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Um Deus adormecido, em meio a grande tempestade que apavora os seus discípulos. Ninguém teria ousado imaginar uma tal contradição se Jesus não a tivesse ilustrada mediante um exemplo do Evangelho de hoje. Um Deus que dorme, que tem a fraqueza de cair no sono, enquanto a Bíblia afirma justamente o contrário: talvez durmam os baal e os deuses dos pagãos, mas o Deus de Israel, jamais: «Sim, não dorme nem cochila o guarda de Israel», canta o Salmo (Sl 120,4). Deus não deveria estar sujeito a uma fraqueza assim tão característica do homem, pelo menos assim parece, e não deveria ter necessidade periodicamente de reconquistar as forças com um sono restaurador. Se até os anjos são chamados pela Bíblia de «vigilantes», no sentido que são «aqueles que não dormem», quanto mais Deus deveria ser o vigilante por excelência, o vigilante eterno.


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E contudo, no seu Filho feito homem, Deus quis provar o sono do homem. Ele tinha já assumido assim tantas outras fraquezas: a fome, a sede, o cansaço, a tentação, o aviltamento; por que também não deveria suceder o mesmo com relação ao sono? De fato, inicialmente os seus discípulos consideram uma fraqueza do seu mestre esta sua necessidade incontida de cair no sono, em meio aos elementos em fúria, enquanto os discípulos temem perecer. Precisa estar bêbado de sono para não ouvir estrondo de uma semelhante tempestade! Sim, em seu Filho Jesus, Deus quis tomar sobre si as nossas fraquezas, não as nossas grandezas ou a nossa dignidade de homens – que têm o seu valor pessoal –, mas primeiramente aquilo que no homem devia ser reestabelecido, curado, transformado. De fato, os traços de fraqueza que Jesus desposa no homem se tornarão Nele fontes de força, da mesma


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maneira em que um dia as suas sangrentas chagas se transformaram em cicatrizes de glória. Isso tudo acontece na narração da tempestade que foi aplacada. Em meio à intempérie, o sono de Jesus não é mais um sinal de fraqueza; antes, faz transparecer a sua força. Neste momento não é Jesus que mostra a própria fraqueza, mas os discípulos, dominados pela dúvida, pela «falta de fé», como Jesus os censurará. O nervosíssimo que mostram, bem como as reprovações que fazem a Jesus, traem a sua agitação interior. Apenas Jesus, naquelas circunstâncias, pode permitir-se dormir tão tranquilamente. Sono pacífico, como aquele outro sono ao qual se entrega o semeador no Evangelho de domingo passado, porque confiava na força que habitava a semente que tinha semeado. O seu sono não é fruto de fraqueza ou de relaxamento, é força tranquila que confia em Deus e se abandona a


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ele incondicionalmente. Do mesmo modo, neste lago de águas agitadas, o sono tranquilo de Jesus subverte a fraqueza que existe no sono do homem porque é abandono confiante ao Pai, a este Pai que, ele sim, «não dorme e não cochila” nunca. E porque Deus não dorme nunca, o homem, e também o homem que foi Jesus, pode tranquilamente abandonar-se ao sono, como canta um outro salmo, que Jesus deve ter conservado particularmente no coração: «Minha alma está serena como criança bem tranquila, amamentada no regaço acolhedor de sua mãe». Foi assim o sono de Jesus, aconchegado no peito do Pai, tranquilo e forte graças a um amor que não dorme nunca. No meio de todas as nossas tempestades, irmãos e irmãs, as da Igreja ou aquelas que nos são mais próximas, sobretudo lá onde a nossa fraqueza está por transmutar-se em fonte de força, juntamente com Jesus confiemos na ternura sempre


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vigilante do nosso Pai e, Nele, durmamos: «Eu tranquilo vou deitar-me e na paz logo adormeço, pois só vós, Ó senhor Deus, dais segurança à minha vida! » (Sal 4,9). AMÉM.


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