Profissão Simples dos Irmãos Basílio e Anselmo 27 de dezembro de 2014 Caríssimos Irmãos e Irmãs: Na festa do Evangelista São João, providencialmente, nossos Irmãos Basílio e Anselmo emitem seus votos monásticos simples, pois este discípulo do Senhor, conforme antiga Tradição, é a figura do contemplativo. O que vem a ser um contemplativo? Não se trata, obviamente, de alguém que fixando obstinadamente o olhar no firmamento cai num buraco à sua frente; que não se conecta com a realidade ou um misantropo nato; nem um fugitivo das obrigações eclesiais, e muito menos aquele que se dispensa de sua missão batismal: no seguimento do Cristo, anunciar o Evangelho.
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Para a nossa Tradição monástica o contemplativo é, sobretudo, aquele que se dispõe a ser o discípulo amado Senhor, como o foi NPS Bento, conforme São Gregório Magno1; e a partir dessa escolha, mesmo fisicamente ausente, estará presente no seio da Igreja anunciando a salvação da Boa Nova do seu diletíssimo Senhor. João juntamente com Pedro, segundo a perícope do Evangelho que acabamos de escutar, corre para averiguar o sepulcro vazio, conforme a notícia de Maria Madalena. Mas não entra no lugar onde fora depositado o corpo do Senhor, deixa Pedro passar à frente. João sabe o seu lugar entre os Apóstolos: o menor, o último de todos (Jo 20,4-5). Tinha sido um bom discípulo ao escutar de Mestre: “Quem quer ser o primeiro seja o servo e último de todos”. (Mc 10,43-44)
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Gregório Magno, II Diálogos, Cap. XXXVII, Ed. Subiaco, 2009, pg 179
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Provavelmente, pelo seu contato com Jesus, o conhecesse mais intimamente do que Pedro e os demais Apóstolos. Tanto assim que, quando voltam à vida de pescadores após a ressurreição, é João quem logo reconhece Jesus e grita: “É o Senhor!” (Jo 21,7) Qual ágil águia, já tinha alcançado e tocado a nova realidade com sua fé e seu amor. Porém, permaneceu em seu lugar. Caberia a Pedro proclamar a ressurreição do Mestre; a ele, unicamente, confirmar as palavras daquele que recebera as chaves do Reino. O monge de São Bento, amado por Deus, escolhe o lugar de João. Diariamente reclina o ouvido de seu coração junto ao peito do Senhor ao escutá-lo em sua Lectio Divina. Imposta sua voz para proclamar: “É o Senhor!”, quando celebra publicamente a liturgia; obedece ao seu mais afetivo mandamento: "Eis a tua mãe!", assumindo como sua, 3
Maria, Mãe da Igreja (Jo 18,27); inclina-se profundamente ao contemplar a luz do Transfigurado presente em toda a criação (Mt 17,1ss); compadece-se com todos os que prolongam no tempo a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras com suas orações, súplicas e lágrimas (Mt 26,37); experimenta a impotência do amor quando permanece de pé diante da cruz ao ver tantos crucificados por causa das injustiças e maldades humanas; alegra-se com muitos que aceitam festejar a vida com o vinho novo do Reino (Jo 1,35 ss); no silêncio dos claustros; deixa impresso no livro de sua vida quase tudo o que o Senhor realizou durante sua existência e na de seus irmãos (Jo 21,25) e, finalmente, aprende a colaborar com a graça para ser um “Maranatha
vivente”, pois crê: fora para ele que Jesus disse: "Se quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?" (Jo 21,23) 4
Nossos Irmãos Basílio e Anselmo – inseridos na Tradição contemplativa proposta pelos nossos Pais do monaquismo – almeja-na em nosso Mosteiro. Para desfrutá-la, precisam ser fiéis a três votos que irão proferir diante da Igreja reunida. O primeiro, Estabilidade, garantir-lhes-á a vida apostólica, no sentido primitivo da expressão, ou seja: a vida comunitária do Cristo com os Apóstolos. Assim como os Apóstolos não se escolheram, assim também os monges não se escolhem para viver em comum. É Cristo quem os chama para carregar os fardos uns dos outros e assim cumprir a lei do Novo Mandamento. O segundo voto, Conversão dos Costumes, ensinarlhes-á a disciplina do como viver unidos como irmãos, com empenhos específicos de tempo para a oração litúrgica e pessoal, para a “lectio-estudo”, para o “vacare Deo”; para o 5
trabalho de próprio sustento e ajuda aos necessitados e, por fim, para o acolhimento de hóspedes que nunca faltam no Mosteiro. O terceiro e último voto, obediência, conduzi-los-á à liberdade dos filhos de Deus, para, livres, realizar a vontade de Deus que se manifesta através da mediação do Abade e de seus Irmãos. Poderíamos nos perguntar: todo esse projeto de vida cristã é exclusivo dos monges? Obviamente que não! Pois todo cristão é chamado à vida contemplativa e todos têm uma “conversatio” (disciplina de vida cristã) que lhes própria. Entretanto, em sua infinita bondade, Deus sabe o que convém para cada um de seus filhos e se atrai homens para a vida monástica, o faz pensando no bem deles e da Igreja. 6
Cada um de nós necessita encontrar o seu lugar na Igreja para dar frutos para o Reino. O lugar do monge – juntamente com a Igreja – acredito eu, ser de grande importância. Pois, na edificação da cidade terrena, onde a Lei do Evangelho deve imperar, urge homens e mulheres que sinalizem a efemeridade de todo e qualquer projeto desta vida. Somos, por natureza, cidadãos da Jerusalém gloriosa. Quando alguém nos pergunta sobre nossa utilidade na Igreja e na sociedade não temos nenhuma resposta convincente para dar, porque nossa existência não se justifica pelo que fazemos, mas pelo que somos: eunucos, que assim se fizeram, para lembrar a todos: nos céus seremos todos como Anjos (Mt 22,30), onde a contemplação da face de Deus será a única atividade existente. Que Deus nos abençoe a todos!
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