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AS LITURGIAS DO MORRER Anísio Baldessin Era por volta das nove horas da manhã quando cheguei no setor de capelania. Olhei para dentro da capela e vi uma cadeirante e sua acompanhante. Assim que abri a porta da minha sala e entrei elas vieram ao meu encontro perguntando se eu era o padre. Apresentei-me e perguntei se elas precisavam de alguma coisa. “Quero falar com o senhor, respondeume a cadeirante”. Empurrei a cadeira para dentro da sala de atendimento e coloquei-me à disposição. Depois de um pouco de choro e soluços ela contou seu drama. “Padre, estou com câncer. Há um ano e meio quando eu descobri a doença, a equipe médica me disse que eu teria um ano e meio de vida. Doze meses já se passaram. Portanto, faltam somente mais seis. Gostaria de saber do senhor o que eu posso ou devo fazer. Minhas irmãs de congregação religiosa e meus familiares dizem que eu preciso ter fé. Pois é nesses momentos que o cristão deve demonstrar confiança e a fé que tem em Deus. Quando ouço isso, às vezes me contenho para não ser deselegante, não falar bobagem ou mostrar minhas angústias em relação a Deus. Mas, ultimamente tenho respondido o seguinte: fé eu tenho! Eu não tenho é saúde! Padre, diga o que devo fazer”? Ao ouvir isso, confesso que fiquei sem ação. O que dizer para alguém que com trinta e dois anos de idade está tão próximo da morte? A primeira tentação é sempre aquela de propor uma oração ou dar uma bênção. Aí eu pensei que se fizesse isso estaria ajudando, não a paciente e sim a mim mesmo. Afinal, abençoá-la poderia ser um meio eficiente para me livrar dela e não ter que compartilhar dos seus sofrimentos e lamúrias. Por isso, segurei suas mãos e permaneci em silêncio por alguns minutos. Em seguida, disse que ela precisava dar-se o direito de se sentir como ela estava. Ou seja, desconfortável. Aí, sem querer fazer comparações, lembrei-me do comentário de um paciente que se encontrava numa situação muito semelhante. E quando o médico disse que ele teria mais seis meses de vida ele, numa reação surpreendente, falou para sua mulher: “querida, chegou a hora das liturgias do morrer. Quero ficar só com você. Leremos juntos os poemas e ouviremos as músicas do morrer e do viver. A morte é o acorde final dessa sonata que

é a vida. Toda sonata tem de terminar. Tudo o que é perfeito deseja morrer. Vida e morte se pertencem. E não quero que essa solidão bonita seja perturbada por pessoas que têm medo de olhar para a morte. Quero a companhia de uns poucos amigos que conversarão comigo sem dissimulações. Ou somente ficarão em silêncio”. Todavia, não é facil chegar a essa conclusão uma vez que nós sempre vivemos de memórias e planos. Ou seja, o que não fizemos e o que deveremos fazer. O presente, o hoje, sempre deixamos para amanhã. E a morte iminente nos lembra que o amanhã (os planos) pode não existir. Por isso, perguntei se ela se lembrava da famosa frase de Madre Tereza de Calcutá. “Qual”? Perguntou ela. Aquela que diz assim: “O dia mais importante de sua vida é o hoje”! Independente da situação terminal na qual todos nós nos encontramos, para você, mais do que nunca essa frase nunca foi tão importante e profunda. “Então o senhor acha que eu tenho que ir para casa e esperar a morte chegar padre”! (Nesse momento, ela começa a chorar compulsivamente). Depois de acolher seu choro eu continuei. Não estou dizendo para você se deitar e esperar a morte chegar e sim viver o hoje. E eu nem sei dizer para você como se faz isso. Eu também sou “terminal”, tenho medo de morrer e ainda vivo de memórias e planos. Depois disso, sem desprezar seus sentimentos, passando por cima das suas angústias, convidei-a para um momento de reflexão dizendo: “quando você foi concebida, durante os nove meses de gestação no ventre de sua mãe, você achava aquele mundo maravilhoso. Alimentação na quantidade certa, temperatura ideal, ambiente livre de ameaças, carinho e proteção da mãe. Enfim, um mundo muito gostoso e confortável. Porém, depois de nove meses o corpo de sua mãe sofreu toda uma transformação para dizer que aquela vida, naquele mundo tinha chegado ao fim. E para você foi muito difícil deixar aquele “mundo”. Por isso, você já nasceu chorando. Foi a primeira grande perda da sua vida. Ou seja, a perda do ventre materno. Entretanto, quando você nasceu descobriu que um mundo bem maior do que aquele, esperava por você. Além da mãe você tinha também um pai, avós, tios, primos e muitos outros que estavam felizes e esperavam sua


chegada. E você, como acontece com todos, acostumouse e aprendeu, apesar das dificuldades da vida, a gostar muito deste novo mundo. Agora, este mundo que você tanto ama está convidando você para mais uma drástica mudança. Assim sendo, para nós cristãos, o que resta, além da esperança de um milagre e das angústias que tomam conta da vida nesses momentos, é crermos que todas as surpresas agradáveis que tivemos ao deixarmos o ventre materno e virmos para esse mundo, tenhamos também na vida eterna. Ou seja, encontrarmos com Deus. Não sabemos se no céu encontraremos as pessoas que foram importantes para nós e que fizeram parte da nossa vida. É um grande mistério. A nossa esperança é que, se nós que somos humanos e imperfeitos sabemos preparar surpresas agradáveis para aqueles que vão chegar, o que Deus não é capaz de fazer para nos recepcionar na Sua casa. “Na casa de meu Pai tem muitas moradas. Se assim não fosse eu vos teria dito” (Jo 14, 2). Para alguns, essa conversa aberta sobre o morrer pode parecer muito estranha. Porém, se fazemos um ritual

do nascer, não deveríamos fazer também a liturgia (o ritual) do morrer? “Há um momento da vida em que é preciso perder a esperança. Abandonada a esperança, a luta cessa e vem então a paz”. Portanto, nesses momentos não é conveniente fugir da realidade e sim acolher os sentimentos daqueles que sofrem deixandoos agir como eles se sentem. Isto porque não são os doentes que devem entender os sentimentos da família e daqueles que o cercam. Mas sim o contrário. Ao final, convidei-a para um momento de oração e bênção. Pois aqueles que sofrem, muitas vezes têm a sensação de estarem sozinhos e abandonados, até por Deus. E a oração bem como a bênção nos dão a sensação de comunhão com Deus e com aqueles que nos cercam. Seja para celebrar a vida, vitórias e conquistas, ou então para vivenciarmos as liturgia do morrer. Anísio Baldessin ICAPS e capelão

é do

padre Hospital

camiliano, diretor do das Clínicas da FMUSP.

MISSIONÁRIOS DA SAÚDE Arlindo Tonetta Durante o mês de outubro, a Igreja nos convida a refletir sobre as missões. Abre-se o mês celebrando Santa Terezinha do Menino Jesus, a padroeira dos missionários. Ela recebeu esse título por causa do grande apoio que deu aos missionários. Do convento Carmelo apoiava-os com as suas preces e, sobretudo, com cartas encorajadoras enviadas a eles. Não quero, agora, escrever sobre esse foco missionário, mas sim sob o ângulo da saúde. Olhando para a humanidade doente, me pareceu bem refletir um pouco sobre a missão de curar o “mundo machucado”. Desde sempre, os homens e as mulheres procuram a saúde e a paz, mas entendemos que ainda não as encontraram. Apesar de todos os esforços havidos

nessa busca, vemos muitos se debatendo no meio das dores e sofrimentos, que facilmente podiam ser evitados. Jesus veio com uma proposta nova, isto é, saúde e vida para todos (Jo 10, 10). Porém, nem todos acolheram o seu ensinamento e, por isso, muitos continuam sofrendo de males que poderiam ser expulsos sem os recursos da medicina e da farmacologia, que além de custar muito, acarretam efeitos colaterais danosos. Que sofrimentos são esses que, a custo zero, poderíamos passar longe se vivêssemos o Evangelho de Jesus? Vejamos um exemplo: um jovem senhor me procurou falando do seu grande sofrimento porque não foi lembrado numa avaliação nominal que foi feita pelos coordenadores


da empresa. Em primeiro lugar, entendo que quem avalia a equipe pode, por alguma razão consciente ou inconsciente, esquecer-se de alguém. Ao serem informados disso, se munidos de reta intenção, podem fazer do fato uma ocasião favorável para pedir desculpas e estreitar amizade com o esquecido. Em segundo lugar, entendo que o esquecido poderia evitar grande parte do sofrimento se estiver consciente que Deus em momento algum se esquece dos seus filhos e filhas. Munido dessa certeza interior, pode considerar um direito do outro, esquecê-lo e, nem por isso, perder a sua segurança e paz interior. Outras pessoas carregam pecados, ódio, inveja e ciúme dentro de si, por longos e longos anos, à custa de grandes sofrimentos. Chegam até a serem acometidas por doenças físicas, particularmente, estomacais. Jesus veio trazer a libertação, que passa, sobretudo, pelo perdão que recria a pessoa na sua globalidade. Além disso, Jesus ensinou a rezar pelos inimigos (Mt 5, 44). A oração cura o coração dos inimigos e reconstrói relações saudáveis. Diante dessas e outras doenças de cunho espiritual, que levam a grandes sofrimentos, Jesus, o Missionário do Pai, nos envia em missão. A pergunta que surge é: por onde começar? Entendo que precisamos começar por nós batizados, que dizemos ser seguidores de Jesus. Não temos mais os direito de ficar aí sofrendo, porque não

perdoamos, porque temos ciúmes, porque temos inveja, porque queremos que os outros pensem como nós, porque alguém nos esqueceu, etc. Não temos mais direito de pregar o ódio e a vingança, que encharcou a Terra de sangue e sofrimento. Quem experimentou o amor de Jesus, sente-se profundamente amado por Deus, pelos outros e apesar dos outros. Como o amor não é egoísta, ele passa a ser missionário deste imenso amor do Pai. Passa a amar amigos e inimigos, passa a perdoar as suas falhas e as dos outros. Com isso, expulsa muitas doenças e sofrimentos e passa a distribuir saúde e vida para todos, conforme o projeto de Jesus. Quanto bem e saúde produz uma pessoa assim! O grande desafio da nova evangelização é levarmos o maior número de seres humanos a experimentar, do nascer ao por do sol, o amor de Deus, que liberta os corações de inúmeras doenças. Diante dessa possibilidade de aumentar a saúde e a alegria do povo, peçamos a graça da nossa cura interior, para assim, podermos trabalhar como missionários, portadores de vida e saúde para todos os que encontramos nos caminhos da vida. Padre Arlindo Toneta, camiliano, é pároco da Paróquia N. Sra. Do Rosário de Pompéia.

NATAL: FAÇA UMA LISTA Diariamente, fazemos listas. É a lista das coisas que queremos ter, dos trabalhos e atividades que precisamos fazer ou mesmo a lista das oportunidades que temos ou que ficaram para traz. Mas, quando o Natal se aproxima mais listas aparecem. É a lista dos presentes que precisaremos comprar, de pessoas que precisamos visitar ou simplesmente daquelas para as quais iremos mandar um cartão, dar um telefonema ou passar uma mensagem. São listas que fazem parte da vida e que julgamos necessárias para vivermos bem e sermos felizes. Além dessas, existem outras listas que o cantor e compositor Osvaldo Montenegro recomenda numa de suas canções. - “Faça uma lista de grandes amigos. Quem você mais via há dez anos. Quantos você ainda vê todo dia. Quantos você já não encontra mais... Faça uma lista dos sonhos que tinha. Quantos você desistiu de sonhar! Quantos amores jurados pra sempre. Quantos você conseguiu preservar... - Onde você ainda se reconhece? Na foto passada ou no espelho de agora? Hoje é do jeito que achou que seria? Quantos amigos você jogou fora? Quantos mistérios que você sondava? Quantos você conseguiu entender? Quantos segredos que você guardava. Hoje são bobos, ninguém quer saber? - Quantas mentiras você condenava? Quantas você teve que cometer? Quantos defeitos sanados com o tempo? Eram o melhor que havia em você? Quantas canções que você não cantava? Hoje assobia pra sobreviver? Quantas pessoas que você amava? Hoje acredita que amam você”? Que na sua lista de Natal você não deixe de fora, nem o aniversariante nem o maior ensinamento que Ele nos deixou: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao seu próximo como a si mesmo”.

Feliz Natal! É o que deseja toda a equipe ICAPS para os Agentes de Pastoral da Saúde e seus familiares.


POR QUE A RELIGIÃO FAZ BEM? Harold Koenig Há uma relação significativa entre frequência da prática religiosa e longevidade. Acredito que o impacto na sobrevida seja até maior, algo em torno de 35%. Três fatores influenciam a saúde de quem pratica uma religião. O primeiro são as crenças e o significado que essas crenças atribuem à vida. Elas orientam as decisões diárias e até as facilitam, o que contribui para reduzir o stress. O segundo fator está relacionado ao apoio social. As pessoas devotadas convivem em comunidades com indivíduos que acreditam nas mesmas coisas e oferecem suporte emocional e, às vezes, até financeiro. O terceiro fator é o impacto que a religião tem na adoção de hábitos saudáveis. Tanto os mandamentos religiosos quanto a vida em comunidade estimulam a boa saúde. Os religiosos tendem a ingerir menos álcool, porque circulam em um meio onde ele é mais escasso e com pessoas que bebem menos. Eles também têm inclinação a não fumar. É menos provável que adotem um comportamento sexual de risco, tendo múltiplos parceiros ou parceiros fora do casamento. Tudo isso influencia a saúde e faz com que vivam mais e sejam mais saudáveis. Porém, não adianta só dizer que é espiritualizado e não fazer nada. É preciso ser comprometido com a religião para gozar seus benefícios. É preciso acordar cedo para ir às missas ou aos cultos, fazer parte de uma comunidade, expressar sua fé em casa, por meio de orações ou do estudo das escrituras. As crenças religiosas precisam influenciar sua vida para que elas influenciem também sua saúde. As doenças relacionadas ao stress, como as disfunções cardiovasculares e a hipertensão, parecem ser mais reativas a uma disposição mental de cunho religioso. O stress influencia as funções fisiológicas de maneira já muito conhecida e tem impacto em três sistemas ligados à defesa do organismo: o imunológico, o endócrino e o cardiovascular. Se esses sistemas não funcionam bem ficamos doentes. A religiosidade põe o paciente em outro patamar de tratamento. Pacientes infartados que são religiosos, por exemplo, têm menos complicações após a cirurgia, ficam menos tempo internados e, claro, pagam contas hospitalares mais baixas. Todavia, a religião pode virar uma fonte de stress se aumentar o sentimento de culpa ou gerar um mal-estar na pessoa por ela não conseguir cumprir com o que a doutrina considera que são suas obrigações religiosas. Não existem pesquisas que constatem isso, mas certamente um Deus punitivo, que vigia e condena seus erros, vai elevar esse stress. Por isso, acho que faz bastante diferença acreditar em um Deus amoroso e misericordioso. Mas, as pessoas precisam tomar cuidado com os charlatões que vivem prometendo cirurgias espirituais e milagres. Eles tendem a se aproveitar de pessoas doentes e desesperadas. Os pacientes que frequentam esses centros, em geral, não recebem benefício algum e se sentem desapontados. Alguns chegam a se revoltar contra a religião. O sofrimento acaba sendo maior porque, a partir do momento em que a pessoa perde a confiança na sua fé, perde também a habilidade de se adaptar à sua condição. Artigo extraído da Revista Veja (5/10/2012) Harold Koenig.

ICAPS - Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética Tel: (11) 3862-7286 E-mail: icaps@camilianos.org.br Avenida Pompeia, 888 Cep: 05022-000 São Paulo-SP www.icaps.org.br

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