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SÃO CAMILO PASTORAL DA SAÚDE INFORMATIVO DO INSTITUTO CAMILIANO DE PASTORAL DA SAÚDE ANO XXXI N.342 JULHO 2015

SÃO CAMILO DE LÉLLIS: UM FOCO, UMA MISSÃO ANÍSIO BALDESSIN Na ilha de Bathrust na Austrália existe uma tribo de aborígines que tem o costume sair para caçar uma ave chamada Emu. Emu é uma espécie de avestruz ou ema que existe naquela parte do mundo. Durante a caçada, cada caçador tem um papel a cumprir. Uns olham a direção do vento para lançar bumerangues, outros cuidam das lanças. Outra função importante é daquele que tem a incumbência de encontrar as pegadas do Emu e avisar os caçadores. Pois pelas pegadas, os aborígines sabem exatamente onde ele está. De repente ele viu umas pegadas. Eram de canguru, mesmo assim resolveu chamá-los. Eles vieram e disseram: “essas pegadas são de canguru”! Ao que ele respondeu. Eu sei. Mas canguru não é mais gostoso que Emu? Sim. Mas nós estamos caçando Emu e não canguru. Isso aconteceu por duas vezes. Na terceira vez que parou a caçada e as pegadas também não eram de Emu, eles disseram para quem observava as pegadas com certa impaciência: nós estamos caçando Emu! Fizemos a dança do Emu. Trouxemos os bumerangues de Emu, as lanças de Emu. Se você parar a caçada, toda vez que encontrar qualquer pegada, nós não vamos caçar nem Emu nem outra caça. Entenda uma coisa, hoje estamos caçando Emu. Outro dia voltaremos para caçar Canguru. Essa fábula é muito usada pelos mais importantes líderes do mundo empresarial quando falam sobre a importância do foco e da missão da empresa. Eu entendo que ela poderia ser aplicada também na vida dos fundadores de congregações religiosas (Santos) ou líderes espirituais. Afinal, eles entenderam que para a missão ser coroada de êxito era preciso ter foco. Ou seja, saber o que procura. Prova disso é São Camilo de Léllis, nascido em 1550, depois de uma vida de aventuras, em 1581, mesmo não gozando de boa saúde, decidiu tratar dos doentes gratuitamente. Na época, Camilo foi levado a agir assim diante da exploração, desonestidade e falta de escrúpulos dos que, como profissionais da saúde, cuidavam dos doentes. Esse era seu foco. Tanto isso é verdade que já em 1582, Camilo teve a primeira inspiração de instituir uma companhia de homens piedosos que aceitassem, generosamente, a missão de socorrer os pobres enfermos, sem preocupação de recompensa financeira. Para isso, tomou consigo agluns bons enfermeiros, médicos e também alguns homens de fé pois sabia que os doentes careciam também de assistência religiosa e espiritual. Pois acreditava piamente que a alma bem cuidada dispõe melhor o corpo para suportar os sofrimentos e sobrepor-se à doença.

Portanto, seu foco era cuidar, à sua maneira, dos doentes. Prova disso é que os contemplava como sendo a própria pessoa de Cristo que, muitas vezes, quando lhes dava de comer, pensando serem outros cristos, chegava a pedir-lhes a graça e o perdão dos pecados. Mantinha-se diante deles com tanto respeito, como se estivesse realmente na presença do Senhor. De nada falava com mais frequência e com mais fervor do que da santa caridade. O seu desejo era imprimi-la no coração de todos os homens. Graças ao foco de cuidar dos doentes, ainda que com risco de vida foi reconhecido como sendo o santo padroeiro dos doentes, dos hospitais e dos profissionais da saúde. Além disso é conhecido como um dos profetas do cuidado humanizado no mundo da saúde. Ficou célebre seu grito junto aos profissionais da saúde, e que não perdeu sua atualidade após mais de quatro séculos de ação: “Mais coração nas mãos, irmãos”. Ou seja, a competência profissional (mãos) tem que estar junto com a competência humana (coração). Hoje, após 400 anos, os religiosos camilianos marcam presença em 36 países espalhados nos cinco continentes, em frutuosa colaboração com uma legião de leigos que se inspiram a este grande revolucionário do mundo da saúde. Muito apreciada sua presença nas “terras de missão” do Extremo Oriente, da África e da América Latina, onde os Camilianos procuram aliar a pregação da Palavra com a cura dos doentes, levando aos mais pobres os recursos da medicina moderna. No Brasil, para não perder o foco, pois quem não tem foco caça qualquer coisa, (Canguru ao invés de Emu), a Província Camiliana Brasileira, fundada em 1922, pelos padres Inocente Radrizzani e Eugênio Dalla Giacoma, tem seu foco e missão no mundo da saúde. Sem vangloriarmos podemos afirmar que essa entidade religiosa, através de suas atividades é referência na área da saúde. Prova disso é a atuação dos camilianos nas dimensões: Assistência à Saúde (hospitais); Educação à Saúde (centros universitários); Assistência Social (equipamentos sociais); Religiosa (pastoral da saúde, capelanias, paróquias e seminários), e Missionária. Em que pese os desafios, que são bem diferentes daqueles encontrados por São Camilo há mais de 400 anos, os seguidores de São Camilo, em meio às dificuldades, estão sempre focados para continuar com amor e competência, perseguir o foco e missão de seu fundador. Anísio Baldessin, padre camiliano, é diretor do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde.

Padres e Irmãos Camilianos a Serviço da Vida JUNTE-SE A NÓS, SEJA UM CAMILIANO TAMBÉM! “Estive enfermo e me visitastes” (Mt 25,36)

Serviço de Animação Vocacional Av. São Camilo, 1200 - Cotia - São Paulo - SP - CEP: 06709-150 Fone: (11) 3564-1634 vocacional@camilianos.org.br / www.camilianos.org.br


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CÂNCER E HISTÓRIA FAMILIAR A atriz americana Angelina Jolie tomou duas decisões sérias: retirar os seios e, agora, os ovários, com intuito de se prevenir de um possível câncer nesses órgãos, em função de sua história familiar. Essas atitudes trouxeram à tona três perguntas que médicos e pesquisadores se fazem há décadas: como identificar famílias de alto risco para desenvolver o câncer? Como identificar os integrantes dessas famílias que de fato têm o risco de desenvolver o câncer? E a terceira e crucial questão: uma vez identificadas as famílias e seus membros em risco, o que fazer? As respostas para essas questões, ainda que não conclusivas, começaram a ser dadas há um século, com a descrição de uma família com múltiplos casos de câncer de intestino e útero, dentre outros. Desde então, a conotação de hereditariedade vinha sendo percebida pela história familiar. Foi a partir dos anos 90, graças à tecnologia de avaliação do DNA, que se tornou possível identificar defeitos genéticos, específicos que poderiam ser transmitidos de pai para filho, o que facilita definir as famílias de risco para os vários tipos de câncer hereditário. Dentre eles, destacam-se o câncer de mama, o mais frequente entre as mulheres, com 5% de todos os casos, e o de intestino grosso, o segundo mais frequente entre homens e mulheres, com 3% dos casos. Em menor escala, a hereditariedade pode também estar ligada a tumores de útero, ovários, estômago e pele. Como tem sido constantemente repetido nos meios científicos e entre gestores de saúde, a prevenção do câncer é o melhor remédio por evitar sofrimento e custos desnecessários. Assim, é factível fazer prevenção e diagnóstico precoce de câncer em famílias de alto risco, o que leva a índices de cura mais altos e tratamentos menos agressivos. Os integrantes dessas famílias devem ser avaliados a partir de idades mais precoces com exames periódicos. Caso a mutação genética seja reconhecida, a cirurgia profilática – retirada do órgão com risco de desenvolver câncer – pode ser uma conduta

tranquilizadora, como no caso de Angelina Jolie. Em outras situações,como em câncer colorretal, a cirurgia pode ser substituída por colonoscopias anuais. É importante ressaltar que essas cirurgias podem trazer implicações emocionais e, eventualmente, funcionais. Assim, extirpar as mamas pode ter forte conotação na sexualidade das mulheres, a perda dos ovários pode implicar menopausa precoce, a retirada do útero pode gerar a sensação de agressão e a ressecção do intestino grosso pode levar a distúrbios funcionais. Operar ou acompanhar com exames periódicos, portanto, é uma decisão que tem que ter embasamento científico e, ao mesmo tempo, ser a opção de cada paciente em risco. A experiência ao longo de décadas cuidando de famílias com câncer hereditário tem nos mostrado que as reações individuais são as mais diversas, indo desde os que preferem ser operados até aqueles que se recusam inclusive a fazer exames periódicos de prevenção. O estudo das alterações genéticas que geram câncer hereditário é fascinante e mobiliza milhares de médicos e pesquisadores mundo a fora. Em futuro próximo, com o aprimoramento tecnológico e custos menores, será possível, por meio de exames de DNA, saber seu risco hereditário. O apogeu virá quando forem disponibilizados medicamentos que possam agir de modo a prevenir a manifestação do câncer, poupando as pessoas de cirurgias profiláticas. É fundamental que os sistemas de saúde, público e privado, reconheçam a necessidade de se investir em famílias afetadas, tratando-as como um grupo populacional que requer atenção especial. Afinal, salvar vidas é a missão. Raul Cutait, 65 é professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina. Bernardo Garicochea, 54, é diretor da Unidade de Aconselhamento Genético do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês

LIÇÕES DE ALIMENTAÇÃO ROSELY SAYÃO

O comportamento dos pais determina o estilo alimentar das crianças; comer bem é uma questão de educação. A Nina Horta que me perdoe, mas vou recomeçar o trabalho com o assunto dela: comida. Alguém já me disse que férias boas são aquelas em que a gente volta fisicamente um pouco mais cansada e gorda. Concordo porque foi assim que retornei. Nada como relaxar, comer coisa boa, diferente e nos horários em que o organismo determina, não é verdade? Foi o que fiz, caro leitor. Cozinhei – meu lazer predileto -, li sobre comida, visitei restaurantes desconhecidos e preferidos e comi com gosto. Com muito gosto, aliás. E, nesse período, também observei muitas famílias, com filhos peuqenos e maiores, ao redor da mesa ou da cozinha de casa. E mais: assisti a um documentário que tomo como ponto de partida para nossa conversa de hoje. O filme chama-se “Muito Além do Peso” e está disponível no site www.muitoalemdopeso.

com.br. Eu recomendo. Devo confessar que, entre os diversos motivos que me fazem muitas vezes sentir pena dos mais jovens, um deles é a comida. E não me refiro às questões nutricionais, de saúde ou coisa semelhante, que são pertinentes e importantes. No meu ponto de vista, comer é principalmente uma questão social e afetiva que leva ao prazer, e uma grande parcela dos mais novos não tem chance de desfrutar desses aspectos da alimentação porque simplesmente não aprende como fazê-lo. Eles gostam de muitas porcarias e o documentário comprova isso. Mas nem precisava, não é? Quem convive com crianças sabe que elas adoram doces industrializados, salgadinhos, refrigerantes. Não conhecem legumes, verduras e frutas e, por isso, recusam tais alimentos. Muitos, inclusive o documentário citado, creditam a preferência deles à ação danosa da propaganda dirigida ao públi-

O boletim “São Camilo Pastoral da Saúde” é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde - Província Camiliana Brasileira. Provincial: Pe. Antonio Mendes Freitas / Conselheiros: Pe. Mário Luís Kozik, Pe. Mateus Locatelli, Pe. Ariseu Ferreira de Medeiros e Pe. João Batista Gomes de Lima/ Diretor Responsável: Anísio Baldessin /Secretária: Fernanda Moro / Diagramação: Fernanda Moro / Revisão: José Lourenço / Redação: Av Pompeia, 888 Cep: 05022000 São Paulo-SP - Tel. (11) 3862-7286 / E-mail: icaps@camilianos.org.br / Site: www.icaps.org.br / Periodicidade: Mensal / Tiragem: 1.000 exemplares / Assinatura: O valor de R$20,00 garante o recebimento, pelo correio, de 11 edições. O pagamento deve ser feito mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, Agencia 0422-7, Conta Corrente: 89407-9.


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co infantil. Claro que a publicidade tem grande influência e não apenas junto às crianças, mas sobre todos nós. Mas eu considero o comportamento dos pais o principal motivo para determinar o estilo alimentar das crianças e adolescentes. Afinal, quem é que apresenta essas porcarias gostosas para crianças? Quem é que abastece a casa regularmente com alimentos industrializados? Quem é que cede aos caprichos das crianças que querem substituir uma refeição por salgadinhos? Quem é que não aguenta negar um pedido do filho? Por outro lado, com o estilo de vida corrido de nossa época, quem é que se dedica a cozinhar para os filhos, mesmo que seja uma refeição rápida e simples? Devo dizer, caro leitor, que o cheiro da comida sendo preparada na cozinha é muito estimulante para as crianças. Além disso, perceber que os pais (ou um deles) dedicam parte de seu tempo para fazer uma comida gostosa para o filho é,

para a criança, um sinal de acolhimento e amor. E o sentido desse ato significa mais para ela do que ganhar uma porcaria gostosa quando os pais chegam do trabalho. Ajudar a criança a refinar seus sentidos gustativos e olfativos e a desenvolver o prazer de comer com outras pessoas, inserindo-a nas tradições culinárias da família, é um modo de fazer com que ela sinta que pertence àquele grupo familiar. E esse sentimento de pertencimento, que nos acompanha até o final da vida, é um alento perante as adversidades que enfrentamos. Comer bem, com prazer e em boa companhia é uma questão de educação. Cozinhar para outra pessoa é uma demonstração de amor.

Rosely Sayão é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?”

XXXIV CONGRESSO BRASILEIRO DE HUMANIZAÇÃO E SAÚDE TEMA CENTRAL: QUE MODELO DE PASTORAL E ASSISTÊNCIA ESPIRITUAL NECESSITA O MUNDO MODERNO? DATA: 05 E 06 DE SETEMBRO DE 2015 LOCAL: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO - AV NAZARÉ, 1501 - IPIRANGA - SÃO PAULO/SP

SÁBADO – DIA 05 DE SETEMBRO

DOMINGO – DIA 06 DE SETEMBRO

07:30 às 8:30 – Credenciamento e entrega de materiais – Equipe de secretaria 08:30 às 9:30 – Oração e abertura 9:30 às 10:15 – Assistência Espiritual aos Doentes: O que fazer e como fazer 10:15 às 10:45 – Intervalo para café 10:45 às 12:00 – Que modelo de espiritualidade oferecer para quem está doente? 12:15 às 13:15 – Intervalo para almoço 13:15 às 13:45 – Tribuna Livre, música e relaxamento. 13:45 às 15:00 – A utilização das mídias sociais como ferramentas de marketing na pastoral da saúde 15:00 às 15:30 – Intervalo para café 15:30 às 16:45 – O capelão como membro de uma equipe multiprofissional 16:45 às 17:00 – Encerramento 17:00 – Assembleia Ordinária da Coordenação Nacional da Pastoral da Saúde da CNBB

7:30 às 8:45 – Celebração da missa 8:45 às 10:00 – Teoria da Formação do Estado: o controle social na saúde 10:00 às 10:30 – Intervalo 10:30 às 11:00 - Serviço Religioso X Capelania 11:00 às 11:30 – A Pastoral da Saúde Político, Institucional 11:30 às 12:15 – A Pastoral da Saúde Comunitária 12:15 às 13:15 – Almoço 13:15 às 14:30 – Assistência aos familiares dos pacientes em cuidados paliativos: aspectos sociais e psicológicos 14:30 às 15:00 - Intervalo 15:00 às 16:30 – Assistência Espiritual aos pacientes em cuidados paliativos 16:30 às 17:15 - Informações e agradecimento 17:15 – Encerramento

FICHA DE INSCRIÇÃO

A inscrição deve ser feita mediante depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira - Banco Bradesco - Agência 0422-7 - Conta Corrente 89407-9. Após efetuar o depósito, enviar esta ficha juntamente com o comprovante de pagamento para o endereço Av. Pompéia, 888 - CEP 05022-000- São Paulo SP; pelo fax (11) 3862-7286 ou por e-mail icaps@camilianos.org.br

NOME ENDEREÇO CIDADE FONE

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VAGAS LIMITADAS - Antes de mandar sua inscrição entre em contato com a secretaria para saber se ainda dispomos de vagas. Não deixe para fazer a inscrição nos últimos dias. TAXA: Até o dia 28 de agosto R$ 30,00. A partir desta data até o dia do congresso o preço será de R$45,00. NÃO SERÁ PERMITIDA INSCRIÇÃO NO DIA DO EVENTO. ATENÇÃO: A organização do congresso não se responsabilizá por hospedagem e alimentação dos participantes.


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QUAL MORTE?

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO Escolha sua morte preferida: (1) súbita, (2) longa, com demência, (3) longa, com idas e vindas no tratamento de um órgão doente, (4) câncer. O médico inglês Richard Smith cravou câncer, e causou comoção, não só entre seus leitores, na edição digital do British Medical Journal, como mundo afora. As quatro opções segundo Smith, que já dirigiu a revista em que hoje escreve na versão digital, esgotam, “essencialmente”, os modos de morrer. (“Suicídio, assistido ou de outra forma, é uma quinta, mas a deixo de lado por ora”, acrescentou em seu artigo.) Dos quatro tipos de morte, a pior, para ele – e para todo mundo, presume-se –, é a precedida pela demência. A da luta contra a degeneração de um órgão acaba contaminando outros órgãos, e compreende desesperadas tentativas de cura, muitos médicos, muitos hospitais, e arrastada agonia. Já morrendo de câncer, com a ajuda de convenientes doses de “amor, morfina e uísque”, argumenta Smith, “você pode dizer adeus, refletir sobre sua vida, deixar últimas mensagens, talvez visitar lugares especiais pela última vez, ouvir as músicas favoritas, ler os poemas mais queridos e preparar, de acordo com suas crenças, o encontro com seu fabricante (maker, em inglês; ele é ateu) ou o gozo do eterno esquecimento”. Richard Smith contraria o senso comum dos nossos tempos, segundo o qual é preferível a morte súbita, e recupera o charme, se é que se pode dizer assim, da morte à antiga, com o moribundo rodeado de entes queridos. A morte súbita é identificada basicamente com o ataque cardíaco, e foi cantada por João Cabral de Melo Neto num poema inspirado pela morte do também poeta W.H. Auden, ocorrida enquanto dormia. Auden, segundo João Cabral, teria sido premiado pela morte “com a guilhotina, fuzil limpo, do ataque cardíaco”. Smith reconhece que a maioria das pessoas prefere a morte súbita. Ele costuma dizer-lhes: “Pode ser bom para você, mas pode ser muito duro para as pessoas à sua volta. Se você quer morrer de repente, viva cada dia como se fosse o último, assegurando-se de que os relacionamentos mais importantes estão em boa forma e os negócios estão em ordem”. A morte com charme à antiga é a dos romances do século XIX, época em que se morria em casa, não no hospital, e dos filmes ambientados no mesmo século. Se o moribundo for um

aristocrata, ou grande burguês, morre entre coloridas almofadas, finos lençóis e, nos casos mais afortunados, cama com dossel. Modelo muito mais antigo é a morte de Sócrates, rodeado de discípulos e gastando filosofias. O problema é que o fim de Sócrates foi por condenação à morte ­categoria não contemplada na tipologia de Smith. Ou seja: morreu no gozo da saúde. Já no câncer morre-se depauperado e com dores, às vezes horrendas – motivo pelo qual leitores do médico inglês reagiram com indignação, relatando desesperados casos de familiares. Ainda mais indignados ficaram por Smith sugerir aos governos que gastem menos com pesquisas do câncer e mais com as da demência e das doenças mentais. Em reforço à sua preferência, Smith cita o cineasta Luis Buñuel, que confessou ter de início flertado com a ideia da morte súbita, para depois mudar de opinião. “Não tenho medo da morte“, escreveu. “Tenho medo de morrer sozinho num quarto de hotel, com minhas malas abertas e um roteiro de filme no criado-mudo. Eu quero saber que dedos fecharão meus olhos.” (A propósito: a morte de Auden, cantada por João Cabral, foi num quarto de hotel, na Áustria.) Buñuel, que morreu de câncer, em 1983, nos conduz ao centro da disjuntiva morte súbita versus morte anunciada. A preferência pela morte súbita não é apenas pela ausência de dor; é também pelo desejo de pouparse de encarar a fera olho no olho. Se a morte escapa da consciência, acredita-se, como que se escapa de morrer. Também se escapa da terrível questão do comportamento que se terá na hora fatal. Estarei pronto? Saberei encará-la com tranquilidade e serenidade? Propor a escolha do tipo preferido de morte é um exercício fútil, claro. Escreve João Cabral, no mencionado poema: “Se morre da morte que ela quer. / É ela que escolhe seu estilo, / sem cogitar se a coisa que mata / rima com sua morte ou faz sentido”. O artigo de Richard Smith tem, no entanto, o mérito de fazer pensar na morte. Nos dias que correm reina a convicção de que o melhor é não falar nela. Quanto menos se falar, mais sossegada ela ficará em seu canto. Finge-se que ela não existe, na vã esperança de que ela resolva não existir mesmo. Artigo retirado da Revista VEJA, março de 2015

São Camilo PASTORAL DA SAÚDE

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