emprego, ela afasta tal possibilidade, dizendo que passou em um concurso e não vai dar o seu direito para ninguém. Para mim, está claro que, com essa postura, ela não está dando o direito, mas a vida”, conta. Na opinião da doutora Meira, é um erro achar que o mundo precisa mudar para a gente viver bem. “Essa é uma desculpa confortável. Se algo não vai bem, precisamos ter coragem para recomeçar. As pessoas estagnam em situações adoecedoras e passam a vida toda culpando outras pessoas; fazem isso com trabalhos, casamentos, relacionamentos com filhos e outros”, afirma. Artigo extraído do Jornal de Opinião Julho, 2008
DVDs
Já estão à disposição em nossa secre taria os DVDs contendo todas as palestras do IX Congresso Brasileiro Ecumênico de Assistentes Espirituais Hospitalares. Para adquiri-los entre em contato como nossa secreta ria das 8:00 às 17:30 pelo telefone (11) 38627286 e fale com Cláudia ou através do nosso e-mail: icaps@ camilianos.org.br.
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MENSAGEM DO CONGRESSO DE CAPELÃES
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s participantes do IX Congresso Brasileiro Ecumênico de Assistentes Espirituais Hospitalares, realizado em São Paulo de 27 a 29 de Outubro de 2008, expressam um pouco do que viram, ouviram e vivenciaram nestes dias de convivência fraterna. O Congresso é resultado de um esforço participativo envolvendo Igrejas Cristãs dos Estados do RS, SC, PR, SP, DF, MG e RJ, sob coordenação e animação da ACAEHB (Associação Cristã de Assistentes Espirituais Hospitalares do Brasil) e Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde. O tema abordado foi “A Prática da Espiritualidade Ecumênica no Ambiente Hospitalar”. Ocorrido no Centro de Pastoral Santa Fé em São Paulo, o Congresso viabilizou aos participantes fazer um exercício de maturidade e estudos sobre a missão e o compromisso com a saúde e a vida. Sabemos que a assistência integral aos enfermos é atribuição da missão dada pelo Senhor. E hoje, muitos a reconhecem, inclusive inúmeras instituições hospitalares, associações médicas e públicas. O conteúdo dado a nós pelos palestrantes fortaleceu esta consciência da assistência espiritual, que se enriquece quando assumida de forma competente e conjunta entre aqueles que seguem a Jesus de Nazaré: “onde
há amor o Sagrado se faz presente”. Foi experimentado um espaço de participação, troca de experiências e um compromisso, sobretudo, com aqueles que padecem num leito de hospital. A análise do presente tema trouxe a consciência de que necessitamos de transformações atuais nas doutrinas das Igrejas em favor de uma espiritualidade e práticas ecumênicas. Afirmou-se a presença humanizadora das Igrejas nos diferentes momentos da história, valorizando quem deu sua vida em defesa da Justiça, do Evangelho e da dignidade dos enfermos, afirmando Jesus de Nazaré como aquele que cura as feridas da humanidade. Constatamos a necessidade de ampliar a presença da ACAEHB junto às nossas Comunidades, instrumentalizando, formando e capacitando voluntários e capelães que exerçam a assistência espiritual com dignidade. Com alegria registrou-se a presença de assistentes espirituais: padres, pastores, pastoras, voluntários, voluntárias, religiosos e religiosas, refletindo e celebrando em favor da vida, da partilha e do diálogo. Saímos renovados para a missão em nossas Comunidades e Hospitais! Que a Benção de Deus nos acompanhe! Os Congressistas
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CONSCIÊNCIA DE VIVER BEM JOÃO BATISTA LIBÂNIO
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iver bem significa felicidade? Sim e não. O advérbio bem sofre de várias interpretações. Depende da plataforma em que o analista se situa. Distingamos três dimensões do ser humano: corpo, psique e espírito. A saúde faz parte inequívoca para estar bem corporalmente. A doença nos indispõe. Tira-nos o bemestar, o prazer simples de viver. Mina a felicidade sensível. Por isso, corre-se à farmácia ou ao médico ou, em casos piores, interna-se em algum hospital em busca de cura. A saúde não cai do céu, como destino dos deuses. Necessita ser cultivada, cuidada, na dupla via de evitar excessos, de respeitar a própria constituição física e de positivamente prevenir os males com descanso regular, com exercícios físicos sadios. Hoje já não se precisa dizer quase nada a esse respeito, visto que nos inunda todo tipo de literatura e propaganda sobre a saúde corporal. Frei Betto comentava que onde ontem havia uma academia e muitas livrarias, hoje se fecharam as livrarias e se abriram inúmeras academias. O corpo vence a
inteligência. Saúde significa felicidade corporal, sensitiva que comungamos com os animais. O ser humano sobreleva-se em relação ao bem viver da saúde corporal por ser psique, afetividade, emoção. O animal participa em parte desse departamento humano. Distinguimo-nos dele, porém, pela consciência que temos dessa problemática, aplicando-lhe lente de aumento. Aqui se joga o mais difícil da felicidade humana. Pois nesse campo repercutem as aflições corporais e os anseios do espírito. E vice-versa. As flutuações afetivas atingem de cheio o corpo e batem-se contra o espírito. Que implica para viver bem no campo da afetividade? Ser capaz de cuidar e sentir-se cuidado. Quanto mais alguém aguça o olhar para o cuidado em relação aos outros e quanto mais se percebe envolvido por cuidados, mais sua psique se pacifica e se expande. O modelo e exemplo maior nos vêm das mães. Mais do que ninguém elas nos ensinam como sua estrutura afetiva se alimenta do cuidado que dedi-
ICAPS E ACAEHB REALIZAM CONGRESSO O Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde – ICAPS - e a Associação Cristã de Assistentes Espirituais Hospitalares do Brasil – ACAEHB - realizaram em São Paulo, nos dias 27, 28 e 29 de outubro de 2008 no Centro de Pastoral Santa Fé, o IX Congresso Brasileiro Ecumênico de Assis tentes Espirituais Hospitalares que teve como tema cen tral: A Prática da Espiritualidade Ecumênica no Ambiente Hospitalar. Além dos palestrantes, o congresso contou com a participação assídua de mais de 110 participantes que ao final do congresso redigiram uma mensagem e a data e o local do próximo congresso. A cidade escolhi da por unanimidade foi Curitiba – PR. O congresso vai acontecer nos dias 26; 27 e 28 de outubro.
cam aos filhos e do que recebem deles. Nesse ir e vir de carinho, as feridas se curam, o mau humor se vai, as alegrias se somam, mesmo quando o corpo sofre vigílias e horas de desvelo noturno. A matriz – vejam que a palavra tem na sua raiz o termo latino mater =mãe – do cuidado permite que nos espelhemos nela para medir-nos a sanidade psíquica pelo termômetro do cuidado. Faríamos bom exercício, se, no final de cada dia, perguntássemos: de quem cuidamos? E como nos sentimos cuidados? Habitamos o terceiro andar do espírito. Viver bem aí nos remete a outras experiências. Pelo espírito, voamos ao reino da transcendência, da verdade, do bem, da beleza. Vale dele aquilo que Paulo disse: “o que Deus preparou para os que o amam é algo que os olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais pressentiu” (1Cor 2,9). Por aí andamos no patamar do espírito. João Batista Libânio é padre jesuíta, professor do CES da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte (MG).
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O ACOMPANHAMENTO ÀS FAMÍLIAS DE LUTO, A PARTIR DAS PARÓQUIAS RAMÓN MARTIN RODRIGO
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o ambiente hospitalar para muitas famílias e doentes a figura do capelão costuma ser vivenciada como uma espécie de ave de mau agouro, por sua suposta familiaridade com a morte e por ser a morte um dos grandes “buracos negros” de nossa sociedade, junto com a doença, a solidão e a culpa. Porém, não é o fato de negarmos a morte que ela deixará de se fazer presente ainda que de forma contundente e inoportuna. A morte pode acontecer em casa, no trânsito, no hospital, nas unidades de cuidados paliativos, “hospice”, etc. Ela tem novas denominações. Já não se fala de “morte”, mas desaparecimento, êxodo, deixar de existir, deixar-nos, falta do ser querido. Ou seja, evitamos a palavra morte porque parece ser de mau gosto. Mas, se quisermos crescer como pessoas e viver como cristãos adultos temos que aprender a viver próximos à morte e nos familiarizarmos com ela. Para os cristãos a ressurreição de Cristo é o centro da fé cristã. Cristo, ressuscitado dentre os mortos, é princípio de ressurreição de todos os que morreram. E desta fé na ressurreição surge a visão cristã da vida e de seu destino. O homem é destinado à vida eterna. Por ele, a dimensão cristã da morte é a vida. Daqui provém também a visão cristã da ética: como comportamento de homens libertos da escravidão do pecado e ressuscitados, abertos a uma visão da vida que não conhece fim. Nossa vida cotidiana deverá assumir as dimensões de novidade e toda ela poderá estar impregnada de uma flagrante esperança. Diz S. Grygiel que, “se não existisse a morte o homem estaria condenado a pensar em coisas sem sentido”. E Sigmund Freud nos diz que “para suportar a vida tem que estar disposto a aceitar a morte”.
A família e o luto A maioria das mortes ou perdas significativas se produzem no contexto de
uma unidade familiar, das famílias de muitos dos paroquianos e é importante considerar o impacto de uma morte em todo o sistema. A maioria das famílias tem algum tipo de equilíbrio e a perda de uma pessoa significativa nesse grupo familiar pode desequilibrar e fazer com que a família sinta imensa dor, comece a se romper e em alguns momentos busque ajuda. Ou aceita o acompanhamento de pessoas de confiança do âmbito paroquial que durante o processo de doença de seu parente os visitarão com freqüência, e inclusive chegarão a se aproximar com o próprio doente e/ou cuidador principal. E uma oportunidade de acompanhamento deste tipo, por mais difícil e custosa que nos pareça é de suma importância. As famílias variam em sua capacidade para expressar e tolerar sentimentos. Os que enfrentam a dor pela perda de um ser significativo de uma maneira mais eficaz, são os que fazem comentários abertos sobre o falecimento. Aos que são mais fechados falta essa liberdade de expressão natural. Na maioria das famílias a atividade do visitador se limitará a acompanhar ou conversar com o cuidador principal, com aquele que se relacionou mais de perto no período da doença do falecido. Escutar e acompanhar, ainda que seja só a uma pessoa, e precisamente a ela nesse grupo familiar, não deixará de trazer grandes benefícios, se o processo tiver sido realizado cuidadosamente. Pois uma dor inadequada de algum dos membros pode entorpecer gravemente a dinâmica familiar, e o visitador pode contribuir com sua companhia e bem fazer a que essa pessoa significativa ou às vezes só, possa encontrar forças suficientes para servir de apoio ao sistema e ir levando adiante ou mesmo, encontrando novos motivos para continuar vivendo. Pessoalmente tenho escutado numerosos testemunhos de pessoas que se mostram muito agradecidas pelas vi-
sitas que receberam nos momentos de doença e de morte, da paróquia, em geral, do sacerdote ou alguém da equipe pastoral. Entretanto, conheço pessoas muito machucadas porque mesmo tendo colaborado muito com sua paróquia, nos momentos de solidão e incerteza que acarreta toda doença e a morte, se sentiram abandonados ou esquecidas.
Evangelização em torno da morte Dado que a situação da doença e tudo o que concerne ao fato do morrer é um terreno tão difícil e escorregadio, tão odiado e repudiado na sociedade atual, é de extrema importância que se cuide pastoralmente das pessoas enlutadas. Pois ainda que tenhamos participado e presidido celebrações de defuntos muito ricas e consoladoras, também temos em mente tristes e pobres exemplos onde aquele que preside não tenha nem chegado a memorizar o nome do defunto, ou apenas pode mencionar uma pincelada significativa de sua vida. E os familiares e assistentes, em muitos casos notam perfeitamente e sabem quem fala de coração e a partir de suas crenças profundas, mais do que a partir de um texto estudado. A Igreja deve seguir mostrando sua preocupação e apoio explícito pelo bem-estar e a adequada elaboração psicológica e espiritual da perda dos que ficam. Isso acompanhar, na medida do possível, o luto dos seus fiéis e outros que não o são, mas que aceitam a mão estendida que se lhes oferecem em momentos de solidão e desconsolo. Estou totalmente de acordo com J.A. Pagola quando ele afirma que a Igreja tem se preocupado sempre em ajudar as pessoas a enfrentar o mistério da morte a partir de uma atitude de solidariedade e acompanhamento próximo e esperançoso. Por isto, a Pastoral da Saúde tem se centrado, sobretudo nos enfermos graves e moribundos. Entretanto, esta pastoral
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de ajudar a “bem morrer” fica excessivamente curta e não atende de maneira convincente o espírito que deve animar uma Igreja chamada a construir o Reino de Deus lutando constantemente pela vida, a saúde integral e o crescimento do ser humano em todas as suas dimensões. Mas uma vez reafirmado o valor desta assistência, a Pastoral da Saúde deve impulsionar hoje uma pastoral da vida dirigindo sua atenção não só a acompanhar aos doentes graves ou terminais, mas também a promover uma qualidade de vida digna de doentes crônicos, anciãos e deficientes físicos, sensoriais ou psíquicos. Eu resumiria esta valiosa abordagem de J. A. Pagola dizendo que se deve promover a partir da paróquia uma Pastoral da Saúde integrada fazendo uma pastoral para o “depois do morrer”, dos que ficam, que são chamados a seguir vivendo e, se é possível, com um algo mais de vida, apesar da desvantagem humana que supõe toda perda significativa. Arnaldo Pangrazzi oferece boa iniciativa para ajudar e envolver nas tarefas de evangelização da paróquia às pessoas que tem perdido recentemente a um ser querido. A visita às pessoas em luto em suas próprias casas, sobretudo nas fases mais críticas, preparando e delegando a um grupo de pessoas este serviço da caridade. Inserção de viúvos e viúvas (pais, mães, etc.) que tem ela-
borado positivamente um luto participando em grupos de apoio com outras pessoas afetadas por uma perda recente para permitir-lhes, a partir de sua própria vivência, “consolar a todos os que sofrem com o consolo que nos mesmos recebemos de Deus”.
O mundo da saúde e a paróquia: as equipes de visitadores Os visitadores paroquiais de doentes são, na atualidade, uma das figuras importantes dentro do conjunto da Pastoral da Saúde e é este um feito do qual todos os comprometidos nessa pastoral devemos felicitar. Vão ficando para trás os tempos em que a Pastoral Hospitalar era o único trabalho pastoral com os doentes. Mesmo que esta mentalidade continue presente ainda em muitos religiosos e fiéis, hoje vemos crescer lenta mas decididamente no conjunto dos cristãos e de seus pastores a consciência de que a maioria absoluta dos doentes se encontra fora dos hospitais e de que, para atender a esta maioria absoluta de pacientes, a saúde tem saído à rua já há algum tempo, criando estruturas de atenção primária e ambulatória cada vez mais numerosas, complexas e extensas, assim como formas mais e mais especializadas de atenção domiciliar.
Neste panorama alentador se suscitam, entretanto, diversos problemas de fundo, dos quais um dos mais importantes é a adequada preparação dos visitadores paroquiais de doentes para cumprir com seus deveres pastorais específicos. A este respeito numerosos esforços têm sido feitos para oferecer formação e capacitação dos agentes. Sinceramente deve-se dizer que em um plano já tão contrastado no tempo e tão maravilhosamente desenhado no passar de tudo o que implica “a visita aos doentes a partir da paróquia”, para atrever-se a dar mais um passo no caminho da evangelização, como já se vem fazendo pouco a pouco em alguma paróquia e arquidiocese pioneira, preparando os visitadores e fazendo uma bonita realidade o acompanhamento no luto a partir da paróquia. São Camilo de Lellis, padroeiro dos doentes
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