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3º DOMINGO DO ADVENTO ANO B 14.12.2014 A Primeira Leitura da Liturgia da Palavra deste 3º Domingo do Advento é tirada de um profeta anônimo que esteve em atividade mais ou menos 550 anos a.C., e cujo texto foi inserido, juntamente com outros escritos anônimos, na terceira parte do Livro do Profeta Isaías, por isso conhecida como “Terceiro Isaías”. Esse profeta, cujo nome nós não sabemos, viveu cerca de 200 anos depois de Isaías, em uma época de muitas provações para o povo judeu, o povo eleito de Deus, que naquele momento estava exilado na Babilônia. Sua mensagem é de esperança e anuncia a libertação que se aproxima (de fato, pouco depois os persas venceram a Babilônia e os judeus foram autorizados a voltar à terra de Israel e mesmo a reconstruir o Templo). O profeta anuncia uma era de liberdade, alegria e paz, descrita com uma imagem nupcial, o matrimônio entre Deus e o seu povo. Sabemos pela história, porém, que não obstante o fim da opressão na Babilônia e o retorno do exílio, os sofrimentos do povo de Deus estavam longe de terminar. A Terra Prometida continuou sendo dominada por estrangeiros, a maior parte da população era pobre e as “feridas da alma” continuavam a atormentar as pessoas, apesar da promessa de cura feita pelo texto que ouvimos hoje (cf. Is 61,1). Além disso, veio depois a conquista da terra pelos gregos e, a partir de 167 a.C., o início de uma feroz perseguição religiosa – lembremos a longa e sangrenta guerra liderada pelos Macabeus, que se rebelaram para impedir que os judeus se tornassem pagãos e idólatras. Conforme as ordens dos governantes, aqueles que insistissem em observar a Lei de Moisés ou que simplesmente guardassem os textos sagrados em casa deviam ser mortos. Houve muitos mártires. No entanto, essa paganização do povo não ocorria somente pelo emprego da força e da violência por parte das autoridades, mas também por meio de uma ideologia: naquela época, ser “chique” queria dizer assumir a cultura grega, incluindo a religião e também algumas perversões morais. Não ter uma mentalidade grega era o mesmo que ser caipira, tosco, vulgar, provinciano, atrasado – e, assim como hoje em dia, pessoas “modernas” e “progressistas” não querem ser nada disso. Assim, diante da opressão dos pagãos, por um lado, e, por outro, da apostasia (renegação da fé) e da corrupção de tantos judeus, como continuar acreditando nas promessas de Deus? Onde estão a redenção dos cativos, a liberdade dos presos, o ano da graça do Senhor, proclamados pelo profeta? A profecia não tinha sido cumprida...


2 Até hoje, muitos têm a tentação da descrença quando experimentam ou testemunham graves injustiças ou grandes sofrimentos. Enfim, mais de 500 anos depois do “Terceiro Isaías”, Jesus Cristo leu em uma sinagoga de Nazaré exatamente esse texto do profeta que ouvimos na Primeira Leitura e, fechando o livro, disse: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (Lc 4,21). Nenhum dos presentes acreditou e faltou pouco para que Jesus fosse linchado. Afinal, há séculos a situação continuava mais ou menos a mesma: desta vez eram os romanos que ocupavam a terra de Israel e a opressão política e econômica não havia desaparecido. Quem era Jesus para ter a pretensão de ser aquele que iria realizar a definitiva e completa libertação de Israel? Tal presunção foi considerada uma blasfêmia. Todos esperavam um libertador, o Messias, mas já tinham uma ideia pronta de como ele devia ser e o que devia fazer: um guerreiro, um chefe militar que derrotaria os invasores pagãos, e um justiceiro que puniria os judeus infiéis e corruptos. Ora, Jesus não era nada disso. Por isso, antes do início do ministério de Jesus, Deus enviou o último dos profetas, João Batista, a fim de preparar os corações para receber o Messias real, que ele apontou com o dedo, não o fruto da imaginação ou dos projetos políticos humanos. João Batista continua a realizar essa missão até os nossos dias: “no meio de vós está aquele que vós não conheceis, e que vem depois de mim” (Jo 1,26-27). A maioria das pessoas já ouviu falar de Jesus, muitos até dizem acreditar nele, mas realmente ainda não o conhecem. Foram (e ainda são) construídos muitos ídolos com o nome “Jesus”. Para mudar nossa mente e purificar nossa alma, é a voz de João Batista, que grita no deserto deste mundo, que continuamos a ouvir neste Advento, preparando as duas vindas de Jesus: a primeira, o seu nascimento em Belém, fato histórico passado que é tornado presente pela liturgia do Natal, e a segunda, a Parusia (palavra grega que significa “presença”), que designa a sua volta gloriosa no fim dos tempos, fato histórico futuro que a liturgia também de atualiza, tornando presente o futuro, antecipadamente. A profecia do Livro de Isaías já se cumpriu com a vinda de Jesus. Mas alguém pode questionar: o mal não continua a afligir o mundo? A opressão política e econômica acaso deixou de existir? A corrupção, a discriminação, as “feridas da alma” desapareceram? Tudo isso continua existindo, certamente, mas porque Jesus Cristo não é acolhido: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (Jo 1,11). O Reino de Deus instaurado por Jesus não estabelece uma estrutura política que garanta a felicidade às pessoas, não se impõe pela força, mas deve ser acolhido livremen-


3 te, no coração de cada um. “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20). Jesus não arromba a porta do nosso coração nem se impõe a uma sociedade. Só entra em nosso interior se permitirmos que entre. Só reina socialmente se o Evangelho penetrar as leis, os valores e os costumes de uma nação. Mas, onde é recebido, cura da cegueira espiritual, liberta da escravidão do pecado e da opressão da ganância e cria comunhão e compromisso, formando comunidade. Que o Senhor nos conceda hoje essa graça pelo seu Corpo e pelo seu Sangue oferecidos e partilhados.


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