Jubileu de Sessenta anos
de
Profissão Monástica
de
Ir. Felicidade do Nascimento Uberaba, 12 de
outubro
de 2015
Querida Ir. Felicidade, Me. Abadessa Escolástica e Gema, irmãs deste Mosteiro de N.S.da Glória, povo de Deus, graça e paz da parte de N. S. Jesus Cristo.
Na grande Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, Ir. Felicidade diante de Deus, de seus Santos e da Igreja reunida, renova seus Votos proferidos há 60 anos. Faço, igualmente, memória de Ir.Ana Maria que, também, celebrou seus 60 anos de Votos Monásticos. Para esta Solenidade, a Conferência Episcopal do Brasil escolheu como Primeira Leitura um trecho do livro de Ester, figura de Maria, porque, também, a gloriosa Santa
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Mãe de Deus intercede pelo seu povo, cuja missão, após sua assunção aos céus, se prolongará até o retorno glorioso de seu Filho. Ester para interceder por seu povo junto ao rei, correra risco de vida. Não se tratava de uma intercessão na qual a suplicante estava
isenta de consequências. Pelo
contrário, Ester, ao se aproximar do rei, poderia morrer, pois invadira os recintos reais. Entretanto, segura de sua autoridade de rainha, utiliza-a para o bem, mesmo com risco de vida. Por sua formosura, cativa o rei persa Assuero. Este se encanta com sua beleza, como cantamos no salmo responsorial. Maria, a Gloriosa Mãe do Cristo, é a rainha por excelência, que Ester prefigurava. Bela como a Lua e brilhante como o Sol, não uma vez, mas eternamente cativa seu Fi-
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lho, o Rei dos reis. Dele alcança seus favores, iniciado em Caná. Se refletirmos bem, também Maria correu risco de vida, distinta de Ester, porém com a mesma gravidade. Ao aceitar a missão de ser Mãe do Salvador, expunha-se ao apedrejamento, pois ainda não vivia com seu esposo José, conforme o costume da época. Caros irmãos e irmãs, todos os santos homens e mulheres de todos os tempos e culturas têm essa beleza impossível de ocultá-la: a beleza de serem bons; a beleza de estar a serviço do outro; a beleza de pensar no outro; a beleza de correr o risco de vida para salvar outros; a beleza de saber utilizar a autoridade constituída em favor do outro; a beleza de prolongar no tempo o gesto do Redentor: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”.
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O cristão por vocação, de seu lugar eclesial, é chamado a viver a experiência de Ester e de Maria. O carisma e a missão de intercessão é, pois, de todo batizado. Contudo, uma intercessão que comprometa a vida. Uma intercessão que faça o suplicante experimentar um possível martírio, até cruento, se necessário. Uma monja ou um monge de São Bento na Igreja, como todo cristão, é chamado a viver a vocação de Ester e da Virgem: interceder pelos seus irmãos. Disso todos nós sabemos, mas saber ainda não é viver. No entanto, rara realizar uma missão na Igreja em favor do povo de Deus é preciso o cristão ser ele mesmo; o monge ser ele mesmo. Esta foi uma das grandes preocupações de S.Bento em sua Regra. Diz o Santo Abade que no Mosteiro tudo deve ser autêntico, verdadeiro: (RB2,1 “o abade deve cor-
responder por ações ao nome de superior.” (RB 52,1) “que
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o oratório seja o que o nome indica.” !RB48,8) “São verdadeiramente monges se vivem do trabalho de suas mãos .” (RB4,62) “Não querer ser tido como santo antes que o se-
ja.” Tenho refletido, ultimamente, sobre um tema muito atual: “aceitação de si mesmo” de um grande filósofo e teólogo da Igreja, hoje pouco conhecido, chamado Romano Guardini, falecido em 1968. Para Guardini, “é um exercício de ascese ser eu
mesmo”. “devo renunciar ao desejo de ser diferente do que sou,... devo renunciar à posse de talentos que me foram negados; reconhecer minhas limitações e respeitá-las. Na raiz de tudo está o ato de aceitar-me. Devo concordar em ser o que sou. Concordar em ter as qualidades que tenho. Concordar em manter-me dentro dos limites que me foram traçados”.
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O Mosteiro, caros irmãos e irmãs, é um lugar para algumas pessoas se exercitar na ascese de serem elas mesmas. Quem é diamante, sendo lapidado pelo Espírito Santo será sempre um diamante e nunca uma pérola ou esmeralda. Na Escola do Serviço do Senhor, como S.Bento chama o Mosteiro, a monja vai vivendo a ascese de aceitação de si mesma no confronto com outrem, na descoberta e aceitação da alteridade. Se não aprende a aceitar o outro como é, como age e reage, não aceitará a Deus como age e como reage e, conseqüentemente, jamais se aceitará a si mesma. Se nessa Escola a monja não aceita o lugar que lhe compete, não aceitará o lugar do outro na comunidade e nem o lugar de Deus na história, na história do outro e em sua história.
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Se o discípulo dessa Escola não aceita que os dons do Espírito Santo foram derramados na comunidade para a utilidade da Igreja, não aceitará os talentos de seus irmãos e irmãs, nem o Divino Dispensador dos mesmos e, portanto, não aceitará aqueles talentos que recebeu para serem postos a serviço de todos. Ir. Felicidade, bem como suas irmãs de hábito, sabe perfeitamente que essa ascese não termina, porque o pecado que habita em nós inclina-nos sempre a buscar ser o que não somos e jamais seremos. Sabe, igualmente, que viver a vocação de Ester e de Maria – interceder pelo povo de Deus – é universal e que a fará não apenas porque deseja, mas porque se preparou para essa missão. Se não vive a ascese de aceitar-se a si mesma, o outro não será uma realidade em sua vida, portanto, nunca objeto de intercessão. Será uma vida espiritual autista, voltada para den-
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tro de si mesma, oposta à dinâmica do amor de Deus, que é saída de si. Quando a monja assume ser ela mesma, nela a graça de Deus faz maravilhas, como o fez em Maria: “o Pode-
roso fez em mim maravilhas.”;
então pode gritar mais com
a vida do que com a voz para todos ouvirem: “filhos e fi-
lhas de Jerusalém, eu vos conjuro: se encontrardes o meu amado, que lhe direis? Dizei que estou enferma de amor.” (Cânt. 5,8) Sem dúvida, queridos irmãos e irmãs, a “ascese de
aceitar-se a si mesmo” nos leva à enfermidade do amor da amada do Cântico dos Cânticos que contempla, abraça, compreende, participa e desfruta do amor de Deus presente na história dos homens. Nesta celebração, peçamos a intercessão da Santa Mãe de Deus, para que venha em socorro de Ir. Felicidade
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para
viver a ascese do aceitar-se a si mesma e a interce-
der com palavras e com comprometimento por todos aqueles que estão se perdendo em vãos esforços na busca ser o que jamais serão, numa sociedade onde se valoriza o parecer ser, o aparente, a imitação, enfim o que brilha sem precisar ser ouro. Com a graça de Deus na ascese de ser ela mesma, Ir. Felicidade poderá, em paz e em grande humildade, desfrutar das alegrias da vida monástica e eclesial, pois a nós batizados, é-nos oferecido o vinho novo, o vinho que transformado em Sangue do Senhor nos prepara para as alegrias da eternidade, que no Banquete Eucarístico, sacramentalmente, já antecipamos. Amém.
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