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SÃO CAMILO PASTORAL DA SAÚDE INFORMATIVO DO INSTITUTO CAMILIANO DE PASTORAL DA SAÚDE ANO XXIX N.317 ABRIL 2013

A CONSCIÊNCIA DA MORTE DÁ SENTIDO À VIDA URBANO ZILLES

Quem leva a sério a morte dá importância à vida. Por isso a tradição cristã chama a morte de fim de nossa peregrinação terrena. Quem segue a Cristo não olha a morte como um destino cego, mas como expressão da vontade do Pai, podendo falar da “irmã morte” como São Francisco de Assis. Seria ingênuo pensar que Cristo, Deus verdadeiro, mas também homem verdadeiro, caminhou alegremente para a morte. Jesus, como ser humano, amava a vida e queria colocá-la inteiramente a serviço dos semelhantes, doando-se a si mesmo. O confronto com as autoridades políticas e religiosas, pouco a pouco, colocou-o no caminho sem volta. A cena do Getsêmani mostra-o como alguém que não via a morte com apatia estóica. Assume e expressa a nossa angustia: “Pai, por que me abandonaste? Afasta de mim este cálice! Faça-se, não a minha, mas a tua vontade”! Normalmente, o homem é gestado durante nove meses, antes de nascer. Depois de nascer, nada mais certo do que a morte. Esta virá uma única vez, sem discriminação de sexo, de cor, entre ricos e pobres. Significa o destino derradeiro de nossa vida eterna. Não importa o número de anos vividos, mas a maneira como os vivemos. Segundo São Paulo, pelo batismo fomos sepultados com Cristo na morte, para, como ele foi ressuscitado dos mortos pela glória do Pai, também nós ressuscitarmos com Ele (Rm 6, 4) para uma vida gloriosa. Pela morte, em nós nascerá o homem novo que, por enquanto, dormita dentro de nós. Quem quiser salvar sua vida, perdê-la-á; e quem a perde por causa de Cristo, ganhá-la-á (MT 20, 39). Esta é a única razão de nossa esperança para além da morte: a ressurreição de Cristo e a nossa. A fé torna o homem capaz de suportar a dor, porque não existe verdadeiro amor sem renúncia. A cruz é parte integrante desta vida, porque a única resposta, que satisfaz os anseios e as angústias da morte, neste mundo, é a vida eterna. Nesse contexto, torna-se verdadeira a palavra de

São Gregório Magno, padre da Igreja antiga: “A vida temporal, em comparação com a eterna, antes deveria chamar-se morte que vida, pois o que é o desgastar-se e decair diários senão um morrer que se prostra lentamente”? A ressurreição faz parte da antropologia bíblica. Não se trata de algo objetivo e empiricamente verificável, pois a fé na ressurreição não representa um conhecimento científico. Por outro lado, ninguém pode afirmar, com certeza, que nada acontece para além da morte, nem pode excluir a possibilidade da ressurreição. A doutrina da ressurreição, desde o começo do cristianismo, pertence ao cerne substancial da tradição cristã, de modo que, se alguém a excluísse questionaria os próprios fundamentos dessa tradição. Segundo o testemunho bíblico, a ressurreição de Jesus é condição essencial para a fé e a pregação. Diz São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé, é vã a nossa pregação”. Portanto, se alguém negasse a ressurreição dos mortos, teria que negar a ressurreição de Jesus e, consequentemente, o fundamento da fé cristã. A fé na ressurreição de Jesus e na nossa em nada contradiz a razão, embora deva ser tratada no nível da fé, e não da ciência. Se o Deus, no qual cremos, é vida e, em Jesus Cristo Deus tornou-se homem, para nós homens, morrendo, venceu a morte. Em Jesus de Nazaré, que Deus ressuscitou dos mortos e confirmou como Messias, os homens reconheceram o “princípio amor” como oferta divina. Por isso o crente se sabe envolvido por esse amor para todo o futuro. Detalhes sobre o quando e como da ressurreição permanecem sem maior importância. Vivemos na esperança de que aquilo que já aconteceu na morte de Jesus, algum dia, também acontecerá para todos e cada um de nós. Urbano Zilles é diretor da Faculdade de Teologia da PUCRS.

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POSSESSÃO DEMONÍACA OU ALIENAÇÃO? FERNANDO ARMELLINI

Foram à cidade de Cafarnaum e, no sábado, Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar. As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei. Nesse momento, estava na sinagoga um homem possuído por um espírito mau, que começou a gritar: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!” Jesus ameaçou o espírito mau: “Cale-se, e saia dele!” Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu dele. Todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: “O que é isso? Um ensinamento novo, dado com autoridade... Ele manda até nos espíritos maus e eles obedecem!” E a fama de Jesus logo se espalhou por toda parte, em toda a redondeza da Galiléia (Mc 1,21-28). Antigamente o povo não tinha os conhecimentos científicos de que dispomos hoje. Nada conhecia de micróbios, de bactérias, de epilepsia, de psicoses e acreditava que todas as doenças eram provocadas por algum “espírito mau” que, depois de ter entrado numa pessoa, causava sérios aborrecimentos. Alguns diziam que esses “demônios” vinham do mar, outros sustentavam que os mesmos ficavam vagando pelos ares. Porém, a única certeza era que os homens se sentiam indefesos e impotentes diante dessas forças malignas que os dominavam e oprimiam. Esses espíritos eram considerados também impuros porque a pessoa na qual supostamente tinham entrado não tinha condições de se comportar segundo as normas estabelecidas pela convivência social, não cumpria as regras prescritas pela tradição e, por conseguinte se encontrava em permanente estado de impureza. O evangelista Marcos diz que a luta de Jesus contra um destes “espíritos” tem um significado simbólico importante. Senão vejamos, até o momento que Jesus começa a falar o homem já está na sinagoga e, ao que parece, não cria problemas, não incomoda ninguém. Ele está ali sossegado. Esta situação de não agressão, de tranquilidade e sossego, que não perturba, satisfaz a todos, mas não a Jesus. Jesus e o “demônio” parecem dois adversários que se encontram numa festa: sentem muitos rancores um contra o outro, fingem não saber um do outro, por um certo tempo tentam ignorar-se até que, inevitavelmente acabam por atracar-se. É o “demônio” que inicia as hostilidades fazendo duas perguntas: “Que tens tu conosco? Vieste perder-nos?” Jesus não lhe responde com um pedido ou com gestos mágicos, como costumavam fazer os exorcistas do seu tempo; dá ordens terminantes: “Cala-te! Sai!” O homem “possuído” A situação do homem possuído pelo “demônio” representa a condição daquele que ainda não encontrou Cristo: vive subjugado por forças hostis que o destroem e que ele não consegue controlar. Por isso não deve ser encarado como um pequeno ou grande

monstro, mas como o conjunto de tudo aquilo que desumaniza as pessoas. Forças demoníacas com certeza são: os sentimentos racistas ou tribais que impelem ao ódio, à discriminação, às injustiças contra os que são diferentes de nós; “demônios” são a ansiedade pela bebida e pelas drogas, a ganância que arrasta para acumular bens materiais só para si e para sua família, a paixão sexual desenfreada e incontrolada. Esses “demônios” querem dominar o homem e querem ser deixados em paz. São eles que mandam, que falam e induzem à ação. Quando esses “demônios” não causam graves prejuízos, os homens tendem a deixá-los em paz. Não se preocupam pelas condições desumanas daquele que é dominado por essas forças negativas. Jesus ao contrário, quer libertar as pessoas e entra em conflito com todos os “demônios”. O silêncio e a reação do homem possuído Certamente, o homem “possuído” já tinha participado outras vezes da liturgia e ouvido as leituras bíblicas. Mas, até então ainda não tinha se manifestado e nenhuma transformação havia se verificado nele. Por quê? Talvez porque os rabinos com suas elucubrações e suas interpretações tenham privado da sua energia e o poder de expulsar os “demônios”. Mas Jesus, sem medo das consequências confronta essa realidade. A reação do homem “possuído” pelo demônio, ao ouvir a palavra de Jesus, é violenta: “Que tens tu conosco? Viestes perder-nos?” Evidentemente se sente perturbado, contrariado, ameaçado pela presença do Mestre. Acontece também em nossos dias. Quando a palavra de Deus, anunciada nas homilias perturba, provoca, denuncia situações intoleráveis, há sempre alguém que se levanta e pergunta irritado: “o que os padres, pastores, enfim a Igreja tem a ver com isso? Por que não cuidam dos seus afazeres? Por que se intrometem na política, na economia, nos problemas sociais?” Quem são os indivíduos que se sentem mais perturbados ou ameaçados pelo anúncio da mensagem de Cristo? O “espírito mau” não aceita passivamente a ordem de Jesus; reage com violência ao ser contrariado, resiste, começa a gritar porque quer perpetuar o seu domínio sobre sua vítima. Essa luta representa a rebelião das forças malignas, - “demônios” – que se encontram dentro de nós e não querem ser expulsos. É o símbolo das dificuldades que o homem enfrenta quando quer despojar-se dos seus maus hábitos, que resistem e dos quais às vezes não é fácil escapar. Portanto, mais do que se livrar das possessões demoníacas é preciso se livrar dos “demônios” internos que tiram a nossa paz e a paz dos outros. Fernando Armellini, Biblista, é licenciado em Teologia pela Pontifícia Universidade Urbaniana.

Reflexão Um rico resolve presentear um pobre por seu aniversário e ironicamente manda preparar uma bandeja cheia de lixo e sujeiras. Na presença de todos, manda entregar o presente, que é recebido com alegria pelo aniversariante, que gentilmente agradece e pede que lhe aguarde um instante, pois gostaria de poder retribuir a gentileza. Joga fora o lixo, lava e desinfeta a bandeja, enche-a de flores, e devolve-a com um cartão, onde está a frase: “Cada um dá o que possui.” Ou seja: Não se entristeça com a “ignorância” das pessoas, não perca sua serenidade. A raiva faz mal à saúde, o rancor estraga o fígado, a mágoa envenena o coração. Domine suas reações emotivas. Seja dono de si mesmo. Não jogue lenha no fogo de seu aborrecimento. Não perca sua calma. Pense, antes de falar, e não ceda à sua impulsividade. “Guardar ressentimentos é como tomar veneno e esperar que outra pessoa morra”. Autor desconhecido

O boletim “São Camilo Pastoral da Saúde” é uma públicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde - Província Camiliana Brasileira. Presidente: Pe. Leocir Pessini / Conselheiros: Ariseu Ferreira de Medeiros, Antonio Mendes Freitas, Olacir Geraldo Agnolin e Arlindo Toneta / Diretor Responsável: Anísio Baldessin /Secretária: Fernanda Moro / Projeto Gráfico e Diagramação: Fernanda Moro / Revisão: José Lourenço / Redação: Av Pompéia, 888 Cep: 05022-000 São Paulo-SP - Tel. (11) 3862-7286 / E-mail: icaps@camilianos.org.br / Site: www.icaps.org.br / Periodicidade: Mensal / Tiragem: 2.000 exemplares / Assinatura: O valor de R$15,00 garante o recebimento, pelo correio, de 11 edições. O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, Agencia 0422-7, Conta Corrente: 89407-9.


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POR QUE JESUS NÃO CURAVA A TODOS? HÉLIO LIBARDI

Sabemos bem que o sofrimento e as doenças não nascem de Deus. Há sofrimentos que estão ligados à nossa natureza, frutos de herança genética ou dos próprios limites da mesma natureza. Outros sofrimentos nascem do nosso interior, nossas falhas, exageros, excessos e falta de capacidade de administrar a vida. Há muitas doenças e sofrimentos que são provocados pela atitude da pessoa, seu modo de agir e valores que pautam sua vida. Falemos também de sofrimento, que é resultado do “pecado social”. Dele nascem a ganância, a falta de partilha, o egoísmo, a violência, o desemprego, a desigualdade social, a fome, a miséria, etc. Não podemos colocar a culpa em Deus, que respeita a nossa liberdade. Tudo o que depende de nós, temos que fazer, Deus não faz para nós. Se muitos sofrimentos são causados pela desordem, decisões mal tomadas, de erros nossos, sem nossa colaboração, não teremos a solução nem Jesus tem a obrigação de resolvê-los. E de que adianta resolver o problema hoje, se a causa perdura e amanhã estaremos de volta com os mesmos problemas? Isso nos ajuda a ler as atitudes de Jesus. Os milagres de Jesus têm endereço certo, um propósito maior do que o de apenas aliviar a dor. Eram sinais de seu poder sobre o mal, sinais da chegada do reino de Deus, sinais de que nenhum sofrimento ou doença ou pecado poderiam ser maiores que o poder do bem.

As curas de Jesus estavam ligadas à conversão das pessoas, era para elas a manifestação da fé no poder de Jesus: “Tua fé te curou”. Precisamos perceber que nem todos creram em Jesus, muitos queriam só a cura e não queriam o compromisso gerado pela fé. Outro dado que temos é que os Evangelhos não contam tudo o que Jesus fez, mas narram o mais significativo. É o que vemos no final do Evangelho de São João, que fala que nem tudo que Jesus fez foi escrito (Jo 21, 25). Nas curas, Jesus foi muito categórico, mostrou que era preciso arrancar a raiz do mal e não procurar soluções paliativas e momentâneas. Vejam a diferença da atitude de Jesus e a daqueles que procuram milagres que resolvam rapidamente seus problemas. Arrancar o mal pela raiz exige uma colaboração séria e responsável, caminho que nem sempre as pessoas querem percorrer e até mesmo conflitam com interesses pessoais. Por isso, continuamos a viver numa sociedade ultra-violenta, com valores tão diferentes dos valores evangélicos, e continuamos a acreditar que Jesus tem obrigação de resolver nossos problemas, porque para isso ele tem poder. É a fé mais ridícula que pode existir, coisa mesmo de principiante, próprio de quem quer resolver tudo de modo rápido e sem custo. Hélio Libardi é missionário redentorista.

O TEMPO PODE DEIXAR VOCÊ DOENTE? SHEA DEAN

A cirurgia a que JoAnn Smith se submeteu para substituir parte do maxilar por um implante de silicone, em 1982, conferiu-lhe uma nova e lancinante habilidade: a de prever o tempo. Desde então, sempre que uma tempestade ou frente fria se aproxima, a enfermeira de Atlanta sente uma dor tão aguda que às vezes não consegue sair de casa para trabalhar. “Quando o barômetro indica queda de pressão, sinto como se tivesse uma prensa em torno do queixo, que logo envolve toda a cabeça”, descreve. Seus três filhos acham as previsões da mãe muito precisas, mas quando JoAnn, 51 anos, relatou aos médicos o que o clima a fazia sentir, não encontrou receptividade. “Trataram-me como se eu fosse uma hipocondríaca”, conta. Como enfermeira, já ouvira queixas assim dos pacientes, sobretudo dos que sofriam de artrite. E eles também queriam uma resposta. Diz a sabedoria popular que, quando a pressão atmosférica muda do lado de fora, ajustamo-nos por dentro, estalando e rangendo como uma casa velha. Entretanto, os cientistas enfrentam dificuldades em provar o fenômeno. Vejamos, por exemplo, o Climatron. No início dos anos 60, Joseph Hollander, um pesquisador de Filadélfia, construiu uma “engenhoca” para acompanhar pacientes de artrite sob diferentes condições. Cada um deles passou duas semanas dentro da câmara enquanto Hollander alterava as condições de temperatura, pressão e umidade. A artrite dos pacientes teve uma piora súbita, mas os resultados não foram conclusivos. Hoje, a relação entre clima e saúde está ganhando novo alento num campo chamado biometeorologia humana - o estudo da ação do clima sobre nosso organismo. De acordo com Peter Hoppe, ex-presidente da Sociedade Internacional de Biometeorologia e cientista ambiental da Universidade Ludwig-Maximilians, em Munique, cerca de 25% das pessoas são sensíveis ao clima, ou seja, experimentam sintomas ou agravamento dos problemas existentes quando o tempo muda. Dores e mal-estares relacionados ao clima afetam ou intrigam

tantas pessoas que o site weather.com (no Brasil, canaldotempo. com) dedica uma seção ao assunto. É dirigida a quem sofre de males crônicos como artrite reumatóide, fibromialgia e enxaqueca, mas serve mais como grupo de apoio do que como fonte de respostas. Essas aplicações deixam apreensivos alguns biometeorologistas — as pessoas podem atribuir seus sintomas ao tempo em vez de procurar o médico. No entanto, eles esperam que a atenção dispensada ao assunto impulsione as pesquisas. Foi o que aconteceu na Alemanha, onde as emissoras de rádio e TV começaram a transmitir previsões de saúde nos anos 80, segundo Hoppe com base em dados “nada científicos”. Em vez de ignorar a tendência, o serviço meteorológico alemão começou a transmitir relatórios próprios, com base nas melhores pesquisas disponíveis. Hoje, a previsão de uma tempestade na Alemanha pode incluir alertas sobre o risco de enxaqueca, acidente vascular cerebral, ataque cardíaco e “acidentes” (partindo do princípio de que certas mudanças climáticas deixam algumas pessoas desajeitadas). Quando voltei aos Estados Unidos e falei dessas previsões com Jim Laver, diretor do centro de previsão do tempo da Administração Atmosférica e Oceânica Nacional, ele arqueou uma das sobrancelhas. “As pessoas procuram um culpado para a falta de saúde”, diz ele. Mas Laver reconhece que a biometeorologia tem seu papel. Ele destaca o trabalho de Larry Kalkstein, diretor associado do Centro de Pesquisas Climáticas da Universidade de Delaware. Em vez de examinar como o clima atormenta um indivíduo, Kalkstein concentra-se em como ele afeta milhões de pessoas ao mesmo tempo. Analisando em conjunto relatórios meteorológicos e dados de atendimento hospitalar a pacientes com crises de asma em Filadélfia, ele descobriu que a primeira frente fria do outono tende a fazer um grande número de vítimas, embora condições semelhantes, no inverno, não tenham o mesmo efeito. A poluição tem


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um impacto maior na primavera e no verão do que em outras estações. Já o pólen e outras partículas transportadas pelo ar podem ser grandes fatores desencadeantes no outono. “Não há um conjunto de fatores único que cause o problema”, afirma ele. É por isso que os asmáticos podem não saber quando correm maior risco e que os alertas podem ser úteis. Kalkstein está trabalhando num sistema de alerta para asma, que será apresentado ao Departamento de Saúde Pública de Filadélfia. Estudos similares sobre internação hospitalar já foram postos em prática no Reino Unido. No ano passado, no outono, a Grã-Bretanha deu início a um programa chamado Previsão da Saúde da Nação, utilizando dados hospitalares e climáticos anteriores para prever que tipos de pacientes estariam predispostos a dar entrada nos hospitais. Por exemplo, uma queda de temperatura

reflete-se num aumento de ataques cardíacos (em dois dias) e problemas respiratórios (em dez). O contingente médico muda conforme a necessidade. Um hospital britânico programou 150 operações extras em uma semana, após a previsão correta de poucas internações — o que representou uma economia de mais de meio milhão de dólares aos cofres do serviço de saúde. E o que esses programas fariam por pessoas como JoAnn Smith? Nada, mas não por muito tempo. Recentemente, Peter Hoppe concluiu a primeira fase de um estudo sobre sensibilidade ao clima: 50 indivíduos fizeram registros diários da dor que sentiam enquanto ele anotava as mudanças na pressão atmosférica. A próxima etapa é testar os mais sensíveis numa câmara climática. Parece que é hora de mais um Climatron.

SOBRE DEUS TRÊS HOMENS olham para o horizonte. O sol se anuncia colorindo de abóbora e sangue umas poucas nuvens escuras. Um deles diz: “Vejo, no meio das nuvens vermelhas, uma casa. Na janela, um vulto acena para mim.” O segundo homem diz: “Vejo, no meio das nuvens vermelhas, uma casa. Mas não há nenhum vulto acenando para mim. A casa está vazia, é desabitada.” O terceiro homem diz: “Não vejo vulto, não vejo casa. Vejo as nuvens abóbora e sangue... E como são belas! Sua beleza me enche de alegria!” Essa é uma parábola metafísica. O primeiro homem vê, no meio das nuvens, um vulto, quem sabe o senhor do universo. Se eu gritar, ele me ouvirá. Para isso há as orações: gritos que pronunciam o Nome Sagrado, à espera de uma resposta. O segundo vê a casa, mas a casa está casa vazia, não tem morador. É inútil gritar, porque não haverá resposta. É o ateu... E como dói viver num universo que não ouve os gritos dos homens... O terceiro, que não vê nem casa e nem vulto, vê apenas a beleza -que nome lhe dar? Acho que o nome seria “poeta”. A beleza é o Deus dos poetas. Quem disse isso foi a poeta Helena Kolody: “Rezam meus olhos quando contemplo a beleza. A beleza é a sombra de Deus no mundo.” Borges relata que, segundo o panteísta irlandês Scotus Erigena, a Sagrada Escritura contém uma infinidade de sentidos. Por isso, ele a comparou à plumagem irisada de um pavão. Séculos depois, um cabalista espanhol disse que Deus fez a Escritura para cada um dos homens de Israel. Daí por que, de acordo com ele,

existem tantas Bíblias quantos leitores da Bíblia. Cada leitor vê na Bíblia a imagem do seu próprio rosto. O teólogo Ludwig Feuerbach disse a mesma coisa de forma poética: “Se as plantas tivessem olhos, gosto e capacidade de julgar, cada planta diria que a sua flor é a mais bonita.” Os deuses das flores são flores. Os deuses das lagartas são lagartas. Os deuses dos cordeiros são cordeiros. Os deuses dos lobos são lobos. Nossos deuses são nossos desejos projetados até os confins do universo. Dize-me como é o teu Deus e eu te direi quem és... Mosaicos são obras de arte. São feitos com cacos. Os cacos, em si, não têm beleza alguma. Mas, se um artista os juntar segundo uma visão de beleza, eles se transformam numa obra de arte. As Escrituras Sagradas são um livro cheio de cacos. Nelas se encontram poemas, histórias, mitos, pitadas de sabedoria, relatos de acontecimentos portentosos, textos eróticos, matanças, parábolas... Ao ler as Escrituras, comportamo-nos como um artista que seleciona cacos para construir um mosaico. Cada religião é um mosaico, um jeito de ajuntar os cacos. Como no caso do labirinto literário de Borges cujos cacos eram peças de um quebra-cabeças que, juntos, formavam o seu rosto, também o mosaico que formamos com os cacos dos textos sagrados tem a forma do nosso rosto. Há tantos deuses quanto rostos há. Assim, quando alguém pronuncia o nome “Deus” há de se perguntar: “Qual?” Texto publicado na Folha em 4/out/2011.

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